Níveis da Justiça e da Ética no Desenvolvimento das Pessoas e das Culturas

A Virtude da Tolerância desafia a Virtude da Coragem

Por António Justo

O medo, o anseio por segurança, a leviandade mental são característicos de uma sociedade em redemoinho que destrói a personalidade e impede a reflexão individual do cidadão para o engavetar em padrões sociais medíocres.

A insegurança e o medo domam as energias criativas e impedem a compreensão da vida, conduzindo a uma situação de pânico que provoca uma reacção de ânsia de sucesso imediato material e espiritual. A insegurança e a arbitrariedade no julgamento de práticas políticas e religiosas fomentam um moralismo preconceituoso e precipitado longe de uma ética reflectida abrangente. Deixa-se de combater por ideais nobres para se pelejar com guerrilheiros que se encontram mais próximos ou que são mais oportunos.

A falta de discernimento conduz a opiniões precipitadas e intolerantes, pela positiva ou pela negativa. Daí a importância de distinguir entre ética e moral e de constatar a evolução da ética e dos costumes a nível de pessoas, instituições e civilizações para possibilitar um diálogo interactivo e produtivo entre pessoas e culturas. As culturas só têm a oportunidade de se aproximarem ou de se guerrearem. Se a sociedade continuar com a mesma política dos últimos 60 anos a guerrilha proliferará de maneira avassaladora.

Ética é a orientação consciente por regras ou normas; implica uma conduta de vida criteriosa e ter a capacidade de decidir com discernimento entre acções boas e más.

Moral diz respeito ao cumprimento das normas por que se orienta a maioria e que correspondem a determinadas ideias/imagens na vida interpessoal. As normas adoptadas podem ser aplicadas consciente ou inconsciente.

Podemos considerar quatro etapas do desenvolvimento da ética e das sociedades que a praticam:

Na primeira etapa é permitido castigar uma acção sofrida com uma acção pior. Exemplo: alguém rouba algo e como castigo é-lhe cortada a mão (cf. lei da Sharia no islão); o homem é o lobo do homem (homo homini lupus!). Na segunda etapa da evolução ética passa a ser aplicado o princípio de talião que corresponde a responder a uma acção com outra acção correspondente: “olho por olho e dente por dente” (vingança igual). A terceira etapa que se encontra já no Antigo Testamento, no Hinduísmo, Confucionismo e na Filosofia grega, orienta-se pela “regra de ouro” que determina: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” ou “Faz aos outros o que queres que te façam a ti”. A quarta etapa da ética é a ética das Bem-aventuranças, a ética do amor ao inimigo e do vingar o mal com o bem; é declarada no Sermão da Montanha mas muito difícil de praticar e em certos conflitos levará até à eliminação do bem, tal como aconteceu com a crucificação do maior Mestre aparecido na História. Pelas obras se mede a qualidade ética das acções, que se tornam mais ou menos virtuosas.

Virtude é a capacidade de comportamento determinado por um valor. Pressupõe uma decisão baseada numa atitude e numa mundivisão (experiência de vida, idealismo). A virtude tem como actor contra ela (o vício) a agressão (o outro lado da calma) dado a agressão parecer o meio natural de autoafirmação (movimento egoísta contra altruísta) na intenção de formar e afirmar identidade.

O filósofo Aristóteles distinguia entre duas espécies de virtudes: As virtudes racionais (dianoéticas) inteligência, sabedoria, o pensamento científico, etc. e as virtude éticas ou da vontade. Para se determinar a virtude, Aristóteles elaborou o padrão do Meio-termo, o meio justo (Mosóteles), vulgarmente dito na expressão, “a virtude está no meio”. Por exemplo, coragem é o meio entre covardia e imprudência (Temos o momento da falta, o momento da virtude e o momento do exagero, exemplo: falta: Sofrer de injustiça – virtude: justiça – excesso: praticar a injustiça).

A virtude depende de um valor mais alto. Na história da ética reconhece-se como valor mais elevado, a felicidade, Deus, o paraíso (nirvana), espiritualidade… A virtude pressupõe educação, hábito e relação interior através da compreensão, da alegria e do sofrimento.

Max Klopfer, na sequência de Aristóteles, nomeia, para a determinação de cada virtude, as seguintes características gerais: a) o meio entre dois extremos (aspecto formal), b) fundamento num bem maior (aspecto material); e para uma determinada virtude as características especiais dela: a) baseada numa determinada situação e b) relacionada a uma determinada pessoa (subjectividade).

As virtudes encontram-se todas numa relação de reciprocidade. Platão fala de quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, prudência e justiça. Aristóteles fala de 14 virtudes: Sabedoria, coragem, prudência, justiça, serenidade, serenidade nobre, generosidade, magnanimidade, elevação, honra, amizade, dignidade, indignação justa, sinceridade, destreza social.

O cristianismo acrescentou-lhes, fé, esperança e caridade. A Burguesia do século XIX acrescentou-lhes as virtudes secundárias: ordem, aplicação, limpeza, pontualidade, etc. Hoje, a sociedade europeia parece esgotar-se na virtude da abertura e da tolerância esquecendo que estas são virtudes secundárias de outras virtudes oprimidas por uma sociedade demasiado preocupada com o pragmatismo político.

O homem no decorrer do tempo histórico foi deixando as marcas do seu desenvolvimento ou reacção às experiências sociológicas e antropológicas prévias.

Ética da lei

Na tradição judaico-cristã vale a orientação pelos dez mandamentos, em especial o amor ao próximo e a Deus (Mat. 22,37-40). Não se trata aqui de preceitos exteriores mas de configurações internas fluidas, não empedernidas na letra mas a serem sempre actualizadas pela atitude sempre nova e viva. A referência cristã mais que de um livro ou norma é a pessoa do JC. A ideia base é a igualdade de todas as pessoas baseada na semelhança de toda a humanidade com Deus. Friedrich Nietzsche lamenta a herança cristã dizendo: “Na igualdade das almas perante Deus é dado o padrão de todas as teorias dos mesmos direitos para todos”.

A ética muçulmana, essa sim, é uma verdadeira ética da lei ou do livro que dificulta qualquer teologia porque Deus se formaliza no Corão não dando lugar à teologia, quase se esgotando na jurisprudência.

Ética do dever – orientação pelo senso comum

Kant criou a ética do dever como um tipo especial da ética que se fundamenta na racionalidade humana. Para o filósofo o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo que se torna num imperativo categórico desde que o modo de agir possa ser generalizado e a dignidade e liberdade da pessoa respeitada.

Os estoicos já tinham ligado a moral ao dever, fundamentando-a na ideia do direito natural, baseado na natureza e que tinha como objectivo o domínio dos afectos e do prazer. Seguir o prazer pressuporia desconhecer a essência do próprio ser; para o estoico, é sábio e livre quem ultrapassa a felicidade e a infelicidade; para ele tudo é indiferente. No outro polo desta filosofia encontrava-se o epicurismo.

Ética do útil (Utilitarismo)

Epicúrio (um 341 a.C.) centrava a ética no proveito individual dirigido para a felicidade e o prazer. Pretende fomentar necessidades que maximizem o prazer e o mundanismo radical. Enquanto para Epicúrio o objectivo era a felicidade individual, para os anglo-saxões era a felicidade do grupo.

Nos países anglo-saxões (Bentham, 1748-1832) o critério de avaliação da acção é o princípio da utilidade para todos os participantes. Bom é o que é útil para todos; a diversidade das necessidades individuais não conta grande coisa.

Segundo O. Höffe a ética utilitária inclui 4 princípios: o princípio das consequências (não interessa a atitude mas os resultados para decidir da acção); o princípio da utilidade (a avaliação das consequências orienta-se pelo bem abstracto, trata-se de consequências úteis); o princípio do prazer (o fim último é a felicidade, bom é o que dá prazer e traz alegria); princípio social (não conta a felicidade individual mas a de todos).

O utilitarismo favorece o direito das maiorias. Hoje, o fim não pode justificar os meios, estes têm de ser aferidos pelos direitos fundamentais do Homem.

Ética da responsabilidade

O agir responsável pensa nas consequências que a acção actual tem para as próximas gerações. O ser humano tem de julgar ética e moralmente as consequências da sua maneira de agir. Não se pode fazer tudo o que se pode, embora a técnica o possa permitir, a vontade tem limites se quer assumir responsabilidade e garantir sustentabilidade. A ética da responsabilidade presume uma educação para a liberdade; uma educação que não instrumentalize o medo como meio de tornar o Homem maleável e funcional no sentido das instituições actuais.
Continua em “Ética da Responsabilidade pressupõe a Educação para a Liberdade”
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

O ENSINO PRIVADO NA ALEMANHA

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

Por António Justo
Segundo dados do Instituto Federal de Estatística na Alemanha, o Estado gastou em média, por aluno da escola pública 5800€ em 2010. A despesa escolar por aluno diferencia-se segundo o tipo de escola. Assim os custos por aluno nas escolas primárias totalizaram 5200 euros, nos liceus e escolas abrangentes 6600 Euros, nas escolas profissionais do sistema dual 2500 euros por aluno (neste sistema o aluno passa metade do tempo na escola e a outra metade no local profissional de aprendizagem, isto é, na empresa).

Na Alemanha há 5.600 escolas privadas. As escolas particulares, reconhecidas pelo Estado, recebem subvenções financeiras num montante de 84% (dos custos do ensino estatal); destes 78 % são suportados pelos estados federados, 4% pelos municípios e 2% pelo governo federal (referência de 2009).

As escolas privadas ficam mais baratas que as estatais; assim em 2011 o Estado poupou, através das escolas particulares, cerca de 1,2 bilhões de euros (cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Privatschule) .

O ensino particular ou privado destaca-se, segundo estudos PISA, em maior qualidade e eficiência. Naturalmente que também há uma certa diferença entre muitos alunos frequentadores das escolas privadas e das públicas, o que relativizará um pouco os termos de comparação a nível de eficiência de notas.

Ensino privado na minha cidade

A cidade Kassel, onde de momento me encontro, tem 200.000 habitantes e destes 32.600 são alunos de escolas estatais e privadas. 2.600 frequentam o ensino privado. Nos últimos anos o ensino privado tende a aumentar. As escolas de maior referência são a Católica e a Waldorf. A escola católica teve de recusar aceitar mais alunos por falta de espaço. Este ano, a Escola Waldorf aumentou a sua capacidade de 780 para 800 alunos. As taxas escolares levantadas pelas escolas privadas orientam-se pelo porta-moedas das famílias. A contribuição base é 90€ mensais (Na Alemanha o ensino é da competência dos estados federais pelo que há diferenças entre eles). No Estado da Baixa Saxónia, a taxa escolar não pode ultrapassar os 300€ mensais. Naturalmente que há diferentes tipos de escolas privadas ou particulares com diferentes serviços.

A maior parte dos pais paga mensalmente em Kassel, na Escola Waldorf, 200 euros por filho. Uma família, com um vencimento ilíquido mensal de 4500€, paga, nesta escola, por 4 filhos, 764€ mensalmente (Cf. HNA, 5.9.2014). As 10 escolas privadas existentes em Kassel são financiadas pelo Estado e pela taxa escolar que cada escola privada levanta. Das 10 escolas 4 são Escolas de fomento especial; estas são financiadas integralmente pelo Estado não podendo elas levantar taxas próprias. Os pais vêem contemplado nas Finanças, no acerto dos impostos do final de ano, os gastos tidos com a educação.

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

O aumento de procura das escolas privadas deve-se à crescente insatisfação dos pais em relação às escolas estatais, ao aumento de exigências das famílias em relação à escola, ao ensino bilingue nalgumas delas, ao fomento individual do aluno, etc.; a escola particular tem de se preocupar com a satisfação dos clientes (alunos e pais) de que estão também dependentes, as escolas colocam os professores, o que permite escolha mais acurada, menos horas de falhas, maior estabilidade e menos ingerência educativa do Estado no foro privado da pessoa (educação sexual), etc.

Oferta e procura regulam o mercado para satisfação de uns e de outros. Uma vez que o sector público financia justamente o ensino privado, este não se torna tanto apanágio dos ricos. Por isso não se torna acuta uma discussão polarizante entre o sector estatal e o privado. Ou uma discussão de trincheiras ideológicas como se observa nalguns países entre os defensores das razões do estado e os protagonistas das razões do cidadão particular. A missão dos Governos e dos partidos é servir bem as crianças e não as ideologias. Trata-se de uma política de complementaridade respeitadora da diversidade, de todos para todos. A Alemanha fez a experiência do fascismo alimentado no ensino da escola pública e por isso reconhece também os problemas que este pode gerar.

No Estado do Hesse 7% dos alunos frequentam escolas privadas. Segundo as estatísticas dos países da OCDE, 14% dos alunos dos países membros frequentavam em média, uma escola privada. Na Alemanha 8%, na Holanda 67% , na Irlanda 58% , na Espanha 35% e na Dinamarca 24% dos alunos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

BARBARIDADES CONTRA A LÍNGUA PORTUGUESA

Brasileiros pretendem acabar com o “h” no princípio das palavras e substituir o “ch” pelo “x”

António Justo
A actual discussão no Senado brasileiro sobre a simplificação da ortografia revela-se contra-produtiva em relação ao acordo ortográfico. A crença de Ernani Pimentel e do ‘Movimento Simplificando a Ortografia’ de que “a simplificação ortográfica é a porta para a eliminação do analfabetismo”, revela-se como despiste ou desorientação. A iniciativa pretende inverter o desenvolvimento linguístico ao copulá-lo com a camada social menos desenvolvida; enfim, uma posição decadente tendente a que as árvores passem a ter a rama na terra e as raízes no céu.

Os Diálogos Lusófonos, tal como outros meios de comunicação brasileiros têm vindo a referir que o senador Cyro Miranda, presidente da Comissão de Educação, lidera um projecto da Comissão conducente à simplificação da ortografia da língua portuguesa. O projeto “propõe a extinção da letra “h” no início das palavras e a troca de todas as expressões com “ch” pelo “x”, passando palavras, tais como ‘homem e hoje’, a serem escritas com a grafia ‘omem e oje’ e palavras como ‘macho’ a serem escritas ‘maxo’. Exemplos das intenções em vista: Flecha Flexa, Analisar Analizar, Blusa Bluza, Exigente Ezigente, Exame Ezame, Amassar Amasar, Açúcar Asúcar, Moço Moso, Deuses Deuzes.

Segundo intenções dos mentores do projecto, este poderia ser aplicado em 2016, após consulta aos países de língua portuguesa.

É estranho que Brasileiros queiram fazer equivaler a língua escrita à língua oral quando escrevem dia e pronuncia dʒja ou dja. A língua não pode ser posta à disposição arbitrária de ideologias (socialismo mal-entendido) nem de lógicas a que falta a supervisão racional abrangente. Sem respeito pela linguística, atacam a ortografia, a etimologia, a conexão entre palavras cognatas.

Depois do tão discutido acordo ortográfico da língua portuguesa, aprovado em 16 de Dezembro de 1990, que pretende criar uma ortografia unificada e em vigor desde 2009, parecem forças radicais quererem colocar-nos na fase antes dele; na realidade pretendem o desacordo agora incentivado em nome de uma massa anónima ‘não consumidora de cultura’.

Ainda o criticado acordo ortográfico não se encontra aplicado e já surgem novas propostas de tendências partidárias e nacionalistas a pretender novas mudanças em nome de uma democracia que quer ver a inclusão social dos seus povos à custa de simplificações arbitrárias e desaferidas, como se a produção intelectual, artística e científica se devesse orientar, pelo princípio do menor esforço, como parece pretender o ‘Movimento Simplificando a Ortografia’. Pretende um nível simplista que evite o analfabetismo e que reduza o tempo de ensino da ortografia e impedir reprovações no currículo de aprendizagem. Esquece que as suas razões de liberdade, igualdade e economia teriam como consequência mais lógica a extinção da educação e das escolas ou a emigração de grupos mais conscientes para o ensino particular. Na sequência ter-se-ia de acabar com o estudo da História e de muitas coisas mais; sim, até porque, na realidade, em termos imediatos cultura não enche barriga.

Querer motivar a mutilação do português, com argumentos de que grande parte do povo brasileiro tem dificuldade em “escolher a letra adequada entre x/ch, j/g, s/x/z, s/ç/c/ss/sc/sç/xc/xç, presença/ausência de h inicial”, seria desconhecer a história e a lógica da língua e desqualificar o ensino brasileiro e a capacidade de aprendizagem de um povo que é tão inteligente como outros países lusófonos que parecem ter menos dificuldades com a ortografia da língua.

Por trás da problemática em torno da ortografia, esconde-se também uma falta de sistemática na aprendizagem da língua e de um ensino que domine os rudimentos da língua mãe (o latim).

Não é certamente por falta de tinta mas talvez por protagonismo político de interesses ideológicos que se equivoca ao qualificar rigor de qualidade intelectual como “alienação do povo” . Por trás de uma identificação com os interesses da pretensa massa popular esconde-se a atitude paternalista de que o povo simples deve ser poupado de elucubrações complexas querendo apresentar a língua como produto fácil e barato à altura do porta-moedas de um mercado orientado pelo poder da oferta e do mais barato.

A questão da língua não pode ser equacionada em perspectivas meramente políticas, geralmente de vistas reduzidas a mentalidades condicionadas a períodos eleitorais quatrienais ou quinquenais e a ideologias de massa anónima sem consideração pelos processos de individuação e diferenciação inerentes à evolução individual e colectiva.

A evolução da língua também não pode ser abandonada a pessoas, talvez de boa vontade mas que não têm a mínima ideia do assunto nem o respeito advindo do conhecimento do evoluir da língua.

Para trás anda o caranguejo!

A iniciativa é absurda e prejudicial porque para corresponder às necessidades imediatas de gente simples, opta por cortar os ramos frondosos da árvore linguística pelo facto de se estar com o sentido na sua madeira ou porque se quer fazer da árvore um arbusto para que qualquer gaiato possa subir a ela sem o mínimo de esforço ou dificuldade. Deixem-na continuar a ser uma grande árvore, uma casa grande onde todas as espécies de pássaros, grandes e pequenos, possam fazer o seu ninho, segundo as suas capacidades e potenciais. Seria disparate cortar as asas às aves grandes para que todas possam viver nos primeiros ramos da árvore. Se a natureza e o desenvolvimento se deixassem reger apenas por princípios de massa ou democráticos não teria produzido a humanidade, ter-nos-ia mantido  na igualdade do estádio das amoebas ou das medusas.

A estratégia de comunicação anunciada pelo senador, de tencionar chegar a acordo com os outros países lusófonos, através de videoconferências, é testemunho de método manipulador de quem quer forçar a sua ideia de legitimação dúbia, fruto do arbitrário, para evitar a discussão nas legítimas instituições científicas competentes para a língua. Nestas coisas precisa-se tempo, calma, independência e ponderação para se evitar confundir um pirilampo com uma estrela. A iniciativa não passa de uma tentativa de desorganização e de desinformação no sentido de desviar as energias do último acordo ortográfico.

A reforma da língua é assunto para linguistas e disciplinas afins, atentas às massas e aos diferentes interesses dos países lusófonos, longe de qualquer interesse hegemónico ou de estratégica particular. O resto corresponde a uma perspectiva minimalista e míope de que sofre em grande parte o nosso sistema democrático. O nivelamento da cultura por baixo tem sido um facto tendente a desacreditar e banalizar a democracia (de interesse comum a um capitalismo e a um socialismo radical); a democracia não deveria merecer tal desconsideração. Imaginemos que, para acabar com o racismo, os brasileiros  determinavam manipular o gene da sua pele, de modo a todos os brasileiros conseguirem uma cor neutra para os seus habitantes! A intenção que se encontraria por trás do objectivo pareceria boa mas a estratégia e os meios para o alcançar seria inadequada, indiferenciada e de consequências catastróficos. A ideologia, por muito potente que seja, não deve desprezar as leis da evolução nem a variedade da realidade integral. Para trás anda o caranguejo!

A ignorância e a precaridade não podem constituir motivo de desenvolvimento cultural nem linguístico. Os programas correctores de língua em via na internet serão um grande serviço para aqueles que confundem o ‘ch’ com o ‘x’ e para os que querem poupar no ensino.

A língua portuguesa não existe isolada no mundo e, também por isso, não deve ser avaliada por critérios proletários simplistas nem pela dimensão populacional de uma nação! É óbvio que se mantenham os critérios de qualidade. O seu desenvolvimento não pode ignorar a riqueza atingida pelas línguas latinas nem o seu rico contexto. Tão-pouco poderá ser critério da afirmação de identidade de um país a negação da História nem o estádio cultural de um grupo social. Tal proposta, como o emprego de energia unilateral e exagerada na integração do galego no mundo lusófono só complica e ajuda a desmotivar a reflexão e a aplicação do acordo ortográfico em via.

O Português não é uma língua difícil. É uma língua muito rica e como tal complexa, com moradas para todos os estados do desenvolvimento social e intelectual até hoje possível e conseguido. Na riqueza de uma língua e na sua complexidade se reflecte o desenvolvimento de um povo e das pessoas que este engloba.

Tentar aniquilar as leis da evolução pode ser democrático mas não natural nem razoável. A existência de favelas e de casas sem jardim não pode ser o motivo para se destruir os palácios e os jardins. O objectivo será construir acesso, para todos, aos jardins e aos palácios.

Sem querer negar a luta de classes e de interesses, precisamos primeiramente de sociedades adultas que discutam os problemas do seu desenvolvimento e daquilo que constitui a sua identidade, com realismo, sem complexos de superioridade nem de inferioridade.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o uso da Burca

Aprovada a proibição do véu de corpo inteiro na França

António Justo
A burca (e a Nicabe= véu que cobre o rosto da mulher e só revela os olhos: frequente nos países da Península Arábica,) foi proibida, na França, em 17 de julho de 2010, pela Lei nº 524. A lei proíbe o uso de “vestuário concebido para esconder o rosto”. Violações à lei são puníveis com uma multa de 150 €.

O tribunal Europeu em Strasbourg, num julgamento oficial vinculativo para toda a Europa, confirmou, a 1.07.2014, a proibição do uso do véu que cobre o rosto da mulher em público. Na justificação do julgamento, o tribunal argumentou que a proibição não é discriminadora, não é contrária à protecção da vida privada e nem tão-pouco contra a liberdade de opinião e de religião.

Contra a lei francesa tinha processado uma muçulmana alegando que a burca era expressão da sua convicção religiosa e ninguém a obrigava a usá-la. O governo francês avalia o número de muçulmanas, que são afetadas pela proibição, em 2000.

A burca cobre todo o corpo da mulher, até o rosto e os olhos, tendo uma rede para poder ver através dela; é usada por mulheres do Irão, Afeganistão e do Paquistão. Ela é um símbolo dos Talibans (movimento islâmico terrorista) que pretende impor a lei islâmica. Estas forças encontram-se muito activas entre emigrantes, na África e especialmente na Nigéria, Síria e Iraque.

Na Alemanha, dado não se ver propriamente o uso da burka em público, não há lei contra o seu uso; alguns estados federados apenas se limitam a proibir o uso do véu (lenço) no serviço público.

A origem da burca

O traje islâmico tem a sua origem num culto à divindade Astarte (1), deusa do amor, da fertilidade e da sexualidade, na antiga Mesopotâmia (Fenícia).

Em homenagem à deusa do amor físico, todas as mulheres, sem exceção, tinham de se prostituir num determinado dia ano, nos bosques sagrados em redor do templo da deusa.
Para cumprirem o preceito divino sem serem reconhecidas, as mulheres de alta sociedade acostumaram-se, no dia da festa, a usar um longo véu em proteção da sua identidade.

Com base nessa origem histórica, Mustapha Kemal Atatürk, fundador da moderna Turquia (1923 – 1938), no quadro das profundas e revolucionárias reformas políticas, económica e culturais, que introduziu no país, desejoso de acabar de uma por todas com a burka, serviu-se de uma brilhante astúcia para calar a boca dos fundamentalistas da época.
Pôs definitivamente um fim à burka na Turquia com uma simples lei que determinava o seguinte: «Com efeito imediato, todas as mulheres turcas têm o direito de se vestirem como quiserem, no entanto todas as prostitutas devem usar a burka».

É interessante que a Bíblia também faz referência à imoralidade do rei Salomão que pecou contra o seu Deus ao prestar culto à deusa Astarte (1 Reis 11,5). Os egípcios, mais tarde, deram-lhe o nome de Isis, e os gregos de Afrodite e Hera.

A cobardia do homem encobre o rosto da mulher

Como se verifica do descrito, observa-se uma constante histórica: o homem consegue que a mulher sirva as suas necessidades e se mantenha submissa a ponto de renunciar a ter um rosto individual. Inteligentemente com esta regulamentação do vestuário, o homem não vê a sua presa exposta à concorrência doutros homens e consegue assim poupar a luta da concorrência com o próprio género com que se solidariza. Assim a mulher torna-se o objecto fraco do indivíduo e do grupo masculino e como tal legitimador da repressão do género feminino, considerado prevaricador e como tal com necessidade de ser protegido através do vestuário. A fraqueza do homem consegue assim inverter os termos e defender consequente e solidariamente os interesses do género masculino. Esta é a lógica do poder e, segundo ele, quem pode manda.
(1) Astarte (ʻštrt) era uma deusa amorosa, bela, fecunda e maternal. Nela se prestava culto à natureza, à vida e à fertilidade, bem como à exaltação do amor e dos prazeres carnais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
www.antonio-justo

A suave Ditadura do Pensar politicamente correcto

Antigamente acreditava-se e hoje crê-se saber

António Justo
Cada sociedade, época ou pessoa tem a sua moldura de pensamento a valorizar o que abraça e inclui. Por vezes, o Zeit Geist opera como um tufão que tudo arrasta. Valores e convicções são submetidos à régua da moda que só conhece o certo e o errado (o que está dentro ou fora do seu caixilho), sem espaço para discordar nem para reciclar ideias. “Uma comunidade incapaz de lidar com o desacordo está mal preparada para o futuro”, constatava Timothy Radcliffe.

O Politicamente correcto é uma maneira de ser e de pensar adaptada a uma mundivisão do oportuno, a uma determinada ideologia ou sociedade que amarra o pensamento, a moral e a atitude aos próprios limites, sejam eles científicos, partidários, religiosos ou políticos. Quem se atreve a ter opinião diferente ou a pensar com a própria cabeça é, geralmente, visto como espanta pardais ou é colocado no rol de persona non grata. Zelotas da opinião só aceitam ideias extremas progressistas ou tradicionalistas. Desaprendeu-se a regra de ouro de Aristóteles de que a virtude se encontra no meio e como tal a regra constitui uma exigência a descer temporariamente do próprio miradouro para se abranger também outras paisagens.

Pessoas que seguem o politicamente correcto são, geralmente, simpáticas, conformes e conformistas; há as oportunas, alinhadas e consequentes, que aceitam tudo e estão de acordo com tudo (também não ouvem nem escutam, o que lhes seja adversário ou crítico; outras, satisfeitas, não precisam de tomar nada em conta, é mais fácil e cómodo excluir do que envolver-se); também as há distraídas com o pequeno defeito de se tornarem intolerantes para com pensares e opiniões diferentes ou não alinhadas à sua manada. Nos dois grupos delineia-se um denominador comum: tudo o que vem à rede é peixe.

Quer-se a igualdade mas por medo à diferença. Querem-se as pessoas todas citadinas e bem-educadas, não por amor à virtude mas por vergonha da província. Mas, no fim de contas, o problema não é da cidade nem da província mas sim um erro de pensamento: parecer que não cheire ao humos do próprio curral provoca medo ou agressão pelo facto de ser desconhecido ou diferente.

Vive-se num tempo hipócrita em que a crítica a velhos dogmatismos serve de subterfúgio para esconder a própria moralina e os dogmatismos do novo pensar conforme, da correcção civil e do género. Já Platão observava: “Muitos odeiam a tirania apenas para que possam estabelecer a sua”.

No panorama das opiniões, domina o vermelho e o rosa de um pôr-do-sol de estação outonal, já sem forças para contradizer o pensar dominante. É como nas autoestradas, o que importa é o sentido e a liberdade na aceleração.

A violência vivida e encenada substitui a realidade pelo debate. Assiste-se a uma conivência solidária e significante em que o medo e a infelicidade se irmanam numa emoção comum. Não interessa a coisa em si, o que dá sustento é a opinião.

Por fim surge o mecanismo da consternação que é movido e cultivado por um jornalismo de caracter político e comercial, interessado mais na lágrima que na acção. As pessoas são condicionadas ao papel de espectadores ou de eleitores que podem escolher, livres para escolher o que se lhe põe à frente através do ecrã da democracia.

O pensar politicamente correcto impede a liberdade de pensar diferente. O pensar diferente, ou até alternativo, não cabe no uniforme da política nem no credo dos meios de comunicação social.

George Bernard Shaw dizia: “As pessoas razoáveis adaptam-se ao mundo. Pessoas irracionais adaptam o mundo a si mesmas. Portanto, todo o progresso depende das pessoas irracionais. “

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
www.anonio-justo.eu