Martin Walser não andou comigo na doutrina nem foi comigo à comunhão, mas, quando leio obras dele, sempre me impressiona pela riqueza da sua linguagem e pelo facto de não se alinhar no oportuno pensar politicamente correcto e de ser uma personalidade rara numa sociedade demasiadamente igual a si mesma!
Estudou literatura e filosofia e em acto não conforme com os EUA nem com a opinião generalizada (mainstream) tomou partido contra a Guerra do Vietnam (sendo por isso apelidado de “comunista”); também ergueu bem cedo a voz contra a divisão da Alemanha (o que lhe valeu o atributo de “nacionalista” a nível do pensar politicamente correcto); fez também campanha por Willy Brandt na sua candidatura para chanceler e manifestou-se contra a entrega de armas pesadas à Ucrânia.
Manteve a sua personalidade por vezes polémica ou polemizada como foi o caso da crítica aos Media que todos os dias lematizavam o Holocausto: “Nenhuma pessoa séria nega Auschwitz; ninguém que ainda esteja são trai o horror de Auschwitz; mas quando esse passado me é mostrado todos os dias nos Media… Auschwitz não serve para se tornar uma ameaça rotineira, um meio de intimidação que pode ser usado a qualquer momento, ou um porrete moral”. Walter abordou este assunto no romance “Morte de um Crítico”.
Foi crítico de uma cena cultural muitas vezes desonesta, mas a sua grandeza é demonstrada nos lugares altos da literatura e não nos lugares baixos da política. Dele satisfaz-me a frase: „Escreve-se para tornar a vida suportável”! E o escrever é “uma declaração de amor à vida”. Importante é atuar-se a partir de um lugar seguro.
Com 96 anos morreu (28. 07.2023) uma importante estrela da geração alemã pós-guerra. Desde 1955 publicou cerca de 70 contos e romances. Com seus livros e ensaios, Walser abriu os olhos de muita gente. Ergueu a sua voz contra condições sociais criadas que impedem o desenvolvimento humano e o arruína. Os seus heróis e anti-heróis refletem as lutas competitivas da vida cotidiana.
Como poeta, sensibilizou-me ficando na memória a sua frase: „Sou as cinzas de uma glória que nunca existiu”.
Para ele “a mais clara superação da morte e do morrer é a escrita “! “A morte não existe para nós. O que nos espera é o morrer”. O último livro que escreveu foi “Trovador” em 2023.
Para terminar cito uma frase de ouro do mágico da linguagem no livro “O que falta quando falta Deus” da Editora Herder: “Ocorre-me o que me falta: essa é a base da escrita. Essa é também a base da religião, essa é a base da nossa língua: porque não temos algo, temos a linguagem. Se tivéssemos Deus, não teríamos uma palavra para ele. É apenas por falta que precisamos das palavras”(1).
António CD Justo
Pegadas do Tempo
(1) Martin Walser in https://download.e-bookshelf.de/download/0007/8185/06/L-G-0007818506-0041009913.pdf