Alemanha contra um Guarda-chuva nuclear europeu – Segurança da Europa com Pés de Barro
Trump, embora sem cargo, tornou-se num fantasma para a Europa e só o medo de ele vir a ganhar as eleições de 5 de novembro motivou os políticos europeus à mobilização de somas gigantescas para o armamento.
A NATO tinha decidido que cada membro deveria empregar anualmente 2% do seu PIB em despesas militares. Agora Trump vem exigir que todos os membros gastem os 2% do PIB na defesa e no caso de incumprimento esse membro deixaria de ter o apoio dos EUA na NATO, disse-o à maneira de Trump, com palavras claras, muito embora em termos de campanha eleitoral:” … então eu não os protegeria. Eu até encorajaria a Rússia a fazer o que quiserem”. Dos 31 países membros 18 deles já cumprem as exigências dos 2% (1). O objectivo dos 2% revela-se como um grande programa de desenvolvimento para os EUA através da sua grande indústria de armas avançadas.
Isto levanta também a questão do armamento nuclear da Europa. Neste momento, apenas a França e a Inglaterra são potências nucleares na Europa com os EUA na NATO. Segundo o instituto de pesquisa Sipri, existem 12.500 armas nucleares em todo o mundo. Os EUA têm 5.200, a Grã-Bretanha 225, a França 290 e a Rússia possui quase 5.900 (2). Em termos de poder só os países ou grupos que tiverem armamento nuclear conseguirão preservar a sua liberdade nacional.
Um Debate nuclear na Europa enfraqueceria a Alemanha e teria como resultado o Benefício dos Países europeus do Sul. Obrigaria a uma discussão pública sobre o sistema de segurança europeia e ao mesmo tempo a solidariedade da proteção militar da aliança atlântica.
Numa política global de confronto mundial, o exemplo da Ucrânia mostra que quem não é uma potência nuclear tem uma carta má e perde. Quanto à energia nuclear dos EUA na Europa, utilizam os territórios da Europa (países da NATO) para bases militares dos EUA (além disso, os países com bases dos EUA também fornecem tropas auxiliares e não têm influência sobre o que acontece nas bases). Basicamente, os EUA não servem os interesses da Europa porque os interesses estratégicos dos EUA são completamente diferentes dos da Europa. No caso de uma guerra geoestratégica, a Europa seria reduzida a escombros e os Estados Unidos permaneceriam livres da radiação nuclear. A Europa deve cuidar de si mesma!…
A Alemanha bloqueia um debate sobre defesa nuclear na Europa dado o armamento nuclear estacionado na Alemanha ser americano, e rivalidades entre os membros da EU levam-na a impedir um consenso comum entre os membros europeus em termos de defesa estratégica e a recusar a oferta de conversação de Mácron preferindo apostar em sub-alianças!
A Alemanha está mais interessada em comprar armamento americano do que em investir no armamento europeu já existente porque um tal apoio beneficiaria a posição da França na Europa; por isso a Alemanha esforça-se por angariar aliados de armamentos que a beneficiem a preço de uma Europa dividida em grupos de interesses bélicos diferentes. O ministro da Defesa Boris Pistorius (verdadeiro “soldado” germânico) é contra a oferta de Paris, ele defende os interesses da Alemanha no Leste e não no sul dos povos latinos (este muro invisível da Europa entre uma zona europeia “de mentalidade protestante” e uma outra zona mais de “mentalidade católica” é observável também na Alemanha: a parte norte da Alemanha protestante e a parte sul Baviera de caracter mais latino! Passei grande parte da minha vida na Alemanha no sul e no centro-norte e verifiquei que mesmo no partido SPD de que era membro havia os mesmos preconceitos contra a Baviera e contra o catolicismo tal como se encontra na posição de alguns alemães contra estrangeiros! Assim a Europa continuará também depois de séculos dividida numa parte alemã de génio anglo-saxónico (protestante com os Estados Unidos) e, como tal, vocacionada a unir-se mais com os irmãos dos EUA do que os companheiros da Europa do Sul (de mentalidade mais latino-católica). A Alemanha levou à divisão da Europa e com ela parece afirmar-se na divisão!
Assim, logicamente, a Alemanha é contra um guarda-chuva nuclear europeu. Uma discussão sobre um guarda-chuva nuclear da Europa para a Europa mostraria ao público europeu a divisão cultural da cultura europeia em latina e nórdica com correspondentes grupos de interesses por vezes antagónicos. No meu entender, uma discussão pública e aberta sobre isto protegeria os interesses do Sul da Europa e, levaria a questionar os interesses económicos e militares da Alemanha na Ucrânia, pelos quais o Sul também tem estado a pagar, por uma parte não interessada em compromissos com a Rússia. Zelensky sabe disso e é por isso que se poderá perceber a sua autoridade sobranceira (atrevimento!) em relação aos governantes do Ocidente (embora o seu sistema seja tão corrupto como o russo)! A Alemanha prefere estar sob o domínio dos EUA do que ter de contribuir para o poder nuclear francês. Por outro lado, a França não está disposta a uma mutualização do controlo sobre as suas armas nucleares. É claro que isto parece ser do interesse da Alemanha, uma vez que apenas a França e a Inglaterra possuem armas nucleares próprias enquanto as estacionadas na Alemanha pertencem aos USA e estes têm poder soberano nas suas bases de estacionamento. É claro que, em caso de conflito, a Alemanha veria a expansão dos seus poderes. Nesse pensar, a Alemanha já trabalha no sentido de se tornar a representante da NATO na Europa. A Alemanha quer assumir o papel de liderança na NATO com a possível secretária geral Von der Leyen. (Na Alemanha, em Büchel, no Eifel, estariam armazenadas cerca de 20 bombas termonucleares de gravidade B61 das forças armadas dos EUA (Cf HNA, 15 de fevereiro de 2024).
Uma mistura de medo da Rússia, da Alemanha e uma guerra cultural tácita entre a Europa “germânica” e a Europa Latina existem como elementos inibidores num movimento que seria urgentemente necessário de um em direção ao outro.
Como se nota no nervosismo de Bruxelas e Berlim, a política interna dos EUA continuará a fazer parte das preocupações internas dos países Europeus.
O “ponto de viragem” proclamado pelo governo Scholz teve grande impacto por determinar a militarização (100.000 milhões de euros) de uma Alemanha ainda economicamente forte, mas sobretudo militarmente dependendo dos EUA. O seu ponto de viragem é uma viragem que parecendo em benefício da Alemanha se poderá tornar num motivo de maior distanciamento entre povos. Pelo que se observa da facilidade de movimentação de imensas massas populares (sem discussão de conteúdos) apenas com base em slogans e emoções constata-se que o povo alemão ainda se encontra muito dependente do dirigismo político, o que não motiva grande confiança numa Alemanha demasiadamente determinadora dos destinos da Europa! Na União Europeia nota-se, tal como a nível mundial, o domínio do Norte perante o Sul! Para se conseguir uma Europa mais equilibrada, humana e universalista teria de se conseguir um melhor caldeamento do espírito nórdico (e interesses) com o espírito do Sul (e correspondentes interesses económicos e culturais).
A reviravolta económica provocada pelo boicote económico à Rússia revelou-se, a curto prazo e mais a longo prazo numa grande perda para a Europa. Os locais de negócios europeus irão deslocar-se para a Ásia (em parte para os EUA) e a Europa não tem como fugir a esta realidade. Os EUA ainda se afirmam como o motor da economia mundial tendo ainda imensos recursos não utilizados a nível de impostos, coisa que a Europa já esgotou. Os preços da electricidade na Alemanha são três vezes mais elevados do que nos EUA…
A Alemanha encontra-se socialmente irritada porque dividida e desorientada porque segue os interesses americanos e tendo de reconhecer que a Itália, a França e a Espanha defendem também interesses genuínos latinos (do Sul) não apostando tudo na cartada do Leste (cf. Ucrânia) e que por seu lado também a Polónia se apresenta cada vez mais consciente do seu poder na Europa. A Alemanha, com o seu apoio quase incondicional à Ucrânia – depois de um tempo de indecisão oportuna – (e com a sua política de imigração imposta à Europa), negligenciou os interesses de uma Europa integral de espírito que não é só económico, mas sobretudo cultural. A Alemanha está interessada em fortalecer os seus vizinhos de Leste, mas querendo que os países latinos a apoiem sem compensações sustentáveis.
Um erro crasso nos afazeres europeus tem sido confundir a Europa da cultura (fundada por S. Bento) com a União Europeia pós-guerra, baseada sobretudo na economia e na ideologia política (fundada por Robert Schumann). A afirmação da economia sobre a cultura (ou mesmo contra a cultura no desrespeito de tradições dos seus próprios povos e por outro lado afirmando irrefletidamente a tradição islâmica) tem destruído a Europa no seu ser (a).
A discussão pública na Alemanha desceu a um nível impensável, o que demonstra a irritação e insegurança em que a classe política vive! O chanceler Scholz apelidou Putin e os seus colegas de “predadores” (no Wall Street Journal) e o presidente Steinmeier apelidou de “ratazanas” os apoiantes do partido AfD. Vai-se tendo a impressão de nos encontrarmos a caminho de uma sociedade zoológica sem cercas, mas onde predadores e animais domesticados têm que coabitar em guerra. O ponto de viragem traz-nos de volta a guerra fria. A Alemanha disponibilizou mais de 30 mil milhões de dólares em ajuda armamentista à Ucrânia. Ao declarar a nova era (ponto de viragem”), o governo alemão pensou que seria tão fácil convencer o povo como foi com o vírus Corona. A Europa trouxe para casa os problemas do mundo e não consegue ver o que acontece nela mesma. A EU é incapaz de resolver os problemas de incompatibilidade entre situações e interesses do Norte e do Sul por se encontrar demasiadamente ideologizada e a viver numa esfera de vidro.
Se Trump chegar ao poder, a Europa terá ensejo para acordar e ter a oportunidade de tomar o seu destino nas próprias mãos (3)!
Talvez deste modo a União Europeia acorde para uma Europa que seja voz do humanismo no mundo e assim desperte para o seu papel de medianeira na inter-relação de países e blocos sem se perder num bloco virado para um passado que ainda teima em apostar na hegemonia americano-europeia.
Como primeira reação às palavras de Trump, a discussão pública na Alemanha já aponta para a criação de um exército europeu e para uma obrigação de serviço militar. Esta será também uma oportunidade para se criar também uma imigração de soldados.
A Europa encontra-se num momento crítico da sua história porque tem andado sem conceito próprio ao sabor dos ventos! Ao desabamento que estava a acontecer a nível cultural por influência do marxismo e do turbo-capitalismo vem-se juntar a derrocada económica a longo prazo, pelo menos até que a União Europeia descubra de novo a sua outra parte europeia na Rússia. Não há males que não venham por bem!
O que a Europa precisa, em vez da idiotice do empenho total no armamento nuclear e armamento convencional, é aplicar esse esforço em iniciativas de paz. Em vez de exportar a guerra com as armas a Europa deveria exportar paz e tudo o que fomente uma cultura da paz! À frente da iniciativa do fomento da paz devia estar a Alemanha a dar o exemplo.
Seria digno de um discurso público e de se questionar: porque é que a sociedade e a política não se empenham por uma cultura de paz destinando a ela também 2% do PIB como faz para fomentar as guerras?
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
(1) Portugal gasta agora 2,85 mil milhos de euros, isto é, 1,3% do PIB. Também a Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Noruega seriam afectados pela declaração de tropas pelo facto de não atingirem os 2% do PIB nas despesas de defesa.
(2) REUNIÃO IMPORTANTE NA BASE AMERICANA DE RAMSTEIN https://antonio-justo.eu/?p=8218
Crítica à Base Aérea dos EUA na Alemanha: https://antonio-justo.eu/?p=7663
O sonho da Eurásia morreu na Ucrânia: https://jornaldeoleiros.sapo.pt/2023/09/08/politica-nacional/politica-internacional/o-sonho-da-eurasia-morreu-na-ucrania.html
A Europa dividida favorece a sabotagem geopolítica: https://geopol.pt/a-europa-dividida-favorece-a-sabotagem-geopolitica/
O Sul global está a chegar: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2022/07/o-sul-global-est%C3%A1-a-chegar-vai-ser-grande-o-pre%C3%A7o-a-pagar.html
Internacionalmente a Alemanha não é livre de decidir (decidem interesses recíprocos): https://antonio-justo.eu/?p=8223
Guerras da América e da Rússia: https://geopol.pt/guerras-da-america-e-da-russia/
Taiwan e Ucrânia são cavalos troianos: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2022/08/taiwan-e-ucr%C3%A2nia-na-situa%C3%A7%C3%A3o-de-cavalos-troianos-de-interesses-imperialistas-rivais.html
Coisas da Democracia: https://www.linkedin.com/pulse/idade-digital-inicia-era-p%C3%B3s-f%C3%A1tica-o-sentimento-%C3%A9-ant%C3%B3nio/?originalSubdomain=pt
(3) Com as afirmações de Trump torna-se claro que a UE negligenciou os seus próprios interesses em favor dos interesses geopolíticos dos EUA e agora sente-se ameaçada caso os EUA não a apoiem! As negligências europeias depois da queda da União Soviética e com a guerra na Ucrânia impediram a oportunidade de se construir uma Europa forte com a Rússia a bordo, o que não era dos interesses dos EUA e significaria grande concorrência para os EUA.
A Europa seguiu de ânimo leve os interesses geopolíticos dos EUA no conflito a desenrolar-se na Ucrânia. A Alemanha, de mãos atadas pelos EUA (Acordo 2+4) apressou-se a declarar a descontinuidade da política de aproximação cautelosa à parte da europa russa cortando com todo um passado de relações com a Rússia de que também se aproveitou.
(a) Talvez o génio da História venha a superar a divisão da Europa que se encontra realizada na Alemanha servindo-se também do factor da imigração para unir os diversos povos que se encontram do lado ocidental e do lado oriental da Europa e assim se venha a realizar uma Europa toda.