“CASAMENTO” HOMOSSEXUAL CHUMBADO PELO TRIBUNAL DOS DIREITOS HUMANOS

Governos e Lóbis não querem que se fale disto!

António Justo

Se houve alguma coisa que passou na opinião pública como o gato sobre as brasas foi a decisão do Tribunal mundial dos Direitos Humanos, em Estrasburgo que decretou (2016), por unanimidade que “não existe o direito ao casamento homossexual”.

A Resolução do Tribunal do Conselho da Europa declara que “casamento só pode ser realizado entre homem e mulher também porque a família é a base da sociedade (a ela se deve a evolução humana) e aos governos não deve ser imposta a “obrigação de abrir o casamento a pessoa do mesmo sexo”.

A “decisão” baseou-se no artigo 12 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, e, entre outros, em relatórios científicos e no direito positivo.

O “casal” homossexual seria incapaz de gerar prole por processos naturais, não se assemelhando à família, que deve ser prestigiada pelo Estado como base da sociedade.

Legislações que determinaram que família também seria constituída pela união de pessoas do mesmo sexo violam o direito constitucional.

A decisão é ao mesmo tempo uma machadada contra a ideologia do género, que pretende, para seus fins ideológicos, desprestigiar o casamento de homem e mulher, defendendo para isso que os seres humanos nascem sem sexo definido. Tal é o pretensiosismo ideológico que em nome da cultura quer acabar com as leis da natureza.

Falar disto torna-se embaraçoso para parlamentos, grupos políticos e pessoas que cavalgam a todo o trote em temas do género considerando-os como mais valia na definição do seu estatuto político-social.

Não tendo eu preconceitos contra homossexuais acho, porém que, por cobardia e segundas intenções, os Media, desta vez, no que respeita ao tema, se mostraram muito frugais na informação de modo que a opinião pública pouco foi informada sobre a decisão do tribunal; os Media, pelos vistos, não tiveram agrado na decisão e por isso não houve eco na opinião pública.

Não é de negar o direito a pares do mesmo sexo viverem juntos. Uma coisa é a excepção à regra e outra é a regra; estas não devem ser confundidas quando se pretende igualar a união de pares do mesmo sexo ao casamento de homem e mulher. Em vez de os homossexuais tentarem ocupar a instituição familiar (“casamento”) e deste modo tirar-lhe o seu fundamento e missão, deveriam, pelo contrário preocupar-se em criar novos rituais específicos socializadores de novas expressões e necessidades humanas. O Estado deveria criar uma instituição que lhes reconheça dignidade semelhante à do casamento. Uma coisa é a lua pelo direito ao amor homo e outra é a luta pelo “casamento”. Os Estados devem criar um quadro jurídico para os pares homossexuais onde se lhes confira o direito fundamental de determinarem sua forma de vida e o próprio amor de maneira a não serem discriminados. Todos estamos chamados a viver os mais altos ideais de amor independentemente da forma institucional que os abriga.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

  • (1) Não há direito humano a um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, o primeiro “casamento gay” da França em 2004 poderia ser anulado pelos tribunais franceses, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (CEDH) decidiu na quinta-feira, 9 de junho de 2016, em Estrasburgo (Ref.: 40183/07). Nos termos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os Estados não são geralmente obrigados a permitir que casais do mesmo sexo se casem. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já tinha decidido da mesma forma sobre a Áustria em 2010. https://www.juraforum.de/recht-gesetz/kein-menschenrecht-auf-gleichgeschlechtliche-ehe-558539

LIBRA – A MOEDA DO FACEBOOK

De Democracias partidárias para Democracias por acções?

António Justo

Com o anúncio do Facebook de querer criar uma moeda (Libra) digital, no primeiro semestre de 2020, os Bancos nacionais encontram-se em estado de alerta, pelo que isso implicaria para o sistema bancário em geral e para os reagrupamentos de interesses nacionais.

Para o banco alemão “o Facebook poderia tornar-se no maior gestor de activos do mundo e, deste modo, relevante no sistema.”

Os bancos centrais deixariam de determinar as regras do jogo, o que se tornaria um problema para o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e a evasão fiscal. Um outro aspecto importante que levará todos os governos a levantarem-se contra uma possível moeda concorrente  vem do facto de que, com tal criação, os governos deixariam de ter um instrumento importantíssimo no controlo dos cidadãos  como é a rede dos bancos (o número da conta bancária, tornou-se a nível de controlo indirecto dos passageiros, um índice seguro sobre quem viaja de um país para outro).

De facto uma moeda digital do Facebook, que tem 2,7 mil milhões de utilizadores, poderia possibilitar a milhões de utilizadores diários pagarem bens e serviços a preços mais reduzidos.

Pôr-se-ia a questão se dinheiro do banco central seria mais seguro do que o dinheiro privado. A verdade é que a concorrência, em geral, beneficia o cliente.

O jornal BILD informou que após o anúncio do Facebook de publicar sua própria moeda digital, o preço da criptomoeda Bitcoin subiu rapidamente em curto espaço de tempo, atingindo a maior cotação desde 2018 (1).

Hoje já se fala que a moeda Libra deve estar indexada ao euro e a outras moedas e e estar sujeita ao IVA nas transacções.

Este seria mais um golpe na soberania dos Estados e um passo largo na realização do capitalismo liberal.

Os banqueiros apontam para o perigo de os estados-nação se tornarem dependentes de uma única corporação gigante como Facebook.

De acordo com o Wall Street Journal, o Facebook tem apoiantes, entre eles, as duas empresas de cartões de crédito Visa e Mastercard, o provedor de serviços de pagamento PayPal e o provedor de serviços de viagens Uber (2).

Se é bem verdade que os Estados precisam de instituições que temperem a ganância de impostos dos governos, é certo que uma tal medida, sem regulação estatal, corresponderia a mais um grande passo  na implantação da total ditadura do capital e do dinheiro como único elixir existencial.

Será que o nosso sistema de democracia partidária não se tornaria numa democracia por acções?

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5495

 

DA VIOLÊNCIA DA OPINIÃO PARA A CRUELDADE DA ACTUAÇÃO – APENAS UM PASSO

Assassínio do alemão Walter Lübcke pela Extrema Direita, “Rede de Resistência Democrática” … nas pegadas da “Fração do Exército Vermelho”?

Por António Justo

A 2/06/2019 foi assassinado, em frente de sua casa, Walter Lübcke, presidente distrital do distrito de Kassel, alegadamente, por mão traiçoeira da extrema direita, com um tiro na cabeça. Na sequência do crime, foi preso, como suspeito, o neonazi Stephan E.

Lübcke, político da CDU, que era conhecido pelo seu empenho em favor dos refugiados, incomodava de maneira especial a cena parda da sociedade, principalmente, a partir do momento (2015) da abertura de um lar para refugiados, onde foi apupado por alguns presentes. Lübcke, homem de texto claro e não habituado a engolir cobras e lagartos, dirigiu-se então aos apupantes dizendo: “Vale a pena viver no nosso país. É preciso defender os valores, e aqueles que não os defendem, se não estiverem de acordo, podem deixar este país a qualquer momento. Essa é a liberdade de cada alemão.”

Desde então não se fizeram esperar ameaças contra ele por parte dos “Cidadãos do Império” ( Reichsbürgern) e da extrema-direita “Nuremberga 2.0 Alemanha – Rede de Resistência Democrática” que colocara Lübcke numa lista de inimigos, porque tinha participado na “islamização, na desdemocratização, na repopulação da Alemanha” (1).

Desde 2011, circula na Internet uma lista negra da rede extremista de direita com pessoas consideradas desagradáveis e em que constava também Lübcke.

Este facto trágico não pode ser considerado como um caso isolado. Depois de ter sido encontrado morto no seu jardim já outros dignitários alemães têm recebido ameaças de morte. Desde 2015 cresceu “enormemente” o potencial de terror de direita na Alemanha. O medo do islão e insatisfações difusas mudaram o clima social e estão a mudar a constelação dos cenários governantes.

O assassínio de Walter Lübcke provoca imensa excitação e medos na sociedade alemã porque esta ainda tem bem presente na memória a atmosfera social que se viveu da década dos anos 70 até 1998, causado pela Fração do Exército Vermelho (RAF), uma organização terrorista extremista de esquerda (“Bando Baader-Meinhof”), responsável por 33 assassinatos de líderes políticos, empresariais, administrativos, funcionários aduaneiros e soldados americanos. A divisão na sociedade alemã e europeia é hoje semelhante à dos tempos da “guerra fria” entre os propagandistas do capitalismo e os do socialismo (hoje os militantes internacionalistas e os nacionalistas). Então a ala esquerda da sociedade encontrava-se extremamente descontente até ao ponto de se sentir vítima do sistema; atualmente é a ala direita da sociedade que se sente descontente e vítima, provocando nos seus extremos reacções de violência que poderiam, com o tempo, vir a igualar a violência da Fração do Exército Vermelho (2) de outrora.

Num país que parece ter a visão geral de tudo, o Governo encontra-se cada vez mais na necessidade de se explicar. O cidadão normal sente-se cada vez mais existencialmente inseguro e sem perspectivas de futuro. Muitos são do parecer que o direito penal se tornou insuficiente na luta contra o extremismo de direita e a julgamentos demasiado laxos na solução do crescimento da delinquência social.

De facto, com a imigração muçulmana, a Europa já não é a mesma; tornou-se numa Europa de extremos condensados; especialmente para o cidadão europeu, torna-se mais difícil viver nesta EU dividida em duas trincheiras (direita e esquerda), cada vez mais agressivas e fanáticas. A crescente politização do dia a dia envenena as relações e enegrece o horizonte e as perspectivas de vida do cidadão, tornando possível assassínios como este. A sobranceria dos dirigentes e a insatisfação dos desnorteados não possibilitam uma plataforma de interesses comuns. As agressões que antigamente eram compensadas em jogos ou em guerras extramuros são hoje vividas dentro da sociedade numa espécie de guerrilha. No discurso público falta o cultivo de uma tolerância global, uma tolerância de diferentes horizontes e perspectivas e não apenas uma tolerância do politicamente correcto, ou apenas reduzida ao que fomenta a própria ideologia e opinião. Também nos formadores da opinião pública (Media) se pode ver uma certa divisão: os Media considerados sérios como multiplicadores do politicamente correcto (discurso oficial) e os meios virtuais sociais de interesses difusos mais multiplicadores de alegados interesses do cidadão.

Numa época em que o extremismo político se expande, põe-se a questão até que ponto a democracia é capaz de integrar extremistas da direita e da esquerda. O clima político encontra-se em mudança numa sociedade que se sente cada vez mais insegura e em que a política não consegue refelectir nem explicar o próprio agir. Num clima de intolerância recíproca, cada parte considera a outra ilegítima, não concedendo margem para compromissos; passa-se à lei da selva, do “quem pode, pode” e do quem não pode abaixa-se… A politização da linguagem tem concorrido para a rudeza da expressão; a violência normaliza-se, seja de forma velada em palavras polidas ou de forma manifesta em palavras grosseiras que conduzem a actos violentos. Tudo é usado para colocar o adversário na lista negra. Neste ambiente confuso e perturbado, o Estado desleixa o seu dever de proteger o cidadão.

Ser a favor ou contra é um direito democrático, mas existem redes extremistas de direita e redes extremistas de esquerda que não abdicam da violência para impor os seus fins; como não se trata de perpetradores individuais, tanto a ala esquerda como a ala direita da sociedade deveriam analisar as cenas extremistas criticamente numa perspectiva já não de perpetrador único mas de redes organizadas e de ONGs. Há 13.000 extremistas da direita que estariam prontos a usar da violência, na Alemanha de hoje (3).

Na Alemanha é agora bastante criticada a existência do órgão de proteção da Constituição (BfV). Nos Estados torna-se por vezes difícil desmantelar certas redes maléficas porque por razões de Estado, os órgãos de protecção da constituição (Ministério do Interior) bloqueiam o acesso a ficheiros e actas, por espaços de 30, 50, 90 e até 120 anos.

Geralmente são 30 anos de bloqueio a jornalistas e historiadores e de uma maneira geral os documentos secretos das autoridades podem ser vistos depois de 60 anos. A lei alemã permite tais prazos de tempo (casos de espionagem, etc. dizendo para tal tratar-se da protecção dos informantes que correriam perigo, no caso de se tornarem públicos).

A protecção da Constituição em sentido lato refere-se a todas as medidas de consolidação e defesa da Constituição contra insurreições e revoluções, bem como contra outros ataques anticonstitucionais e perturbações constitucionais. Na Alemanha há uma discussão aberta sobre a oportunidade dos órgãos de protecção da constituição, sendo estes, por vezes, vistos, mais como impedimento do que prevenção contra a extrema direita.

Uma coisa é certa: a violência, provenha ela de conservadores ou de progressistas, é sempre um ataque condenável a toda a sociedade pacífica. O problema começa, geralmente, com suposições e generalizações acompanhadas do sentimento de um direito curvo a querer possuir toda a razão.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

O DILEMA DA ALEMANHA É O IMPASSE DA UNIÃO EUROPEIA

Paradoxo do Centralismo francês versus Federalismo germânico

Por António Justo

O dilema da EU resume-se no confronto de dois sistemas de organização político-administrativa e na dualidade de interesses de uma Alemanha que é demasiado grande para ser só nação e demasiado pequena para ser império! A Alemanha como fulcro da Europa teria de estar, por natureza, virada para leste (Rússia) e para o ocidente (países latinos), o que implicaria a consequente implementação dos seus interesses económicos nos dois sentidos e consequentemente uma certa desquitação europeia dos EUA, o que inquietaria a França e outros países da EU. Devido à sua situação geográfica e social-histórica, a Alemanha, a longo prazo, não poderá deixar de oscilar entre o expandir da sua influência no sentido do Leste e no sentido do ocidente (e sul). (A mudança da Capital de Bonn para Berlim é também consequência da sua resposta à fidelidade histórica). Um outro aspecto que, no meu entender, a opinião publicada na praça pública tem menosprezado é o facto de a Alemanha resumir federalmente nela a grande ideia europeia de Carlos Magno, “o pai da Europa”. A Alemanha federal já realizou de maneira exemplar o caminho que a EU terá de realizar, não por convicção, mas por força das circunstâncias económica e estratégicas mundiais (o afirmar-se de novas constelações concorrentes, como China e grupos supranacionais).  

A atual filosofia centralista de Bruxelas corresponde a uma violação dos seus próprios interesses e do seu génio pois quer amarrá-la definitivamente aos romanos e por outro lado despreza os processos de desenvolvimento da independência histórica das diversas soberanias europeias.

Os países latinos, de pensamento mais abstrato e centralista, não estão dispostos a aceitar a realidade da influência económica germânica nem a compreender a dicotomia dos interesses de um país forte no centro e norte da Europa.  A União Europeia, fora de sentimentalismos bairristas, para ser construída com equidade, terá de ser construída a partir da Alemanha e, para já, no sentido de uma confederação de Estados.

O Brexit é um aviso e terá de constituir para a Alemanha, um grande momento de reflexão crítica sobre o constructo da EU até agora artificialmente produzido. Consequentemente, a EU que temos, precisa de uma substancial remodelação a nível de concepção e de modelo de realização (repensar a organização política de vários Estados num „Estado federal” que, a nível internacional, perdem autonomia, porque as constituições estatais se teriam de se subjugar a uma constituição central). De considerar que o que hoje a inteligência não vê, amanhã a necessidade obrigará.

Trump que joga com o dilema germânico, também dilema da Europa, tenta cativar o Reino Unido no sentido do império anglófono e ao mesmo tempo enfraquecer a Europa, debilitando a Rússia, com o aumento da presença militar da NATO na sua fronteira e com a implementação de sanções económicas. De notar também a agressividade do governo dos USA contra o atual empreendimento russo-alemão de construir um gasoduto entre os dois países. As guerras são sempre de base económica e ideológica no sentido de formar hegemonias…

O problema alemão não resolvido historicamente será o de se decidir por expandir no sentido leste ou oeste. Os USA e a França farão tudo por tudo para que a Alemanha se vincule exclusivamente ao Ocidente europeu. Forçar a Rússia a unir-se à China constituirá, porém, um erro europeu histórico que adiará o natural processo de desenvolvimento e definição europeia.

A EU tem de arredar caminho na sua estratégia de desautorizar nações membros e de se armar em juiz sobre os países a ponto de os humilhar, como tem acontecido a membros que se manifestam ainda adolescentes nas suas atitudes e exigências. A estratégia de fomentar oposições ou de se castigar grupos rebeldes num país membro corresponde a uma estratégia de guerra e não de paz, ao contrário do que se pretende defender com a criação da EU como espaço de paz. A Europa, atendendo à sua História e à história dos diferentes países, está vocacionada a tornar-se antes numa confederação de Estados e não primeiramente numa apressada federação em que estes teriam consequentemente de renunciar à sua soberania, historicamente alcançada depois de muitos séculos de lutas.

O Presidente francês Emmanuel Macron disse na TV suíça (11.06.2019) que daria o seu voto a Ângela Merkel para Presidente da Comissão Europeia, embora a chanceler alemã tenha já excluído essa hipótese. Mácron disse aí que a “Europa precisa de personalidades fortes que tenham uma credibilidade e competência pessoal para preencher as posições” (Talvez sob esta proposta se encontre a esperança de uma mulher germânica amarrar mais a Alemanha aos interesses da Europa do Sul!). A concretização dessa proposta resolveria o empasse da escolha em via para tal posto, mas não resolveria a questão de fundo da EU. A questão a resolver consistirá em transformar o constructo EU numa instituição orgânica europeia. O Povo a acordar não quer que Zeus desvie a Europa para fora dela… Segundo a mitologia grega a Europa era uma princesa fenícia que deu o nome ao continente Europeu. O Deus Zeus apaixonou-se por ela e para passar desapercebido aos ciúmes de sua mulher transformou-se num touro misturando-se nos reses de touros do pai de Europa e como era brilhante e manso seduziu a princesa Europa, que ao colocar-se no seu dorso se viu transportada rapidamente para Creta onde desfrutou dela, abandonando-a mais tarde.

Nos últimos 70 anos, o crescimento económico tem garantido a Europa pacífica… agora que “outros valores mais altos se levantam” como a (China) e em que o povo se começa a intrometer no processo da EU instam grandes transformações. Um aparelho burocrático a que falta a alma (povo), se não arrepia caminho, corre, cada vez mais o perigo de se transformar numa ilusão…

O centralismo exagerado foi o coveiro de grandes civilizações. O que está em jogo na EU é a velha luta europeia entre o centralismo francês e o federalismo germânico e entre a hegemonia americana na Europa e uma Europa que possa olhar de olhos nos olhos os EUA, além da falta de realismo de que grande parte da Rússia é europeia (ao contrário de uma Turquia que já o foi e cujo movente é puramente económico).

A experiência feita dos nacionalismos como fonte de guerra e o seu ressurgimento atemoriza muitos bons pensantes europeus (de momento, porém, tais movimentos não expressam mais que a necessidade de correpções num conceito de EU talvez demasiado capitalista-socialista).

A EU como a Europa encontram-se em contínuo processo de mudança tendo, depois da II Grande Guerra, criado vários laços circunstanciais (1).

A EU tem estado a ser construída em contradição com a dinâmica da formação natural orgânica das estruturas de um Estado. Daí o Brexit e os movimentos nacionalistas surgentes como sintoma de um problema maior: o da oligarquia burocrática de Bruxelas atrelada a um globalismo liberal anónimo e sem limites. Tem-se feito muito trabalho louvável, mas falta a coesão que lhe daria vida e esta chama-se povo.

A EU tem de ser refeita; o permanente estado de crise de Bruxelas vem principalmente do facto de os seus actores terem querido fazer do cume da pirâmide a sua base ao ignorar povo e a tradição. A oligarquia transforma-se assim numa espécie de Olimpo longínquo em oposição aos terráqueos. Tudo seria mais fácil se não fossem as duas almas da europa a terem de ser metidas num só corpo (EU): o génio federalista alemão ligado à terra e o génio centralista francês mais um parto de cabeça e por outro o génio católico latino em confronto com o protestantismo nórdico. 

Não admira que o Presidente francês Mácron esteja a avançar com o seu desejo de liderar o discurso sobre a reorganização de uma UE (2) a fim de a modelar no sentido centralista do tipo francês (3); é também compreensível que os alemães se mostrem reservados, embora uma verdadeira União Europeia possa ser mais bem acomodada, posteriormente, num molde federalista à semelhança do alemão.

A hora dos alemães só chegará depois de alguns erros economicistas e de alguns exageros latinos. Os movimentos nacionalistas, que se encontram de vento em popa apesar das anticampanhas da classe estabelecida nas capitais europeias, são a melhor prova de como tem sido mal encaminhado o discurso sobre a Europa: um discurso demasiadamente orientado no sentido autoritário e autocrático provoca o desrespeito nos relegados a espectadores. A agressão que durante anos se cultivava contra Angela Merkel e o seu Ministro da Economia, nalguns estados latinos, pode considerar-se em parte equivocada ao querer reduzir o espírito alemão ao aspecto económico.

Objecto de uma discussão séria seria o discurso sobre a elaboração de um superestado central ou de uma confederação, e assim se ultrapassar um discurso público reduzido ao economismo. A observação das duas mentalidades pode ser constatada no partido francês de Le Pen que luta no sentido de uma soberania nacionalista centralista e no partido alemão AfD que centra o seu discurso mais num contexto europeu cultural que colmataria numa EU – uma confederação de estados que respeite a gene de uma europa das nações. Uns e outros metem o pé na poça, como é natural em movimentos reagentes.

Que seria dos bons se não houvesse os maus e que seria dos maus se não houvesse os piores nem os melhores! Do desprezo recíproco surge a energia alimentadora da guerra que descrita na perspectiva do discurso de uns e dos outros só pretende o bem, o desenvolvimento.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (História e Português)

In Pegadas do Tempo

 

  • (1) A crise do carvão na França levou a França a aproximar-se da Alemanha em 1950, através da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, considerada por Robert Schuman como a “primeira etapa da federação europeia”, a criação da OECE como resposta ao Plano Marshall (1948), a criação da NATO em 1949 sob gerência dos USA e que culmina no reconhecimento dos USA como a grande potência mundial, relativizando os tradicionais potentados nacionais internacionais vigentes até à primeira guerra mundial).
  • (2) ALEMANHA FEDERALISTA CONTRA FRANÇA CENTRALISTA NA REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA? https://antonio-justo.eu/?p=5353
  • (3) MACRON QUER A REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA QUE OS PAÍSES NÓRDICOS NÃO QUEREM https://antonio-justo.eu/?p=4764

 

 

POLÍTICA EUROPEIA A CAMINHO DE “GERINGONÇAS”

A INSTABILIDADE DA CLASSE POLÍTICA CHEGOU À ALEMANHA

António Justo

Desenham-se novos cenários políticos para a Europa. Os tradicionais partidos populares ou “partidos do povo” (1), que faziam parte do arco do poder, encontram-se em decadência por já não poderem contar com a fidelização popular.

A Alemanha construiu, num equilíbrio federal de centralização e descentralização (regionalismo), um Estado social forte com alto padrão de vida, e do qual depende em grande parte o desenvolvimento da Europa; numa tal situação os objetivos, que o partido SPD originariamente tinha para o operariado, encontram-se em vias de realização ou com falta de aferimento social; hoje existem desafios que ultrapassaram o SPD porque não esteve atento à mudança da realidade social e do grupo alvo. Um motivo do mau resultado nas eleições estará na desunião dos dirigentes do SPD e dos adeptos rebeldes que pensam o bem-estar criado pelos tradicionais partidos de governo como natural, e ao mesmo tempo expressam exigências de uma juventude europeia que não se sente, devidamente, tomada a sério nos seus temas prediletos (2).

Uma sociedade, cada vez mais diferenciada e determinada por critérios de eficiência imediata, exige das elites e das centrais de pensamento maior atenção aos sinais dos tempos para a consequente celeridade na adaptação à mudança. O povo está educado para ser adepto e seguir estrelas, o que implica, nos partidos, grande capacidade de reagir às tendências em curso, e, para isso, pôr na linha da frente representantes jovens e carismáticos (em Portugal Sócrates fez o que fez, em grande parte devido ao seu charme narcisista, aquilo que hoje se consome muito!).  Por outro lado, o Zeitgeist da sociedade já não considera como prioritário o tema da justiça social: as preocupações são primeiramente clima, imigração, digitalização…; os partidos que tematizarem convictamente estes assuntos têm maiores probabilidades de ganhar eleições.

Numa sociedade cada vez mais descontextuada, em que a velocidade é determinante, desenraíza as pessoas a mudar-se, e a sentir-se até em fuga, sem saber para onde; e o problema é que, nesta fase histórica de transformações rápidas, a quem não muda acontece-lhe como à figura bíblica de Edite (mulher de Loth) que ao olhar para trás é convertida em estátua de sal.

O carrossel dos povos, puxado pela globalização, atingiu tal velocidade que as populações tripulantes perderam a visão do que se passa ao lado e ao longe, sendo condicionadas a agarrarem-se ao cesto que as transporta e deste modo a reagir de modo mais emotivo que racional. O imediato torna-se o óbvio e o factual destrona o pensamento. A reacção substitui a acção passando a chamada inteligência emocional a ter a soberania sobre o entendimento intelectual; o eleitorado reage criando novas situações de governos, um facto fruto da desconfiança num partido ou num sistema que tem ignorado muitos problemas essenciais e esse dado factual mostra que o partido já não serve e, para se tornar necessário, terá de se mudar radicalmente mas isto não é reconhecido pelos lideres devido ao próprio envolvimento no que fazem e que os torna míopes para uma realidade que se encontra sempre em processamento.

O recrutamento de membros do pessoal júnior para altos cargos de responsabilidade num partido já  não poderá ser orientado por perfis de fidelidade e mérito numa carreira longa dentro do partido; isso impede a resposta adequada ao Zeitgeist com pessoas carismáticas e fomenta  o abuso de carreiristas de longa duração que criam subserviências prejudiciais ao desenvolvimento do partido e da sociedade política (Veja-se o anacronismo do que acontece com o PSD e a maneira ainda antiga de um PS no seu jogo das escondidas com a sociedade).

Hoje juventude é trunfo e as pessoas desgastam-se rapidamente, o que exigirá novas estratégias na política do pessoal representativo dos partidos.

A líder do SPD (Andrea Nahles), devido às críticas na sequência do mau resultado do partido (15,8% nas eleições europeias), e segundo o princípio do bode expiatório, declarou a sua demissão da presidência do partido e da Fracção. Talvez se tenha empenhado demais pelos interesses da Alemanha e menos pelos do partido! (Em Portugal dá-se o contrário porque os governantes fazem mais política partidária militante, coisa que o povo não nota e são, consequentemente, premiados pelos votantes; o facto de em Portugal o sistema da geringonça ter aparentemente resultado, dever-se-á ao pouco peso da economia produtiva portuguesa para o andamento da europa!).  Na hora dos rebeldes é castigado um partido como o SPD que tem gastado demasiado tempo de discussão consigo próprio e não esteve atento ao desenvolvimento social (3); como diz o politólogo Prof. Dr. Jürgen Falter o SPD esqueceu que “o trabalhador clássico se tornou numa ocupação minoritária, no passado eram mais de 50% e hoje nem sequer 25% são”. Hoje, o sector dos salários baixos está a ser ocupado por muitos migrantes, que, frequentemente, não têm direito a voto.

Os partidos precisam de união e de novos conteúdos para poderem convencer o público. A chefe do SPD no governo de coligação (CDU/CSU e SPD, ao demitir-se das suas funções, (4) confessou: “o apoio necessário para o desempenho das minhas funções já não existe” (especialmente o dos deputados da sua Fracção no Bundestag!) e terminou a declaração de resignação com um recado aos membros do partido: “Espero sinceramente que consigam reforçar a confiança e o respeito mútuo e assim encontrar pessoas que possam apoiar com toda a vossa força”. O problema do SPD é também, de momento, não ter pessoas carismáticas.

Como se verifica no SPD a política é um negócio cruel que apenas conhece companheiros, mas não amigos e o espaço entre os partidos cada vez é menor.

É verdade que a grande coligação alemã (GroKo) irá sofrer alguns sobressaltos, mas manter-se-á porque nenhum dos tradicionais partidos de governo quer praticar haraquíri.

Atendendo à vertigem do desenvolvimento tecnológico e social, vão deixando de existir os partidos tradicionais em que as pessoas se ligavam de pais para filhos já no lar materno e em que escolhiam a filiação partidária como família alargada; hoje é mais visível a dinâmica dos interesses e estes mudam continuamente. Às ideologias dos sistemas ou de uma classe dominante, sucede-se uma sociedade de boys, estrelas e ONGs que reagem prontamente ao desenvolvimento do mercado e por isso não deixam lugar para descanso em posições cómodas nem em pensamentos adquiridos. O dinheiro é rei como podemos ver bem documentado também nas pessoas mais socialistas.

As novas tecnologias, com a digitalização do mundo laboral mudarão mais radicalmente a situação de trabalhadores, empregados e funcionários e com ela aumenta a exigência de transformações a nível de pessoal e de conteúdos nos partidos que pretendam interferir no futuro. Em política tudo é possível e os interesses e as circunstâncias é que determinam o agir (5).

Apostar num partido como algo imutável ou no Zeitgeist (pensamento politicamente correcto do regime do momento) implica pôr em risco o próprio desenvolvimento! Naturalmente o pertencer a um partido ou outro, além do mais, pode trazer vantagens pessoais que constituirão argumento para não pôr em risco um futuro ou uma vida beneficiada!

Em Portugal, na classe política, ainda domina o pensamento antigo tornando-se propriamente impossível mudar a situação de fundo porque Portugal, mais que uma democracia de cidadania vinculada ao povo, é uma República em que os corporativistas se apossaram do Estado, com a agravante de se desvincularem do povo! As pessoas agarram-se a pessoas bem-intencionadas, mas não notam que estas pouco podem fazer, devido a um sistema que, por natureza, as impede porque não está virado para o cidadão. O PS tem gozado ainda do carisma de alguns de seus lideres e também do facto de a sua ala social-democrata emparelhada com a ala ideológica de caracter marxista conseguirem o apoio nas urnas, muito embora 70% da população eleitoral não tivesse votado nas eleições europeias, de que o PS saiu maioritário. A crise dos partidos também está a chegar a Portugal em situação enviesada. (Com o tempo, apesar da constituição favorecer a esquerda, teremos um PS dividido à imagem do PSD e à imagem do que acontece hoje ao centro-direita: os egoísmos individuais são cada vez mais fortes.). Uma das consequências de uma sociedade cada vez mais diferenciada cria a necessidade de novas expressões de poder. O desenvolvimento social e a política atual trazem como consequência a dissolução das fronteiras entre os partidos. O factor osmose que outrora era lento torna-se hoje mais rápido porque a sociedade também, é mais rápida.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=5477

  • (1) Partidos do Povo em decaída: no dizer de politólogo Jürgen Falter, deixou de haver uma base eleitoral fixa de pelo menos 20, mais provavelmente 30%. Para o politólogo “um partido do povo tem um público bastante equilibrado socialmente e é um partido que maximiza os votos, visando todas as camadas da população”. No início do SPD o partido compreendia-se como partido dos operários. Desde há meio século, o SPD considera-se como o partido dos empregados e um partido de pessoas menos favorecidas e da justiça social (HNA).
  • (2) Não será de descurar o facto de o partido os Verdes (que conseguiu quase duplicar os votos em relação às eleições europeias de 2014, para 20,5% (https://www.bundeswahlleiter.de/europawahlen/2019/ergebnisse/bund-99.html ) beneficiarem dos votantes que viraram as costas ao SPD que só conseguiu 15,8% e à CDU (22,6%). Isto, aliado à boleia do Zeitgeist, está a tornar os Verde num “partido do povo” (O princípio orientador da política verde é a sustentabilidade ecológica, económica e social).
  • (3) Outrora o SPD tinha mais de um milhão de membros com forte representação da juventude (350.000 Jusos) e hoje os Jusos têm 70.000 membros num SPD com 440.000 membros (2): Desenvolvimento dos número de membros: https://de.statista.com/statistik/daten/studie/1214/umfrage/mitgliederentwicklung-der-spd-seit-1978/
  • (4) A líder do SPD (Andrea Nahles), demitiu-se das suas funções de presidente do partido e de chefe da Fracção no Bundestag devido às críticas, na sequência do mau resultado do partido (15,8% nas eleições europeias). Segundo a DPA Andrea Nahles não sai economicamente de mãos a abanar. Caso ela se demita também do Bundestag receberia da administração do Bundestag o vencimento de 9.780€ durante 14 meses (a partir de Julho o vencimento dos deputados é de 10.083€ mensais).Como esteve 18 anos no Bundestag e 4 anos como ministra federal, Nahles tem direito a uma pensão de velhice por cada ano do Bundestag de 2,5% do vencimento mensal dos actuais deputados, o que corresponderia a 4.537€ mensais. Segundo o Steuerzallerbund, também tem direito ao pagamento de uma pensão de reforma do período ministerial, o que corresponde aproximadamente ao montante da pensão de deputada. Segundo as minhas contas aproximadas, Andrea Nahles teria direito a 108.000 € anualmente.Os deputados que se encontram na fonte não se servem mal!
  • (5) Sou do tempo em que na Alemanha se considerava o partido comunista um perigo para o Estado e os Verdes eram difamados pelo politicamente correcto da altura (coisa que então eu não podia compreender!) e tudo mudou: hoje os Verdes são os candidatos a substituir o SPD no governo. Tudo muda!