PENTECOSTES – O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA ESPIRITUAL


Liberdade e Inovação são Qualidades do Espírito

 

António Justo

 

 

No Natal Deus desce à terra, torna-se carne/terra. Depois vem a Páscoa a apontar para a vida como via-sacra em que a Cruz se torna símbolo da existência que é feita de morte e de ressurreição. No Pentecostes completa-se o ciclo vital em que a natureza através da pessoa humana ergue os olhos da terra para o alto, para o céu, no reconhecimento de que o Homem é feito de terra e céu e Deus também. Proximidade e distância são partes integrantes da pessoa. As fronteiras do homem e do seu biótopo não se deixam definir pelo horizonte que o nosso olhar permite. Há o longe, o distante que chama e tudo move para lá dos nossos limites sensoriais. O longe só é perceptível aos olhos do coração.

 

O Pentecostes inicia a capacidade de respirar um ar invisível que tudo suporta. A experiência da luz (línguas de fogo que vêm do alto) afasta o medo e possibilita a aventura criativa e criadora. Cada ser fica cheio de luz, grávido de Deus. O problema é a crusta, o limite (identificador) que o envolve e leva a afirmar o limite contra o universal integrador. O Paráclito é a essência comum ao particular e ao todo; ele é o nós do eu e do tu, à imagem do eu (Pai) e do tu (Filho JC) que, em relação íntima, cria o terceiro, o nós (Espírito). Por isso a celebração do Pentecostes anda ligada à festa da Trindade. Ireneu de Lyon condensou a Trindade na frase seguinte: «O Pai é complacente e ordena, o filho obra e forma, o Espírito nutre e incrementa». Segundo a filosofia cristã o ser humano está chamado a ser parceiro divino da criação à imagem do JC na filiação divina. A relação criador-criatura faz do cristianismo um monoteísmo mitigado.

 

Assim, não chega correr com os outros; cristianismo é mais que compromisso, é ser margem e rio ao mesmo tempo, espírito e matéria em reconciliação. Na metáfora da realidade que a natureza oferece, no ciclo da água que na sua essência inclui, ao mesmo tempo, os estados sólido, líquido e gasoso, pode pressentir-se a essência do nosso ser: mudança e permanência, espírito e matéria, igual e diferente. O mesmo somos nós a nível de indivíduo e de eclésia. O Paráclito é um desafio à solidariedade e conciliação dos elementos, à capacidade de adaptação contínua ao novo, porque só assim permanecemos nós, não podendo ser reduzidos a mero leito onde a vida passa.

 

O espírito tem uma relação céptica perante o leito mas sem ele faltar-lhe-ia o seu fundamento para poder ser fluxo. A existência é feita de perguntas e respostas em contínua interacção. Parar numa pergunta ou numa resposta seria negar a vida; por isso o Espírito fala em várias línguas, também a tua e a minha. O espírito flui onde e como quer. Importante é a abertura e não a incrustação de vida em preconceitos teorias ou dogmas, como se a verdade e a realidade fosse apenas sólida. Se a afirmarmos como sólida ela é líquida e se a afirmarmos líquida ela é gasosa, sim porque a questão está na nossa visão de perspectiva que é selectiva e não inclusiva.

 

Pentecostes é também celebrado como o aniversário do nascimento da Igreja como comunidade com a missão de viver e levar a Boa Nova à humanidade e de a viver em comunhão com a natureza. Pentecostes vem do grego e significa o “quinquagésimo dia depois” da Páscoa; o Espírito germina na pessoa e na comunidade fazendo deles agentes com a capacidade de falar muitas línguas, a linguagem do amor que é percebida nas mais diversas paragens independentemente de raças e culturas.

 

Cinquenta dias após a “perda” do JC, a tristeza dos discípulos é compensada pela descoberta dele na pessoa e na comunidade na vivência do Espírito; agora a presença de Deus na Humanidade passa a ser cada pessoa, cada cristão que aja no espírito e consciência do JC que resume o espírito e a matéria.

 

A Comunidade eclesial é aberta a todos os povos (idiomas) não se impondo uma cultura sobre a outra sendo seu característico distintivo a ágape, a caritas, o amor. O que a torre de Babel dispersou antes, congrega agora o Paráclito envolvendo tudo no fogo do amor. O característico cristão é a relação e inter-relação pessoal expressa na relação do JC com a natureza-Pai e Espírito. Ao contrário doutras religiões, aqui, a norma é uma pessoa e não um livro e a ética não se reduz a uma subjugação, ao cumprimento de letras (leis) mas ao amor soberano que tudo diviniza. O ser humano na qualidade de filho de Deus pertence por natureza à família mais nobre, tornando anti-humana e ilegítima toda a prepotência, subserviência e opressão; estas constituiriam um atentado à dignidade humano-divina inerente a cada pessoa. Por isso, os ministérios públicos, as autoridades públicas, ministros, etc., deveriam exercer actividades de serviço às pessoas porque toda a dignidade vem e acaba na pessoa em comunhão com o todo.

 

A festa do Pentecostes é celebrada em toda a Igreja desde o Concílio de Elvira do ano 305. Com a descida do Espírito Santo, o dia eterno do Pentecostes torna-se o domingo dos domingos, o sábado dos sábados em que a acção divina se manifesta e realiza no e com o povo no mundo. A participação no Espírito Santo confere o dom das línguas e os dons do espírito. O ciclo litúrgico quer apontar para a realidade profunda que é o mistério da vida que é toda ela relação.

 

Ultrapassa-se a visão grega da vida da relação de sujeito-objecto passando toda a relação humana-divina-natural a ser uma relação de sujeitos entre sujeitos; isto é passa-se duma  consciência de relação sujeito-objecto para uma relação sujeito-sujeito que tudo personaliza e dignifica. A verdade passa a ser um acontecer e não um mero constructo abstracto ou anónimo. Como no ciclo da vida, a palavra de Deus (o Verbo) está na origem da vida tal como o fruto, a flor, a árvore se encontram já na semente.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e publicista

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Muçulmanos Radicais à Conquista da Europa

 

Salafistas pregam a sua Hegemonia

 

António Justo

Muçulmanos salafistas usam uma estratégia de infiltração eficiente em diversos meios, especialmente, na arte, Internet e juventude para uma islamização sistemática na região dos “incrédulos” (“Kuffar). Com a sua guerra santa pretendem fomentar o Islão com a Sharia (direito muçulmano) na Europa, querendo que a Europa volte à idade Média. Querem, distribuir gratuitamente na Alemanha, Áustria e Suíça, alegadamente 25 milhões de livros do Corão. Esta inventiva Árabe visa radicalizar especialmente muçulmanos moderados (na Alemanha há um número superior a 4 milhões de muçulmanos) e recrutar principalmente jovens europeus desorientados.

 

Em acções de dois fins-de-semana, em Zonas de peões da Alemanha, já distribuíram 300.000 livros. Os resultados da agressão ideológica já se fazem sentir no radicalismo de manifestações na rua.

 

Emigram para um mundo que consideram inimigo e vêem-no como sua zona de combate. “Lutam por uma espécie de califado europeu, onde não se deve aplicar o direito ocidental mas sim o da Sharia”(in Der Spiegel n° 17/23.4.12); organizam-se em redes como a “Millatu-Ibrahim” (Comunidade de Ibrahin) na Alemanha, fundada por Mahmoud e pelo ex-rapper Cuspert; tornam-se muito eficientes através da infiltração em mesquitas moderadas. Com os seus songs, Cuspert consegue atingir os sentimentos da juventude em textos como “O teu nome corre no nosso sangue” referentes a seus ídolos, entre eles, Bin Laden. Muitos vivem da ajuda assistência social do estado como refere o Jornal Stuttgarter Nachriten no caso do pregador salafista Ibrahim Abou-Nagie que receberá para ele e família entre 2.300 e 2.500 euros por mês. Ele terá sido, segundo afirmou, o iniciador da acção da distribuição dos livros do Corão.

 

Os Salafistas usam o âmbito da liberdade europeia para missionar uma sociedade que consideram incompatível com a sua e em que a sua fronte de guerra é o mundo cristão. “A nossa arma é a Internet” afirmam salafistas que se consideram a elite da religião maometana. Na Alemanha há entre 3.000 e 5.000 salafistas, recrutados geralmente da segunda e terceira geração de emigrantes. Têm figuras ideais como o ex-pugilista Pierre Vogel e personalidades ligadas à Al-Qaida. Tal como os extremistas nazis encontram-se sob observação do Estado.

 

O Estado sente-se de mãos atadas perante adversários da sociedade ocidental, como os salafistas. Desde que saibam empacotar a sua mensagem de maneira a não apelar directamente à violência, as autoridades não podem fazer nada, embora conheçam a cena de extremistas que preparam atentados como o de Frankfurt em que dois soldados americanos foram mortos por um companheiro de Mahmoud. Der Spiegel cita Mahmoud, o qual afirma que a diferença entre os seus inimigos e e os muçulmanos crentes, é: “Eles amam a vida e nós a morte”.

 

Os salafistas são a ponta de lança dos Wahabis da Arábia Saudita. Por toda a parte se observa o aumento da radicalização de grupos islâmicos que antes eram mais tolerantes.

 

O povo indonésio que antes tinha uma tradição pacífica tem sido influenciado por forças muçulmanas radicais árabes. Tem-se observado, nas últimas décadas, uma radicalização da sociedade indonésia em que muçulmanos que tinham nomes hindus abdicam do seu nome de tradição hindu para assumirem nomes árabes, e aniquilam indígenas de Papua, transplantando muçulmanos para esta região, seguindo a política de colonos como faz a China no Tibet. É preocupante observar como tradições culturais de zonas geográficas amenas abdicam da sua alma afável para adquirirem a aspereza cultural nómada do deserto. Por todo o mundo muçulmano se tem observado uma contínua radicalização. A Arábia Saudita, o Irão, o Paquistão e o Afeganistão têm sido os maiores incrementadores do extremismo árabe.

 

São tendências que a História corrige mas a custo de grande tributo. Segundo previsões do CBN, no ano 2030, a maioria da população de Bruxelas será muçulmana. Aber Imran, chefe do grupo “Sharia 4 Belgium” afirma: “Democracia é contrária ao Islão” e Allah é quem diz “o que é proibido e o que é permitido”.

 

Grupos moderados muçulmanos não se levantam contra os salafistas nem contra terroristas muçulmanos porque estes se fundamentam no Corão e para os contradizerem entrariam em contradição com o Corão.

 

Os salafistas no Egipto (“Partido da Luz”) conseguiram 30% dos votos. Todo o norte de África se encontra a caminho duma radicalização nunca vista.

 

As diferentes civilizações ainda se encontram muito subdesenvolvidas e primitivas no que toca ao seu estádio espiritual. Só uma atitude de respeito de todo o Homem e de toda a cultura para com o Homem e para com a natureza poderão levar à paz. De momento, o extremismo ideológico político-religioso e o extremismo económico dominam os povos.

 

António da cunha Duarte Justo

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MAIAS – Uma tradição intercultural

Tradição das Maias uma Prática tradicional e intercultural

Recordação cristã e pagã

António Justo

Segundo a tradição em parte do norte de Portugal, na noite de 30 de Abril para 1 de Maio, muitas pessoas colocam maias (giestas floridas) nas portas das casas para lembrarem o tempo da fuga de Jesus para o Egipto. Noutras terras colocam maias no ferrolho da porta para serem protegidos das doenças e dos espíritos maus. Em torno de Maio há muitos outros costumes de diferentes tradições.

 

Nalgumas terras alega-se que esta tradição remonta ao tempo de Jesus, aquando da sua fuga para o Egipto devida à perseguição de Herodes que ordenara a procura e morte do menino Jesus. Segundo a lenda, tendo sido identificada a casa onde a sagrada família pernoitava, um denunciador teria colocado um ramo de giesta na porta daquela casa para que os soldados de Herodes, depois de avisados, pudessem identificar a casa e levá-lo. Por milagre, quando os soldados se dirigiram à cidade depararam com todas as portas enfeitadas com ramos de giesta florida. Assim os soldados não puderam cumprir a ordem do mal contra o bem. Noutras terras as maias recordam o caminho da sagrada família para o Egipto: Maria para se poder orientar no regresso terá colocado giestas no seu caminho.

 

Em Maio condensam-se as celebrações de usos e costumes símbolos da fertilidade, por toda a Europa.

 

O ressurgir da natureza é festejado por todas as culturas ao longo da História, reflectindo diferentes expressões religioso-culturais conforme o espírito do tempo e da cultura envolvente.

 

Quando a natureza acorda para a juventude, celebra-se, com festas e ritos, a vida, a luz, o fogo e esconjura-se a treva. Estes ritos ganham expressão em tradições como a das maias, Florais, o burro, a rainha de Maio, coroa das maias, leilão de donzelas, a festa do mastro/árvore (esta festa também da virilidade encontra-se no norte da Europa e em Penafiel – costume celta?), etc. No Norte da Europa há lugares onde se comemora a chegada de Maio onde, outrora,  moças em idade de casar eram apresentadas no leilão de Maio.

 

Maio recebeu o nome do deus Maius que era o deus da Primavera e do crescimento. Para outros vem de Maia, mãe de Mercúrio. As celebrações em honra de Flora, a deusa das flores e da juventude (mãe da Primavera), iniciavam o novo ano agrícola e atingiam, na Roma antiga, o seu clímax nos três primeiros dias de Maio.

 

A Igreja católica declarou Maio como o mês de Maria, a mãe e rainha. Dos 54 países que celebram o Dia da Mãe, 36 festejam-no em Maio.

 

 

Também no Norte da Europa havia a tradição dos rapazes colocarem um arbusto à porta da sua amada como declaração de amor, paralelamente ao costume de serem nesse dia leiloadas as donzelas em idade de “casar”. Há tradições semelhantes em Portugal. Aqui, nalgumas terras, havia a tradição da “coroa das maias”, elaborada em papel com fitas de cores e que os rapazes, colocavam à porta das suas pretendidas, como manifestação do seu amor.

 

 

António da Cunha Duarte Justo

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Falta um novo “25 de Abril”

Democracia de Base versus Democracia de Mordomias

O povo cada vez tem de cavar mais coutos para poder manter um só novo-rico. Por esta e por outras se vai ouvindo, com veemência, por todo o lado, que falta um novo “25 de Abril”. Isto é um desabafo de impotência e desilusão dum povo que se sente encurralado!

 

Vasco Lourenço, líder da A25A, que, há 38 anos, foi um dos grandes actores da Revolução dos Cravos, disse ontem, no discurso do Rossio em Lisboa, que tanto  responsáveis políticos como Assembleia da República  “já não representam a sociedade portuguesa” e que já não estão “à altura das funções para que foram escolhidos”.  Acusa as elites portuguesas de actuarem “à porta fechada, escamoteando a realidade aos portugueses”.


Este é um depoimento importante que merecia ser analisado fora do discurso politiqueiro enquadrado no dia-a-dia português; é um verdadeiro ataque à partidocracia portuguesa que, de facto, desde a sua origem, nunca se manteve à altura do legado de Portugal nem dos interesses do Povo português. Consequentemente haveria que questionar a Constituição que privilegia os partidos e elaborar um novo sistema de representatividade.
Desde as invasões francesas a alma portuguesa encontra-se empalamada.

É um escândalo ver como suportamos parlamentos demasiado numerosos em países pequenos e como alimentamos eurodeputados insaciáveis. O mau exemplo vem das elites.

A “realidade” de políticos e da propaganda partidária não tem nada a ver com a realidade do povo. Os vencimentos de personalidades políticas e de administradores de empresas públicas e privadas são a melhor prova de que o sistema falhou e se encontra ao serviço de alguns!
As organizações partidárias portuguesas encontram-se eivadas dum espírito mafioso engravatado e culto que não dá nas vistas. Em vez da preocupação pelo povo domina o interesse pela progressão na hierarquia partidária, por vezes sem quaisquer escrúpulos. A sociedade portuguesa foi habituada e alimentada com o discurso político à custa do discurso cultural, social e económico.

A situação económica em que nos encontramos é consequência da crise cultural e moral que criámos.  É urgente que políticos e elites, em geral, se convertam por atitude de inteligência ou mesmo oportunista. Se não se converterem à honra e  à dignidade humana, o nosso futuro tornar-se-á num inferno. A partidocracia aliada aos poderes subterrâne tem desacreditado a democracia representativa e encontra-se com a colectividade a caminho da ruina.

A alternativa está numa metanóia de elites e de povo. A mudança passará da filosofia da afirmação do eu à custa do tu e do nós para uma ética de afirmação do nós onde o eu e o tu cresçam em dignidade e respeito. O nós passa a ser o ponto de partida e de chegada do nosso pensar e agir. O nós é mais que a soma do eu e do tu.

Realmente torna-se cada vez mais óbvio um novo “25 de Abril” mas não só de cravos vermelhos, no coração de cada um. Já chega de ramos de cravos vermelhos com atilhos pretos. Portugal terá de se tornar num jardim onde crescem todas as flores numa dança de cores.

 

Portugal e a civilização ocidental têm que fazer uma cura. O primeiro tratamento será o de desenvenenar o pensamento!

 

A geração mais nova e em especial as próximas gerações terão razão acrescentada para pedir contas, a nós, os da geração 68, e ao regime.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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25 de Abril – O Despertar duma Ilusão (1)


Geração 68 – Revolução Política e Religiosa

António Justo

A revolução começa no espírito para só depois ganhar expressão política. Já antes do 25 de Abril andávamos todos à procura de bilhetes para a liberdade.

Em 1959, João XXIII responde à ânsia do mundo por inovação e emancipação convidando todo o mundo ao “aggiornamento”, à mudança. Dos USA surgiam rajadas de ventos anunciadores da ânsia de emancipação expressa na música Pop, Rock, Blues, Rolling Stones, Beatles, etc. no movimento hippie e no desejo de emancipação sexual.

O mapa do tempo e dos sentimentos públicos eram determinados pela baixa pressão soviética e pela alta pressão americana. Na altura o mundo encontrava-se todo em ebulição. Sob o cenário da “guerra fria”, proliferavam os cenários das fronteiras ideológicas. As palavras de ordem da altura eram: “Proibido proibir”, “abaixo o Estado”, “seja realista, peça o impossível”, “não confie em ninguém com mais de 30 anos”.

Este clima, além de fomentar ânsias e aspirações, favorecia a constituição de redes revolucionárias desde Moscovo, Cuba, Ásia, América latina, Argélia até à MPL (Movimento Popular de Libertação de Angola), à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e ao Movimento dos Capitães, depois MFA (Movimento da Forças Armadas portuguesas).

O movimento revolucionário servia-se também da arte para conseguir atingir a juventude e a burguesia pós-guerra. Fermentavam a massa social de então como os WikiLeaks, os Piratas, o Facebook , mainstream, a Internet e a ofensiva cultural árabe no Ocidente fermentam a de hoje.

Manifestava-se a reacção a uma jerarquia repressiva adversa a um novo sentimento de vida. Era o espírito proletário contrariador do estilo burguês a afirmar-se; os filhos da segunda grande guerra formam então uma geração contestatária, a geração 68.

Na sua fuga à culpa e aos ressentimentos provocados pela segunda guerra mundial, a nova geração manifesta-se extremamente sensível à paz, à liberdade e a tudo o que lhe é próprio; inicia uma verdadeira revolução de emancipação que envolve todas as camadas sociais e se manifesta no desenvolvimento tecnológico, na revolução sexual, pílula, droga, etc. Arrumam também com Deus pois não querem reconhecer pai nem mãe.

Neste ambiente o mundo fervia, subindo ao céu, por todo o lado, um grito fumarento de libertação contra a intolerância dos outros. O Maio quente de 68 em Paris torna-se o símbolo duma autêntica revolução cultural em marcha (apesar disso, nesse ano foi assassinado Martim Luther King e falhou também a revolução checa a favor dum socialismo humano).

Movimentos jovens de contestação política vão surgindo por todo o lado, enquanto, paralelamente, os activistas iniciavam uma corrida às instituições instalando-se nelas. A ideologização do movimento levou também à criação de movimentos subversivos que viam em Guevara (assassinado em 1967) o símbolo da resistência.

O movimento dos Capitães de Abril catalisa nele as forças revolucionárias de esquerda, então bem organizadas por todo o mundo, e também o desejo emancipatório febril da juventude num tempo de mudança. A nível político, os espertos da ocasião viam no movimento das forças armadas portuguesas o melhor instrumento para transpor para a Europa (Portugal) a realidade cubana. Na altura, a nossa geração queria mudar o mundo, seguindo ingenuamente os “sinais dos tempos „ propagados e apostando no “efeito borboleta” das pequenas iniciativas. Nesta atmosfera é de compreender os erros cometidos pelos homens de Abril na esperança dum lugar ao sol e o envolvimento do povo desejoso duma sociedade mais livre e justa.

Ventos frescos nos Corações e nas Instituições

(Um testemunho pessoal)

Na altura (66-71) encontrava-me no seminário de Manique do Estoril onde, Hippies, Beatles, Concílio Vaticano II (1) e personalidades pacíficas faziam florir, também nos seus pátios, as melhores rosas e os melhores cravos de esperanças virgens de liberdade e irmandade com todo o mundo. Era o tempo da teologia da libertação, das comunidades de vida,  de novas ideias e iniciativas, a era duma nova educação, a germinar por todo o lado. Era um tempo jovem!

Lembro-me de, então, organizar no seminário de Manique do Estoril cursos de alfabetização para pessoas adultas da região e, nesses cursos, seguir devotamente o método de Paulo Freire. No ar havia uma simpatia pela revolução cultural de Mao Tsé-Tung e por tudo que cheirasse a inovação (Não se imaginava que ele seria um dos maiores ditadores e aniquiladores de povo). Fiquei com a ideia de que Portugal não era tão hermético como se cria, quando em 1969 mandei vir da China “O Livro Vermelho” de Mao, tendo tido a precaução de, ao encomendá-lo, escrever apenas como remetente: Justo, Instituto, Manique do Estoril. Cerca de um ano depois recebi da China vários exemplares com o meu nome e o endereço completos. Então, fiquei estupefacto com o caso.

O processo revolucionário da geração 68 pensava-o então, numa perspectiva conciliar de religioso, como a continuação genuína da grande revolução iniciada por Cristo (JC) com a diferença que o JC não pretendia como o nazismo, o socialismo, o turbo-capitalismo e o maometanismo impor uma forma de vida à humanidade. O que observava lá fora via-o como consequência do espírito revolucionário pelo bem e pelo bem-comum que se encontrava dentro dos muros do seminário. Este espírito, aliado a um espírito de amor e justiça, impregnava a nossa contestação interna que se expressava em iniciativas teatrais como o “Bom Humor”, o “Festival da Canção” e os “Telejornais”. Na altura rebelavamo-nos contra hábitos e autoridades eclesiásticas legalistas e contra hábitos como a vestidura da batina em iniciativas e teatros engendrados pelo nosso “Grupo do Bom Humor”. O grupo actuava em festas da comunidade e noutras ocasiões com teatros, festivais da cancão, telejornais em que a vida do seminário, acontecimentos, atitudes, superiores e personalidades eram passados a pente fino pela crítica humoral.

A título de exemplo: Numa festa pública de vestidura da batina, em Manique do Estoril, onde estavam presentes, também, os familiares dos seminaristas que iam receber a batina, o “Grupo do Bom Humor” actuou e na peça teatral ridicularizou tal acto, o que provocou o desconsolo e a reacção da ordem estabelecida. Esta tinha confiado no “bom senso” do “Bom Humor” para abrilhantar a festa. Depois do espectáculo, o director do Instituto chamou a contas o Padre Conselheiro, que era o ponto de ligação institucional com o “Grupo do Bom Humor”. O sacerdote lá se desenfiou como pôde perante o Reitor e tomou a iniciativa de chamar o grupo a contas. Interessado em descobrir quem era o responsável do grupo e para poder estatuir um castigo exemplar, chamou a si, um a um, cada membro do grupo. Mas, como no grupo eram todos por um e um por todos, cada qual declarou ser o responsável do grupo. Deste modo foi conseguido, com humor e responsabilidade, estoirar com um princípio de toda a autoridade institucional que é: castigar um por todo o rebanho, para que o medo açaime a manada. Assim o superior não pôde castigar nem o grupo nem ninguém. A solidariedade dum grupo arrasa montanhas. Uma instituição que conseguira acordar o sentido da rebeldia bem canalizada e mantida dentro duma ordem conformista, sente-se agora impotente perante o espírito da responsabilidade que ela mesma propagava. O espírito de liberdade e de respeito pela pessoa, transmitido à imagem da pessoa do protótipo JC era o mesmo que questionava as incrustações de regras, autoridades e instituições. A liberdade da experiência do JC dava-nos força e legitimidade para toda a contestação. Era uma contestação vinda de dentro, não de fora. Perante o JC encontrávamo-nos, superiores e subordinados na mesma plataforma do Seu seguimento. Este espírito, ajudado pelos novos ares davam-nos força para quebrar com as correntes do hábito e de obediências cegas a que grande parte dos superiores se encostava regaladamente.

Os mesmos ventos da mudança eram comuns dentro e fora dos muros, embora com diferentes motivos e objectivos. Pessoalmente, mais tarde saltei o muro e na procura de mais liberdade e menos teias de aranha ingressei em partidos diferentes de Portugal e da Alemanha. Uma coisa constatei, o espírito de rebanho e de manada é muitíssimo maior nas instituições seculares do que nas religiosas. Dentro dos muros dos conventos há mais liberdade que fora deles, porque nos conventos, apesar de tudo a pessoa é rei. Quem liberta o espírito e vive dele não conhece o medo da autoridade nem o cálculo da oportunidade!

Os oportunistas da Revolução

Veio depois a enxurrada da “revolução” do 25 de Abril e nela entra a arraia-miúda e a arraia graúda, numa viagem paradisíaca, não atenta ao destino nem aos motivos da viagem. Era querida uma orientação monocolor e pretendia-se meter a liberdade em uniformes ideológicos.

O autocarro de Abril partiu e o povo continuou na esperança de chegar a melhor. Sentíamo-nos todos passageiros da liberdade, provindos dos mais diferentes meios, mas querendo construir uma sociedade com lugar ao sol para todos. Portugal estava todo inteiro, a caminho da liberdade, a caminho dum viver por viver. Então, na rua, nas estações olhos confidentes se trocavam numa atmosfera que se abria para um futuro risonho de espaços abertos e na sequela dum chamamento de libertação.

Por alguns momentos fomos um povo unido e especial que atraía grupos das esquerdas dos mais diversos países; Portugal era a Roma do turismo político de esquerda tal como era e continuou Cuba depois.

No horizonte, aqui e acolá, nuvens de estragos se vão acumulando. O espírito que motivava os actores da revolução era apenas político sem contemplar o Homem todo nem Portugal no seu todo. Por isso o que a princípio parecia uma revolução revelou-se, com o tempo, ter sido apenas um golpe de Estado com os benefícios das mudanças que na altura, noutros Estados europeus acontecia na normalidade. O egoísmo de grupos e “personalidades” da nossa praça, sem escrúpulos, vai-se servindo da nação, deixando para o povo o sacrifício da abnegação; mandam os santos para o deserto para se porem a si no nicho da reputação. Os abrilistas ocuparam o céu português e hoje ainda têm o descaramento de desculparem a crise da nação na culpa dos outros. E o mesmo povo continua a ir na fita pensando que a culpa está neste ou naquele quando ela é bem nossa que continuamos a dar paleio aos que encurralaram a esperanças para si. Aquela alegria, aquela esperança e liberdade da rua que se julgava pública, passaram a ser reservadas para os cínicos do poder que ocuparam o lugar que pertencia ao povo no dia-a-dia, na TV e noutros Meios de Comunicação social. Foi um sonho de pouca dura mas que levou o povo inocente e bom a interiorizar uma superficialidade libertina e a abdicar da dignidade, da honra e do respeito que provinham duma ética de cunho responsável.

O povo confiante acorda agora molhado. Também deixou de ser família universal com o coração no mundo e nos povos ultramarinos para se tornar num canto europeu, num povo de dançarinos de alma na rua saltando ao som de interesses anónimos e ao ritmo da mesma cor. Cconstruiu-se uma liberdade que guarda a oportunidade para o mais forte, uma liberdade amarrada a ideologias e a interesses alheios e não uma liberdade de visão integral e responsável do não só mas também!

Organizaram-se então campanhas revolucionárias de libertação e de reeducação do povo. Tudo bem-intencionado e preparado para atrair a inocência de crenças nobres. Para se responder ao desejo de inocência procura destruir-se a vergonha. Organizam-se, até em recônditas aldeias, sessões de desflorações virginais em grupo; quer-se o comunismo, tudo maninho, querem-se as meninas, menos as que têm o dono presente; procede-se à queimada de livros de “fachos”, etc. O que não serve a ideologia de alguns deve queimar-se ou arrumar-se. À hora da direita segue-se a da esquerda e vice-versa. Esta é a liberdade confinada aos que agora querem ter razão, como se também esta não fosse processo e só pertencesse a alguns. Agora assistimos ao instinto da inocência a vingar-se na resignação. (A geração de agora tem de reparar os estragos, tem de granjear-se a honra e o respeito que lhe foi roubado).

A liberdade desencadeada deixa no ar o som de cadeados caídos numa revolução descontrolada de libertinagem bárbara que se satisfaz no andar na vida por ver andar os outros. Não há respeito por si mesmo nem pelos outros. Tudo à própria disposição. Uma liberdade adolescente, irresponsável, que não conhece nada nem ninguém; toda ela em nome duma culpa passada. Egoísmo puro que faz do outro cliente do próprio sentimento. A droga é propagada, desinibe e o sexo ajuda a ideologia. Quem trabalhava e fazia pela vida era designado de “facho”. Professores exigentes eram saneados e organizam-se os exames colectivos. Uma das causas da crise portuguesa de hoje está nesse espírito leviano de então que levou os estudantes formados, com as notas do grupo, a ocupar os lugares de responsabilidade das nossas administrações.

Uma revolução que prometia tanto, com tão boa música e fanfarra que abria as portas ao progresso desembocou no beco sem saída duma gula de marcha limitada a ritmos de esquerda direita; meteu assim a terceira república nos caminhos da bancarrota, tal como aconteceu na primeira. Heróis da revolução, que o povo ainda canta, vivem com ordenados mastodônticos e injuriosos, como nunca na História houve, enquanto muito do povo vegeta com ordenados de miséria que não dão para viver nem para morrer. Tudo acontece  e se legitima à sombra duma democracia que querem prostituta.

Partidos, sindicatos, grupos organizados, etc. instalam-se no aparelho do Estado. Numa guerrilha ímpar de aumentar o próprio lucro e “honra” agregam-se à volta do estado como chulos à volta do bordel. Por todo o lado se encontram guardiões da revolução, cães de guarda duma liberdade oferecida não conquistada mas em benefício de adeptos e adversários. Privilegiados da revolução agarram-se todos ao vermelho da ideologia ou da parceria perdendo o sentido pela riqueza das cores.

A consciência da liberdade partidária negligencia a liberdade pessoal e a descoberta da força das próprias possibilidades. Um na ilusão á espera de Gudot, outros na letargia virados para D. Sebastião; tudo se alinha nas ordens de marcha de grupos e de organizações secretas enlaçadas em coutadas de compadrio e na burocracia. Compra-se o indivíduo para se afirmar a jerarquia.

A caminhada para o futuro viu reduzido o seu horizonte ao 10 de Dezembro de 1910 e aos resquícios liberais napoleónicos. Um tradicionalismo obediente e a fé nas razões do poder não conseguiram quebrar o bolor dum liberalismo mafioso e dum republicanismo ultrapassado, guardados na nação a sete chaves em gavetas intelectuais seguidoras dos excessos do Marquês de Pombal. A visão ideológica impede o olhar pessoal e regional. Nas pistas dum futuro em liberdade esbarramos connosco, repetiindo os erros da 1. República.

No comboio da história, numa alternância de cor, continuam os mesmos lugares reservados para os da nova oportunidade; o povo continua em bicha e sempre à chuva, sempre à espera nas estações, sempre na ânsia dum comboio com carruagens para ele. Esperar na desesperança é a sua condição independentemente da cor da governação. Para se entrar no comboio dos donos da razão e do arrazoar, é preciso um compartimento, um vagão do partido, do sindicato, do compadre, do mação. A História, sem heróis, deixa-se conduzir pela banalidade do quotidiano e afasta-se cada vez mais da arraia-miúda. Esta, por sua vez, revela-se massa, sem consciência, sempre à espera dum revisor que lhe cobre o bilhete. Uma elite à trela dum Estado dominado pela insuficiência partidária e grupal não gera civis livres nem sequer heróis. Produz acomodados e mercenários, gera políticos da capitulação a ideologias e à subserviência boçal, não tolera heróis nem homens bons. Um povo unido tornou-se num povo humilde sempre vencido. Povo, sempre ao toque de caixa dos oportunos e que então aplaudia e agora lamenta.

(1) O Concílio Vaticano II foi anunciado pelo Papa João XXIII a 25.01.1959, iniciado em 1962 e concluído em 1965. Com este encontro global queria-se renovar as estruturas encrustadas e fazer-se um agiornamento de ideias e práticas em todo o mundo. Por todo o mundo se organizaram iniciativas de mudança que as igrejas nacionais através dos padres conciliares levariam a Roma. O movimento de 68 foi uma versão de estilo secular a uma revolução que o Concílio iniciara antes no sentido espiritual da renovação do Homem todo, no sentido de metanoia de corações e instituições, no sentido de o “Homem” se tornar Homem.

António da Cunha Duarte Justo

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