Também a Arte tem Limites e não chega apagar as Indignações
A exposição mundial (D15) encontra-se sob o fogo da crítica geral na Alemanha. É acusada de antissemita e com razão. O facto de a organização da D15 só ter apresentado o painel do escândalo ao público (com uma cena antissemítica) no sábado depois dos jornalistas já terem partido (cerca de 3.000 jornalistas tinham visitado a Documenta nos dias anteriores para eles reservados) dá razão para suspeitar da intenção propositada.
O painel monumental, em frente do Pavilhão-Documenta no Friedrichsplatz, foi desmontado devido a estereótipos pejorativos antissemitas que se encontravam num pormenor da tela. A obra do grupo artístico indonésio Taring Padi apresentava uma figura onde um judeu (reconhecível pelos seus caracóis) com runas SS no chapéu e mostra também tropas da Mossad com Estrelas de David e focinhos de porco.
No Domingo (21.06) ainda consegui fazer fotos e um filme do grandioso painel, mas na segunda feira o painel já tinha sido coberto com um pano preto (fazia lembrar os monumentos encapuzados do artista Cristo) que alguns desejavam que ficasse durante o tempo da Documenta. As ondas da consternação provocada a nível nacional chegaram tão alto que, sem alternativa, foi determinada a remoção da obra de arte; afinal, um acto tão radical como radical tinha sido a obra do grupo artista; deste modo, penso que não fica rasto da vergonha e talvez o grupo artista medite para dar largas a novo acto criativo mais decente!
O extremismo apresentado num ponto do painel vira o feitiço contra o feiticeiro: a crítica que pretendiam fazer à sociedade em geral recebem-na como ricochete sem que haja uma reflexão sobre os outros temas importantes do painel! Neste proceder não se passa além do círculo vicioso de crítica à crítica! Perante tanta pressão o painel foi retirado e o grupo Taring Padi pediu desculpa por qualquer ofensa causada pela obra.
O extremismo, a violência de poderosos e uma certa antropofobia lematizadas na tela parecem ganhar cada vez mais espaço no meio da nossa sociedade; a violência estrutural e a violência individual e da arte encontram-se concretizadas, de maneira exemplar, no retratado na tela e no que acontece em torno dela. Enfim, política e socialmente, encontramo-nos todos envolvidos num mesmo jogo que se repete e assim vai dando sustentabilidade às forças sociais (críticos e criticados) que se sucedem e repetem. Na D15 colidem dois mundos diferentes e com expressões diferentes: o mundo do sul representado no colectivo Ruangrupa (grupo indonésio que tem a cargo a direcção artística da D15) e o mundo do Norte onde a exposição mundial se realiza com uma mundivisão própria e costumes culturais próprios. A liderança da D15 tem uma tarefa difícil, que seria reconciliar o mundo muçulmano com o Ocidente no que toca à relação com Israel! A solução para a liderança artística seria que esta tomasse a iniciativa de, como colectivo artístico, fazer uma declaração explícita defendendo a existência de Israel.
Talvez a tela pintada seja não só expressão do “racismo” inerente ao homem e às culturas, mas também um símbolo da documenta 15 e, quem sabe, uma imagem de um mundo que nega reconhecer-se a si mesmo!
Uma cultura, cuja abertura não conhece fronteiras porque, sem terreno próprio, o seu futuro já passou, esvai-se agora nas liberdades dos poderosos, da arte e do sexo sem respeito pelas comunidades nem pelo humano. A cultura ocidental controverte-se, comporta-se como se estivesse em declínio e proporciona cada vez mais espaço para a insensatez e a misantropia. Todas as Documentas a que assisti desde os anos oitenta revelam o estado da sociedade ocidental que nos seus actores se poderá reconhecer uma missão de desconstrução de um passado histórico que em vez de corrigido e melhorado se pretende irradiado. A Europa encontra-se numa fase de mera autoadministração, sem perspectiva espiritual e sem mensagem para si nem para o mundo.
Expressões de liberdades que no Sul ainda se esbanjam, talvez devido à vida dura que levam, provocam calafrios ao Norte.
Uma sociedade habituada a refugiar-se em eufemismos para esconder a realidade, desta vez confessa e com razão que também a arte tem de reconhecer os seus limites mesmo a nível de simbologias!
A Europa, sociedade aberta, no que toca ao abstrato, começa a perder a capacidade de abstrair quando se trata de poder. O grupo artístico indonésio perde toda a razão ao servir-se de antissemitismo ou racismo para denunciar Administrações e elites partidárias, corporações internacionais e movimentadores financeiros globais que longe do cidadão, determinam as condições de enquadramento em que podemos querer, agir e pensar! Com a experiência das duas grandes guerras e da política relativamente à Pandemia e à guerra, o sonho de uma Europa livre e feliz está politicamente a dar lugar a um pragmatismo sem crença, em que a esperança é substituída pelo viver o momento presente. O painel do grupo artístico indonésio Taring Padi veio dar razão às suposições de antissemitismo atribuído a parte dos organizadores da D15 e já antes da abertura mencionado na imprensa.
O Presidente da RFA, no discurso de abertura da D15, já tinha criticado duramente as tendências antissemitas anexadas à equipa responsável pela Documenta 15.
Na realidade, não basta desenvolver simpatia pelos oprimidos e desfavorecidos para se ter razão nos meios que se usam e nas críticas que se fazem (seja ao racismo contra os de cor, ou aversão ao colonialismo baseado no egoísmo, seja o sentimento de superioridade ou exploração). Isto é constante, mas não desculpa a justificação de Ruangrupa para colocar os países desfavorecidos do Sul em primeiro plano e, por outro lado, abastecer-se dos mesmos clichés que a classe dominante criticada se serve para os humilhar. Considerado sintomático para alguns foi o facto de o grupo organizador, vindo de um país muçulmano, não ter convidado para a documenta nenhum artista de Israel!
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7631
(1) DOCUMENTA – A EXPOSIÇÃO MUNDIAL DE ARTE EM KASSEL: https://antonio-justo.eu/?p=7623