A Vida não engana, as ideias é que nos enganam! (3)
António Justo
A nossa opinião traz a cor dos nossos óculos. É monocromática, enquanto a realidade tem todas as cores do arco-íris. Com as lentes do nosso pensamento configuramos o mundo, a nossa maneira de ser, a nossa opinião e mentalidade. Além disso, usamos uma matriz de percepção selectiva, dirigida para a realidade apreendida como objecto e não como sujeito (ser em processo). A natureza dá-nos assim, para nos individuarmos, a possibilidade de ver a sua fluência transformada em camada de gelo, e assim nos podermos deslocar nela sem vertigens. Assim da órbita do pensamento criamos uma realidade virtual só para nós, separando-nos da natureza tal como a Lua se separou da Terra.
Fixados no movimento de rotação em volta de nós mesmos (do nosso ego) não pressentimos que estamos enquadrados em outros movimentos e forças, que fazemos parte duma Realidade complexa sob a força centrípeta dum Sol material e espiritual. Tal como o Sol continua a ser parte imperceptível da matéria até ao seu mínimo átomo, assim o Espírito faz parte do nosso corpo até às profundidades da nossa alma. O sol brilha na natureza como a intelig1ência no Homem. Como o Sol dá vida à natureza também o Espírito no Homem poderia dar maior brilho e honra à natureza humana, animal e vegetal.
Afirmar-se ou definir-se pela própria posição estática, pelo seu ponto de vista, é tão perigoso como se a Terra se afirmasse sem o Sol. O próprio ponto de encontro de si mesmo na própria rotação pressupõe a existência de outras órbitas e forças de transacção, a existência do outro, como parte também ela formadora da própria identidade. Para entrarmos em nós pressupõe-se então a distanciação de nós mesmos no outro, na outra parte que nos forma e alarga. Alarga não só na perspectiva do sistema mas no sentido metafísico como o entende Heidegger em “Ser e Tempo” ao distinguir entre “as coisas do mundo” e o “Ser”, entre o nosso ser ôntico e ontológico.
Geralmente vive-se da fixação na ilusão da própria visão longe da Realidade que não se deixa reduzir aos canais do pensamento mas acontece na dinâmica do sempre novo, sempre diferente. A ideia é abstracção, uma paisagem da vida a partir da janela da nossa pessoa, condicionada ao nosso saber e sentir. Não vemos a realidade, interpretámo-la através da janela distante dos nossos sentidos. Somos tradutores dum texto comum em que as letras todas correm lá no profundo de cada um de nós e simultaneamente em toda a realidade.
Longe da vida e à caça de vivências, ficamos presos nas laçadas das nossas opiniões. Confundimos a realidade e a verdade profunda com as condutas de acesso a ela: as condutas das opiniões e concepções, os pipelines das civilizações ou as maneiras de ver em voga. A vida torna-se no negativo (filme) da realidade. Na velocidade da dança e na riqueza superelegante da roupagem torna-se difícil descobrir o rosto da vida. A vida não engana, o que engana é a vertigem das ideias! Em vez de identificar o pensamento com a realidade, será óbvio reconhecer no sistema de pensamento um sistema de abordagem e de condução, no cruzamento de outras órbitas. Para evitar a frustração do próprio engano e do engano dos outros, há que descer à profundidade do ser onde a vida corre como ribeiro imperceptível na floresta da realidade. No mais íntimo de nós mesmos, não só na rota das órbitas, encontramos o mesmo Sol que procuramos lá fora. A opinião é uma pobre membrana aberta à osmose do ser todo que é a Verdade! Nestas condições, passo a ser todo na complementaridade do eu – tu – nós.
António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e teólogo
antoniocunhajusto@google.com