ESPANHA QUER TRAVAR O BREXIT POR CAUSA DE GIBRALTAR – E PORTUGAL CALA EM RELAÇÃO A OLIVENÇA E ÀS ILHAS SELVAGENS!

António Justo

O PM espanhol, Pedro Chances, declarou ontem que a Espanha recusará a aprovação do Acordo Brexit se não houver alteração na questão de Gibraltar (contencioso ente Espanha e GB) no projeto de Acordo-Brexit, entre EU E GB.

 

Gibraltar encontra-se desde 1713 sob soberania britânica.

 

Nesta lógica, o que acontece com a inclusão de Olivença no tratado, por parte de Portugal em relação ao conflito Espanha-Portugal?

 

Olivença é reivindicada, de jure, por Portugal mas encontra-se, de facto, ocupada pela Espanha.

 

O Tratado de Alcanizes, de 1297, estabelecia Olivença como parte integrante de Portugal e no Congresso de Viena de 1815, a Espanha comprometeu-se (a acabar com o conflito luso-hispânico ocorrido em 1762)  a restituir Olivença a Portugal dado ter-se apossado indevidamente de Olivença através da imposição a Portugal pelos tratados de Badajoz de 1801.

 

Um caso ainda mais grave para o futuro é o facto de a Espanha também pretender assenhorear-se da zona marítima das Ilhas Selvagens (portuguesas)!

 

Espanha quer que se ignorem as Ilhas Selvagens portuguesas, entre as Ilhas Canárias e a Madeira que considera apenas como rochas, enquanto que o Estado Português insiste na sua classificação como ilhas, o que permite a ampliação da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa. Portugal tem lá um farol.

 

Atendendo à caturrice espanhola, o governo português deveria passar a atuar como faz o governo chinês, com ilhas semelhantes, no Mar do Sul da China. A China aumenta as ilhas artificialmente e transporta para lá areia de outras zonas do mar.

 

Tudo isto constitui naturalmente um problema relativo à integração europeia, mas uma parte, importante a não ser descuidada, é a defesa da integridade nacional não se deixando ir na onda, a pretexto dos interesses dos maiores da EU. Mais tarde é que se reconhecem os erros cometidos ao longo da História. O mar é o grande potencial de recursos do futuro!

O que outrora tornou grande Portugal foi a consciência de expressar e espalhar no mundo o espírito europeu e não o de um seguidismo obediente de uma União Europeia que se prostitui por meros interesses de grandeza económica.

© António da Cunha Duarte Justo

In “Pegadas do Tempo”

A AGENDA POLÍTICO-CULTURAL QUE NOS SUBJUGA

Por que pensamos como pensamos?

Por António Justo

Até à desmantelação da União soviética (1) vivíamos em sociedades que pensavam e se afirmavam pela polaridade; com a queda do muro de Berlim passou-se a um outro extremo que é a ideologia de um holismo extremo que pretende negar identidades próprias (as partes) em nome do todo e vice-versa; para isso serve-se da técnica da ambivalência (muito característica no islão) uma prática substituidora de uma autoridade institucional legitimadora porque se funda no saber do perito ou do próprio e tende a desautorizar as instituições tradicionais e regionais (ordens e estruturas), permitindo assim  preparar o estabelecimento de um domínio anónimo global.

A cultura ocidental encontra-se ameaçada pela mentalidade exagerada do “pensar politicamente correcto” que, muitas vezes em nome da tolerância, presta apoio ao abuso dos direitos das minorias; também a afirmação categórica de novos direitos (que minam os direitos humanos fundamentais); tudo isto em nome de um progressismo que se afirma, já sem necessidade de justificação, devido a condições gerais criadas especialmente pela revolução cultural da Geração 68.

Encontrei um livro que equaciona e dá resposta a muitas preocupações que durante dezenas de anos ia manifestando nos meus artigos. O livro de Marguerite A. Peeters “A Globalização da Revolução Cultural Ocidental:  Conceitos-Chave e Mecanismos Operacionais” (Principia, 2015) deveria tornar-se num compêndio de apoio a professores, multiplicadores sociais e pessoas de boa vontade que não se satisfaçam com uma opinião formada a partir de uma só ideologia ou que não se queiram deixar levar na torrente avassaladora do “politicamente correcto”. Um verdadeiro interesse pelo desenvolvimento terá de passar da simples conversa estabilizadora do status quo para o debate. A cultura do debate foi banida do discurso público e quando muito transformada numa pedagogia do pensar politicamente correcto; falta a coragem de se voltar ao método da controvérsia no diálogo.

Pelo que se depreende do livro a ONU para adquirir o monopólio mundial sobre a ética e sobre a política pretende implantar em todos os países os consensos adquiridos nas suas conferências, em leis universais e para isso organizou nos anos 90 (especialmente após a queda do muro de Berlim 1989!) conferências, (2) Estas conferências tiveram como finalidade elaborar uma Agenda para a ONU no sentido de, pouco a pouco,  tornar o mundo de países e culturas próprias num só latifúndio e numa monocultura.

A Agenda e o objetivo dessas conferências era “construir uma nova visão do mundo, uma nova ordem mundial, um novo consenso global sobre as normas, valores e prioridades da comunidade internacional no século XXI“.

Para conseguir a hegemonia monolítica universal a ONU pretende indirectamente destruir a identidade ocidental, porque é aquela que se apresenta como sistema global concorrente ao seu projecto. A ONU, com muitas iniciativas, muitas delas muito justas e necessárias para o desenvolvimento, consegue operar na confusão e indefinição evitando uma discussão do que se está sub-repticiamente a passar com a sua agenda no combate sistemático contra os fundamentos da civilização ocidental também através de ONGs.

Assim, a ONU quer tornar-se no que se poderia denominar de um “catolicismo” laico materialista e ateu; para isso substitui laicamente o que poderia ser uma agenda urbi et orbi. A Agenda pretende a desvinculação da pessoa à família, estado ou religião; pretende como se constata em diversos movimentos e eventos reduzir a pessoa a um mero indivíduo para o poder influenciar directamente, sem ter, num estado final, o empecilho da família, da religião ou da nação; neste sentido quer destruir o seu rival Deus ou confiná-lo a religiões relativizadas e consideradas todas iguais, fazendo delas um mesmo puré; consideram a crença num Deus, uma força poderosa a banir, porque estaria ao lado do indivíduo, dando-lhe consistência e força de pessoa (Consciência própria); um indivíduo pessoa (com inserção grupal específica)  seria demasiado forte e mais resistente a ideologias; isto constituiria um impedimento ao estabelecimento de um poder absoluto das Nações Unidas que aposta no relativismo e em ideologias;  querem a formatação de um indivíduo sem espinha dorsal, um molusco que se oriente apenas por leis, tornando-se estas no único sustentáculo dos direitos individuais e da sua moral; pretendem substituir a natureza (realidade) pela ideologia sobre ela, querendo confundir o ser pela vida com o ser-se por uma ideologia sobre a vida. Neste seu intuito, a consciência deve ser substituída pela mera razão, a ciência a ser doutrina e o progresso a tornar-se fé.

Os filósofos da agenda pós-moderna pretendem acabar com a tradição judeo-cristã a ponto de negarem a própria realidade e o consequente compromisso moral; para assumirem a hegemonia cultural fomentam o relativismo cultural e reduzem a verdade a um logaritmo de mera oposição à mentira; a própria palavra querem-na desenraizada e carecida de sentido, para assumir um significado ocasional qualquer (com o instrumento da técnica da ambivalência é fácil confundir até filosofias de vida mais sérias!).

Um outro método em via é a estratégia, de tornar a regra igual à excepção.  Em consequência, a tradição e o direito da maioria tornam-se iguais ao da minoria ou ao serviço desta; por esta via, aliada à tolerância da intolerância, justifica-se a destruição paulatina da cultura e da tradição ocidental; isto através do fomento da infiltração de um grupo minoritário que, pouco a pouco, passa a impor a sua tradição e costumes à sociedade maioritária porque o princípio do relativismo aplicado à sociedade deve funcionar no sentido de a destruir a partir de dentro. Inverte-se o princípio selectivo da evolução no princípio de o mais fraco se sobrepor ao grupo mais forte, em vez de se fomentar uma osmose evolutiva da colaboração dos mais fracos e dos mais fortes (daí a estratégia da defesa da multicultura contra a intercultura!). A política, implantada pela Agenda para a grande maioria invisível da ONU actuante, encontra-se em acção em todos os Estados do globo, tendo como substracto e como fim último a marxização materialista da cultura. Por um lado, procura-se combater a família a pretexto de luta contra a burguesia e contra a tradição europeia e por outro destroem-se, pelo mundo fora esses valores em nome do progresso ocidental. Por um lado, a sociedade ocidental sofre a matrização marxista da sua cultura ocidental e por outro o ocidente opera como colonizador cultural do resto do mundo, através do intento da ONU. O fomento de ONGs e de grupos de interesses anti-tradição (Grupos gender, etc.) é de tal ordem que se instalam na consciência pública ocidental como conformes ao seu sistema de valores fazendo esquecer que a virtude se encontra no meio e não nos extremos.

Torna-se embaraçoso verificar-se como no discurso público se encontram tantos arautos convencidos do pensar actual dominante (politicamente correcto) a criticar os arautos do politicamente correcto da Idade Média; o mais grave é que os nossos “pensantes” actuais se arroguem o direito à verdade pelo simples facto de pertencerem ao pensar correcto do nosso tempo, como se as ovelhas medievais se diferenciassem das ovelhas modernas.

Daqui a necessidade de se implantar uma política do discurso público da controvérsia (para se evitar o discurso infantil do pró e do contra) ao serviço da pessoa (não só do indivíduo!), da regionalização (não só dos interesses corporativistas) e dos biótopos culturais, como partes integrantes de ecossistemas culturais.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

  • A 26 de Dezembro 1991 oficializa-se a desintegração da União Soviética (Abertura do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989): 1991 Michail Gorbatschow abdicou da chefia da União Soviética e com isto acaba a união dos Estados Socialistas que se tinha iniciado com a revolução comunista de Outubro 1917 e com o nome de União Soviética a partir de 1922. Josef Stalin (1878-1953) foi Secretário-Geral do Partido Comunista da URSS (PCUS) desde 1924 até 1953.
  • A “Conferencia das crianças e seus direitos” (Nova York, 1990); Conferência sobre crianças e seus direitos (Nova York, 1990); Meio Ambiente (Rio de Janeiro, 1992); Direitos Humanos (Viena, 1993); População (Cairo, 1994); Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995); Mulher (Beijing, 1995); Habitat (Istambul, 1996); e Alimentos (Roma, 1996).

A HISTÓRIA REPETE-SE E O HOMEM DIVERTE-SE

A História não se repete, o Homem é que continua a ser igual a si mesmo! O Homem é simultaneamente lobo e cordeiro e, conforme os interesses e as circunstâncias, assume um ou outro papel, provocando fases e comportamentos mais ou menos pacíficos.

 

Enquanto a pessoa não reconhecer a coexistência das duas energias (o bem e o mal) em si própria, será tentada a assumir apenas o papel de cordeiro para se justificar como lobo do outro (considerado adversário). Como, muitas vezes, não reconhece a realidade, em nome da bondade e da inocência, torna-se em lobo lutador contra o que define ser mau.

 

O que não reconhecemos e não aceitamos dentro de nós mesmos combatemo-lo fora, nos outros. Assim, o cordeiro em nós propaga a guerra contra o lobo que não reconhece em si!

 

Este jogo fatídico será projectado na tela da História enquanto a espécie humana se afirmar pela exclusão, extinção ou desrespeito do outro.

 

A guerra fará parte dominante da vida e da História enquanto não reconhecermos a lei da complementaridade (da realidade, dos actos e das coisas). Uma tal consciência levar-nos-ia a aproximar uns dos outros e não a comportarmo-nos como inimigos. A guerra e a paz têm a sua casa em nós e na natureza.

 

Uma medida prática e eficiente no convívio e nas relações é a ética filosófica do meio-termo de Aristóteles: “a virtude está no meio”. A coragem é o meio-termo entre covardia e temeridade.

 

Como seres chamados à felicidade, a virtude pressupõe naturalmente a educação da vontade pela razão e pela intuição, dado não sermos bichos isolados. O amor ao próximo é um ideal a tornar-se universal que não se deixa circundar à família, ao país, à cultura nem à religião.

António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”

RCORDANDO O DIA DOS EMIGRANTES

POVO EMIGRANTE

 

Em busca de uma terra de todos

Já que a sua é só para alguns

Sem trabalho, nem terra

À procura do que não tem

Emigra o povo que faz falta

 

Emigra a vontade de reagir 

Emigra a pobreza envergonhada

Emigra a capacidade de resistir

Emigra o sonho de vencer

 

 O emigrante é um navegante

Que escolheu um caminho que é o seu

Na rota da pátria que se chama saudade.

 

Um país vazio de um povo assim,

É terra baldia sem meta nem vocação

 

António da Cunha Duarte Justo

In Pegadas do Tempo

UM ROSTO FEMININO EXCEPCIONAL MOLDA O MUNDO NOVO – TERESA DE ÁVILA

Importância da Experiência interior como Forma de questionar Ideologias-Doutrinas-Instituições – A Amizade é uma Maneira de Deus se revelar

António Justo

A existência de Deus não se pode provar, mas as suas pegadas e vestígios não se deixam apagar! Por isso, no nosso peregrinar, somos guiados não só pela razão intelectual, mas também pelas razões do coração, razões religiosas e da experiência interior. Exigir provas concretas para o que vai para lá do concreto é com exigir prender os extremos de uma faixa a dois pontos do horizonte, onde se pretenda baloiçar. Provas objectivas encontram-se limitadas a uma dimensão intelectual dentro de uma categoria meramente causal (lógica do macrocosmo bruto). Se pretendermos atingir não só o exterior, mas também o interior da realidade, para assim nos desenvolvermos integralmente e possibilitarmos a construção de um mundo pacífico, teremos de reconhecer a compatibilidade (complementaridade) do mundo material com o mundo espiritual, da masculinidade com a feminilidade, da razão com a experiência interior; doutro modo estaremos condenados a afirmar um lado da realidade contra o outro e a perdermo-nos num beco sem saída. O físico Carl Friedrich von Weizsäcker constata: “A mística é o fruto natural da razão rigorosa”. De facto, a verdade é profunda precisando das alturas da cabeça a passar pelo coração para se chegar a ela.

Nos meus tempos de noviciado fui confrontado com uma mulher igual a si mesma, que não tinha medo de pisar o risco, e, como tal, valoriza a feminilidade em relação ao outro polo da realidade individual e social dominante que é a masculinidade. A experiência dela levou-me, bem cedo, a pressentir a Realidade como algo que, embora se expresse de forma contraditória, é, na verdade, integral e complementar nas suas partes (daqui a consciência da necessidade de abordagem da realidade, metodicamente, através das vias dos sentidos, da razão, do coração e da intuição numa atitude inclusiva dessas vias, na consciência que a verdade transcende a perspectiva e o ponto de vista). A experiência interior torna-se indispensável porque dá estabilidade à pessoa conferindo-lhe independência suficiente para questionar Ideologias-Doutrinas-Instituições apesar da consciência da própria fragilidade.

VIDA

Teresa de Ávila ou Teresa de Jesus ocupa um lugar especial na  mística e na literatura universal. Foi declarada padroeira de Espanha em 1614 e em 1622 foi elevada às honras de santa, pelo Vaticano; em 1922 foi proclamada padroeira dos jogadores de xadrez, (talvez pela sua arguta inteligência na maneira de lidar com adversários e superiores) e em 1965 padroeira dos escritores espanhóis (devido aos seus méritos na língua espanhola). Foi também a primeira mulher, na História da Igreja, declarada Doutora da Igreja (1970) pelo Vaticano. (Outras doutoras da Igreja são: Catarina de Sena, Teresa de Lisieux e Hildegard von Bingen). Todas elas advogam uma teologia mística, uma nova maneira de encarar a realidade e de procurar resposta para os problemas da sociedade e da natureza.

A 28.03.2015 fez 500 anos que Teresa nasceu. Era a terceira de dez filhos cujo pai era um fidalgo com antepassados judeus sefarditas.

No seu caminho espiritual sentiu-se dividida entre “Deus” e “mundo “, entre envolver-se inteiramente em Deus ou abraçar os prazeres do mundo – “mundo” no sentido de distracção do essencial. Na sua Vida escreve “por um lado Deus chamou-me, por outro lado eu seguia o mundo”. Aos 20 anos, decidiu entrar num convento carmelita, na sequência de uma experiência de conversão e de uma relação interior com Jesus Cristo. Era uma apaixonada em Deus vivendo numa relação amorosa com Jesus Cristo que a torna numa mestre da oração interior.

As suas experiências e visões eram tão pregnantes que ela mesma se apresentou à Inquisição com o pedido, de analisar se elas eram eventuais “insinuações do mal.” Reconhecia: “Nunca perdi a confiança na misericórdia de Deus, mas, em mim, frequentemente” (Vida, 9,7).

Depois de uma doença grave (1539) e com a leitura do livro “Confissões” de Sto. Agostinho a sua alma encontrou mais paz. Santo Agostinho e Dionísio Areopagita desempenharam um grande papel no conceito de amizade e na espiritualidade de Teresa de Ávila.

Com a sua segunda conversão (em 1554: Vida,9,1-3, ao ter um êxtase perante uma imagem de Cristo abandonado, teve a experiência que Deus a ama como ela é. A partir daí supera a desvinculação entre Deus e Mundo e começando uma “vida nova”.

Apoiada pelo Bispo de Ávila recebeu do papa Pio IV a permissão para fundar o Convento de S. José (1562) e seguir as regras da ordem de Santo Alberto de Jerusalém. Dois traços caracterizam a nova comunidade: viver em estrita coordenação do trabalho manual (para não estar dependente dos benfeitores) com a prática diária da oração interior. S. João da Cruz entusiasmou-se com as ideias reformadoras de Teresa; os dois dirigiram conventos com um mesmo estilo de vida de irmãos, onde se exercitava o autoconhecimento através do exercício da humildade (arte do morrer do ego) e da vivência de uma intensiva amizade com Jesus: espiritualidade da amizade.

Em1580, pouco antes de morrer, viu reconhecida a sua obra sendo-lhe concedida a autonomia de ordem provincial, para os seus conventos.

Santa Teresa D’Ávila (Teresa de Cepeda) é uma mística. Entre outras, escreveu a obra “caminho de perfeição”; Por causa da sua obra “Livro da Vida” teve que enfrentar a Inquisição por ser acusada de “alumiada”. Teresa escreveu “As moradas do castelo interior” onde nos descreve o caminho e os passos da vida interior para chegar, apesar das dificuldades,  à comunhão com Deus. Revela-se também interessante o estudo das Obras menores.

É a primeira autobiógrafa de Espanha. O seu saber fundamenta-o na “experiência” que surge da interioridade e escapa ao saber meramente intelectual e, deste modo, ao controlo do clero e dos que se sentem senhores do mundo. Os alumiados confiavam na iluminação interior do Espírito Santo que lhes permitia viver na entrega ao amor de Deus, sem a mediação da Igreja nem dos sacramentos. A fuga ao controlo fomenta uma consciência individual e social muito desenvolvida, um espírito aberto à renovação e aos movimentos de nova devoção.

A amizade conduz à transcendência

A lírica e a mística surgem da experiência da essência do ser. Do ser em si e no outro (o todo e o particular) tal como experimentou Teresa num processo de libertação do ego, ao longo de toda a vida, na procura da ipseidade (Selbst) na vivência do dois somos um e de um somos três. No centro do eu, onde jorra o nós, junta-se a feminilidade à masculinidade no seu puro processo criativo.

Para Teresa a experiência profunda dá-se na relação de amizade e não no dualismo de mundos ou objectos separados; a felicidade realiza-se no ser-pensar-sentir-agir que tão bem soube expressar com a fundação de 17 conventos e na empatia manifestada nas pessoas e na sua correspondência. Teresa define o rezar como amar e agir na intimidade com o amigo Jesus e que se expressa na proximidade com o próximo, o companheiro. Ela preconiza a abertura ao mundo e o agir onde ele precise porque quem ouve Deus tem que atuar amando o próximo como a si mesmo. Nas suas cartas escreve: „Deus quer que o Homem se divirta e que a sua alma se sinta bem no corpo “.

Teresa cultivava a sua amizade feminina de tal modo com São João da Cruz e com o padre Jerónimo Gracian que, espíritos mais terrenos, chegavam a pensar mal dela… A santa chega a lamentar a falta do seu amigo espiritual, o padre Jerónimo Gracián que defendia as ideias reformadoras dela; ela sente-se “solitária todos os dias” em que ele “se encontra tão longe” e confessa: “…assim passo a vida sem o devido consolo mundano e em constante dor interior. Você, meu Padre, parece já não habitar na terra, o Senhor livrou-o tão completamente de todas as tentações e apegos”.

Hoje, numa sociedade sexualizada e materializada, que vive do imediato torna-se, por vezes, incompreensível que se possa ter amizade com um Deus humanado ‘escondido’ e uma amizade tão profunda e espiritual com um companheiro de viagem. Esta experiência da amizade empática é certamente explicável em momentos e coincidências felizes da vida que podem ter a ver com a experiência interior do abandono do mundo onde a amizade espiritual se torna também material.

Na Dinâmica da Tradição antiga da Meditação/Oração

A realidade divina (não a ideia de um “Deus” que muita gente traz aprisionada na sua cabeça) leva-nos a um limite onde Deus é o mistério, o impensável, que transcende o pensamento, e ultrapassa a própria experiência, chegando a ser até o inexperimentável.

Teresa segue a tradição  de Dionísio Areopagita (- o pseudo – entre os séculos V e VI d. C. ) que espalhou a prática da oração mística sem palavras –  a meditação sobrenatural, para lá da representação que leva ao êxtase da admiração das “trevas místicas“; o exercício do “não saber” e do “não pensar nada” leva-nos a  mergulhar na oração do coração; esta é uma velha forma de meditação no caminho espiritual da tradição cristã que consta da repetição mântrica de uma palavra ou jaculatória ao ritmo da respiração e conduz à paz interior, a paz do coração (Hesychia);  deste modo cria-se um perfeito silêncio e vazio, que possibilita a experiência do contato com Deus (êxtase). Renuncia-se aos sentidos e à percepção intelectual para entrar nas trevas luminosas do silêncio onde o mistério brilha.  A escuridão divina “é a luz inacessível na qual Deus habita. É necessário entrar na escuridão, onde aquele que está além de tudo, como diz a Escritura, se encontra verdadeiramente”. Tudo isto acontece através do caminho da purificação interior onde Deus não é isto nem é aquilo. Entra-se na escuridão da dissolução do ego (tornar-se nada) para vir a despertar na luz divina. Neste acesso a Deus abdica-se do conhecimento discursivo de Deus através de ideias e atributos (está-se perante uma Telologia negativa : do que Deus não é porque “é” a transcendência absoluta, em contraposição à teologia afirmativa da asserção de Deus como bem, beleza, amor, inteligência, paz, perfeição…).

 

Personalização versus institucionalização (uma revolução em marcha)

O reconhecimento da experiência interior da pessoa ganha expressão especial a partir do renascimento. (“Erasmismo: o humanismo cristão preconizado por Erasmus de Roterdão 1466-1536 questionava também ele, embora de forma moderada, o poder jerárquico). No século XV e XVI desenvolve-se uma devoção afectiva ligada ao evangelho vivido e a uma experiência subjectiva numa atitude de vida simples. (Esta vivência de muitas comunidades que viviam um comunismo cristão teve muita influência nos vários grupos da reforma protestante).

Teresa sofria com o cisma da Igreja e rezava pela unidade da Igreja, mas propriamente era já movida pelo espírito novo de um renascimento que dá origem à Idade Moderna, mas que, em parte, se esbarra no iluminismo racionalista excessivo (século das luzes) que até hoje tem dominado as mentes. O espirito de Teresa integrava já no pensamento a velha constante que se mantinha nas sombras da cristandade e que remontava à dúvida de São Tomé acompanhada por um misticismo que se foi diluindo num racionalismo filosófico exagerado. Este é uma “saber” já não feito da certeza intelectual, mas mais dinâmico e, como tal, integrador da dúvida e de um questionar mais orientado pela experiência e como tal numa forma mais subjectiva do argumentar (passa-se de um saber de caracter mais dedutivo para um saber indutivo, característico da nova era embora recalcado).

Em “O Castelo Interior” ou, Livro das sete Moradas, Teresa descreve: “Quem ama faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho.” „Ser grande é amar os pequenos. Ser pequeno é odiar os grandes. Com as coisas pequenas o demónio vai abrindo os buracos onde entram as coisas grandes.”

Confiar e invocar a experiência íntima pessoal subjetiva e argumentar em nome dela, é ainda hoje considerada ousadia que pode minar a vontade institucional e as jerarquias que querem estradas asfaltadas para andarem, ao contrário do que sugeria Jesus: a confiança (em si, em Deus) para se poder andar também sobre as águas.

Profetas e pensadores laterais ao sistema nunca foram bem vistos e quase sempre perseguidos! Mas não se pode negar o facto que, sem pensadores livres, sem profetas, nem os críticos dos sistemas, não haveria progresso.

Estes são considerados desordeiros, estranhos, dissidentes. Quem pensa diferente das massas, pertence a uma minoria que embora cause desconfiança, faz desenvolver a sociedade. Já o gnosticismo (dos maniqueus, cátaros, bogomilos, albigenses) sentia a realidade como um conflito universal entre luz e trevas e o seu campo de batalha é a alma humana. É um esquema dualista de acesso à realidade que se expressa na velha luta que movimenta o espírito humano desde sempre: a luta entre imanência (toda a realidade e possibilidade acontece a nível mundano) e a transcendência (aceitação e promessa de um mundo superior paralelo). Essa luta dá-se entre a mundivisão dualista (diferenciação clara entre a realidade do dia-a-dia e um mundo “paralelo”) e a mundivisão monista (Tudo o que é real e possível acontece no mundo em que vivemos).

Espiritualidade de expressão mais feminina

Teresa apela para a acentuação do elemento da feminidade como parte igual na teologia e na filosofia, chegando a agradecer a Deus o facto de Deus ter “preferido a mulher e ter encontrado nela tanto amor e mais fé que nos homens “.

Ao pensarmos hoje em Teresa, a sua queixa soa forte aos nossos ouvidos: “o que seria a Igreja sem as mulheres” … “é interessante como no Evangelho Jesus foi sempre duro com os homens repreendendo-os e sempre foi doce e nunca repreendeu uma mulher”.

Enquanto a Igreja submete a política à ética, os políticos submetem a ética à política e reciprocamente os fiéis e os cidadãos a elas. Vai sendo tempo de integrar, na vida civil e espiritual, a dinâmica da feminilidade e da masculinidade, de forma a realizarmos uma vida individual e social mais equilibrada. A masculinidade é social e eclesialmente predominante, o que provoca um desequilíbrio desvantajoso para a convivência e para a matriz política que nos rege.

Feminilidade e masculinidade são as duas energias que se encontram em cada homem e mulher; Jesus foi certamente a pessoa em que elas encontraram um verdadeiro equilíbrio.

Da diferença da sua acentuação no homem e na mulher se origina a riqueza da complementaridade; seria um equívoco, nos tempos de hoje, em que a masculinidade se tornou institucional e ideologicamente mais agressiva, que as mulheres, em vez de assumirem a sua essência feminina, se tornassem mais iguais ao padrão masculino. Seria negar a própria essência ao desconstruir a feminilidade. Importante é aceitar e sentir-se bem na própria feminilidade sem aceitar supremacias não se deixando definir pela matriz da masculinidade vigente. Mais que masculinizar a mulher é preciso feminizar o homem e a sociedade; isto torna-se muito difícil porque o padrão da nossa sociedade é masculino e até a maneira de pensar e argumentar é masculina.

Urge atualizar a espiritualidade da amizade de Teresa que vem da fórmula paulina “Nós em Cristo” e “Cristo em nós”. Esta é uma forma alta de espiritualidade em que filosofia cristã e mística se unem na autodescoberta em Jesus Cristo (o protótipo da ipseidade). A amizade é o “lugar” onde Deus se revela.

 Conclusão – Redescobrir a Amizade

Amizade “é uma palavra fundamental para a sua experiência espiritual e para a sua espiritualidade Para Teresa de Jesus, Deus torna-se acessível na pessoa de Jesus, a quem ela trata por tu. A oração interior é, portanto, “demorar-se com um amigo com quem, muitas vezes, estamos sozinhos porque sabemos que ele nos ama”.

Podemos verificar uma interligação entre o interior transcendental, o conceito de amizade em Platão e a mística carmelita do “tratado de amizade”, do viver “com um amigo “. Na procura de Deus vai-se definindo a natureza humana, quando se encontra a caminho do desconhecido, Deus (De facto, a vida é transcendência, estar a caminho, como dizia o grande pensador Karl Jaspers).

A amizade acontece entre o que temos e o que nos falta, entre apreciação e atratividade, sendo ela que fica depois de tirada a roupagem do que é transitório. Com a sua mística da amizade, Teresa sabia-se bem acompanhada religiosa e filosoficamente. De facto, Aristóteles também dizia: “aquele que olha para um amigo verdadeiro consegue, ao mesmo tempo, uma imagem melhor de si mesmo “.

Platão, já dizia contra os sofistas que “o conhecimento é mais que a percepção”- a diversidade, da percepção sensorial contraditória, será acordada por uma ordem unificadora – esta é a interioridade (espaço interior “espírito-alma”, o lugar da auto-comunicação de Deus) e que segundo Platão também é imortal e de “igual maneira de ser como Deus”; em termos cristãos, a alma, o coração é a possível morada de Deus (na espiritualidade do Oriente cristão, essa morada é o coração da pessoa).

Também Joaquim Silva Soler, in “Amigos vos chamei” fala da revelação de Deus que se manifesta na amizade .

Deus começa por falar na revelação da palavra e obediência seguindo-se a comunicação, a relação até um encontro comum na comunidade, em especial em Jesus Cristo. Dá-se a vinculação de acto e palavra na amizade, já na reciprocidade da experiência da amizade dada por Deus e compartilhada com ele. Para Soler Deus abriu, para além da chamada revelação natural através de sua palavra (Jo 1:39), que criou e sustenta toda a criação, também o caminho para a salvação sobrenatural através da amizade; esta, na sua estrutura criadora é “eterna testemunha de Deus”.  Temos na fórmula cristã da realidade universal, a Trindade que é comunicação que possibilita vida comum e deste modo a verdade que tudo une. A Razão é a luz da existência e o Coração (a amizade, empatia) o seu calor no caminho da liberdade, em liberdade.

Na tradição aristotélica e platónica, Agostinho, Tomás de Aquino e muitos outros, (apesar de toda a diferenciação entre a realidade humana e a divina), esforçam-se por conseguir a unidade e conexão entre o humano e o divino. De facto, a amizade entre as pessoas é um requisito transcendental para a amizade com Deus, como se pode verificar na “fórmula” trinitária.

O jesuíta Karl Rahner é claro e concretiza: “A amizade entre as pessoas é realmente transcendental, isto é, torna-se uma condição para nós experimentarmos o mistério incondicionado de Deus”. O célebre teólogo deixou ainda a seguinte advertência: O cristão de hoje deve ser um místico, alguém que experimentou alguma coisa, ou ele não será mais …” Cf. Experiência de Deus em misticismo e teologia (1).

Se a Igreja não redescobrir as tradições místicas seguirá atrelada a um culturismo superficial europeu e deste modo, perderá a sua vitalidade e energia que lhe vinha da capacidade vivida exterior e interiormente da inculturação e aculturação universal, no seu ser de peregrina.

Nos conventos cultiva-se o diálogo do pensamento religioso com o pensamento profano e com os pensamentos que vão surgindo; o monge exercita em si mesmo, a acção religiosa e filosófica, no dia-a-dia comunitário. Na vida dos conventos sempre se pode superar (e até comprometer) certas contradições da instituição eclesial através da tradição da mística.

Menos doutrina menos regulações morais e mais coração na vivência de uma fé da experiência divina que dê força e consolo. A igreja tem de acentuar mais a espiritualidade e de deixar de continuar presa ao tempo do iluminismo (aufklärung).

O Homem do tempo místico não se sente muito atraído pelos conceitos de Deus em Doutrinas e dogmas centrados na razão, ele quer senti-lo. O caminho do misticismo não é a razão, mas o coração. Ao sentir-se Deus encontra-se fé que dá sentido à vida. Esta é a via que culminou na Idade Média com o Mestre Eckhart e Teresa de Ávila.

Depois dos últimos dois séculos – os séculos da razão e do iluminismo- a Igreja descurou o misticismo em favor da teologia teórica e dogmática. Hoje será necessário voltar à fé da experiência, à experiência do Jesus Cristo ressuscitado e do Jesus Cristo abandonado. Em Jesus Cristo pode-se viver uma espiritualidade ao mesmo tempo divina e humana entrando numa relação de vivência e convivência do Jesus e do Cristo.

 Pela via mística, Deus habita no coração do Homem, a espiritualidade desce à terra, não se baloiçando apenas nas teorias intelectuais nem na confusão do dia-a-dia. Urge uma práxis teológica da espiritualidade, Jesus Cristo é pessoa.

Hoje assiste-se a um cepticismo de espiritualidades contra religião porque se tem medo de uma religiosidade demasiado dogmática e menos aberta à liberdade espiritual. As pessoas procuram a sua espiritualidade e encontram pouco quem as ajude a descer até às suas profundidades onde poderiam encontrar a reconciliação consigo e com os outros num mundo com Deus. A linguagem da religião e da arte são a expressão profunda da vivacidade da alma de um povo! Teresa de Jesus usou as duas.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”, https://antonio-justo.eu/?p=4935

 

  • (1) “A questão crucial é a relação entre a experiência de Deus e a realidade. Para a consciência humana, a experiência é a porta para a realidade. Esta é provavelmente a principal razão para a atualidade do conceito da experiência de Deus. “Experiência de Deus” constrói a ponte da fé para a realidade.

– A experiência humana é sempre concreta. O abstracto é resolvido a partir da experiência; geralmente é um componente da experiência. – O ato de reflexão aditado faz da percepção uma experiência.

A execução da reflexão em si é a percepção da realização, isto é, da existência. Uma realidade é algo que é perceptível como real. – Reflexão significa literalmente “inclinação para trás”, não é um passo para trás, longe da realidade (Assim como a subida da parede, na alegoria da Caverna da Platão, na verdade, é uma introdução à realidade das coisas representadas como sombra na parede).  – Percepção da realidade e consciência de si mesmo só ocorrem juntos, ironicamente, chega-se à realidade, apenas retornando a si mesmo. * só experimento realidade quando estou no processo dela. * auto-presença – reflexão é tanto a força como a fraqueza da reflexão humana A reflexão torna possível por um lado o pousar na Lua, por um lado e a inação de um Hamlet. Nela, tanto se inflama a infinita transcendência do homem, dirigida por Deus, como o sofrimento sem fim. – Reflexão tal como ocorre em nós humanos, é esse tipo de autoexperiência, que, olhada mais de perto, apenas se dá como percepção da realidade.

A vida humana na história exige a experiência de Deus. Na medida em que Deus é o fundamento da realidade ou da própria realidade, ela não é concreta nem abstrata. – A vida humana na história não conhece apenas o desejo da experiência de Deus, mais que isso a vida é mais um tal desejo, isto é, a vida em si não é, na sua essência, a experiência final de Deus. – Nesta vida, no entanto, o primeiro mandamento não é a experiência, mas o amor. A experiência de Deus é vida eterna; mas a essência da vida temporal é o amor de Deus”.