A DOCUMENTA (D15) PREANUNCIA A CHEGADA DO SUL GLOBAL

A Expressão antissemítica foi um Golo na própria Baliza – Nada é como parece

Já não bastava a disputa entre os mundos ocidental e oriental na guerra da Ucrânia e a acompanhante batalha da informação nos meios de comunicação social para agora se vir juntar a elas a disputa de um novo elemento simbolizado no Olimpo da Arte Documenta em Kassel. Na D15 preanuncia-se também a chegada do Sul Global a debater-se no centro do Norte já globalizado!

Encontramo-nos numa situação verdadeiramente embaraçosa não só por termos de se assumir o conflito entre ideologias do ocidente e do oriente, mas também o conflito entre povos pobres e ricos! Afinal, a abertura (Europa a sociedade aberta) que se julgava a âncora do nosso sistema e com a qual se pretendia resolver todos os problemas da democracia liberal vê-se obrigada a tomar posição e a ter de reconhecer limites ou demarcações na engrenagem do próprio sistema! O contencioso em torno da Ucrânia e o escândalo do antissemitismo expresso na D15 e a disputa em torno deles podem levar à conclusão que as circunstâncias da liberdade são determinantes na consciência dela!

A Documenta, uma plataforma de arte de coloração esquerda, desta vez, está a ser posta em causa devido a cenas antissemitas. Já seria de esperar devido à ramificação da Campanha Antissemita BDS contra a existência de Israel proibida de ser culturalmente subsidiada na Alemanha, mas com prosélitos políticos em posições relevantes da sociedade! Daí certamente o facto do Parlamento alemão se querer ocupar do assunto! BDS (Boycott, Divestment, Sanctions) é uma campanha e movimento transnacional de boicote dirigido contra a existência de Israel como Estado judaico (1). A direcção da D15 ignorou que em questões de interesses e de poder quem não alinha bate mal e as estratégias das forças BDS não tiveram isso em conta na sua hipócrita estratégia. A D15 é financiada publicamente com muitos milhões de euros.

O tema palestinenses-Israel é complicado e controverso mas torna-se insuportável quando acompanhado de racismo camuflado ou de humilhação/desacreditação do outro sob o manto da arte, quando uma Alemanha, devido à vontade nazi de exterminar os judeus, assumiu a responsabilidade de, no futuro, se tornar como que o “seguro da existência de Israel no mundo”. No meio de tudo isto, é natural que a Alemanha seja mais sensível e tenha um compromisso especial com os judeus (e Estado de Israel) porque seis milhões de judeus foram assassinados pelos nacional-socialistas (2).

A Alemanha tem ainda muitas questões de consciência também em relação aos russos pelo facto dos 27 milhões de cidadãos soviéticos que morreram como vítimas da guerra alemã entre 1941 e 1945; muitos negam-se ainda hoje a tomar nota disto (3).

A moral, a arte e a religião são bem vistas enquanto enquadramento e música de acompanhamento dos respectivos interesses dos sistemas político-económicos!

Quer queiramos quer não, tudo isto vem a propósito da mudança axial em via. Na nossa ilha dos bem-aventurados do Norte, a visão do Sul global, está também presente na mundivisão indonésia da D15, visão esta que também se encontra disseminada no meio da nossa sociedade e instituições.

A população indonésia é 85% islâmica e simpatiza com os palestinianos não tendo relações diplomáticas com Israel. Os artistas da Indonésia não conhecem a realidade do Norte global e certamente não foram acautelados para os limites que também a liberdade da arte pode ter em diferentes sistemas.

A liberdade artística que caricaturou o mundo islâmico com mísseis no turbante de Maomé é agora retocada contra o judeu. Isto provocou agressão e incompreensão de ambos os lados; no meio de tanta sensibilidade e sensibilização o que dá motivo para se pensar é que a mesma arte que tem metido a ridículo símbolos cristãos responda que o tem de fazer (e tem de ser aceite por todos) porque doutro modo a arte não seria livre!  Esta de dois pesos e duas medidas é pacificamente aceite numa ordem social ocidental em que o cristianismo cada vez parece estorvar mais um socialismo e um turbo capitalismo globalistas com pretensão de direito a dominar; naturalmente a aceitação de um mal não implica que se aceite o outro; mas, considerados os três males juntos, isso poderia levar a pensar no sentido de descobrir os porquês da diferença de trato! Ou será que o globalismo se tornou rival de um cristianismo advogado da pessoa humana e como tal um obstáculo à hegemonia capitalista e socialista?

Após o escândalo do antissemitismo, os organizadores da documenta sentiram-se obrigados a mandar examinar a exposição D15 quanto a obras críticas com conteúdo antissemita, fechando para isso partes da exposição durante um curto período de tempo. O principal grupo colectivo Ruangrupa deverá assumir essa tarefa de curadoria, relata o HNA 25.06. Esta é certamente uma missão ingrata para o colectivo artístico devido aos diferentes factores envolvidos na acção anti Israel.

Na Alemanha, a discussão ocupa grandes partes da sociedade chegando até ao parlamento; na Indonésia, a opinião pública não é informada sobre o que se passa; o assunto está reservado a alguns artistas. 200 milhões de pessoas e 200 judeus vivem na Indonésia. O movimento de boicote israelita BDS recebe um grande apoio na Indonésia.

 Em Israel, houve relatos objectivos factuais, sobre o assunto, mas não há debate sobre isso porque em Israel a cena artística é predominantemente de esquerda e, como tal, mais relaxada em relação à posição do BDS do que na Alemanha.  

Uma palavra nova e presente na actividade da D15 é “lumbung”; a palavra indonésia designa um celeiro de arroz comunitário onde os excedentes de colheita são armazenados para benefício da comunidade.

A prática da lumbung aponta para uma economia alternativa de colectividade, construção de recursos partilhados e distribuição equitativa. lumbung baseia-se em valores tais como ancoragem local, humor, generosidade, independência, transparência, frugalidade e regeneração.

O Norte Global das nações industrializadas (Primeiro Mundo, privilegiado) contrasta com o Sul Global com os seus países em desenvolvimento e emergentes social, política e economicamente desfavorecidos (Segundo e Terceiro Mundo). A maioria destes países está localizada em África, América Latina e do Sul e Ásia.

Por ocasião da abertura da documenta quinze, o Presidente Frank-Walter Steinmeier avisou: “Quando as críticas a Israel se transformam em questionar a sua existência, a linha foi ultrapassada”.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) BDS (Boycott, Divestment, Sanctions) é uma campanha e movimento transnacional de boicote dirigido contra a existência de Israel como Estado judaico. https://www.berlin.de/sen/lads/schwerpunkte/rechtsextremismus-rassismus-antisemitismus/ansprechpartner-fuer-antisemitismus/dossier_ionescu.pdf

“A situação no Médio Oriente é complicada. Há colonos nacionais-religiosos que fazem da vida um inferno para os seus vizinhos palestinianos e pilotos de caça israelitas cuja língua materna é o árabe. Há uma política de ocupação estatal e um juiz de fé muçulmana no Supremo Tribunal de Israel. Há terroristas palestinianos que assassinam transeuntes com facas de cozinha e um ex-primeiro israelita acusado de corrupção que queria trazer os islamistas para a sua coligação”: https://taz.de/documenta-in-Kassel-und-BDS-Bewegung/!5859357/

(2) https://www.swr.de/wissen/1000-antworten/6-millionen-holocaust-opfer-woher-stammt-diese-zahl-100.html

(3) https://www.zeit.de/2007/25/27-Millionen-Tote

Outros artigos sobre a documenta:

Um espaço experimental de liberdade artística durante 100 dias: https://antonio-justo.eu/?p=7623

Também a Arte tem Limites e não chega apagar as Indignações: https://antonio-justo.eu/?p=7631

Social:
Pin Share

Social:

Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *