Ideologia pela Porta traseira do Dicionário e da Lei
António Justo
Enquanto representantes de Homossexuais masculinos e femininos procuram diluir os sexos a nível da lei, querendo ver substituída nas Constituições de diferentes países a palavra “sexo” pela palavra “género”, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, no seu discurso de posse usou a forma presidenta para acentuar o sexo da ocupante (a!) do cargo de presidente. São duas medidas, de alta eficiência, duma mesma estratégia moderna de lavagem ao cérebro.
A esquerda portuguesa quer ver a palavra “sexo” banida do art. 13º da Constituição e vê-la substituída pela palavra “género”. Como refere a RR on-line de 21.01.2011, ” ‘Sexo’ é uma palavra que sublinha a diferença entre homem e mulher, enquanto “género” é muito mais abrangente, porque em vez de apenas dois tipos – feminino e masculino – a nova expressão da moda abrange cinco: feminino, masculino, homossexual feminino, homossexual masculino e híbrido.”
Se uns se afirmam através da ambiguidade outros recorrem à acentuação do contraste!
Presidenta está para o sexo como homossexuais para o género
A palavra presidente que vem do particípio presente latino praesidens/entis, tal como outras palavras originadas de palavras com terminações idênticas (ens no nominativo e entis no genitivo e ente(m) no acusativo ) assume a mesma forma no masculino e no feminino, distinguindo-se o género prático pela forma gramatical do artigo masculino ou feminino que a precede. Temos assim: o presidente, a presidente, o servente, a servente, o estudante, a estudante, o intérprete, a intérprete, o doente, a doente; o amante, a amante, etc.
Alguns já se anteciparam a uma análise cuidada sobre a etimologia e semântica da palavra colocando a palavra “presidenta” no dicionário. Quem pode pode! (1)
A arbitrariedade parece ganhar, cada vez mais, espaço. A demasiada preocupação de socialização da língua pode, em muitos casos, conduzir à sua proletarização.
Uma má consciência, justificável em relação à mulher e ao feminismo, não é suficiente para justificar pontapés na gramática. Para que uma asneira se torne norma não deveria bastar repeti-la muitas vezes, ou chegar o argumento de “autoridade” de lugares altos. O número da população falante, um argumento de peso, não deve oprimir formas de falar mais complexas e mais diferenciadas em outras zonas da lusofonia (2). O povo merece um ensino primoroso na escola.
Não está aqui em questão o uso de novas flexões para palavras tradicionalmente ligadas ao sexo masculino e para as quais faltam correspondentes formas gramaticais femininas.
O interesse pelo cuido da língua portuguesa a nível internacional deveria empenhar-nos num esforço de superar as conotações de região, moda, salvaguardando-se contudo o seu uso específico regional! Até que uma palavra tome lugar no dicionário (norma) é preciso que passe pelo cadinho do tempo. Uma língua viva precisa continuamente de criar palavras novas e de assimilar também os estrangeirismos. Estes são, muitas vezes, ditados por interesses comerciais e por uma propaganda que não tem respeito pela própria língua.
A lexicologia, ao falar da proveniência dos vocábulos da nossa língua e do enriquecimento do léxico, faz referência ao contributo dado pelos povos que viveram no país, aos neologismos e em especial à via erudita e à via popular no processo de formação das palavras originadas do latim. Hoje, os novos gramáticos deveriam acrescentar a estas vias, a via ideológica. De facto, uma “gramática generativa” e compêndios escolares tornaram-se no meio mais eficiente para fazer interiorizar forças ideológicas, entretanto infiltradas nos organismos dos Estados.
A língua, por mais democráticos que queiramos ser, não pode ser usada a bel-prazer. A gramática não se aprende apenas por osmose, precisa de especialistas formados em academias interculturais.
Assim, com todo o respeito pelos biótopos regionais, não sou presidente pelo facto da minha esposa ser a presidente, nem Doutor por ela ser doutora ou vice-versa, como quererá levar a crer o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: “http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx” ao apresentar a palavra presidenta.
Militantes da Ideologia servem-se dos lugares altos para espalhar os seus interesses. Lobbies, supranacionais encobertas, concentram as suas redes de influência nos corredores dos ministérios e dos parlamentos a nível nacional e internacional. Para isso utilizam não só a legislação (decretos e leis) mas até a gramática. Por trás da sua estratégia esconde-se a vontade de mudar o inconsciente dos povos e o seu condicionamento sócio-cultural, através da criação de novos mitos e conceitos operantes no consciente popular. A fomentar este processo encontra-se a ingenuidade de muitos políticos e multiplicadores de opinião.
No passado a gramática e as leis transmitiam regras mais ou menos consensuais. Eram fruto dum processo sério de análise por especialistas e de aferimento na prática.
Na era dos lobbies do oportunismo interesseiro, os militantes da ideologia e do poder, não submetem o seu produto à retorta do consenso, optam por dirigir-se directamente, às fontes do Estado e da consciência popular. Assim, o veneno da ideologia, metido pouco a pouco no sistema circulatório da Nação, é assimilado directamente por um povo que habituado às conservas do mercado, trata da mesma maneira o legado cultural, engolindo tudo o que se encontra já mastigado por não importa quem.
O interesse pelo cuido do português a nível internacional deveria preocupar-se no fomento duma língua moderna, expressão duma civilização intercultural preocupada em impor-se no mundo e não envolvida em guerrilhas de trincheira ao serviço duma estratégia de impor conotações de ânimo leve, selam elas da região, da moda ou da ideologia. A política da Língua e o ensino da gramática, no contexto intercultural português, não deveriam ser utilizados como instrumento de ideologia e de poder.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
(1) (Aqui a repetição da palavra “pode” é inocente como todo o poder; esta não tem género e vem do verbo latino “potere, possum, potui, posse” e não de “fodere, fodio, fodi, fossum”; se escavássemos um pouco mais no fosso da etimologia talvez pudéssemos menos mas criássemos mais e melhor!)
(2) Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste.
Meu caro Prof. António Justo:
Parabenizo-o pelo seu oportuno e certeiro texto.
Não sou um purista ou especialista em português, longe disso, mas a sua fundamentação e o seu raciocínio estão certíssimos.
Claro que uma língua viva, como a portuguesa, carece de inovação, mas com obediência a regras e sem oportunismos, sejam políticos ou comerciais.
Um cordial abraço,
Jorge da Paz Rodrigues
Caro António Justo,
Considero o seu texto muito radical e desfocado. A sua polêmica sobre uma “palavra” está muito exagerada.E não me parece justo o António dizer que os dicionários se anteciparam a explicar a existência da “palavra”.
Mas adiante. Temos muitos assuntos de mais interesse para a construção da lusofonia.
Saudações Lusófonas, M
Prezada M!
Tem razão! Porém numa sociedade do “tudo vai bem” são necessárias chamadas de alerta. Uma lusofonia bem alicerçada deve ser construída para as quatro estações!… Também como delegado da disciplina de Português na Universidade de Kassel medei conta dos muitos interesses que se escondem sob a bandeira da defesa do português !
Num mundo tão rico de intercultura como o da lusofonia há perspectivas diferentes a serem integradas. O que pode parecer radical para o Brasil, numa perspectiva angolana ou portuguesa poderá ser considerada normal e vice-versa!!
Quanto à “palavra” não tenho problema em aceitá-la, desde que fruto dum processo consensual! O texto queria, porém alertar para o modo como hoje se impõem as coisas!
Percebo a sua preocupação, Margarida, de pessoa com mérito e empenhada no melhor para a lusofonia. Naturalmente também eu só dou o melhor de mim, e também gratuitamente no fomento dum mundo melhor!
Saudações cordiais
António Justo
Meu Caro Amigo Antonio Justo,
Eu agradeço por me ter enviado mais este brilhante texto sobre gramática da lingua de todos nós, via email e lhe agradeço em dobro porque na verdade eu deveria é de ler o seu Blog mais amiúde!… mas, falta-me tempo e enfim a oportunidade passa. …
Quanto ao tema… francamente é hilariante ver como o uso da lingua escrita de hoje tem tendência à desfaçatez, ao declinio, ao descaso de quem de direito, tem obrigação de preservar a Lingua como ela se deve escrever sã e escorreita nos vários países que o adoptam como lingua oficial!!!!… ou… talvez sejamos nós mesmos que estamos defasados?!…
Vou tentar divulgar o seu texto no meu espaço virtual, com a devida vênia claro!
Receba aquele abraço de sempre com amizade!
SP
Dr. Justo,
Muito bem pela defesa do Português e da verdade das coisas.
Um bom Domingo.
PG