MAIS 21 NOVOS CARDEAIS PARA COADJUVAREM O PAPA NO GOVERNO DA IGREJA

Novo Cardeal português

O mais novo a ser promovido a Cardeal, no dia 30 de setembro em Roma, é português e tem 49 anos:  D. Américo Alves Aguiar actualmente bispo auxiliar de Lisboa.

Assim no caso de um conclave o número de cardeais eleitores do Pontífice aumentará para 137. O peso da Europa na eleição do Papa continuará a ser significante. A Europa terá 53 cardeais eleitores (incluindo 15 italianos); 15 cardeais eleitores na América do Norte (11 nos EUA e 4 no Canadá); 24 cardeais eleitores na América Latina; 19 cardeais eleitores na África; 23 cardeais eleitores na Ásia e 3 cardeais eleitores na Oceania.

Cardeais com mais de 80 anos não podem ser eleitores de um novo papa em um eventual conclave.

Da fonte Vaticana junto aqui o resumo sobre os 21 candidatos anunciados  a 07/09/2023:

  1. O arcebispo Robert Francis Prevost (67, EUA/Vaticano) é prefeito do dicastério para os bispos e, portanto, chefe de uma das mais importantes autoridades vaticanas. Aos 22 anos ingressou na ordem agostiniana e foi ordenado sacerdote em 1982. Ele recebeu seu doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, em Roma, e passou onze anos na Missão Agostiniana de Trujillo, no Peru. De 2001 a 2013 foi Prior Geral da Ordem Agostiniana. Em 2014, o Papa Francisco o nomeou Bispo da Diocese peruana de Chiclayo (Peru) e em 2023 Prefeito do Dicastério dos Bispos.
  2. O Arcebispo Claudio Gugerotti (67, Itália/Vaticano) é Prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais desde 2022. Sacerdote desde 1982, estudou línguas orientais e doutorou-se no Pontifício Instituto Oriental, onde trabalhou como professor. Sua experiência de ensino também se estende a universidades em Veneza, Pádua e Roma. Em 1985 ingressou na Congregação para as Igrejas Orientais e tornou-se Subsecretário em 1997. Nomeado arcebispo em 2002, ele atuou como diplomata do Vaticano na Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Bielo-Rússia e depois na Ucrânia, desde julho de 2020 no Reino Unido. Gugerotti fala russo e é considerado conselheiro da Santa Sé na guerra da Ucrânia.
  3. Dom Victor Manuel Fernández (60 anos, Argentina/Vaticano) é arcebispo de La Plata, Argentina. A partir de setembro, o ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina vai chefiar o Dicastério da Doutrina da Fé no Vaticano, uma das autoridades mais importantes da Cúria Romana. Fernández é teologicamente próximo de Francisco e diz-se que ajudou a preparar alguns dos textos mais importantes do atual pontificado com sua experiência. Em entrevistas após sua nomeação para o Vaticano, ele indicou um novo rumo para a autoridade da fé, que o Papa Francisco também delineou em uma carta ao seu compatriota publicada na mesma época da nomeação. No futuro, a autoridade deve se concentrar mais no diálogo e menos na demarcação, escreveu o Papa ao arcebispo.
  4. 4. O Arcebispo Emil Paul Tscherrig (76, Suíça/Vaticano) é um diplomata experiente da Santa Sé com vasta experiência na Argentina. Ele era núncio lá quando o arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Mario Bergoglio, foi eleito papa em 2013. O suíço é atualmente o primeiro núncio não italiano – ou seja, embaixador da Santa Sé – para a Itália e San Marino. Nascido em Unterems, no cantão de Valais, no sul da Suíça, Tscherrig, formado em direito canônico, trabalha no serviço diplomático da Santa Sé desde 1978. Durante esses 45 anos trabalhou em Uganda, Coreia do Sul, Mongólia e Bangladesh. Suas estações posteriores incluíram vários estados do Caribe, novamente a Coréia do Sul e a Mongólia e os países escandinavos. Como dez dos 13 núncios na Itália até o momento – embora apenas após a aposentadoria – se tornaram cardeais, os observadores suíços esperavam que Tscherrig fosse admitido no Colégio dos Cardeais.
  5. O arcebispo Christophe Pierre (77, França/Vaticano) é considerado um dos mais importantes diplomatas do Vaticano no governo de Francisco. Nascido no norte da França, o clérigo é um dos poucos do Colégio dos Cardeais a ter servido como soldado. Como embaixador do Papa, o canonista esteve destacado no Haiti, Uganda e México, entre outros lugares. Em 2016, o Papa Francisco o enviou para um importante posto diplomático em Washington. Lá ele lidou com Donald Trump como presidente por cinco anos, depois com o liberal católico Joe Biden. Na conferência dos bispos norte-americanos, majoritariamente conservadora, Pierre faz campanha por uma abertura no espírito do Papa Francisco, por exemplo na chamada disputa da comunhão, na qual os bispos queriam recusar a comunhão a políticos católicos como Biden, que adotam uma linha liberal sobre o aborto, com referência ao direito canônico. Como núncio, Pierre também prepara as nomeações episcopais, que nos últimos anos nos Estados Unidos tiveram a assinatura clara de Francisco.
  6. Dom Pierbattista Pizzaballa (58, Itália/Terra Santa) é o Patriarca Latino de Jerusalém e um dos representantes mais proeminentes da Igreja no Oriente Médio. O franciscano vive em Jerusalém desde 1990, onde se formou em teologia bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum. Em 1999 entrou oficialmente ao serviço da Custódia da Terra Santa e, como Vigário Geral, foi responsável pelo cuidado pastoral da Igreja Católica de língua hebraica em Israel. Pizzaballa publicou o Missal Romano em hebraico. É membro da Congregação das Igrejas Orientais no Vaticano e assessor da comissão papal para as Relações com o Judaísmo. Em termos de política de paz, em total sintonia com a Santa Sé, Pizzaballa defende uma solução de dois Estados. Ao mesmo tempo, ele aponta as dificuldades de uma nova aproximação entre israelenses e palestinos.
  7. O Arcebispo Stephen Brislin (66, África do Sul) lidera a Arquidiocese da Cidade do Cabo desde 2010. Lá ele repetidamente chamou a atenção para os abusos na África do Sul e pediu a luta contra o racismo, a corrupção e a injustiça social. De 2013 a 2019, ele atuou como presidente da Conferência Episcopal Sul-Africana. Em 2019, Brislin criticou o fato de a Igreja na África ainda estar fazendo muito pouco para lidar com casos de abuso e recomendou um “processo sincero, transparente e aberto”. Brislin também expressou a avaliação de que o abuso de mulheres religiosas na Igreja Católica na África Já em 2016, ele havia se desculpado com todas as vítimas de abuso e pelo silêncio da Igreja Católica sobre crimes racistas durante o apartheid.
  8. O Arcebispo Ángel Sixto Rossi (64, Argentina) dirige a Arquidiocese de Córdoba, a segunda maior cidade da Argentina. Com ele, o Papa Francisco concede o gorro vermelho a outro jesuíta. O futuro cardeal recebeu seu doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma sobre um dos temas favoritos do Papa Francisco: o discernimento espiritual de Inácio de Loyola. De 1990 a 1992 foi reitor da Igreja de El Salvador em Buenos Aires, onde trabalhava seu irmão Bergoglio. Nesse período, Rossi abriu um ponto de contato para pessoas em situação de rua. Em 1992 fundou “Manos Abiertas”, uma fundação para os pobres e marginalizados, que hoje ajuda em dez cidades argentinas. Também na década de 1990 foi mestre de noviços dos jesuítas. Ele também dirigiu numerosos retiros inacianos para grupos de sacerdotes, religiosos e leigos.
  9. Dom Luis José Rueda Aparicio (61 anos, Colômbia) preside a capital da diocese de Bogotá, na Colômbia. Antes de entrar no seminário, trabalhou com o pai na construção civil, vendendo jornais e numa fábrica de cimento. Depois de sua ordenação em 1989 obteve dois diplomas em Roma, um em teologia moral pela Alfonsiana. Isso foi seguido por cargos na pastoral paroquial e como professor em um seminário. Bispo de Montelibano desde 2012, o Papa Francisco o nomeou arcebispo de Popayán em 2018 e depois bispo de Bogotá em 2020. Em 2021, Rueda foi eleito Presidente da Conferência Episcopal Colombiana por seus confrades.
  10. O arcebispo Grzegorz Ryś (59, Polónia) é apenas o segundo polonês a ser promovido a cardeal pelo Papa Francisco, depois do incansável trabalhador necessitado Konrad Krajewski. Isso eleva o número reduzido de potenciais eleitores papais poloneses para quatro. Ryś estudou teologia em Cracóvia sob o regime comunista e foi ordenado sacerdote pouco antes da reunificação na Catedral de Wawel. Ele recebeu seu doutorado em história da igreja sobre piedade popular na Polônia e dirigiu o seminário de Cracóvia de 2007 a 2011, até o Papa Bento XVI. nomeou-o bispo auxiliar em Cracóvia. O Papa Francisco nomeou Ryś arcebispo de Łódź em 2017. Ele fez campanha pela promoção de diáconos casados, o que não é comum na Polônia, e introduziu o diaconato permanente em sua arquidiocese em 2019. Além disso, Ryś fundou o seminário missionário diocesano Redemptoris Mater International do Caminho Neocatecumenal. Em 2018 convocou um sínodo para sua arquidiocese. Como membro do Dicastério dos Bispos do Vaticano, ele ajuda a decidir sobre a seleção dos futuros bispos para a Igreja universal.
  11. O Arcebispo Stephen Ameyu Martin Mulla (59, Sudão do Sul) dirige a Arquidiocese de Juba no Sudão do Sul há quatro anos. Ele trabalhava como padre na capital sudanesa de Cartum e veio estudar em Roma. Sua dissertação na Pontifícia Universidade Missionária Urbaniana em 1997 tem como título “Rumo ao diálogo religioso e à reconciliação no Sudão”. de Torit depois que a diocese do Sudão do Sul ficou vaga por mais de cinco anos, e arcebispo de Juba no final daquele ano, enquanto servia como Administrador Apostólico por alguns meses na diocese de Wau no Sudão do Sul.
  12. O arcebispo José Cobo Cano (57, Espanha) dirige a Arquidiocese de Madrid há pouco menos de um mês. Com 3,4 milhões de católicos, a diocese da capital é uma das maiores da Europa, pouco menor que a de Milão, cujo arcebispo Mario Delpini continua sem cartola. Após a nomeação de Cobo como cardeal, Madrid – uma exceção mundial – terá três cardeais vivos, porque os dois predecessores de Cobo, Antonio Rouco Varela (88) e Carlos Osoro Serra (78), também pertencem ao colégio cardeal, tendo este último o direito de votar como papa. Nascido na Andaluzia, Cobo é considerado um especialista em doutrina social católica. Atuou na pastoral dos trabalhadores e dedica atenção especial aos migrantes, que representam 17% da população de Madri, na obra social da Igreja. Ele também é considerado um reconciliador; “A polarização vai contra o evangelho”, disse ele pouco antes de sua nomeação como arcebispo de Madri.
  13. O Arcebispo Protase Rugambwa (63, Tanzânia), até recentemente Prelado da Cúria, é atualmente Arcebispo Coadjutor de Tabora. O Papa João Paulo II ordenou Rugambwa em 1990 durante sua visita pastoral à Tanzânia. O africano foi estudar para Roma, onde se formou em teologia pastoral na Universidade Lateranense e ingressou na Congregação para a Evangelização dos Povos em 2002. Em 2012, o Papa Bento XVI o nomeou Vice-Secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos e Presidente das Pontifícias Obras Missionárias com o título pessoal de Arcebispo. Em março de 2023, terminou o mandato de Rugambwa no Vaticano e, em abril, Francisco o nomeou arcebispo coadjutor de Tabora.
  14. Bispo Sebastian Francis (71, Malásia) foi nomeado pelo Papa Bento XVI em 2012. transferiu a direção da diocese malaia de Penang. Foi ordenado sacerdote em 1977, após o que se mudou para Roma para continuar a sua formação e licenciou-se em teologia dogmática na Universidade Dominicana de São Tomás de Aquino. De volta à Malásia, Francisco tornou-se professor de teologia dogmática, diretor espiritual do seminário em Penang e capelão universitário também em Penang, mas também trabalhou como pároco. Em 1991, ele completou seus estudos de direito. 10.000 católicos celebraram sua posse como Bispo de Penang. Desde 2017, o bispo Sebastian Francis também presidiu a Conferência Episcopal da Malásia, Cingapura e Brunei.
  15. 15. O Bispo Stephen Chow Sau-yan (63, China) pertence à ordem jesuíta como o Papa Francisco e dirige a diocese de Hong Kong. Depois de estudar psicologia e teologia, para os quais passou vários anos em Minnesota, EUA, entre outras coisas, assumiu cargos de direção em sua ordem e foi provincial da Província Jesuíta Chinesa até 2021. Em maio de 2021 foi nomeado Bispo da Diocese de Hong Kong, China. O cargo estava vago há dois anos. Chow Sau-yan anunciou que inicialmente rejeitou o título de bispo. Ele aceitou depois de receber uma carta manuscrita do Papa Francisco. Em abril de 2023, Chow visitou a arquidiocese de Pequim, a primeira visita de um bispo de Hong Kong à capital da China desde 1985. O bispo está cautelosamente otimista sobre a tensa relação diplomática entre a China e a Santa Sé. Ele não considera o acordo relevante, em particular sobre a nomeação de bispos, “morto”, disse Chow Sau-yan.
  16. 16. Dom François-Xavier Bustillo (54, França) é franciscano menor e bispo de Ajaccio na França. Ele nasceu na Espanha. Além de várias tarefas na pastoral paroquial, Bustillo foi guardião da Província Franciscana da França e Bélgica de 2006 a 2018. Em 1992 fundou um mosteiro franciscano em Narbonne. Como Vigário Episcopal da Arquidiocese de Narbonne, foi responsável pelas novas comunidades espirituais e pelo diálogo inter-religioso. Antes de sua nomeação como bispo em 2021, ele também trabalhou como guardião do convento Saint Maximilien Kolbe em Lourdes e representante episcopal para a peregrinação em Lourdes e para a proteção dos menores. Bustillo é autor do livro “Testimoni, non funzionari. o sacerdote.
  17. D. Américo Alves Aguiar (49, Portugal) será promovido a cardeal como bispo auxiliar, tornando-se um dos mais jovens do círculo exclusivo de eleitores papais. O teólogo e especialista em mídia, que se formou em seu país natal – e não em Roma – aparentemente prestou grandes serviços no planejamento e preparação da Jornada Mundial da Juventude deste ano em Lisboa, para a qual o Papa Francisco também quer viajar no início de agosto. Com a sua nomeação, Lisboa, tal como Madrid, terá dois eleitores papais nos próximos anos, já que o arcebispo Manuel Clemente (75) também é cardeal e tem menos de 80 anos. Alves Aguiar é media estudioso de formação, dirige o departamento de comunicação do Patriarcado de Lisboa e é bispo auxiliar desde 2019.
  18. Angel Fernández Artime (62, Espanha) é Superior Geral dos Salesianos de Dom Bosco, a segunda maior ordem masculina da Igreja Católica depois dos Jesuítas, desde 2014. A comunidade está empenhada em ajudar os jovens em todo o mundo, inclusive nas escolas e no treinamento vocacional. O padre da Espanha, que ainda não foi ordenado bispo, passou toda a sua carreira eclesiástica na ordem bem organizada, a maior parte do tempo na Espanha e de 2009 a 2013 em Buenos Aires, Argentina. Fernández Artime conhece o Papa de hoje desta época. Desde 2014 lidera a ordem mundial como Superior, o Capítulo Geral o elegeu em 2020 por mais seis anos. Os padres que ainda não são bispos quando são nomeados cardeais geralmente compensam a ordenação episcopal, mas também podem prescindir dela.
  19. Arcebispo Agostino Marchetto (82, Itália/Vaticano) é um diplomata vaticano aposentado, conhecedor do Concílio Vaticano II e foi secretário do “Pontifício Conselho para os Migrantes e Itinerantes” por muitos anos. aos serviços na Oktoberfest de Munique. Anteriormente, Marchetto trabalhou no serviço diplomático do Papa em Madagascar, Maurício, Tanzânia e Bielo-Rússia (atual Bielorrússia). Em 2010, aos 70 anos, renunciou ao cargo de secretário do Conselho de Migrantes para se dedicar a estudar a recepção do Concílio e, posteriormente, o Papa Francisco uma vez o chamou de “o maior hermenêutico do Vaticano II”. Na interpretação de Marchetto, a assembléia da igreja (1962-65) foi um impulso para a reforma, mas de forma alguma rompeu com a tradição.
  20. O arcebispo Diego Rafael Padrón (84, Venezuela) foi chefe da Arquidiocese de Cumaná na Venezuela de 2002 até sua aposentadoria em 2018 e hoje é pároco. Por duas vezes seguidas os confrades o elegeram Presidente da Conferência Episcopal Venezuelana. Iniciou sua carreira episcopal em 1990 como bispo auxiliar em Caracas. É formado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Diplomado em Estudos Bíblicos Orientais pelo Instituto Franciscano de Jerusalém e trabalhou como formador de professores em Caracas. Por causa de sua idade, Padrón não tem o direito de votar para o Papa. O Papa Francisco concedeu-lhe o título de cardeal em reconhecimento ao seu compromisso duradouro com a Igreja.
  21. Luis Pascual Dri (96, Argentina) é o mais velho dos novos cardeais eleitos de Francisco. Quando criança, Dri trabalhava no campo e cuidava de animais, todos, exceto um de seus irmãos, foram ordenados sacerdotes ou entraram na ordem religiosa. Em 1938, aos onze anos, ingressou no seminário capuchinho. Foi ordenado sacerdote em Montevidéu em 1952. Em 1961 especializou-se na Europa como formador de noviços. Depois de 38 anos como professor e depois como pastor no Uruguai, Dri voltou para a Argentina em 2000. Lá ele trabalhou, entre outras coisas como confessor procurado, no santuário mariano Nuestra Señora De Pompeya em Buenos Aires, onde ainda hoje ouve confissões. A mídia local o apelidou de “o confessor do Papa” por causa de seu conhecimento com o cardeal Bergoglio/Papa ​​Francisco.O padre capuchinho argentino e o salesiano espanhol Fernández Artime (#18) são os únicos dos 21 recém-chegados que ainda não receberam a ordenação episcopal.

(notícias kna/vaticano – gs)

Tradução do Alemão pelo Google.

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DEMOCRACIA INCORREGÍVEL PORQUE SÓ DOS QUE TÊM MEGAFONES?

Na Alemanha o Partido AfD conseguiu já conquistar uma Presidência da Câmara

Actualmente observa-se na Europa uma grande insegurança das populações causada sobretudo por uma forma de governação virada para o improviso e para acções mais próprias de manada. Como, há falta de disputa pública sobre os problemas reais da sociedade entre os principais partidos do arco do governo, parte da discussão e dos problemas são transferidos para os partidos marginais. Isso dá a impressão que eles é que são a causa dos problemas, quando o que eles fazem é questionar as medidas governamentais provocadoras da insatisfação geral. O que se passa na discussão política da sociedade alemã relativamente ao partido AfD, acontece em Portugal em relação ao CHEGA. Os partidos mais representativos em vez de corrigirem a sua conduta governamental preferem continuar a caminho do orgolhosamente sós!

Para cúmulo, os cidadãos inseguros e descontentes que não manifestem simpatia pela coligação dos partidos governantes ainda são acusados publicamente de se alienarem dos processos democráticos. E isto porque políticos e noticiários lamentam o fenómeno como se ele fosse algo antidemocrático, seguindo a lógica de que quem não se conforma com o governo é automaticamente antidemocrático. O comportamento democrático não pode estar apenas atrelado a governos ou maiorias e, para tal, considerar o resto como antidemocrático. No sistema democrático partidário, quanto mais consciente for o povo maior diferenciação de partidos haverá.

Se queremos servir a democracia na sociedade, não chega centrar a atenção e as actvidades apenas na voz dos que falam mais alto e na voz dos governantes.

Cada vez parece mais encontrarmo-nos numa sociedade onde apenas existe a alternativa de recuar para as grandes bolhas do mainstream ou ficar-se pelas pequenas bolhas de opinião individual.

Com a guerra da Ucrânia e a consequente submissão militar e económica da Alemanha e da EU aos interesses dos EUA, a Europa perdeu a sua independência e em consequência disso as populações europeias sentem, pelo menos no seu inconsciente colectivo, que se encontram paulatinamente a caminhar para a autodestruição da própria civilização.

Precisava-se de uma solução europeia para o conflito, mas os governantes europeus não se encontram à altura de lhes poder dar resposta digna. Neste panorama os partidos procuram desviar as atenções dos próprios erros para as disputas partidárias, para partidos fora do arco da governação. Assim como o capitalismo renano com a economia social de mercado (na época da guerra fria) conseguiu equilibrar liberdade e responsabilidade, subsidiariedade e solidariedade entre as pessoas, também os governos e partidos, a nível político, deveriam tratar, na discussão pública, os seus interesses específicos de forma complementar sem difamar nem negar o direito à existência a partidos rivais! Fica feio a militantes partidários colocar os interesses do seu partido à frente dos interesses do bem-comum e pior ainda quando identificam o seu projecto político como se fosse o verdadeiro para resolver os problemas da nação.

Na Alemanha a AfD conseguiu eleger agora um Presidente da Câmara, apesar das contínuas campanhas da imprensa contra o partido. As últimas sondagens apresentam resultados da AfD (1) iguais ao do SPD. Os Media empolgados reagem de maneira emocional, não registando que propriamente a única oposição à política do governo é o partido AfD; tal comportamento desprestigia a imagem de uma sociedade que pretende ocupar um lugar relevante na Europa. Segundo investigações de Forsa, os apoiantes do partido pertencem à classe média clássica – trabalhadores e empregados de meia-idade. Por outro lado, o partido dos Verdes encontra-se distanciado do povo porque vindo do movimento 68 conseguiu fazer carreira nas instituições e deste modo não pode compreender a situação da população em geral. O povo sente-se não representado e não levado a sério. 79% de entrevistados estão insatisfeitos com o governo federal e dois terços dos “eleitores da pesquisa do AfD” são, eleitores de protesto que pretendem apenas actuar como corretivo. Os partidos do governo semáforo em vez de combaterem a AfD indiferenciadamente deveriam deixar-se questionar e repensar a própria posição. A alienação da Sociedade é proporcional ao populismo fino dos de cima e ao populismo reagente dos de baixo. A administração democrática actua mal quando perde de vista o que a base da democracia quer.

O remédio é o governo mudar de rumo para não aprofundar a divisão que já existe na sociedade.

A discussão sobre democracia e concorrência partidária é de envergonhar a própria democracia e tudo se poderia resumir nas frases de Leonardo da Vinci: “Aquele que mais possui, mais medo tem de perdê-lo” e “Quem pensa pouco, erra muito.”

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) AfD, (Alternativa para a Alemanha) é um partido à direita do centro direita.

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MORREU JOSÉ MATTOSO O GRANDE INTELECTUAL E HISTORIADOR PORTUGUÊS

Com 90 anos morreu (8 de julho de 2023) o maior especialista da História Medieval de Portugal e que foi catedrático universitário. Tive a dita de o ter como professor e de admirar a sua visão de águia sobre a História e de sentir a sua atitude humilde e reservada como é atributo de gente sábia.
O Doutor Mattoso sabia colocar-se no saber e sentir humano do tempo e reflectir os eventos medievais de maneira a transmitir-nos a cor local e a maneira de ser e de estar do humano na Idade Média, qualidade que falta a muitos historiadores de hoje que transmitem a sua visão histórica mais sobre a perspectiva ideológica.
Dele aprendi também a saber o que é a “cor local da época”. Além de especialista da História Medieval portuguesa, ele também inventariou o Património de Origem Portuguesa no Mundo e empenhou-se na política concreta. Ele não perdeu o seu ideal de 20 anos de monge optando sempre por se dedicar à contemplação da vida.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

Coloco aqui uma entrevista muito revelativa dele dada ao Público:

Vamos a algumas datas da vida de José Mattoso. Nasceu em 1933. Entrou para o mosteiro beneditino de Singeverga em 1950. Doutorou-se em História Medieval pela Universidade de Lovaina em 1966. Regressou à vida laica em 1970. Foi Prémio Pessoa em 1987. Dirigiu uma História de Portugal que ainda é uma referência em 1993/95.

Foi professor universitário, dirigiu a Torre do Tombo, tem uma obra extensa. Acaba de ser lançado um livro que tem a sua coordenação sobre a História da Vida Privada na Idade Média. O seu cognome poderia ser: José Mattoso, o medievalista.

Vive numa aldeia de meia dúzia de casas. Cá fora há um azulejo onde se avisa: cuidado com o cão. Um rottweiler parece não fazer sentido no universo quieto, pacífico de José Mattoso. Mas a aldeia fica desviada do mundo, e é preciso precaver os assaltos.

Ao fundo vê-se a A25. A agitação do mundo urbano parece longínqua. Há árvores de diferentes espécies, flores, socalcos, internet e telemóvel. Há uma zona de trabalho rente a uma janela, que é o mundo dele. Há a casa onde vive com a mulher, e que pertenceu à família desta. Falámos de Tchekov durante as fotografias.

Entra uma luz branca, quase de Inverno, pela janela, sob a qual nos sentámos. Pelas cinco, a mulher trouxe chá e bolachas. A entrevista durou mais de duas horas e teve dois tempos: a vida em diferentes capítulos que viveu e alguns dos diferentes capítulos do livro sobre a vida privada na Idade Média que acaba de lançar.

Seria tentador dizer que José Mattoso, o historiador que se especializou na Idade Média, e que um dia foi monge beneditino, nos abriu um pouco da sua vida privada. Mas será que abriu? Quando nos despedíamos, confessou-me que ficara a pensar em muito do que dissera. Mas como se sabe, a vida privada, quem somos em privado, é uma zona obscura e de difícil acesso. Ficámos na antecâmara. Ficámos muito bem.     

Este sítio onde vive possibilita-lhe estar mais perto da “espantosa realidade das coisas”(para citar um verso de Alberto Caeiro de que gosta especialmente)?

De certo modo. Permite-me um auto-domínio e uma inserção na espantosa realidade das coisas. Permite-me reflectir. Sou lento na apreensão e expressão verbal, e estar longe da cidade, sem a pressão do tempo e das pessoas, dá-me uma certa liberdade.

É uma procura de quietude, também? Interior, quero dizer.

Ah, sim. Vivi num mosteiro durante vinte anos. Foi para cumprir um desejo e uma tendência que me acompanharam desde sempre. Estava relacionado com a busca de interioridade e do mistério da vida que só se pode alcançar de uma forma meditativa, com tempo. Para os Padres do Deserto, a meditação não é a descoberta do Ser, é a descoberta de Deus. Mas não sei se há grande diferença entre Deus e o Ser. Acho que é na concentração que o homem pode encontrar a verdade das coisas, a natureza, a autenticidade. Aquilo que está por detrás. Um dos textos que estou a ler é uma introdução ao pensamento hindu; os Vedas têm muito essa ideia, de que é na concentração que encontramos a realidade das coisas.

Quando vinha para sua casa deparei-me com uma bifurcação. Há no começo da aldeia uma confluência de caminhos. Como na vida, há que tomar um caminho.

O tal. Os escritores antigos falavam no ípsilon. É um caminho que se divide em duas partes, nós vamos por um lado ou por outro. É uma expressão simbólica, porque na realidade há muitos caminhos. Mas há “o” caminho.

O seu caminho parece errático. Há essa primeira fase no mosteiro, depois há a vida mundana, e depois uma vida em que parece estar novamente exilado, isolado, contemplativo, apesar da intensa produtividade.

Percebi que o mosteiro onde vivia não correspondia à minha concepção de vida monástica e resolvi pedir a dispensa dos meus votos e passar à vida laica. Tive um período de uma certa busca e hesitação, porque tinha que viver. Surgiu a possibilidade de começar a dar aulas na universidade. Passei a tentar encontrar o meu caminho através de uma aplicação das minhas competências. Percebi que podia fazer do ensino da História uma certa realização desse serviço.

 Percebeu que a História podia ser um ofício?

Mas não, apenas, como uma forma de ganhar a vida. Para uma grande parte das pessoas, a vida profissional não tem nada que ver com a vida intelectual – vivem isso separadamente. Procurei sempre a integração das duas coisas. De forma a que não me ficasse apenas por um exercício, honesto, da minha profissão, mas por qualquer coisa de profundo. A História é uma boa disciplina para isso porque também fala da espantosa realidade das coisas, do Homem no tempo, fala da sociedade em geral, da relação do indivíduo com a sociedade; é uma via para a compreensão da existência humana. Um pouco como a Filosofia.

O facto de o seu pai ter sido um autor de livros de História, que marcaram gerações inteiras, influenciou-o na escolha da disciplina que usou para ler o mundo, para se integrar no mundo?

Acho que sim. O meu pai gostava muito de História e tinha uma propensão para preferir a Idade Média por um certo romantismo. Pertencia a uma família com tios padres, era uma pessoa religiosa. Isso também me influenciou na escolha da vida monástica. Acontece que me formei em História na Universidade de Lovaina e estudei Idade Média porque [me dediquei] ao estudo da História da minha Ordem Beneditina, que teve o seu esplendor na Idade Média.

Está a dizer que por acaso coincidiu com o período preferido do seu pai, mas que esse não foi o motivo principal, ou sequer o único?

Exactamente. São razões um pouco circunstanciais, que acabam por ter alguma influência nas decisões que se tomam. Tive a sorte de ter um bom professor, um excelente medievalista, e de ser uma área de estudo que não estava devidamente estudada. Pude fazer uma investigação com uma certa originalidade. 

Como era o seu pai? Fale-me da relação que tinham.

O meu pai era uma pessoa com uma extrema bondade. Formou-se em Direito, em Coimbra, foi aluno de Salazar. Naquele tempo, à volta de 1911/12, era normal que as pessoas da burguesia escolhessem entre Medicina e Direito. Nunca praticou a advocacia. Tornou-se professor do ensino secundário numa escola industrial e comercial e tinha um grande talento pedagógico. Ainda hoje encontro pessoas que me dizem: “Fui aluno do seu pai”, com ar de quem teve um privilégio extraordinário. Gostava de crianças, de os ver crescer. A sua atitude para connosco (éramos uma família numerosa, oito filhos, cinco rapazes e três raparigas) foi sempre de um grande respeito pelo interlocutor.

Ele contava de ter sido aluno de Salazar? Foi uma experiência marcante para ele?  Ele admirava Salazar como homem excepcionalmente inteligente e um grande político, mas desagradavam-lhe a sua frieza e o carácter implacável, manifestado nos exames, na maneira como interrogava os alunos. O meu pai ficou-lhe com um certo medo; de vez em quando sonhava com Salazar, e isso para ele era um pesadelo.

É interessante ter percebido desde cedo que era possível sentir respeito e admiração e ao mesmo tempo temor e repúdio. São sentimentos fortes e frequentemente inconciliáveis. O seu pai ensinou-os de que era possível estar nesta aparente contradição?

Sim. Foi autor de um compêndio que foi expressão da ideologia do regime, era “o Mattoso”, mas tinha amigos de todos os quadrantes políticos, desde comunistas a democratas. Tinha uma grande amizade ao Dr. Fernando Vale, que morreu com cento e tantos anos e que foi um dos fundadores do PS.

É verdade que o pai de Mário Soares era amigo do seu pai?

Era amigo do tio do meu pai, o bispo da Guarda D. José Alves Mattoso. Por sinal, foi o Dr. João Soares que arranjou o primeiro emprego do meu pai. Um trabalho de secretaria no Banco Nacional Ultramarino, em Leiria. Não tiveram relação além desta.

Politicamente estavam em diferentes lados da barricada.

Sim. O Dr. João Soares tinha sido padre, foi ministro dos governos republicanos, foi autor de um Atlas geográfico. O meu pai apontava este Atlas como uma obra muito bem feita e o Dr. João Soares como uma pessoa muito séria.

Como é que o seu pai se transformou no autor do compêndio de História usado nas escolas?

O meu pai apreciava um texto simples, claro, bem redigido. (Foi ele que corrigiu os meus primeiros textos. Para evitar os advérbios de modo, a cacofonia, para a frase ser limpa). O primeiro compêndio que escreveu era uma reformulação de um compêndio escrito por esse tio, bispo. Como tinha um talento pedagógico, queria que fossem livros agradáveis, acessíveis. Creio que também tinha talento como investigador, mas nunca teve possibilidade de o fazer, tirando dois ou três trabalhos mais curtos sobre o conceito de paróquia. Tinha uma certa pena, mas tinha de consagrar todo o tempo ao trabalho que permitia sustentar uma família grande. A ajuda que ele teve (além do trabalho como professor) foram, justamente, os compêndios que escreveu. Que não lhe rendiam uma fortuna.

Estava sempre à secretária a escrever – é a imagem que tenho dele. Tenho uma memória feliz da minha infância.

Que menino foi?

Mimado, não. Tínhamos um intervalo grande (três ou quatro anos) entre cada um de nós. Quando nascia um, o outro já tinha que se arranjar sozinho. Na escola primária, nunca ninguém me acompanhou, fui sempre sozinho. Fui sozinho fazer o exame da quarta classe. O afecto de que era rodeado tinha que ser distribuído por todos. Cada um de nós teve de ser autónomo desde muito cedo. Fui sempre um aluno sofrível. Aluno de doze, treze. Não achava que fosse preciso ser melhor do que isso. Procurava cumprir os meus deveres, fazia os trabalhos de casa antes de ir brincar – portanto, era respeitador das regras. Tinha colegas brilhantes que eram admirados pelos seus companheiros. Nunca senti isso. Tinha uma certa timidez na relação com os meus companheiros.

Nunca sentiu o desejo de ser admirado pelos seus colegas e professores como eram aqueles que eram brilhantes?

Só se fosse um desejo muito reprimido, oculto. Um desejo manifesto, não. Da equipa, gostava de ser um dos membros, sem mais nada. Nunca pratiquei nenhum desporto, não era adepto de nenhum clube de futebol.

Porque é que não procurava sobressair?

Não havia nenhum interesse nisso. Não creio ter sentido nenhuma falta de afecto. Na nossa família cultivámos sempre a atitude de ser cidadãos simples, iguais às outras pessoas. Nunca nenhum de nós quis ser um génio. Nunca nenhum de nós quis ser chefe ou desempenhar funções directivas. A minha mãe também era assim. Gostávamos de cultivar as artes. O meu padrinho de baptismo, irmão da minha mãe, foi o pintor Lino António. Era um artista reconhecido, com uma personalidade fascinante. Também o Lino António não queria sobressair. Não havia a ideia de querer ter um artigo no jornal.

Contudo, é uma família onde várias pessoas se destacam na vida pública.

Mesmo as funções de relevo que fui exercendo, nunca as procurei, nem desejei, e por vezes custava-me desempenhá-las. Penso que há alguma coisa com conotação religiosa nesta atitude – o de querer ser uma pessoa anónima.

 Fazer parte do rebanho, e não ser uma ovelha tresmalhada. Ou sequer uma ovelha que se destaca.

Rebanho, não gosto muito da palavra. [riso] Ser incógnito, ser um como os outros. Não gostamos de ter privilégios.

Para perceber ainda da intimidade com o seu pai: quando abandona o mosteiro, o seu pai era um interlocutor preferencial para falar nesses momentos de definição, em que se tomam grandes opções, em que se sente um turbilhão interno?

Para mim, a aprovação dele era fundamental. Mas ele dava-a com espontaneidade.

Teve a sensação de que uma opção sua o desapontou? Ou quando entrou no mosteiro, ou quando saiu. Ou quando casou e teve filhos.

Se desapontou, não senti o mínimo indício desse desapontamento. Pelo contrário. Senti sempre um grande apoio do meu pai para as opções que tomei. Eu sabia que tinha o meu pai do meu lado. Não precisava da aprovação expressa. Precisava da ternura, da compreensão. Não tinha dúvida dessa aprovação, percebe?, desde que a minha opção fosse honesta e digna. Note que eu fui para o mosteiro com 17 anos. A partir dessa altura a minha regra de vida era a do mosteiro. Saí do mosteiro com mais 20 anos em cima. Com quase 40 anos já não se punha a questão da aprovação do meu pai.

Há quem precise dela a vida toda, quem não chegue nunca a emancipar-se em relação à figura filial marcante.

Não sei se está a pensar no velho esquema da morte do pai para nos tornarmos adultos… Fui progressivamente tendo a consciência das fraquezas, das debilidades, dos defeitos do meu pai. Mas isso não alterou em nada a imagem que tinha dele. Não precisei de ter dele uma imagem negativa – pelo contrário. Faleceu em 1975, eu tinha portanto 42 anos.

Saiu do mosteiro poucos anos antes. Foram anos de convulsão. Com a morte do seu pai, fica ainda mais entregue a si. Não tinha Deus da mesma maneira consigo.

Depois do 25 de Abril eu já tinha a minha segunda filha. Era plenamente responsável pelo meu destino. Não se pode falar de desamparo.

 Desamparo emocional.

Ah, sim, claro. [pausa] Pois. Acho que na minha família somos muito realistas. Aceitamos o inevitável. Com isto quero dizer que quando o meu pai morreu senti a falta dele, mas integrei isso sem drama.

Tem memória do rapaz que era quando entrou no mosteiro? Ou parece que foi uma outra vida? O que é que imaginava que a sua vida ia ser? Que sonhos é que tinha?

Eu queria ser monge. Ser monge é encontrar Deus. É ter Deus como interlocutor – é evidentemente uma metáfora. Para a vida monástica é também importante a parte da liturgia, de louvor, de cântico, de inserção cósmica. O que eu desejava era isso, mais nada.

Encontrar Deus era expressão de um desejo de paz e de plenitude? Era inquieto?

Talvez fosse exigente. Eu sabia que se arranjasse esse encontro com Deus, encontraria a paz. O rigor com que uma pessoa se entrega à sua vocação pode não ser seguido pelas pessoas que estão na mesma comunidade, que têm uma noção diferente dos exercícios da regra, da disciplina; e que podem seguir as imposições disciplinares de uma forma tíbia, ou que deixam transparecer demasiado as suas manias, os seus desejos.

Ou seja, deixam aparecer demasiado o indivíduo, a sua personalidade.

Sim, é isso. A vida comum é difícil. Numa comunidade de pessoas com temperamentos, idades, formações muito diferentes, é natural que apareçam fricções, desentendimentos, ressentimentos.

Visitei a igreja de São Francisco de Assis, no Trastevere, em Roma, onde está a almofada onde dormiu Assis quando visitou aquilo que na altura era um asilo de leprosos. Comecei por pensar que se tratava de uma escultura com a forma de uma almofada; mas era na verdade um enorme calhau, granítico, que lhe serviu de almofada quando ali pernoitou. Conto isto para falar da ascese de São Francisco, que foi a sua primeira inspiração e atracção em relação à igreja.

Isso faz lembrar aquele passo do Evangelho: “Os pássaros têm os seus ninhos e as raposas têm as suas tocas, mas o filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Suponho que é uma forma concreta de mostrar que São Francisco também não tinha onde reclinar a cabeça. Em vez de almofada tinha um pedregulho.

Procurava para si, na vida monacal, esse rigor no cumprimento das regras e o despojamento absoluto de que Assis era um exemplo?

Nunca tive uma grande propensão para a ascese. Uma pessoa tem na vida demasiadas ocasiões de contrariedade, momentos difíceis, não é preciso acrescentar voluntariamente rigores impostos por si próprio. E também isso o meu pai nos ensinou: que não era preciso mais rigor do que aquele que a vida traz.

 Quais foram os grandes rigores, as grandes fracturas da sua vida?

Nesse período em que a minha concepção do monaquismo de contrapôs àquela que era vivida no mosteiro, tive períodos de grande dificuldade. Tinha sido aquela a vida que tinha escolhido, e afinal verificava que não me realizava bem ali… Demorou algum tempo a ser resolvido, anos.

O que é que era mais doloroso?, reconhecer o falhanço de uma opção de vida, o erro?

Eu estava convencido que o erro não estava do meu lado; simplesmente não podia realizá-lo no sítio onde institucionalmente tinha que o realizar. Para permanecer no mosteiro tinha que obedecer às regras e à interpretação das regras que os meus superiores tinham. Punha-se então o problema de saber: se eu saio, o que é que vou fazer? Mas não queria ir muito por esse caminho. São coisas muito íntimas.

Então falemos do livro. O que é que se passa no domínio do indivíduo e da vida privada que depois é determinante para o curso da História?

Uma coisa é a vida privada individual, outra coisa são as concepções da mentalidade dominante numa determinada época acerca daquilo que é privado e público. Nós não quisemos fazer uma história da vida privada em relação a indivíduos. Procurámos descobrir o quadro social, os códigos de comportamento, os costumes.

O livro está dividido em capítulos e aborda questões principais da vida privada, como família, alimentação, vestuário, sexualidade, oração, a relação dos indivíduos com o Estado. Estas áreas não são consideradas habitualmente quando se faz a História centrada nas grandes decisões políticas. Como se grandes decisões não dependessem da petite histoire. É verdade que algumas derivam de motivações mesquinhas e individuais?

Aquele velho problema de cherchez la femme? Sim. Suponhamos que uma pessoa marca um encontro a uma hora e que sucede qualquer coisa e não se poder realizar esse encontro… Isso é o problema do acaso em História, não é tanto o problema da vida privada. É claro que acontece. Por exemplo, no 25 de Abril, a partir dos relatos do capitão Salgueiro Maia percebemos que houve uma sucessão de coisas fortuitas. Mas o que fica para a história não é o fortuito; são as decisões, é o que acontece.

 A expressão cherchez la femme foi usada originalmente num romance de Dumas. Para perceber bem um quadro, precisamos de perguntar onde está a mulher da história, onde estão as paixões humanas na dita história?

Esse é um tipo de problemas com que não lido muito no meu trabalho como historiador. Provavelmente porque trabalho na Idade Média, em que não é provável que se encontre na explicação do que aconteceu um facto desse género. Para responder à sua pergunta teria de transpor-me para uma época que não conheço e onde não encontro facilmente exemplos demonstrativos. Na Idade Média, podiam dar-se histórias desse tipo, mas não há registos de factos passageiros, anódinos. Mesmo aquilo a que chamamos historiografia narrativa em Portugal começa com Fernão Lopes, já no fim da Idade Média.

Ao debruçar-se sobre este tema, numa época que há muito estuda, qual foi a maior surpresa?

Encontrei revelações. Um exemplo: numa das Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Sábio, conta-se o seguinte: uma grande dama em Roma enviuvou, praticou incesto com o filho e têm uma criança. A cena apresenta essa dama na corte (não sei se do Papa se do Imperador), o demónio levanta-se e acusa a mulher de ter feito este crime. Ela pede três dias para poder responder à acusação. Volta para casa, reza, e Nossa Senhora diz-lhe: “Não te preocupes”. Vai para a assembleia e o demónio já não a conhece. Torna-se incapaz, portanto, de demonstrar aquilo que tinha procurado demonstrar. A mulher fica livre. Isto é muito surpreendente.

O incesto era já considerado um crime grave?

Foi sempre. Aparentemente, Nossa Senhora protege a pessoa que cometeu o crime. Começando a estudar histórias exemplares daquela época, acabei por perceber que havia certas faltas que mais valia serem escondidas. A própria sociedade tem medo de revelar que elas existem. Nessas histórias, o diabo aparece como acusador, aquele que revela o Mal, o pecado. Isso, creio, está relacionado com o segredo da confissão. A penitência, até ao Concílio de Latrão em 1215, era pública para pecados públicos. Para os pecados privados, se o próprio pecador pedia conselho para reparar a falta cometida, o confessor dava-lhe uma penitência. Se eram coisas ocultas, muitas vezes ficavam sem reparação – pelo menos, sem reparação pública. O estabelecimento, no Concílio de Latrão, da obrigação de os cristãos se confessarem pelo menos uma vez por ano, leva a uma intervenção regular do padre na consciência da pessoa, na revelação dos seus pecados. Dá a impressão que há uma série de reacções contra a aplicação desta prática. Há uma serie de indícios que demonstram a dificuldade com que foi introduzida a confissão auricular, a intervenção da igreja na consciência individual das pessoas.

Como vê, um simples texto, com qualquer coisa de misterioso, leva a esta multiplicidade de leituras e descobertas.

Na introdução ao livro diz que a sexualidade era uma matéria determinante, e não só a sexualidade com fins reprodutores, no estudo da vida privada na Idade Média. Porquê?

É instintivo da parte dos homens e mulheres de todos os tempos ter uma prática sexual isolada, escondida. A sexualidade, como actividade reprodutora, passa-se no espaço privado. A intromissão dos poderes públicos nessa zona é qualquer coisa de anómalo. Essa separação entre público e privado é imprescindível e é clara nessa matéria. Há outras zonas do comportamento humano em que essa separação é menos nítida.

Quando se fala de sexualidade, parece que ficamos todos a olhar pelo buraco da fechadura.

Há essa curiosidade… Curiosidade por tudo o que é proibido, oculto. Mas há grandes transformações nessa área. Quando eu era pequeno não havia nu no cinema. Na arte, sim. Lembro-me, muito novo, de ter ouvido falar na Josephine Baker… A que distância estamos disso! Hoje, quase não há um filme em que não haja uma cena de sexo explícita. O que parecia totalmente impossível há 30 anos tornou-se uma coisa corrente.

O que é que acelerou tanto a alteração dos costumes?

A História pode indicar os momentos chave dessas etapas. Mas a explicação está do lado da Psicologia Social, da Antropologia Cultural. Devem ser os especialistas destas ciências a responder.

Qual é a sua opinião? Não o pergunto ao historiador; e de resto, este não é, nem de longe nem de perto, o período-objecto do seu estudo.

Penso que tem que ver com a limitação da natalidade. Essas técnicas tornaram a sexualidade como qualquer coisa que não era preciso acompanhar de tantos cuidados.

E de tantos véus.

Sim. Isso levou a uma permissividade que resultou nisto. Mas também penso que há uma evidente ausência de códigos restritivos e que o Freud foi muito importante nesse capítulo. Revelou os indícios de pulsões e que a repressão do instinto sexual podia perturbar gravemente a vida psíquica. Essas concepções generalizaram-se e puseram em causa a eficácia e utilidade dos códigos de comportamento sexual.

No livro consta uma iluminura na qual uma mulher surpreende o seu marido numa cena de adultério com uma criada. São comuns iluminuras que retratam cenas assim? À porta dos lupanares de Pompeia havia frescos com a explicitação dos serviços que dentro eram prestados, mas depois parece cair sobre estes assuntos, durante largos séculos, um manto puritano.

Essa iluminura é do fim da Idade Média. Até ao século XIV não encontra facilmente representações do nu. As que encontra são esquemáticas: parecem Adão e Eva, almas do Purgatório, o corpo masculino e feminino são esquemas. Aquelas representações querem dizer que o corpo do homem é ambivalente; ou seja, o homem é homem e mulher, é a Humanidade. Não é a representação do nu no seu aspecto físico. Tem alguma coisa que ver com o cristianismo, que tem uma censura muito agressiva do teatro, dos mistérios, dos jogos olímpicos – contra a cultura do corpo.

Contra a cultura do prazer – é isso que se persegue?

Do prazer, também, sobretudo em Santo Agostinho. Mas é mais contra a corrupção, contra a ausência de restrições. O cristianismo dos séculos terceiro e quarto tem muito que ver com o estoicismo. O estoicismo já condena a depravação moral, o desregramento. O cristianismo não faz mais do que acentuar e generalizar a contenção que já existia.

Em relação à família, à vivência da sexualidade dentro e fora do casamento, caiu um manto puritano, de raiz judaico-cristã; outra coisa é a prática, a vivência à margem da norma.

Há qualquer coisa que nos causa surpresa. É um desfasamento aparentemente enorme entre o ideal e a prática. Nos sermões encontra uma atitude extremamente rigorosa; mas na prática encontra práticas frequentes de infracção. Os trovadores, nas Cantigas de Escárnio e Mal Dizer, têm sexo explícito. Sabemos que houve casos de freiras e padres com filhos ilegítimos – infracção frontal. Então como é que se compreende que exista uma exigência tão grande e uma prática tão [lassa]? A teoria é implacável na sua formulação, não na sua aplicação. Existe a noção clara de que uma coisa é a norma, a outra é a prática e que a prática nunca é determinada por um absoluto. Isto na Idade Média.

Quer dizer que estamos sempre entre duas realidades? A ideal e a concreta.

Isto é muito típico da mentalidade medieval. A posição inflexível da Igreja em relação ao aborto, por exemplo: na Idade Média condenar-se-ia o aborto, mas ter-se-iam em conta as circunstâncias atenuantes e a consideração de uma situação que pode alterar a aplicação da norma.

Como é que a criança era vista, qual era o seu estatuto?

Há muitos textos que mostram sentimentos de ternura para com as crianças, a protecção do fraco, uma noção de lúdico. Muitas cantigas de Santa Maria mostram essa ternura. Creio que é também pela inocência [que elas representam]. Isso tem uma base evangélica, quando Jesus diz: “Deixai vir a mim os pequeninos” ou porque dá graças a Deus, que revelou as coisas aos pequeninos e as escondeu dos sábios.

Quando começou a fazer estudos de História no mosteiro, nessa altura ela era secundária na sua vida. Podia ter acontecido que, ao sair, a História não se impusesse como centro da sua vida, como ofício principal? E nesse caso, porque não outra época?

Podia, mas isso é uma questão teórica. Fui contratado para a Faculdade de Letras e a cadeira que me atribuíram foi a medieval. Já vimos que era uma época privilegiada pelo meu pai e que isso encaminhou as coisas nesse sentido. Eu podia ter estudado a história monástica na época moderna, não é? E tinha muito material para isso. Mas nunca me agradou a interpretação que os monges dos séculos XVII e XVIII deram à vida monástica. Era uma mentalidade barroca, de oratória, de exterioridade, formal.

 Interessava-lhe uma concentração…

… naquilo que eu considerava autêntico. E isso encontrei nos medievais. Nas origens encontramos sempre a pureza dos movimentos, a novidade. São Francisco de Assis não fez mais do que isso: o evangelho sem glosa. O evangelho despojado das derivas que foram acontecendo ao longo dos tempos. Para encontrar a autenticidade inicial.

Quando sai do mosteiro e se mantém no estudo da época medieval, persiste num caminho, ainda que de uma forma diferente, numa vida diferente. Podia acontecer que o mosteiro fosse um bloco, um modo de estar no mundo, e na fase seguinte houvesse um bloco diferente e um diferente objecto de estudo.

Nas primeiras aulas de cultura medieval que tive que dar na Faculdade de Letras, percebi que a linguagem simbólica utiliza comparações, metáforas, alegorias, porque lhe permite (ao contrário do caminho lógico e racional, que trabalha por meio de silogismos, e cuja verdade já está contida nas premissas), formas de expressão inesperadas, que não se ficam na superfície das coisas. As coisas têm sempre qualquer coisa que está à primeira vista oculto e que, se nós procuramos, nos revela um aspecto diferente da realidade. Eu tinha de explicar estas coisas aos meus alunos. Mas isto correspondia, ao mesmo tempo, ao que eu queria aprofundar para mim mesmo. A face oculta das coisas.

Lovaina, esse mundo tão diferente de Portugal e da vida no mosteiro, foi uma espécie de face oculta que se revelou?

Fiquei muito entusiasmado com o ambiente internacional que se vivia em Lovaina; tinha alunos de todo o mundo, muitos americanos, ingleses, de países do terceiro mundo, etc. Havia uma grande vivacidade. Eram os anos 60. Vivia-se com uma grande curiosidade e optimismo.Vinham professores de outras universidades, faziam conferências interessantes. Isto contrastava fortemente com o ambiente um pouco beato, conservador da nossa intelectualidade, e particularmente num sector pesado como era a Igreja. A universidade que frequentava em Lovaina era católica e ali encontrei a conjugação entre os valores humanos e uma Igreja que queria construir-se num diálogo fecundo com a modernidade. Para mim havia também o problema da adaptação da vida monástica à actualidade. A História também me dava uma fundamentação para escolher a minha relação com a igreja. Uma Igreja que eu queria que fosse no sentido do Concílio do Vaticano II.

Ou seja, mais próxima da “espantosa da realidade das coisas”?

E não apenas na realidade essencial, mas na realidade do meu tempo, os anos 60, no qual eu estava mergulhado.

Como é que viveu a década de 70, que em Portugal foi tão tumultuosa? E vindo do tumulto que foi o final dos anos 60 na sua vida.

Não fiz parte de nenhum movimento contestatário nem revolucionário antes do 25 de Abril. Tive contactos com os chamados católicos progressistas do grupo do padre Felicidade Alves, com o Teotónio Pereira, Frei Bento Domingues, João Bénard [da Costa], António Alçada Baptista. Antes do 25 de Abril passei umas férias numa acção de alfabetização organizada pelo Graal; conheci nessa altura a Maria de Lurdes Pintasilgo, a Teresa Santa Clara Gomes, o Lindley Cintra (que orientava os trabalhos de alfabetização de um ponto de vista linguístico). A minha atitude face ao monaquismo está também relacionada com isto tudo.

É verdade que tentaram saneá-lo da faculdade?

Fui contratado pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1970/71, dei aulas até 1974. Ensinei também Antiguidade Oriental e falei no modo de produção feudal, no modo de produção capitalista na interpretação marxista, apenas de uma forma informativa. (Estou talvez a contar com demasiados pormenores que não interessam…) Fui para a Faculdade de Letras a convite da Professora Virgínia Rau, que não era de modo nenhum uma professora contra o regime, mas que tinha muita confiança nos seus assistentes. Tinha um inimigo dentro da faculdade, o Professor Borges de Macedo, que era muito estreito na sua relação com o regime. Um dia chamou-me ao gabinete dele, quando a professora Virgínia Rau já tinha morrido, e disse-me: “O senhor anda nas aulas a ensinar a teoria marxista”. Deu-me a entender que teria de abandonar a faculdade porque estava a defender doutrinas revolucionárias. Quase mudei para a Universidade do Minho. Entretanto veio o 25 de Abril. O Professor Borges de Macedo saiu da faculdade – não fui eu que saí. Melhor, foi dos saneados. Vivi aquele primeiro ano revolucionário com grande entusiasmo.

Acreditou realmente num amanhã que canta.

De alma e coração! [riso] O primeiro de Maio foi uma espécie de visita ao paraíso. Logo que foi possível, eu e os meus colegas estabelecemos um novo programa de estudos e começámos a fazer seminários de pré-especialização. Enquanto estávamos no domínio pedagógico, tudo correu lindamente. As transformações institucionais é que começaram a criar uma situação incómoda para mim. Porque a UEC (União dos Estudantes Comunistas) concentrou as suas forças na tentativa de dominar a faculdade e muito particularmente o departamento de História. Começou a haver movimentos que punham em causa a competência científica de professores contratados e introduzia professores do Partido Comunista. Embora me desse bem com colegas comunistas, como o Professor Barradas de Carvalho, os estudantes mais zelosos da UEC acharam que eu não era suficientemente entusiasta na minha adesão ao marxismo.

Foi acusado de difundir a doutrina comunista, e depois foi acusado de não ser suficientemente entusiasta da mesma doutrina…  

[riso] Começaram a criar-me dificuldades. Tive ocasião de pedir um ano sabático. Foi isso que fiz, trabalhei no estabelecimento do texto do Livro de Linhagens. Entretanto foi fundada a Universidade Nova e o Professor Oliveira Marques convidou-me para fazer parte. Em resumo, foi assim que vivi o pós-25 de Abril.

Ocorreu-me agora a sua passagem por Timor. É como se falasse ainda de uma outra vida, tantos anos depois dessa vida que acaba de descrever do pós-revolução.

Timor aparece da seguinte forma: há um interruptor concreto, que é o facto de ter vivido os acontecimentos anteriores ao referendo para a independência de Timor com um grande entusiasmo. Fui a algumas dessas manifestações. Depois disso, o ministério da Educação do Governo de Guterres pediu voluntários para o ensino do Português em Timor, nos meses de férias em 1999. A minha mulher, que é linguista, ofereceu-se como voluntária, foi aceite, e eu ofereci-me como voluntário também.

Cherchez la femme…

Voilà! A razão porque aderi a este projecto não foi apenas utópica. No fundo, vinha um pouco na linha do Concílio do Vaticano II e de um interesse meu pelos movimentos independentistas em Angola e em Moçambique, pela libertação do colonialismo. Gostei de fazer parte de um grupo que podia ter alguma utilidade na edificação de uma nação nova.

Mais uma vez, é o seu interesse, atenção, estudo nas origens, em qualquer coisa que está a ser construído de raiz.

Nas coisas novas que vão surgindo no mundo – acho que sim. Por outro lado, enquanto estava como director da Torre do Tombo, um ofício da secção de arquivos da ONU pedia ajuda para a reconstituição da documentação timorense em Díli. Aproveitei esse apelo da ONU para ser enviado como cooperante e para tentar ser útil na reconstituição do arquivo de Timor. Eu, que tinha procurado estudar na Idade Média os problemas da identidade, pensei poder contribuir para uma consciência da identidade timorense, que naturalmente tem de ser baseada na História, nomeadamente na história da resistência, que foi o que deu unidade a toda aquela diversidade. Integrado numa acção da Fundação Mário Soares, classifiquei, ordenei e estudei o arquivo da resistência (que estava num abrigo, nas mãos de Xanana). Encontrei elementos suficientes para escrever o livro Konis Santana e a Resistência Timorense.

Foi para Timor quando já não era um jovem. Está sempre pronto a começar de novo?

Enquanto puder.

Porque é que é tão importante não dar nada por adquirido, não cristalizar nas coisas? Ter várias vidas.

Não há nada neste mundo que possa preencher todos os nossos desejos, todas as oportunidades que a vida nos oferece. A vida oferece tantas… Só podemos responder a uma parte muito pequena dessas. Isto é o que me ensina uma reflexão sobre o Ser, uma reflexão sobre Deus, sobre a “espantosa realidade das coisas”.

Nunca deixou de acreditar em Deus? Teve momentos de profunda dúvida?

Não. Simplesmente a minha concepção de Deus foi-se – não sei se é pretensão demais dizê-lo – aperfeiçoando. Foi perdendo os aspectos antropomórficos, os aspectos lógicos. Os Vedas falam na meditação da escuridão que cobre a escuridão. A escuridão é o mistério de Deus, coberta por outra escuridão, e essa se calhar ainda por outra escuridão, e por outra, e por outra. Temos de encontrar o que está por detrás, que nunca é exprimível. Há aproximações metafóricas, metafísicas, conceptuais.

O seu Deus foi perdendo aspectos antropomórficos. Mas isso coincide com o período da sua vida em que mais está entre os homens, no terreno, com a vida de todos os dias.

Sim. A revelação de Deus é feita pelo filho do Homem, pelo filho de Deus. Antropomorfismo centrado na personalidade de Jesus Cristo, nos valores que ele representa, e que podem ser do nível da dignidade, do sofrimento, da abnegação, da confiança, da ternura para com o Pai, na atenção aos pobres, do fascínio pelas crianças. Isto tem alguma relação com aquilo que eu dizia quando falava da nossa família: cada um de nós nunca procurou ser nada de especial neste mundo. Deus revela-se também no homem quotidiano.

Ter constituído a sua família, amar uma mulher, foi uma coisa que mudou completamente a sua vida? É uma dimensão que não estava contemplada nas primeiras opções da sua vida.

Acho que isso se relaciona ainda com essa concepção da Humanidade. O Homem é homem e mulher. O amor faz parte daquilo que completa o homem. Se não existir, é uma mutilação. É uma falha irreparável. A relação entre o masculino e o feminino faz parte disso que estava a dizer – viver várias vidas, haver muita coisa que não se chega a completar.

Tem algum verso de Pessoa ou algum salmo que seja especialmente inspirador para si? Tenho muito pouca memória. Uma das minhas recordações de pré-juventude foi quando o professor de Português quis que os alunos recitassem O Mostrengo do Fernando Pessoa. Não fui capaz de decorar. Mais atrás, numa sessão da catequese, foram escolhidos os meninos que deviam representar alguma coisa no teatro e a mim mandou-me decorar o poema “Portugal é um país à beira mar plantado”. Também fui incapaz. Fui para o palco, atrapalhei-me, não consegui chegar ao fim. Mas há uma coisa com a qual me sinto bem; é aquela gracias a la vida, que me ha dado tanto, que a Joan Baez cantava É isto que sinto. 

É cómico que alguém que dedicou a sua vida à história, ao testemunho, não tenha boa memória… É, não sou capaz de fixar datas. Fixo datas quando há uma série delas e entram em relação umas com as outras. Mas nunca sei as datas dos aniversários. Fico sempre muito envergonhado porque me esqueço de dar os parabéns. Quando era pequeno, também não consegui decorar a lista das proposições, das conjunções, as serras de Portugal, os rios e afluentes. Os meus colegas sabiam todos.

 Publicado no JN https://www.jn.pt/2043409375/morreu-o-historiador-jose-mattoso/  mas originalmente no Público 

 

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O PRINCÍPIO DE PETER

No [Forum Elos.partilhado por Filomena L Veloso ]”O Princípio de Peter”
Antonio C Justo comentou “Se observamos o atuar da União Europeia e dos nossos governantes, no que respeita à gestão do Corona-19 e do conflito na Ucrânia, pouco resta para não se concluir que atingiram o último grau da escala de Peter na administração. O Síndrome de Peter diz: Em qualquer hierarquia, o funcionário é promovido até atingir um cargo para o qual é incompetente. A falta de ajustamento de expectativas entre governantes e “súbditos” ou de dirigentes de empresas e empregados, ainda é agravada pelo facto de em política muitas pessoas serem promovidas sem competências profissionais.
Hoje em dia tornou-se ainda mais difícil digerir tais situações, atendendo às influências ideológicas e de amigos boys e às cotas que têm de ser consideradas.”
Bom fim de semana
António CD Justo
Pode ser uma imagem de texto
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NÃO A NEGOCIAÇÕES PARA QUE A GUERRA E O GRANDE NEGÓCIO COM AS ARMAS CONTINUEM

Política e Media comprometidos não podendo falar de Paz

Onde quer que o Ocidente interfira, as coisas pioram. O grande jornalista, especialista em geopolítica, DR. Peter Scholatur, que esteve envolvido em todas as guerras do mundo após a Segunda Guerra Mundial, observou que em todos os lugares onde os EUA intervieram, com exceção da Segunda Guerra Mundial, perderam e a situação mundial piorou.

As iniciativas de mediações de paz tomadas pelo Vaticano, tal como as propostas feitas pela Turquia, China, Brasil e pelos 6 países africanos em junho, não foram sequer discutidas nem na política nem nos meios de comunicação social (1).

Por isso qualquer iniciativa de paz ou para pôr fim ao conflito está impedida de ser tratada publicamente porque cada parte está empenhada em impor a sua paz ao outro. Políticos e Media não aceitaram falar publicamente das causas do conflito na Ucrânia nem em iniciativas de paz para que o cidadão não entenda verdadeiramente o que se passa e assim não os obrigue a procurar compromisso que garanta o fim da guerra e uma paz duradoura.

Estão convencidos que o engano a que o povo tem sido conduzido nunca será esclarecido e acontecerá tal como aconteceu com a mentira da guerra no Iraque, do Afeganistão, Jugoslávia, Líbia, etc. Nesta guerra geoestratégica a cumplicidade entre a vontade da elite política e o estilo propagandista dos meios de comunicação social, numa perspectiva militarista, torna-se compreensível porque se as populações estivessem bem informadas a nível de conteúdos não permitiriam aos governos que as metessem na catástrofe em que estão envolvidas.

Assim em cada parte dos blocos se justifica e instiga à guerra. Não se quer a paz entre os beligerantes, quer-se a paz das vítimas. Cada uma das partes quer ganhar e tem potencial guerreiro para isso.

Dos Media depreende-se que estão empenhados em tornar compreensível a guerra e até em justificá-la, por isso insurgem-se contra vozes empenhadas em soluções diplomáticas ou em iniciativas de compromissos; por outro lado, instituições internacionais limitam-se hipocritamente apresentar a afirmações de caracter moral usadas como alimento para eufemismos jornalísticos actuarem como bálsamo para inocentes. O discurso de paz ou de cessar-fogo incomoda e conduz à difamação de quem se atreva a ele.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) Às insurreições instigadas pelos EUA e começadas em 2013 contra o presidente ucraniano amigo da Rússia, seguiu-se a reação russa de anexação da Crimeia; depois seguiu-se a guerra civil com 17 mil mortos, transformando-se em conflito aberto entre a Federação russa e a OTAN; finalmente dá-se a “intervenção” russa em fevereiro de 2022. A cruzada da liberdade iniciada pela OTAN contava continuar a aumentar o seu território militar o que a participação na guerra se torna uma obrigação além de possibilitar a renovação do seu arsenal militar.

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