PRESÉPIO: O BERÇO DE HUMANIDADE E SÍMBOLO UNIVERSAL DE PAZ

 

O Natal, simbolizado pelo presépio de Belém, revela-se como o ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente, um espaço onde cada pessoa é convidada a iniciar uma caminhada conjunta rumo a uma cultura de paz. Na narrativa do presépio, as contradições humanas encontram-se integradas, revelando a união entre matéria e espírito, entre o divino e o humano e a necessidade de Ocidente e Oriente se encontrarem num espírito inclusivo. A mensagem do natal é um apelo de humanidade num mundo escandaloso que teima em trilhar os caminhos da desumanidade.

Sonhei que Jesus escolheu nascer num lugar que não fosse um lugar qualquer nem de qualquer um. Ele desejava criar presença, não ausência, nas relações humanas e entre as culturas. Num presépio simples, que acolhe humanos e animais, Jesus manifesta a vontade do Pai de habitar nos corações, não no vazio ou num lugar distante. O presépio localiza Deus e o universo em cada canto da Terra, no coração de cada pessoa, tornando-se símbolo de que a vida não é um mero processo vazio, mas uma narrativa com sentido, conduzida por um princípio e um fim, cuja meta é “Jerusalém”.

O Natal inaugura uma história inclusiva, que acolhe todas as narrativas e as coloca em relação, sem exclusões. O nascimento de Jesus em Belém, uma cidade rica em simbolismo para os judeus, e um sinal também para toda a humanidade, transforma o presépio numa casa universal. Neste espaço, cada pessoa pode encontrar a sua essência única (a própria ipseidade!), unindo-se aos outros sob um laço comum de pertença. É como se todos passássemos a ouvir o nosso próprio canto na voz dos passarinhos ou víssemos as cores das flores como parte de nós, debaixo do mesmo arco-íris.

No presépio, Jesus faz parte do mundo sem ser idêntico a ele. Ele traz consigo uma liberdade que transcende o material, oferecendo uma casa comum onde o divino e o humano coexistem. Neste lugar, o infinito toca o finito e o limitado revela o ilimitado. O presépio torna-se, assim, o cenário onde todas as coisas se reúnem: é símbolo, fórmula e programa de vida, onde o caminho, o sentido e a meta se encontram.

As aparentes contradições da vida onde nos perdemos no nosso dia-a-dia – o divino e o humano, a matéria e o espírito – são reconciliadas no presépio. Ele torna-se um momento puro de desenvolvimento, um espaço de transcendência em que a razão e a fé convivem em harmonia. No presépio, Deus manifesta-se em Jesus Cristo, mas esconde-se no mundo para dar aos seres humanos a possibilidade de se definirem. Nesse processo de individuação, os humanos, ao tentarem afirmar-se nos seus pequenos pedaços de terra, caem no equívoco de buscar a sua verdade (Deus ou não Deus) no bocado de terra de si mesmos, esquecendo-se de que a Verdade transcende o mundo.

O presépio simboliza esse novo mundo, onde o divino desce ao humano e a criação se plasma em harmonia. Jesus, o protótipo da humanidade e da criação, une o divino e o humano numa síntese perfeita. O presépio é o berço da humanidade, onde a diversidade e as contradições convivem em liberdade e paz.

A presença dos reis magos – representantes de diferentes regiões e mundividências – reforça essa visão universal do presépio. Na sua jornada até Belém, revela-se o encontro de dois mundos: o Oriente e o Ocidente. O pensamento do Extremo Oriente, desprovido de entidades sobrenaturais, encara a vida como uma mera caminhada, onde o ser não é fixado, mas fluido. O Budismo Zen, por exemplo, vê a ausência do eu como um espelho que reflete, mas não fixa nada. Para o Oriente, a existência é movimento contínuo, sem origem nem fim.

 

O Ocidente, pelo contrário, busca transcender a imanência cíclica da vida, procurando dar-lhe um sentido linear, com princípio e fim, considerando o mundo também sua casa. No gesto dos reis magos, emerge um espaço de diálogo entre essas duas visões: a vida como caminhada e a vida com uma meta (com princípio e fim). Ao reconhecerem o presépio, os reis magos abrem a possibilidade de que a fluidez da visão oriental se integre à busca ocidental por sentido e transcendência. Eles encontram ali, de maneira antecipada, a realidade e o sentido do mundo, compreendendo que a cultura é o campo onde o espírito lavra para unir as diferenças num solo comum. Reconhecem-se irmãos, aceitando-se como são, para juntos trilharem um caminho comum.

Este encontro, alicerçado no respeito mútuo, permite que ambas as visões, com suas diferenças, confluam para uma caminhada conjunta em direção à paz. No presépio, a história linear do Ocidente e a fluidez cíclica do Oriente encontram um ponto de convergência, simbolizando a criação de um novo espaço onde a diversidade não é rejeitada, mas integrada.

Neste contexto de Natal e de Presépio, o mundo criado torna-se o verdadeiro templo de Deus e do humano, um espaço sagrado onde tudo o que foi criado encontra o seu lugar e o seu sentido. O presépio, símbolo do Natal, revela-se como a morada onde matéria e espírito, razão e fé, se reconciliam numa cultura de paz e pertença.

Natal encontra-se por realizar enquanto a maldade humana continuar a afirmar-se através de uma cultura da guerra contra a cultura da paz que permanece ainda reservada ao foro privado-individual.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

O novo Presépio: https://antonio-justo.eu/?p=8874

Boas festas de Natal: https://antonio-justo.eu/?p=6303

O dia dos reis magos: https://copaaec.blogs.sapo.pt/o-dia-dos-reis-magos-pos-em-accao-268599

Natal é Família: https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/natal-nao-e-so-uma-festa-crista-1317501

Natal é Oferta: https://antonio-justo.eu/?p=5751

Natal incomoda muita gente: https://antonio-justo.eu/?p=6911

Natal, compreensão cósmica: https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2012/natal.htm

Natal: https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2009/natal.htm

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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