Interesses marxistas comunistas contra Interesses liberais conservadores na Arena da Educação

O Aluno é a Vítima da Farsa entre o Ensino privado e o público

Por António Justo

O Facto e a Premissa

O marxismo que se servia da politização da economia para se autoafirmar, ao perder a guerra contra o capitalismo, mudou de estratégia, optando por um neo-marxismo de luta anti-cultural; o estratagema é mudar a cultua, a moral popular e a tradição, acabar com a influência da família e da religião. Por isso o neo-marxismo declara guerra à cultura e às aquisições culturais da colectividade (no sentido da sua ideologia revela-se anticristão e pró islão).

A Luta e suas Contrapartes

Estamos a assistir, na sociedade portuguesa, às consequências de uma luta de forças entre duas visões de sociedade de interesses antagónicos – marxismo e capitalismo – que se debatem de maneira vingativa e irreparável sem consciência de Estado nem de Povo. Isto acontece numa sociedade depauperada que precisaria de uns e de outros e, como tal, em vez de se obstinar em soluções exclusivas, precisaria de se entender num compromisso de deliberações inclusivas. O resto é conversa fiada que faz lembrar os leões e as hienas em torno do cadáver do cordeiro (o aluno) e ao largo um público que assiste e se contenta com o cheiro a sangue e a satisfação de ter uma opinião.

Por trás da iniciativa contra o ensino privado encontra-se a luta ferrenha da esquerda radical e da maçonaria pela aplicação da soberania do dirigismo ideológico marxista a nível de Estado e povo; a esquerda radical e a maçonaria sentem-se donos da república e os guardiões dos interesses só de alguns. A esquerda radical é contra o princípio civilizacional da cultura cristã segundo o qual o soberano não é a instituição, o Estado ou a ideologia mas sim a pessoa, a pessoa em comunidade; a pessoa é o outorgante!

O professor Vital Moreira afirma no “Público” que “o direito público ao ensino é realizado por meio da escola pública” e conclui que “o Estado só pode recorrer a escolas privadas em caso de falha da rede pública”. O professor confunde “alhos com bugalhos” ao pretender condicionar o direito do aluno ao ensino gratuito a uma só via de concretização. Naturalmente tem todo o direito de defender o projecto político de esquerda radical a que é inerente uma filosofia de vida de caracter socioeconómico marxista. De notar que esta posição marxista não é partilhada pela parte da esquerda portuguesa não radical. O que o senhor professor diz é lógico mas a Razão não se reduz à lógica. A lógica socialista marxista tal como a lógica liberal capitalista são duas pistas no terreno mas não devem ter a pretensão de serem o terreno; este pressupõe a superintendência da razão e não o seguimento de uma só lógica.De facto a natureza consta de terra e céu e não só de terra como pretende o materialismo ateu marxista nem só de céu como pretendem os crentes idealistas.

A posição, referida pelo professor universitário, refugia-se numa ideologia reducionista que confunde o ensino público (do particular e do Estado) com a escola pública. Ao condicionar a acção do Estado à ideologia marxista desrespeita a liberdade e a dignidade da pessoa, além de discriminar o contribuinte que, no caso de optar pelo ensino público particular não subsidiado, teria de subsidiar duplamente o ensino, o que contraria o espírito democrático plural de uma sociedade civil aberta e adulta numa sociedade moderna justa. O ensino é pago pelo contribuinte independentemente de se realizar no “Privado” ou no “Público”. O subsídio é devido e dado com base nos alunos e não nas instituições de ensino. O critério de avaliação e de apoio deveria basear-se no serviço prestado.

A identidade e a vontade da nação não são identificáveis nem reduzíveis a  uma ideologia monocolor de ditadura. A política e o MEC, em vez de tentarem impedir a fuga de alunos do ensino estatal para os colégios, deveriam preocupar-se com a qualidade de ensino e oferta de actividades paraescolares nas escolas estatais para que os pais não se sintam tanto obrigados a colocar os filhos no ensino particular. A qualidade do ensino e a pluralidade de ofertas é que deveriam determinar a escolha e a discussão. O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de 2013 poupa gastos ao Estado (contribuinte).

O Artigo 75° CRP, ao determinar a obrigação de criação de uma “rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubram as necessidades de toda a população”, vem dar resposta ao direito constitucional de todo o aluno ao ensino gratuito. Público é todo o ensino, seja ele efectuado em escolas particulares ou em escolas estatais. (Há sociedades que concedem o direito ao ensino privado também na família!)

A referida frase constitucional pode ser interpretada no sentido de o Estado ter de cobrir as necessidades de toda a população e que não haja nenhum vácuo nesse assunto. Grupos com uma visão de estado marxista pretendem o monopólio do Estado especialmente no controlo da ideologia educacional e dos órgãos estatais que lhe dão continuidade. Se bem que a ideologia que produziu o Artigo 75° CRP fosse marxista, a sua leitura é passível de outras interpretações como mostram outras leis em vigor, até ao ponto de não serem cobertas pela constituição (por ex. a lei do aborto é um exemplo de inconstitucionalidade!). Já agora porque não se atreve a argumentar também com o direito do cidadão a abrigo (direito a casa) quando o Estado deixa isso a cargo do privado?

À liberdade individual de escolha do ensino não deve implicar a cobrança de um imposto ou contribuição de forma dupla: o contribuinte deverá pagar o imposto ou contribuição para o mesmo serviço uma só vez e não duplamente, efectue-se ele no ensino privado ou no estatal (1).

A liberdade de ensino (educação) e de escolha de escolas não implica o alegado “propósito de liquidar o direito ao ensino público”, as escolas privadas possibilitam apenas mais qualidade, mais liberdade, mais competição e comparação em termos de avaliação escolar entre os estabelecimentos de ensino sejam eles particulares ou estatais.

A história constitucional portuguesa reflecte o projecto político marxista que esteve na base da sua criação ainda orientada para a ditadura do proletariado, que via na democracia apenas uma oportunidade para, depois de uma educação ideológica consequente e de que enferma ainda hoje o MEC, atingir os seus objectivos: impor, através da lavagem ao cérebro, o comunismo materialista e ateu.

O actual Governo dependente do PCP e do Bloco de Esquerda fomenta legislações no sentido de servir os radicais da revolução de Abril. Sabem que através do Ensino oficial também conseguem promover os seus multiplicadores ideológicos de sindicatos num valor de 9 milhões de euros por ano e perpetuar na mentalidade do povo os interesses da extrema-esquerda e da maçonaria (2).

Iniciativas de mudanças da constituição não são “tentativa de subversão constitucional” como pretende o professor e alguns dos seus pretensos donos e radicais abrilistas que, entre outros, fizeram da revolução dos cravos a revolução dos cravas, que nos levou ao ponto de abdicação em que nos encontramos! As iniciativas de revisão revelam a expressão de interesses e de vontades livres e a subjacente intenção de não encostar a Constituição à vontade de uma só ideologia ou de um só grupo de interesses, seja ele de esquerda ou de direita. A Constituição portuguesa tem, em vários sectores, uma conotação marcadamente marxista que carece de modernização e adaptação ao desenvolvimento do povo e dos novos tempos.

Das Ovelhas ranhosas do Ensino estatal e particular

Tanto no particular como no estatal há escolas melhores e piores. Diria ainda que também há colégios com contratos de associação que terão como objectivo principal o lucro e não o bem dos alunos e da comunidade escolar. Dizia-me um director de uma escola: “Nesse grupo estará, por exemplo, o grupo GPS. Parece que conseguem sempre trabalhar com professores no início de carreira. Não sei como conseguem controlar as leis do trabalho e ter sempre professores “baratos”. Foi coisa que nunca investiguei. Haverá colégios subsidiados, que não terão qualidade educativa. Mas, para eliminar a não-qualidade, o Ministério tem à sua disposição a IGE (Inspecção geral do Ensino). Esse deveria ser o seu trabalho: enviar a IGE às escolas estatais e às escolas privadas e inspeccionar; uma medida importante seria também submeter os professores à avaliação de desempenho para poderem obter resultados semelhantes ao do privado. Quem persistisse em prevaricar sofreria as consequências até de fechar portas, desde que esta medida fosse válida para o ensino estatal e privado. Agora, fechar, sem mais, os privados simplesmente porque são privados para encherem as escolas estatais que estão vazias, independentemente de serem boas ou más escolas, isso é que é ser ladrão da liberdade que é constitutiva do ser humano e, no caso português também consagrada na Constituição”. O Estado deveria ser ideologicamente neutro no seu agir, para respeitar a diversidade de interesses dos diferentes grupos e corresponder à democracia e poder orientar-se pelo bem comum. Um estado democrático deve dar resposta à diversidade e à multiplicidade.

Ataque marxista também ao Ensino das Escolas da Igreja

Há ensino privado e ensino privado; o ensino administrado nas instituições da Igreja é geralmente de alta qualidade. Parte do princípio superior da dignidade humana e da soberania da pessoa em relação a ideologias e instituições. As escolas privadas da Igreja são altamente apreciadas, em todo o mundo civilizado, entre outras escolas  temos o exemplo, dos alunos formados nas escolas dos jesuítas e das doroteias. O ensino privado nas instituições da Igreja é social e solidário e de alta competência e integra nele também muitos alunos das camadas desfavorecidas que, de outro modo, não teriam a possibilidade de subir às elites (https://antonio-justo.eu/?p=1305).

O ensino nas escolas da Igreja envolve uma formação integral orientada para os talentos pessoais com valores comportamentais positivos morais e intelectuais, pressupostos para o crescimento pessoal de maturação humana para melhor servir o outro (mais em https://antonio-justo.eu/?p=3336).

Um Estado com instituições produtoras de boa formação e de boas elites é como um carro puxado a motores de alta cilindrada; naturalmente muitos peões inocentes consideram a bicicleta como suficiente para andar, só que depois passam o tempo a queixar-se do vento dos carros que os ultrapassam (destes inocentes e dos descontentes se aproveitam as ideologias)! Também esta seria uma razão muito oportuna para o Estado subsidiar o ensino e a qualidade no ensino privado também porque grande parte deste é cooperativo e solidário e, de uma maneira geral, produz melhores motores para puxar o carro. A maior parte da conversa com que se ocupa a nação é gasolina para encher os depósitos de oportunistas e do partido (3). Muito boa gente socialista tem as suas boas razões para colocar os seus meninos em colégios privados. A esquerda radical do actual governo geringonça faz tudo por tudo por defraudar o ensino da Igreja.

Solução: não ideologizar integrar e descentralizar

A democracia precisa das posições da direita e da esquerda a actuar em compromisso com um ideário base de consciência integral e de subsidiariedade recíproca numa sociedade plural.

Uma e outra, para estarem à altura de um Estado democrático humano e plural, deveriam tornar-se complementares e não contraditórias nem exclusivas. Os pais deveriam ter a possibilidade de escolha entre o ensino estatal e o ensino particular (ambos gratuitos, em princípio). A escolha da escola deveria basear-se no que ela oferece, comunidade escolar, conceito pedagógico, qualidade, empenho, formação complementar, música, teatro, arte, actividades paraescolares, cursos inovadores, etc.

As escolas estatais deveriam deixar o dirigismo centralista de Lisboa e fomentar mais a criatividade e a qualidade de ensino, a autonomia, a inserção e promoção regional; o sistema centralista de colocação dos professores deveria ser abolido para ser descentralizado e humano; contradiz o espírito democrático tratar os professores como soldados, obrigados a viver longe da terra, devido a uma política do MEC anti-familiar e desrespeitadora das necessidades elementares dos seus funcionários. Deputados e servidores do Estado, que baseiam o seu poder para desestabilizar o cidadão e as instituições orgânicas de base, não são factualmente sérios, porque usam e abusam demagogicamente do pouco saber que têm de avanço em relação a um povo que propositadamente tornaram espectador e especialista do aplauso.

O que está em jogo e em perigo?

O povo deve ser induzido em erro! Na legítima discussão estão em jogo duas filosofias de vida: a visão do mundo socialista marxista contra a visão liberal conservadora. A esquerda radical procura impor-se à nação em nome de uma revolução apresentada à sua imagem e semelhança e não criticamente discutida como seria natural numa sociedade com uma direita e uma esquerda responsáveis e sérias!

A concepção socialista marxista aposta no valor do Estado e na manipulação cultural do indivíduo, concebe o Estado como patrão monopolista com direito a cimentar a sua máquina do poder e decidir sobre os conteúdos, os métodos, o pensar, a moral e os costumes, e até a religião; considera o Estado como um absoluto e a pessoa como meio para atingir os seus fins, vendo a pessoa e a educação como tarefa do estado; esta mundividência é a razão pela qual a esquerda procura, como estratégia inteligente, ocupar os lugares do Estado e da administração pública e de maneira especial o sector do ensino e da cultura; deste modo influencia com sustentabilidade as gerações novas e estudantis: Pretende, a longo prazo, uma escola de pensar único à maneira do dirigismo da troica soviética; consequentemente é contra a liberdade de ensinar e contra a liberdade de escolha dos pais; considera-se dona do orçamento do Estado (contribuintes) penalizando os pais que optem pelo ensino particular. Encontramos esta filosofia já plenamente aplicada e concretizada na antiga União Soviética, na China e na Coreia do Norte.

A concepção liberal conservadora aposta no valor da pessoa, na liberdade de escolha, na personalidade e nas capacidades do indivíduo, defendendo a multiplicidade de visões, a concorrência das instituições no sentido de optimação do nível do ensino (considera o Estado em função da pessoa); esta visão é liberal e vê na iniciativa privada o factor impulsionador da sociedade e na família o direito de determinar a instrução e educação e não o Estado; este apenas deve manter uma função de regulador e controlador do cumprimento da Constituição e dos programas de ensino. Encontramos esta filosofia aplicada nos USA, na Alemanha e muitos outros países democráticos.

Cada qual tem o direito de puxar a brasa à sua sardinha na grelha do estado democrático que é subsidiado pelos impostos e pelas vontades de todos os cidadãos (4). A irresponsabilidade governativa torna-se culturalmente prejudicial para a sociedade, significando a um empobrecimento educacional e cultural nacional, além de esbanjar os recursos do Estado. A AEEP (Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular) refere que os cortes previstos pelo governo originam o “desemprego de mais de mil professores” e, de imediato, 9811 alunos que serão arrancados à comunidade educativa a que pertenciam. A medida governativa provocará “31 milhões de euros em indemnizações” e professores com “20, 25 anos de casa, que, se nada for feito, vão para o desemprego”.

A ideia original cristã da soberania da pessoa humana, sobre as instituições e as ideologias, poderia ser o princípio de uma discussão equilibrada baseada nas relações livres e complementares, como a política nórdica tentou com a economia social de mercado (ao tentar tornar compatíveis as leis da economia com a doutrina social da igreja), uma economia mista que responda de maneira inclusiva aos direitos e interesses do indivíduo e do grupo. 

De resto a nação é mais rica com o ensino público privado e com o ensino público estatal numa aposta de cada um tentar servir melhor os alunos, as famílias e a nação. Vamos todos colocar o poder dos factos sobre o poder das ideologias! O cinismo do poder não teme conduzir e fortificar a ideologia até à destruição do país. Ousemos colocar o futuro ao serviço de Portugal e dos portugueses numa inter-relação de grupos e interesses orientados pela inclusão e pelo bem da pessoa, a única soberana!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

  • 1 A propósito: a ADSE é segurança social privada ou pública? Não chegaria também um SNS comum? Porque não assume o estado português também a incumbência de construir casernas para toda a população em vez de delegar isso no privado?
  • 2 https://antonio-justo.eu/?p=3569) e https://antonio-justo.eu/?p=3444
  • 3 Como produto que sou do ensino particular dos salesianos e com os exames feitos no estatal, ensinei 7 anos no ensino particular e mais de 30 no ensino estatal; como andei sempre empenhado em representações de professores e sindicais, sei bem do que falo. Muitas vezes tive a impressão de que aqueles que mais se expõem em nome do proletariado são os que mais abusam dele, servindo ele apenas de escada para eles, do alto das suas posições, se servirem e deitarem as suas sentenças em nome de quem se distanciam.
  • 4 Em termos muito simplificados temos a lóbi marxista comunista beneficiada pelas infraestruturas criadas pela ideologia de Abril que pretende tornar-se na razão do Estado e temos a lóbi liberal capitalista que aposta no privado (no indivíduo e nas empresas, no mercado livre e nos contratos livres com o Estado a regulá-los) e nas relações livres. O capitalismo liberal explora a pessoa como força de trabalho reduzindo a pessoa a um instrumento ou mercadoria; o socialismo marxista explora a pessoa como mera força proletária reduzindo a pessoa a um instrumento em função do Estado.

 

 

VIVER BEM

VIVER BEM

Na vingança da resposta a vida aquece, evola-se e desaparece.

A vida não pergunta, nós somos a resposta;

se lhe queremos responder

o seu bem esvai-se na pergunta que a disseca.

Viver bem é sofrer e amar sem saber porquê.

Para mim, viver bem, mais que existir é a arte de fugir ao engano,

é querer dar lugar ao leito do sonho e do tempo

que flui em mim, em ti

e prossegue no rio e na estrada.

É também um borbulhar de sonho no tempo

a iluminar o futuro, o caminho, no leito do mundo

a querer parecer (encenar) mundo sem o ser.

Nesse leito sou o brilho, um modo de ser sem estar no acontecer.

Viver bem é deslizar como a água que alimenta sem saber,

é sentir um olhar sem olhar nem pensar,

um estado de graça a agradecer.

Viver bem é a coragem de mergulhar na vida e fluir

e como a água fazer os outros crescer.

Viver bem é saber que se passa sem andar,

que se bebe a água sem ter sede.

Existir é a sede do caminhar no bom viver

e viver bem é ser, ser sem cobiçar nem pensar.

Viver bem és tu sou eu, no rio do nós,

a fluir para o bem.

Para mim, viver bem é viver sem querer,

viver na alegria do fazer e do ser como se é.

Viver bem é estar todo no ser

no ser em devoção da comunhão que se é.

António da Cunha Duarte Justo

MIGUEL DE CERVANTES NO SEU 4° CENTENÁRIO – UM CRENTE DA FANTASIA QUE INVERTE A FIGURA DO HERÓI NO ROMANCE

Dom Quixote (idealista) e Sancho Pança (realista) tornam-se Arquétipos do Homem e da Sociedade a Caminho de si mesmos

Por António Justo

Miguel de Cervantes morreu há 400 anos no dia 23.04.1616 (1). Publicou, em 1605, o romance “Dom Quixote da Mancha” com 640 páginas e em 1615 a sua continuação (2).

Cervantes, com o “Dom Quixote”, criou o melhor romance de todos os tempos. A sua luta contra os moinhos de vento inclui uma missão de resgate do mundo, criando um novo tipo de herói (herói é o que perde, o fracassado a viver à margem de uma realidade que, para o ser verdadeiramente, inclui o ideal) que, no seguimento do Crucificado, passa a inspirar também outros géneros da arte. O escritor Cervantes compreendeu bem a mensagem cristã ao fazer do derrotado o herói num mundo de alucinados de um combate em torno do poder e do sucesso. Acaba com a primariedade de uma visão que fazia do herói um protagonista infalível. Com Dom Quixote, Cervantes inicia assim uma nova forma de fazer romances ao inverter-lhe os termos. O fidalgo Dom Quixote afronta o escárnio e o ridículo de sociedades renitentes incapazes de compreenderem o seu ideal.

Passados quatro séculos, a obra continua a ser o testemunho de um idealismo perene que não se deixa apagar pela sombra da História. Ontem como hoje constata-se a mesma queixa de Cervantes: uma sociedade perdida no dinheiro e no mercantilismo de interesses e de arbitrariedades.

Opta pela vida de cavaleiro andante, movido pela crença num mundo caldeado de fantasia criativa e de abertura ao diferente. Recalca a outra parte de si (o companheiro Sancho Pança) para afirmar a sua parte mais nobre (o Dom Quixote) e assim fugir à banalidade do factual habitual. Dom Quixote sobrevive ao tempo por ter um ideal, uma vontade e uma missão envolventes. Deste modo sobrevive a todos os que se amarram na defesa de interesses próprios (dinheiro e sucesso) e por isso não passam de meros sucessores da lista da história numa tarefa de adiadores e enegrecedores do horizonte social.

O autor que não se contenta com a leitura/feitura de romances numa vida desafogada

Cervantes nasceu em 1547 nas redondezas de Madrid; estudou teologia na universidade de Salamanca e na idade de 22 anos torna-se serviçal do Cardeal Giulio Aquaviva. Pouco tempo depois abandona Roma para seguir a voz da aventura, distinguindo-se como soldado na defesa da cristandade contra o poder muçulmano. Depois da batalha naval de Levanto, com a mão mutilada, inicia o regresso a Espanha; com o romance pronto a ser publicado, foi aprisionado por corsários argelinos e depois já em fuga oferece-se como fiel penhor dos companheiros. O governador de Oran condenou o poeta a duas mil chicotadas; Cervantes volta a fugir sendo depois resgatado por monges com os 300 ducados dados em resgate pela mãe e a irmã; finalmente volta a Espanha depois de 5 anos de escravidão e prisão. Depois combateu ainda como soldado em Portugal (o Prior do Crato oferecera resistência a Filipe II de Espanha!). Cervantes regressa depois a Espanha continuando a ser malfadado pela sorte.

Cervantes, como a sua figura Dom Quixote, combate contra moinhos de vento. Isto não é apenas uma mania sua porque ele estará consciente que os gigantes que combate fazem parte de uma realidade feita de factual e fantasia, não hesitando em deixar-nos hesitantes da realidade da sua crença: se o real do factual se o real da fantasia. A vida é feita de mistério e como tal fermentada pela fantasia num moer de moinhos e vento.

Cervantes criou magistralmente os arquétipos Sancho Pança – o realista com os pés bem assentes na terra- e Dom Quixote – o idealista que quer antecipar o futuro (num presente a fazer-se de passado e futuro). São dois polos de uma dinâmica de que é feita a vida. Cervantes dá preferência à fantasia na figura do fidalgo Dom Quixote (que no cavalo segue a aventura) ao colocar como servidor deste o fiel escudeiro Sancho Pança (realista e pragmático que, seguindo em cima do seu burro, não compreende idealismos nem teorias que complicam). Sancho Pança revela-se bom conselheiro mas só segue o caminho na esperança de alguma promessa.

A caminho de si mesmo

O caminheiro, se observa bem as caminhadas da natura e da cultura, encontra-se a si mesmo em percursos de vidas, todas elas a jorrar na procura da mesma meta; o caminheiro redescobre-se então em novos panoramas de alma que se abrem nos ecos do mesmo silêncio que bate e o acompanha nas pegadas do coração; neste peregrinar chegamos assim à vivência do ritmo universal de uma inspiração e expiração que ilustra e inspira novas orientações e novos caminhos.

Dom Quixote (idealista) e Sancho Pança (realista) são paradigmas do Homem a caminho de si mesmo. (Em termos da metáfora cristã dir-se-ia que estes modelos do mesmo ser se realizam no caminho e na meta JC, o protótipo do caminhar num processo de reunião de todo o ser e na união de todas as paisagens materiais e imateriais numa mesma existência).

 António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=3547

(1)  No mesmo dia fenece também um outro grande luzeiro da literatura mundial: Shakespeare o maior dramaturgo da humanidade. Este é lembrado por todos no seu mote “Ser ou não ser, esta é a questão” onde se reconhece a pergunta que ultrapassa a questão da vida e da morte e reconhece a existência como feita de bem e de mal, de intrigas e confusões amorosas, de ganância e desespero.

(2)  A vida e a obra de Cervantes têm ressaibos da odisseia de Ulisses. Personalidades como Camões, Shakespeare e Cervantes marcam e perpetuam o Renascimento!

A ELITE DE ABRIL ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO

O Jacinto de “A Cidade e as Serras” é o Protótipo do Português moderno autêntico

Por António Justo

 

Eça de Queirós, no romance “A Cidade e as Serras”, revive o espírito luso, ao incarnar-se no seu protagonista Jacinto e defender a reconstrução de uma sociedade tipicamente portuguesa que acompanhe a civilização mas sem se corromper.

Jacinto que levava uma vida afrancesada, progressista e artificial transforma-se no símbolo do verdadeiro português, de autoconsciência madura, que integra na natura e na cultura, de maneira criativa, as novidades da civilização sem destruir a própria cultura.

A obra “Cidade e as Serras” consegue idealmente integrar e reconciliar Portugal e nele, reconcilia o exterior com o interior, irmana a tradição com o progresso.

As nossas elites de Abril, “afrancesadas” e “sovietizadas”, ainda se encontram na fase de Paris, vendendo a alma portuguesa aos demónios socialista e capitalista, mercantilizando o povo e o espírito da sua vida; vivem ainda unilateralmente nos andares da razão do artifício (polar dialético) sem se preocuparem pela integração de razão e coração (corpo e alma); aquele modo de estar tem-nos levado à promoção da desconciliação e à alienação do cultural e natural num movimento de entropia contrariador do espírito luso de inclusão.

A elite pós-25 de Abril, ao contrário do personagem do romance, Jacinto, iniciou uma viagem já não de Paris para Portugal mas de Portugal (natureza) para as cidades da ideologia sem regressar nem capacidade para renovar Portugal porque apenas lhe oferece os enlatados estranhos que, a nível cultural, não produzem humos alimentícios que alimentem a terra mas apenas entulheiras de enlatados amontoados.

“Paris” é a ideologia, é moda que passa em gestos de dançarinos públicos, é espírito que corrompe, se não regressa à frescura e inocência da natureza campestre (o nosso Portugal, que integrou nele o mundo todo não se deixando cativar pelos cantos de sereias nem perder nos extravios de uma Europa decadente porque envelhecida). Enquanto Jacinto moderniza as serras e se junta ao povo, a nossa elite de Abril destrói as serras e desertifica as aldeias; em vez de se casar com a província (Joaninha) prostituem-na com a falsidade e a corrupção de citadinos degenerados e malabaristas sem consciência; em vez de se tornarem no pai dos pobres, tal como fez Jacinto, desprezam e negligenciam o povo e os seus costumes.

O Ideal de Jacinto de Tormes deveria consistir em reconciliar a cidade com o campo (a tradição com o progresso) promovendo uma condição digna também para o povo de baixo. As nossas elites atraiçoaram os ideais de Portugal; Jacinto de Tormes é o protótipo do português autêntico, o contrário da nossa elite que figura no palco da nação, uma elite desenraizada sempre atarefada a correr atrás da moda e de olhos fixos no que faz e diz o estrangeiro como se as modernices não fossem apenas fulgores passageiras condenadas a tornar-se velhices. A situação actual, analisada sob a perspectiva característica da identidade portuguesa descrita no romance “A Cidade e as Serras”, tornou-se mais numa tragédia que num romance…

Resta-nos agir e esperar que a nossa elite progrida e se desenvolva tal como aconteceu com Eça de Queirós, primeiramente iludido e seguidor incondicional do progresso e depois, mitigado pela naturalidade humana do povo e da natureza, se tornou num grande português como se retrata e descreve no Jacinto, e no grande romance “A Cidade e as Serras”. (Este romance, que revela ainda o génio de Portugal e não as suas ideologias, deveria ser leitura obrigatória para todo o aluno).

Não se trata de vendermos a nossa alma ao passado nem ao futuro mas de sermos sempre nós, sempre em processo a tornar-nos nós mesmos, na concretização do presente: um agora feito de passado e futuro. Assim realizaremos a intercomunicação da alma tipicamente portuguesa expressa na saudade, onde ressoa o divino e o humano, a natureza, o tempo e a eternidade.

Também Eça, tal como Jacinto, se deu ao luxo de uma vida desregrada em Paris mas amadureceu deixando de ser um eterno adolescente para voltar, tal como o filho pródigo, à casa paterna, à natureza bem portuguesa das terras do Douro.

Chegou a hora de a nossa elite pôr de lado o cinismo e a vida irónica e dupla e seguir o exemplo de Eça no seu Jacinto para se reconciliar com o povo, com a natura e com a cultura genuinamente portuguesa: uma natureza aberta ao mar que é parte do seu corpo a abraçar o mundo, uma cultura inclusiva e universal que vê e sente o mundo e a humanidade a partir de dentro porque o génio sinceramente português é feito de terra mar e céu.

De facto, seria catastrófico, continuarmos a agir apenas em nome da ganância e do progresso atraiçoando assim o ideal português de ideais éticos e de inclusão numa consciência humilde de complementaridade.

Chegou o tempo de parar para reflectir e sentir o mundo nas pegadas de um Afonso Henriques, de um D. Dinis, de um Santo António de Lisboa, de um infante D. Henrique, de um Vasco da Gama, de um Camões, de um António Vieira, de um Feranando Pessoa e de tantas e variadas personalidades portuguesas que se sentiam na missão e tradição de se realizarem, cumprindo Portugal sem que este abandonasse o seu papel de pioneiro na realização da civilização…

António da Cunha Duarte Justo

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