EGIPTO A CAMINHO DUM ISLAMISMO EXACERBADO?


O Povo acordado torna os Governantes insignificantes

António Justo

Às vezes o simples esvoaçar duma borboleta faz mudar o mundo. Na Tunísia um académico, sem esperança de emprego, vendia hortaliças na rua com um carrito para ir sobrevivendo. As autoridades apreenderam-lhe o carro, levaram-no para a esquadra e esbofetearam-no. Desesperado e ferido na sua honra, suicidou-se. O povo que sentia na pele as dificuldades e a angústia daquele jovem levantou-se contra a opressão dos governantes. A consequência imediata foi mais de 200 mortos e o governo em fuga.


A esperança corre pelas ruas; desta vez em causa própria e não apenas contra um Ocidente sempre mau. O seu motivo de revolta é a fome. Especuladores de produtos alimentares tinham aumentado os preços em 50% revelando, deste modo, as elites com um bando de ladrões. O grito de liberdade dum povo oprimido, no corpo e no espírito, espalha-se por todo o Norte de África muçulmano.


Entretanto, no Egipto, os tumultos provocaram 11 mortos e mais de 900 feridos. O povo é quem arrisca a vida e quem luta pelo direito a uma ordem mais justa. Quem mais ordena são os outros!


O Irão, satisfeito, espera que o mundo islâmico siga nas suas pegadas, vendo a agitação egípcia como “uma onda do acordar islâmico”. Em Gaza, os extremistas já se sentem fortalecidos. Na Jordânia o rei demitiu o governo.


Nas ruas do Cairo chegou-se a juntar um milhão de pessoas e as demonstrações continuam a manifestar a presença popular. Como em tudo, o problema está no conflito da defesa de diferentes interesses e na acção de agências e sociedades secretas que se aproveitam do povo para os seus objectivos. Entretanto, as autoridades procuram atiçar a raiva do povo contra os jornalistas estrangeiros, também para melhor controlar a informação.


O que ajuda a evitar extremismos é a autoridade e profissionalidade de que gozam os militares egípcios no seio do povo e que em tempos de crise têm estado, tradicionalmente, a seu lado, sempre atentos, como na Turquia e no Paquistão à consciência popular.


Por todo o lado, quando o povo acorda os grandes tornam-se insignificantes e os peritos dos poderes estabelecidos ficam desorientados.


O Egipto não consegue alimentar uma população de 80 milhões; apenas teria capacidade para alimentar 10 milhões, tendo o povo de contentar-se, para viver, com um euro por dia. Desemprego, pobreza, patriarcado obrigam a juventude estudada a manifestar-se e a movimentar as massas contra sistemas de repressão que atingem a sua maior expressão em regimes africanos islâmicos. Seria óbvia a construção dum novo Estado, duma nova ordem social e duma nova ordem religiosa. Regentes duma economia na ruína, onde grassa a corrupção, sabem que estômagos vazios não procuram democracia, o que querem é pão. Uma certa euforia de dançarinos da liberdade deveria ter em conta que  países muçulmanos são governados autoritariamente no espírito da religião.


A experiência no Irão onde depois da revolução (força da esquerda e religiosa unidas) se funda uma república islâmica: Também o caso do Iraque é testemunho de que uma revolução agora em via, na mão de grupos religiosos, não promete muito, numa perspectiva ocidental. Até agora as revoluções têm estado ao serviço do islamismo exacerbado.

O povo levanta-se, o que é de admirar e louvar. As suas legítimas aspirações à democracia e modernização esbarram sempre contra a verdade dum livro único e a realidade duma rede de mesquitas que regula a vida individual do cidadão até ao pormenor. Por outro lado, a experiência da História, tem dado razão aos imanes na sua luta contra a democracia e  no emprego da violência, ad intra e ad extra,  no seu processo de expansão, muito embora sob o preço de manter um povo rebanho.


Uma república ainda mais islamista do que a actual irá criar grandes problemas a Israel e ao mundo Ocidental. Um tal governo não respeitaria o Tratado de Paz com Israel, a não ser que a fome os obrigue a ceder a compromissos. De notar que o Egipto é o único regime islâmico com tratado de paz com Israel.


Enquanto a polícia se manifesta fiel a Mubarak e ao seu partido apoiante NDP, os militares manifestam-se abertos às exigências populares. O Ocidente advoga uma mudança de regime ordenada para o país não cair no caos. O carrossel dos nomes possíveis para a formação duma presidência provisória passa por Mohamed El Baradei, Amr Muhamed Mussa, Osmar Suleiman e, ultimamente, Farouk Sultan.


No mundo islâmico, quem se declara contra o Ocidente, contra Israel e por Alá tem sempre boas chances de constituir governo, o que torna a questão mais complicada, numa perspectiva internacional.


Segundo um inquérito em Israel, 65% dos israelitas contam com consequências negativas para Israel no caso de Mubarack cair, o que certamente acontecerá. 59% contam com o agravamento da república islâmica.


Os “Irmãos Muçulmanos” querem um Estado mais islâmico


Os “irmãos muçulmanos” – movimento islâmico sunita fundado em 1928 – surgiu com o objectivo de se concentrar na religião e nos valores islâmicos; a nível político pretendia instituir uma ordem islâmica e insurgir-se contra o domínio estrangeiro. A organização Hamas em Gaza é uma sua filial.


O seu sucesso deve-se ao facto de se empenharem na construção de instituições sociais e mesquitas e, por outro lado, representarem a fronte contra a influência estrangeira (na altura contra os ingleses) e a organização do combate, mesmo violento, ao domínio dos potentados islâmicos que oprimam o povo e não sirvam “o verdadeiro islão”. Desde 1980 procuram a mudança através da participação nas eleições. O seu objectivo é estabelecer um estado islâmico; de notar que o Egipto é já um Estado islâmico.


Opõem-se a um presidente de transição (Suleiman) que seria necessário para se preparar uma nova constituição a ser votada pelo povo nos próximos meses. Nos últimos momentos propõem Farouk Sultan para tal cargo.


Segundo especialistas, os “irmãos muçulmanos”, nas eleições alcançarão entre 20 a 30% dos votos.


A insurreição quer acabar com um passado para começarem com outro. A herança é pesada mas dar-se-á na continuidade da sujeição e opressão, enquanto não se der uma reforma do Islão, a nível de Alcorão e do corpo de leis Hadiz.


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com



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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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