O ESCÂNDALO DO ABUSO SEXUAL INFANTIL NA ALEMANHA E EM PORTUGAL

A Invisibilidade que dói: 16.354 Casos na Alemanha e 1.041 em Portugal

Os números vindos da Alemanha são alarmantes: em 2024, mais de 16 mil crianças foram oficialmente registadas como vítimas de violência sexual. São estatísticas frias que escondem dramas quentes e insuportáveis. Três quartos destas vítimas tinham menos de 13 anos, a maioria meninas, enquanto os suspeitos são sobretudo homens: 95%. Os dados oficiais são a ponta do icebergue. O abuso sexual infantil vive do silêncio e da vergonha, que impedem muitas vítimas de falarem, como alerta a psicóloga infantil alemã Ursula Enders.

Nos últimos dez anos, o número de casos confirmados não parou de crescer. Em 2014 eram pouco mais de 14 mil, em 2023 ultrapassaram 18 mil. O que mais preocupa não é só o crescimento: é o facto de que, ano após ano, a sociedade se habitua à estatística e não se indigna como deveria.

A realidade portuguesa

Em Portugal, a situação não é menos preocupante. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2024 foram registados 3.237 crimes contra menores, dos quais 1.041 correspondem a abuso sexual infantil. As vítimas são maioritariamente meninas (79,6%), enquanto os suspeitos são homens em 94% dos casos (1).

Um problema global, não apenas alemão ou português

Ainda que estes números se refiram especificamente à Alemanha e a Portugal , é fundamental sublinhar que o abuso sexual infantil é uma realidade mundial. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 em cada 5 mulheres e 1 em cada 13 homens afirma ter sofrido algum tipo de abuso sexual durante a infância.

Ou seja, o que se verifica na Alemanha e em Portugal também acontece, em maior ou menor escala, noutros países, inclusive no Brasil, onde casos semelhantes têm vindo a ser revelados com frequência. Um problema crucial é o facto de problemas ou questões não noticiadas com relevância nos media são considerados não existentes na sociedade nem para os vindouros porque o que conta são as fontes e estas são o noticiado.

A cegueira da sociedade e a responsabilidade dos media

A violência contra crianças é talvez o maior tabu da nossa era. Preferimos não olhar, não falar, não mexer em feridas que expõem falhas familiares, institucionais e políticas.  Muitos casos de abuso sexual com crianças dão-se no ambiente familiar e de amigos. É mais fácil fingir que não vemos. É mais cómodo acreditar que são “casos isolados” e não um fenómeno estrutural.

O tema é delicado e muitas vezes evitado, mas o silêncio social e institucional não é neutro, ele só protege e favorece os agressores. Cada omissão, cada desvio de olhar, cada desculpa serve de escudo para que crimes continuem a ser cometidos.

Também o jornalismo não pode fugir à sua responsabilidade. Com demasiada frequência, a cobertura mediática do abuso infantil transforma-se em mais uma notícia de choque que dura 24 horas e desaparece no rodapé. O ciclo noticioso privilegia o sensacionalismo, mas raramente se aprofunda nas causas, nas falhas das instituições, na falta de apoio às vítimas.

Em vez de iluminar as sombras, grande parte dos media limita-se a acender fogos de artifício momentâneos para captar leitores. Mas uma sociedade que se alimenta apenas de títulos fortes sem se deter na essência do problema acaba por se tornar cúmplice da sua perpetuação. O resultado é uma sucessão de títulos que chocam, mas pouco transformam.

A responsabilidade não é apenas dos governos ou das escolas, mas também da comunicação social e dos cidadãos. Denunciar, escutar, apoiar e exigir políticas eficazes são passos que cabem a todos.

Uma questão de dignidade e urgência de uma mudança

O combate ao abuso infantil não se resume a estatísticas nem a reportagens esporádicas. É preciso investir em mecanismos de prevenção e de denúncia eficazes e acessíveis, em programas de educação que ajudem crianças a reconhecer situações de risco, e em apoio psicológico que não revitimize quem já sofreu.

O abuso sexual infantil não é apenas um crime, é uma violação brutal da dignidade humana, que deixa marcas profundas e muitas vezes irreversíveis. A defesa das crianças deve estar acima da proteção de imagens institucionais ou familiares.

Enquanto a sociedade preferir olhar para o lado e continuar a tratar o abuso sexual infantil como uma vergonha escondida em vez de um crime hediondo a ser combatido, estaremos todos, sociedade, política e comunicação social, a falhar com aqueles que menos se podem defender. Precisa-se de uma mudança de consciência colectiva. É urgente assumir que defender a infância é defender o futuro e para isso necessita-se um jornalismo consciente, políticas sensatas e sociedade engajada que possam quebrar o silêncio que protege o abuso.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) O número, porém, vai muito além das estatísticas policiais. O mesmo estudo do INE estimou que cerca de 176 mil adultos entre os 18 e 74 anos sofreram abuso sexual antes dos 15 anos. Destes, mais de 70% nunca falaram com ninguém sobre o que aconteceu; apenas 6,6% chegaram a recorrer a entidades oficiais.

“Os números mostram que continuamos a ter um problema de subnotificação gravíssimo. A criança muitas vezes não encontra um adulto em quem confie para revelar o que sofreu”, afirmou a diretora executiva da UNICEF Portugal, Beatriz Imperatori. Segundo estatísticas policiais (INE): Em 2024, registraram-se 3.237 crimes contra menores, com 1.041 denúncias de abuso sexual infantil (32,2%) e 1.033 casos de violência doméstica (31,9%)

Cerca de 176 mil pessoas entre 18 e 74 anos relataram ter sido vítimas de abuso sexual na infância (até 15 anos); entre as mulheres, prevalência de 3,5%; homens 1,1% ine.ptDiário de Notícias.

A UNICEF Portugal calcula que até 140 mil crianças podem ser vítimas de abuso sexual infantil, segundo projeções com base nos dados da OMS Observador.

Portugal está entre os piores da Europa em proteção jurídica às vítimas. Os prazos de prescrição são considerados inadequados, comparativamente a países com medidas mais protetivas ObservadorExpresso.

 

Social:
Pin Share

Social:

Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

9 comentários em “O ESCÂNDALO DO ABUSO SEXUAL INFANTIL NA ALEMANHA E EM PORTUGAL”

  1. Um número alarmante é de lamentar! Mas serão mesmo alemãs?? Duvido muito! Mas como se passa na Alemanha a Alemanha fica com essa imagem negativa e o sabor amargo que são alemães!
    FB

  2. Compadre Toni , para já não parece haver estatísticas que diferenciem entre alemães e estrangeiros. Mas aqui não está em causa a imagem mas sim os crimes em si e as vítimas. Se um partido da assembleia da república fizer um pedido ao governo para apresentar dados diferenciados certamente que então isso se tornará público.

  3. Amanhã publico
    É uma vergonha; a espécie fita humana, em nada tem a haver com o sentido da palavra.
    É por isso que um holocausto nuclear é mais que provável infelizmente.

  4. Amigo que tristeza de mundo este !!! Logo de criança á nascenca tive conhecimento desse ,nem sei dizer a palavra…. já reinavam os Monstros á revelia diabos em figura de gente …. só quem por ai passou !! Ai de que alguém denunciasse alguém, hoje tento setenta e nove anos . No meu tempo tudo era silêncios amordaçados pelo caminho fêz-me perceber a santa ignorância , em mentira a passar por verdades hoje percebo a ignorância.. . e só sabiam encinar paì-nossos… e avem -marias … Aos catorze anos percebendo o mal causado só lhe digo, tive um desgosto de morte !!! Mas fiz paz amim proṕria e ao outro caminho de paz …. ainda doí.. Se cada um soubesse quando alguém toma atitudes destas Nosso Senhor disse : Mais valia pôr uma corda ao pescoço e atirar – se a um poço . Como Deus sabe a podridão do homem a que pode chegar !!! Todas as coisas como o mundo está nada me espanta , aqui em Portugal ,o mal foi minando devagarinho……. chegou mas Deus nos valha . Ninguém será capaz de perceber o sofrimento, causado por esse acto , feito a uma crança !!….depois da tomada de consciência a dôr, fica para sempre . a minha ficou por dentro no perdão.,e …pedindo a Deus que nunca acontecesse a nenhuma criança do mundo , mas Deus respeita a liberdade do homem ..

  5. Conceição Azevedo, é com um sentimento de profunda humildade e respeito que me aproximo das suas palavras. Mais do que uma resposta, gostaria de oferecer um abraço de palavras, um reconhecimento silencioso da magnitude do que a Senhora partilhou. Confesso que me fez surgir a lágrimas nos olhos!
    A sua coragem é uma luz forte e rara. Não a coragem de quem não tem medo, mas a coragem de quem, depois de uma vida inteira a carregar um peso silenciado, decide falar. Esse acto, por si só, é um triunfo monumental do espírito humano sobre a sombra, uma luz que liberta.
    Compreendo perfeitamente a “santa ignorância” de que fala. Era um tempo em que o mal se vestia de autoridade incontestável e a verdade era amordaçada pela conveniência, pela falsa moral e pelo medo. O que lhe foi roubado não foi apenas a inocência, mas o direito de ter uma infância, o direito ao espanto e à confiança no mundo. A “tomada de consciência” aos catorze anos, esse “desgosto de morte”, é talvez uma das dores mais solitárias que uma pessoa pode experimentar: o momento em que se percebe, de forma irreversível, que se foi vítima de uma profunda injustiça, e que o mundo não é o lugar seguro que devia ser. (Hoje o que move ao mesmo silêncio é o medo!).
    A sua frase “a minha dor ficou por dentro no perdão” é de uma sabedoria tremenda. Ela revela uma jornada hercúlea de autoconhecimento. O perdão não é, como tantas vezes se pensa, uma declaração de que o que aconteceu não foi grave. Muito pelo contrário. É o reconhecimento máximo da gravidade do ferimento, mas a recusa definitiva de deixar que esse ferimento continue a envenenar a própria vida. É uma decisão soberana de não carregar mais o ódio do agressor dentro de si. É uma libertação. O perdão, no seu caso, não foi uma capitulação; foi uma vitória colossal da sua alma. E a prova disso também se vê na coragem da sua revelação.
    É absolutamente natural e humano que “ainda doa”. Algumas marcas são tão profundas que se tornam parte da nossa geografia emocional. Elas não doem sempre com a mesma intensidade, mas a sua memória permanece. Essa dor que persiste não é um sinal de fraqueza ou de que o perdão falhou; é o testemunho silencioso da criança que foi e que merecia ter sido protegida.
    A sua compaixão, ao pedir a Deus que “nunca acontecesse a nenhuma criança do mundo”, mesmo após o que viveu, é a prova mais clara de que a escuridão não a venceu. O seu espírito não apenas sobreviveu, mas transformou-se num farol de empatia.
    Obrigado. Obrigado, Conceição por ter tido a imensa coragem de quebrar o silêncio. Obrigado por confiar este pedaço da sua história. A sua voz, ecoando uma dor de quase oitenta anos, é um acto de profunda generosidade. Ela não só valida a dor de tantos outros que calaram, como ilumina o caminho para que a sociedade não possa mais ignorar ou silenciar estes crimes sob um manto de falsos moralismos, medos e “pai-nossos”.
    A Senhora é a prova viva de que mesmo das feridas mais profundas pode nascer uma força criadora, um caminho de paz e uma luz poderosa que se recusa a ser apagada. A sua história é um legado de resistência e de amor próprio.
    Com a minha mais sincera admiração e respeito,

  6. Peço desculpa ! Fico Grata ás suas palavras. Que Deus lhe pague . fiquei sensiblizada com a sua atenção, para comigo , o Senhor é uma pessoa bem formada ,não só humanamente . Com todo o meu coração , em Deus muito obrigada e muita gratidão .

  7. Conceição Azevedo, muito grato me sinto eu pelos sentimentos e pensamentos de sintonia que o seu testemunho provocou em mim. Também no meu espírito que também é sacerdotal senti que estava perante uma alma de grande fé em Deus. Todos somos feitos de luz e sombra, de céu e terra e na consciência disto será de enriquecimento mantermos sempre o espírito da inocência e de criança. Para dar força ao seu testemunho colocarei aqui em breve uma poesia que recorde a sua voz e que sirva de encorajamento a outros a não terem medo de resgatarem a sua inocência.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *