AS CINCO TENTAÇÕES DO “CAMINHO SINODAL” ALEMÃO

Entre os Sinais dos Tempos e o Espírito do Tempo

O Presidente do Episcopado da Polónia, dirigiu uma carta ao Presidente da Conferência Episcopal Alemã, mostrando o seu desconforto aos seus irmãos no episcopado, pelo rumo que está a tomar o “caminho sinodal” alemão (1).

Nos subtítulos da carta estão resumidos os perigos a que está exposto o caminho sinodal e bispos alemães:  a “tentação de procurar a plenitude da pessoa (da Verdade) fora do Evangelho”, a “tentação de acreditar na infalibilidade das Ciências Sociais”, a “tentação de Viver com um complexo de inferioridade”, a “tentação do Pensamento Empresarial” e  a “ tentação de sucumbir à pressão” de uma sociedade  onde quem não a segue fica só.

“Permita-me, caro irmão no episcopado, partilhar a minha ansiedade sobre a validade das reivindicações feitas por alguns círculos da Igreja Católica na Alemanha, especialmente no contexto do “caminho sinodal. A Igreja Católica na Alemanha é importante no mapa da Europa, e estou ciente de que ou irradiará a sua fé ou a sua incredulidade para todo o continente. Por isso, olho com desconforto para as acções do “caminho sinodal” alemão até agora. Observando os seus frutos, pode-se ter a impressão de que o Evangelho nem sempre é a base para a reflexão”.

A Tentação de Acreditar na Infalibilidade das Ciências Sociaisexpressa-se especialmente em querer „modernizar” a esfera da identidade sexual. O Arcebispo Metropolitano de Poznan adverte para “o facto da mutabilidade inerente à própria natureza da ciência, que tem apenas um fragmento de todo o conhecimento possível”. Refere as teorias científicas do racismo (nos EUA) e a eugenia (no nazismo). “A descoberta de erros e a sua análise é a força motriz do progresso da ciência.  Na sequência da eugenia e do racismo “o Congresso dos EUA em 1924 aprovou a Lei de Origem Nacional, impondo quotas de migração restritivas a pessoas da Europa do Sul e Central e proibindo quase inteiramente a imigração asiática.  Por outro lado, com base no conhecimento da eugenia, cerca de 70.000 mulheres pertencentes a minorias étnicas foram esterilizadas à força nos Estados Unidos no século XX (2). “Além dos “erros científicos” existem também “falácias ideológicas “na psicologia ou nas ciências sociais, que hoje em dia são consideradas infalíveis”. “Estas estão subjacentes, por exemplo, à mudança de atitudes em relação à sexualidade que agora se observa “(3). “Como deverá então a Igreja responder ao estado actual do conhecimento científico para não repetir o erro que cometeu com Galileu? Este é um desafio intelectual sério que temos de enfrentar, com base no Apocalipse e nas sólidas conquistas da ciência”.

E avisa: “Observando os seus frutos, pode-se ter a impressão de que o Evangelho nem sempre é a base para a reflexão”. Também admoesta “não devemos ceder às pressões do mundo ou aos padrões da cultura dominante, uma vez que isto pode levar à corrupção moral e espiritual”.

Apela também ao seguimento da tradição: “Evitemos a repetição de slogans desgastados, e exigências padrão como a abolição do celibato, o sacerdócio das mulheres, a comunhão para os divorciados, e a bênção das uniões do mesmo sexo“, insistindo: “Apesar do clamor, ostracismo e impopularidade, a Igreja Católica – fiel à verdade do Evangelho e ao mesmo tempo motivada pelo amor a todo o ser humano – não pode permanecer em silêncio e tolerar esta falsa visão do homem, muito menos abençoá-la ou promovê-la”!

O Presidente do Episcopado acrescentou que a crise contemporânea da Igreja na Europa é, acima de tudo, uma crise de fé. “A crise de fé é uma das razões pelas quais a Igreja experimenta dificuldades quando se trata de proclamar uma doutrina teológica e moral clara”. “A autoridade do papa e dos bispos é mais necessária quando a Igreja está a atravessar um tempo desafiador e quando está sob pressão para se afastar dos ensinamentos de Jesus”.

A Tentação de Viver com um Complexo de Inferioridade” ameaça hoje muitos cristãos dado viverem sob uma enorme pressão da opinião pública. “Os discípulos de Cristo em geral, escreveu o Papa Francisco, estão hoje ameaçados por “uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade e convicções cristãs”. (…). Acabam por sufocar a alegria da missão com uma espécie de obsessão por serem como todos os outros e possuírem o que todos possuem” (4).

A fé “já não é um pressuposto evidente da vida social; a fé é frequentemente rejeitada, marginalizada e ridicularizada”. Daí a validade do aviso aos Romanos: “Não vos conformeis a esta época, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,2). Evitemos a repetição de slogans desgastados, e exigências padrão como a abolição do celibato, o sacerdócio das mulheres, a comunhão para os divorciados, e a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo. A “actualização” da definição de casamento na Carta dos Direitos Fundamentais da UE não é motivo para adulterar o Evangelho”.

Adverte também para o risco do pensamento corporativo (Empresarial): “não há empregados suficientes, por isso vamos baixar os critérios de recrutamento”. São Paulo VI: “Não somos facilmente levados a crer que a abolição do celibato eclesiástico aumentaria consideravelmente o número de vocações sacerdotais: a experiência contemporânea das Igrejas e comunidades eclesiais que permitem aos seus ministros casar parece provar o contrário” (5). O que atrai as pessoas para a Igreja e para o sacerdócio não é outra oferta de uma vida fácil, mas o exemplo de uma vida totalmente consagrada a Deus”. Em relação ao sacerdócio da mulher cita João Paulo II: … “declaro que a Igreja não tem qualquer autoridade para conferir a ordenação sacerdotal às mulheres e que este juízo deve ser definitivamente realizado por todos os fiéis da Igreja” (6). O Papa Francisco também disse que este tema estava arrumado pelo seu antecessor, mas que “já o disse, mas repito-o: Nossa Senhora, Maria, era mais importante do que os Apóstolos, do que os bispos, diáconos e padres. As mulheres, na Igreja, são mais importantes do que os bispos e sacerdotes” (7). “… cada diferença é tratada como um sinal de discriminação. Contudo, isto não impediu que as mulheres desempenhassem na Igreja papéis que são tão importantes, e por vezes talvez mais importantes, do que os dos homens. O Catecismo distingue claramente entre as inclinações homossexuais e os actos homossexuais. Ensina respeito por cada ser humano independentemente da sua inclinação, mas condena inequivocamente os actos homossexuais como actos contra a natureza” (8 )cf. Rom 1,24-27; 1 Cor 6,9-10. (Congregação para a Doutrina da Fé, Responum a um dúbio sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo).

O Arcebispo, presidente da Conferência polaca sublinha ainda: A crise da Igreja na Europa de hoje é, antes de mais, uma crise de fé. “Mas não há outro Evangelho: há apenas algumas pessoas que semeiam confusão entre vós e que gostariam de distorcer o Evangelho de Cristo” (Gl 1,7). Paulo VI: Nunca os profetas de Israel ou os apóstolos da Igreja concordaram em diminuir o ideal, nunca suavizaram o conceito de perfeição, nunca tentaram reduzir a distância entre o ideal e a natureza. Nunca estreitaram o conceito de pecado – pelo contrário” (9). Cada período da história pode achar este ou aquele ponto de fé mais fácil ou mais difícil de aceitar: daí a necessidade de vigilância para assegurar que o depósito da fé seja transmitido na sua totalidade (cf. 1 Tim 6:20) e que todos os aspectos da profissão de fé sejam devidamente enfatizados”.

A Conferência Episcopal Alemã decidiu não responder à carta do bispo Gadecki. O seu gabinete de imprensa alegou que não reagem publicamente a cartas abertas, mas que apesar disso procuram contacto pessoal com o arcebispo Gadecki., mesmo que este tenha escolhido a via de comunicação social.

O Bispo Ipolt de Görlitz reagiu positivamente à carta, ao dizer que a carta da Igreja na Polónia é uma voz da Igreja universal. O vigário geral da diocese de Essen critica a carta do Bispo Gadecki pelo seu “anti-modernismo raso e muito clerical” dizendo que “soa como se fosse de um passado católico distante, e é precisamente isto que choca e mostra até que ponto em algumas partes da Igreja universal o legado de João Paulo II continua a determinar o clima de pensamento e acção – e recusa uma percepção honesta da realidade”.

As posições do Caminho Sinodal alemão e as do episcopado da Polónia resumem os problemas e as discrepâncias com que se depara a Igreja hoje! Não será fácil uma resposta comum ao problema, dado a Igreja universal ser composta por muitas culturas e mentalidades, encontrando-se, todas elas, a caminho, mas socialmente com diferentes velocidades e possíveis desvios.

Das diferentes posições em discussão (cf. “Caminho Sinodal na Alemanha:  https://antonio-justo.eu/?p=7078 ) exige-se mais espírito de discernimento para podermos distinguir os “Sinais dos Tempos” e o “Espírito do Tempo”!

A caminhada ainda oferece oportunidade de discussão e de união até ao seu remate em outubro de 2023 em Roma.  Em termos de igreja global, só um seguimento de Jesus Cristo e uma orientação articulada no Papa poderão proporcionar um caminhar sereno sem precipitações, mas também sem emperramentos.

Em termos de globalismo, a carta da Polónia poderia servir de alerta para se repensar a nossa caminhada num mundo que corre o perigo de seguir uma mundivisão mais adequada ao espírito anglo-saxónico (demasiadamente orientado por um utilitarismo e racionalismo individualista e consumista) e como tal demasiadamente unilateral. O mundo anglo-saxónico que actualmente quer dirigir o mundo e os destinos da humanidade e que incorpora demasiadamente a masculinidade, precisa de voltar a descobrir a sua alma feminina tão bem expressa no idealismo romântico alemão. A carta pouco conseguirá na Alemanha atendendo a uma certa característica alemã que se expressa já no protestantismo do cismo do século XVI e que desde então se tem distanciado do espírito romano (católico)!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) O Caminho Sinodal Alemão: https://antonio-justo.eu/?p=7078

(2) (cf. G. Consolmagno, “Covid, fede e fallibilità della scienza”, La Civiltà Cattolica 4118, pp. 105-119)”

(3) (J. A. Reisman, E. W. Eichel, Kinsey, Sexo e Fraude: The Indoctrination of a People, Huntington House Publication, Lafayette 1990; J. Colapinto, As Nature Made Him. The Boy Who Was Raised as a Girl, Harper Perennial, New York-London-Toronto-Sydney 2006).

(4) (Evangelii gaudium, 79).

(5) Sacerdotalis celibatus, 49.

(6) João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis, 4

(7) Francisco, Conferência de Imprensa durante o voo de regresso do Rio de Janeiro para Roma, 28.07.2013.

(8 ) cf. Rom 1,24-27; 1 Cor 6,9-10. (Congregação para a Doutrina da Fé, Responum a um dúbio sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo.

(9) Paulo VI, in: J. Guitton, Diálogos com Paulo VI, Poznań 1969, p. 296.

CHEGOU A HORA DE PUTIN – A HORA DO AJUSTE DE CONTAS E DO ACERTO DOS BLOCOS RÚSSIA E NATO

A Ucrânia está em Guerra! A Solução será tornar-se República Federal Neutra

O Presidente ucraniano Selenskyj declarou o estado de guerra. A infraestrutura das bases aéreas ucranianas foi destruída, segundo informa o governo russo.

O mais trágico que se pode observar no conflito fora e dentro da Ucrânia é o facto de não ser dado tempo aos habitantes ucranianos para se habituarem uns aos outros e formarem com o tempo um povo unido! Os interesses da Nato e da Rússia, empenhados em instigar a instabilidade, não dão tempo nem permitem um desenvolvimento orgânico da Ucrânia. As interferências perpetradas pelos centros imperialistas modernos atafegam à raiz qualquer desenvolvimento orgânico e natural de povos e regiões. (Ucrânia mero cavalo de Troia (1) e dados sobre a Ucrânia (2).

A Ucrânia está em guerra; tem 200.000 soldados na disponibilidade e ordenou agora (23,02.2022) a mobilização de cerca de 250.000 reservistas. A Europa tem estado a preparar-se para acolher os Refugiados. O público tem o direito de ser completamente informado sobre as condições na Ucrânia, de modo a poder orientar-se à margem do pensamento a preto e branco dominante; doutro modo são enfileirados nas trincheiras a serem contruídas na opinião pública tornando-se, assim, em arautos e belicistas cúmplices de um partido ou do outro. Putin, Biden e as partes beligerantes sabem de antemão que terão todos razão, independentemente do certo ou errado, porque as pessoas não estão em posição de questionar nada e orientar-se-ão pelos factos criados.

Os adversários Putin e Biden continuam na sua teimosia. Putin esconde os seus pretextos na sua exigência de que “a NATO não deve ser alargada à Ucrânia”. A NATO esconde o seu pretexto não cedendo; deste modo são servidos e justificados os respectivos interesses na guerra e as populações são orientadas de modo a tomar partido e deste modo a aceitar as consequências de uma guerra estimulada por gente irresponsável onde quem morre é a juventude e quem aguenta as consequências é a população em geral. A fim de se sair desta situação desumana, não se deveria pensar apenas estrategicamente. No caso, a melhor solução seria a Ucrânia tornar-se uma república federal neutra independente.

As fronteiras estão, de novo, a ser movimentadas na Europa e a zona da Ucrânia e da península Balcânica continuam a ser zonas “vulcânicas” devido ao encontro/distanciamento das “placas continentais”! As repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk reivindicam todo o território Oblast. A região Oblast de Lugansk tem 2,1 milhões de habitantes e 1,4 milhões deles são separatistas; o território tem 26,7 mil quilómetros quadrados. A região fronteiriça Oblast de Donetsk tem 4,1 milhões de habitantes e cerca de 2,2 milhões são separatistas e a área é de 26,5 mil quilómetros quadrados. Na Ucrânia a miopia política e a corrupção têm contribuído para muitas medidas contra a inclusão do povo de tendência russa e ucraniana. O divisionismo na Ucrânia, nem sequer a religião poupou. Nos anos 90 surgiu uma nova igreja ortodoxa separada do patriarcado de Moscovo, entretanto surgiu também uma outra e em 2018 foi fundada a Igreja Ortodoxa da Ucrânia como igreja ortodoxa autocefálica.  Também o russo, que é hoje falado por quase toda a população da Ucrânia, mas principalmente no leste e sul do país, bem como na capital Kiev (3), tem sido objecto de impedimento legislativo oficial. Encontramos na Ucrânia os vícios reunidos da Nato e da Rússia que levarão ao desmantelamento da Região.

Numa América do Norte acossada pela China, ao lado de uma Rússia ainda por fazer e de uma EU, no meio delas, a querer aparecer, Putin procura interpretar os sinais dos tempos e aproveitar-se para corrigir o desequilíbrio criado depois da queda da União Soviética; para completar o seu império aproveita para fazer o que os USA têm feito em seu proveito. Putin aprendeu a lição; nesse sentido, procura também afirmar-se criando factos consumados, com o argumento de não querer deixar o destino das nações tão entregue às mãos da Nato (e da China)!

Na dureza do confronto das potências, também a União Europeia vai procurando granjear um lugar ao sol, entre os blocos de influência, servindo-se mais de paliativos; para tal usa o proclamado ideal da democracia como antes usava o ideal da religião; tudo roupagens bonitas mas que escondem, perante o povo, o verdadeiro rosto (o poder) que por baixo desse manto se esconde! Em nome da democracia serve, (também ela não tanto como senhora mas como serva), a guerra, dos USA e da Nato, criando instabilidades em países mediante o fomento ou o apoio de lutadores da resistência dentro de povos, e tudo só para bem da sua “democracia” e da economia (o mesmo estratagema usam pretensas potências como o Irão e a Turquia em nome do islão, na Índia em nome do induísmo, na China em nome do comunismo e na Rússia em nome da Rússia de recordação comunista: todos os povos elaboram o seu lampião para alumiarem o seu  caminho no pretexto de não deixarem o povo às escuras!). Na lógica da Nato, nas zonas de seu interesse, o princípio de autodeterminação democrática já não conta. Desde 1953, a NATO cometeu 13 violações do direito internacional sem um mandato da ONU (4). A Rússia segue nas suas pegadas porque a fome é a mesma!

A Rússia imperial está consciente de querer modernizar-se e, à maneira progressista, num tempo já não de construção de nações, mas numa fase mais adiantada de desconstrução que corresponde à estratégia de alinhamento de complexos geoestratégicos, englobantes de países e regiões mais pequenos. Na perspectiva da globalização, este factor dar-lhe-á razão, uma vez que vem do progresso e ele está aí a chegar nas novas demarcações económico-políticas que procuram território irreversivelmente demarcado para se instalarem no novo mundo de maneira sustentável! Por mal das circunstâncias, a decisão da Ucrânia não se encontra nas mãos dos ucranianos, não só pelo facto de se encontrarem divididos entre si, mas pelas razões mais altas dos correspondentes interesses dos falcões geopolíticos, a quem servem. A História não se deixa disciplinar pela moral, ela segue apenas os factos criados por interesses e estes pertencem sempre aos mais fortes; uma vez criados os factos, o povo estará sempre pronto para os seguir atrás a aplaudir. A moral só sabe caminhar com o povo, mas os interesses seguem uma via diferente caminhando com os maiores! Putin sabe bem que, se, a Rússia que alberga vários povos, desse asas à democracia isso corresponderia a criar novos focos de independência dentro da própria Rússia, o mesmo medo mantem a China, por isso preferem dedicar-se à conquista! Por isso falar de democracia a Putin, torna-se numa verdadeira provocação porque na sua situação, tal como na da China significaria polvorosa nas próprias populações e cedência ao rival.  O argumento da democracia vale especialmente para nós europeus onde cada país, depois de muitas guerras, alcançou a sua identidade e, pelo facto, já não temos mais para conquistar; o trágico da aprendizagem é que usemos, muitas vezes, da democracia como armadilha para outros povos.

Também se torna ilusória uma argumentação em termos de nacionalidade quando nos encontramos, também nós, devido ao globalismo e ao processo de organizar o bloco EU, numa era de superação das ideias nacionais para se poder legitimar a formação de novos blocos ou agrupamentos de nações. Esta realidade leva muita da argumentação de caracter nacionalista a tornar retrógrados e contraditórios os factores que implementam a formação da União Europeia.  Facto é que a política globalista (a nível político de ideologia e de economia) em via tem como consequência o desprezo das nações em benefício dos blocos. Por isso pareceria tornar-se atrasada uma tendência de se afirmar um país numa região feita de populações, mas sem ter tido tempo para se formar em povo. Assim a Ucrânia é fomentada também artificialmente em alfobres de grupos joguetes nas mãos dos falcões da NATO e da Rússia. Os moventes da Nato e da Rússia não são os genuínos interesses nacionais de um povo-nação, mas o seu desmantelamento, para satisfação de novos compromissos a fazer pelos figurantes em jogo.  Na era globalista e em tempos da formação da EU, tempo mais propício para a desconstrução das nações, falar-se de “dignidade nacional” até parece mal, sobretudo se dito por mentes progressistas!!!

Infelizmente, vistas as coisas de uma perspectiva actual, Putin, para não ser homem de outra era, vai escrever história recente e vai ditá-la aos que se julgam à frente! De facto, o orgulho e a humilhação, suscitam forças que levam a não se resignar e a ideia do globalismo ajuda! Talvez por isso as revoluções pretendam ir sempre à frente, a fazer de luzeiros para o povo e para os que se atrasam! Cada bloco faz a sua leitura própria e nós povo é que teremos de pagar a fava que já se preanuncia num novo aumento das energias. Neste contexto, ser-se popularmente pela política de um bloco ou do outro torna-se um pouco indecoroso.

Falta de cocegas na opinião pública e no povo não faltarão. Uma vez desmantelada a Ucrânia restará o trabalho de sabotagem da Bielorrússia para que esta abra as portas para o Ocidente. Haverá que preparar-nos para engolir sapos e lagartos pois depois de décadas de paz na Europa o que nos espera são guerrilhas, como já conhecemos também dos “assassinos” maometanos através da História! …

Apoiar um ou outro bloco é tornar-se cúmplice das desumanidades contra o povo que sofre e declarar-se pronto para assumir os encargos consequentes da guerra! Só há um caminho a seguir: o das conversações!

Chegou a hora de a Ucrânia, em acordo com os partidos concorrentes, acordar uma solução viável que será fazer da Ucrânia uma República Federal Neutra

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) Ucrânia mero cavalo de Troia: https://antonio-justo.eu/?p=7116

(2) Dados sobre a Ucrânia: https://antonio-justo.eu/?p=7127

(3) Kiev é uma cidade bilingue onde tanto o ucraniano como o russo são falados. Há três anos, uma nova lei linguística entrou em vigor na Ucrânia. O seu objectivo é fazer recuar o russo, mas cria novos problemas aos editores e às críticas em língua russa a Putin. Os jornais e revistas nacionais devem agora aparecer em ucraniano. As edições russas não são proibidas, mas uma versão paralela ucraniana deve ser impressa na mesma circulação. É certo que isto não é rentável para os editores. O último jornal diário nacional russo, “Westi”, foi recentemente mudado para ucraniano, e muitos jornais só aparecem agora na rede. Aprovada há três anos, a lei linguística está agora (2022) a entrar em vigor na Ucrânia. É suposto fazer recuar o russo, mas cria novos problemas para editores e críticos de Putin em língua russa. A lei, que é dirigida contra a língua russa preferida por muitos ucranianos, especialmente no leste e sul do país, foi aprovada pouco depois de o Presidente Petro Poroshenko ter sido votado fora de funções em 2019.

https://www.faz.net/aktuell/feuilleton/debatten/ukraine-neues-sprachgesetz-soll-das-russische-zurueckdraengen-17736397.html

(4) 70 anos da NATO: guerras ilegais e causas de fugas: “70 Jahre NATO: Illegale Kriege und Fluchtursachen!

 

TENTATIVAS DE DEFINIR O SER DO HOMEM NA RELAÇÃO HOMEM-MUNDO

Coloco aqui alguns estímulos a um apetite que pode proporcionar alimento à reflexão:

Gregório Magno: «o homem tem semelhanças com todas as criaturas: o ser com as pedras, o viver com as árvores, o sentir com os animais, o entender com os anjos».

Hildegarda de Bingen: “O homem, olha para o homem! Porque o homem tem em si mesmo céus e terra e nele todas as coisas estão escondidas. A sua cabeça corresponde aos céus, os olhos às estrelas, o ouvido ao ar, os braços e o tacto aos lados do mundo, o coração à terra, o ventre às criaturas” (Hildegarda de Bingen, Liber divinorum operum, Visio I).

António Damásio: «(…) não só a mente tem de passar de um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico, como deve também ser relacionada com todo o organismo que possui cérebro e corpo integrados e que se encontra plenamente interactivo com um meio ambiente físico e social», em “O erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro humano”.

De facto, somos seres dotados de asas, mas com um corpo tão pesado que nos condiciona a movermo-nos em terra. Feitos de céu e terra, tendemos, pela força da transcendência,  a superar a matéria de que somos confecionados e a viver com ela para não perdermos um olhar que nos proporciona maior horizonte!

Reduzir o ser do Homem à perspectiva materialista corresponderia a cortar as asas ao humano e à sociedade; isso viria a justificar a missão entrópica de alguns cangalheiros da nossa civilização de “reminiscências” cristãs!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

UCRÂNIA É O CAVALO TROIANO DOS USA E DA RÚSSIA

Nem Guerra nem Paz – Negócio e Hipocrisia

António Justo

Não haverá guerra nem paz; a guerra na Europa não convém à Europa nem à Rússia! Conservar-se-ão as “guerrilhas”! 

A Ucrânia renunciará à sua livre escolha de aliança, suspendendo o seu desejo de aderir à NATO, e a Rússia renunciará à invasão e repensará o seu apoio às zonas separatistas (Lugansk e Donetsk) da Ucrânia Oriental e os USA tentarão impor a venda do gás líquido à Europa contra os interesses europeus de o receber mais barato através do gasoduto Stream 2.

Desta forma, as partes beligerantes, Rússia e os EUA, manterão, depois de tantas ameaças, o seu rosto erguido, conservando, cada qual, os seus interesses conflituosos, através dos seus representantes (pró NATO e pró-Rússia ) no terreno, tornando assim a Ucrânia num cavalo de troia.

A Ucrânia perdeu, ao querer internacionalizar a sua guerra civil, tendo agora de começar a ordenar os seus problemas internos num outro dossier que poderia ter como título: Ucrânia, parceira económica das potências envolvidas no conflito! Depois, o negócio de uns e dos outros fará o resto!

Os USA, com a sua armada avançada NATO, procurarão continuar a sua guerra económica contra os interesses da Europa; quem fica com a fava a pagar é a Europa e o povo sofredor dos dois lados.

O nó górdio do conflito é e prevalecerá, por um lado, Moscovo que apoia a autonomia das repúblicas Lugansk e Donetsk (regiões separatistas no oriente da Ucrânia, reconhecê-las corresponderia efectivamente a uma anexação à Rússia dado a maioria da população ser de origem e de língua russa) e, por outo lado, a parte da Ucrânia que pretende a adesão de Kiev à NATO.

Na discussão europeia sobre a situação relativa à Ucrânia, são, matreiramente, esquecidas as estruturas historicamente crescidas na própria Ucrânia com um povo em guerra civil e a acrescentar a tudo isto, os interesses geopolíticos dos EUA e da Rússia que apoiam no terreno, cada um os seus aliados.

O Chanceler alemão Scholz esteve agora em Moscovo e prometeu continuar as negociações sobre as exigências de Moscovo à NATO (seu não alargamento!). Um episódio revelador da atmosfera reinante entre a Rússia e a NATO tornou-se claro quando Scholz alertou para a guerra na Europa, ao que Putin respondeu lembrando que a própria NATO tinha travado uma guerra na Jugoslávia; Scholz returquiu que isso só tinha acontecido para evitar um genocídio; Putin respondeu logo que também estava a dar-se um “genocídio” na Ucrânia oriental (HNA.16.02)!

A Duma (Parlamento russo) legitimou Putin para poder decidir, por ele próprio, o reconhecimento das regiões separatistas da Ucrânia Oriental de Luhansk e Donetsk como “repúblicas do povo”. Este contraria certamente o acordo de paz de 2015 em Minsk (entre Kiev e Moscovo), que prevê uma certa reunificação dos separatistas pró-russos na Ucrânia com uma autonomia de longo alcance.

O auge da irracionalidade na Europa (NATO) foi o anúncio feito pelos serviços secretos americanos de que ia haver uma invasão russa da Ucrânia possivelmente esta semana. Isto pertence ao capítulo da rectórica incendiária entre a população para legitimar o desejo de guerra na opinião popular. O mesmo foi feito para legitimar a intervenção no Afeganistão, no Iraque, na Síria, etc.  pelo Ocidente, com mentiras que grande parte do povo ocidental foi aceitando. Como sempre é usado um vocabulário de guerra para que as pessoas aprendam a soletrá-lo…

Os nossos Media ocidentais tomaram partido pelos interesses da NATO (organização feita de membros com interesses contraditórios aos dos USA, como é o caso da Turquia que coloca um pé na NATO e outro na Rússia). Neste contexto a política (e seus multiplicadores dos Media) cria condições sociais que abrem o caminho à manipulação e ao dirigismo político, apostando em entorpecer e enganar a população civil. O que mais me fera na observação de tudo, isto é, a insolência e atrevimento com que os Media desinformam unilateralmente o povo por razões de serviço ao próprio regime, papagueando o que políticos dizem caindo na sua rectórica e silenciando,, deste modo que os interesses da cabeça (USA) da NATO são, practicamente, contrários aos dos seus membros da Europa. Criam-se assim, na opinião pública desinformada, duas trincheiras que se combatem: a pró-russa e a pró NATO; assim atingem os seus intentos conseguindo dividir o povo alinhado na fila do  antiamericanismo ou na do anti Rússia: uma vez criada a luta dentro da população ocidental (à imagem da guerra civil da Ucrânia), passa a ser então justificada uma decisão aleatória (dos imperialismos de fora) porque já se conseguiu elaborar um culpado.

Não há motivos para pânico! Manter-se-á, porém, a suficiente margem de jogo para o imperialismo de um lado e o do outro continuarem a fazer o seu jogo e os Estados europeus manter-se-ão  na condição miserável de ter de seguir a abanar a cabeça, mas a dizer ámen (tendo para isso de se continuar a enganar a população que não compreenderia a complexidade de uma situação tão comprometida)! Quando a China tiver a palavra decisiva a dizer o tabuleiro do xadrez será outro e na altura, se a Rússia não for a aliada da China, então a Europa será aliada da Rússia!

Os imperialismos afirmam-se nas fronteiras dos outros ou apoiam-se em grupos internos rivalizastes e a Europa, como já não é império, tem de assumir o papel de hipócrita porque interessada nos negócios económico-financeiros e na paz para os poder fazer , continuando, muito embora, casada com os USA que com os seus interesses geoestratégicos e económicos contradizem os da distante Europa!

De uma maneira geral, a população europeia quer uma relação relaxada com a Rússia e desejaria que fosse colocada pomada nas feridas deixadas pela queda do socialismo.

O não cumprimento da promessa feita a Gorbatchov de não alargar o âmbito da Nato aos territórios vizinhos da Rússia e a exigência de Putin dos anos 1989/1990 e repetidos em 2007 de que a Ucrânia não aderisse à Nato, têm sido desrespeitados, o que impede um desenvolvimento natural da situação social complicada na Ucrânia. Na realidade poderíamos dizer que a Ucrânia é, de facto, o cavalo de Troia dos USA e da Rússia; sem boa vontade de todos não se vê grande luz no fundo do túnel de uma nação em convulsão nem num realinhamento de blocos a nível mundial.

Agora, à margem dos jogos olímpicos em Pequim, não só Putin, mas também Xi Jinping, fizeram um apelo a um fim do alargamento da NATO. Claro que Xi já está a pensar em Taiwan como zona da sua esfera de influência e essa situação será mais própria para criar uma guerra mundial.

“Uma Alemanha interessada em acordos de comércio com o Leste, uma EU interessada num acordo de associação, e uma federação russa amedrontada, não são indícios de bons resultados para a Ucrânia; a Rússia sente-se ameaçada economicamente pela EU, militarmente pela Nato e socialmente pelos valores ocidentais de liberdade e democracia. A UE defende os seus interesses económicos e estratégicos na Ucrânia argumentado hipocritamente de pretender a salvaguarda dos direitos humanos e de um Estado de Direito. Infelizmente não usou da diplomacia para saber antepor-se aos combates armados entre a população ucraniana nem teve em conta uma Rússia traumatizada pela queda da União Soviética.  A Rússia tem os mesmos interesses na Crimeia e nas zonas orientais da Ucrânia como os ingleses no Gibraltar e nas ilhas Malvinas…” escrevi em 2012 no artigo “Ucrânia entre imperialismo russo e ocidental” (1). Outros textos relativos ao assunto em nota (2).

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1)  https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/2014/ucrania.htm

(2)  UCRÂNIA ENTRE IMPERIALISMO RUSSO E OCIDENTAL: https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/russia-e-china-o-eixo-da-politica-do-1206136

O POVO FALA DE POLÍTICA E OS POLÍTICOS FALAM DE NEGÓCIOS: http://abdic.org.br/index.php/675-o-povo-fala-de-politica-e-os-politicos-falam-de-negocios ;

RÚSSIA E CHINA – O EIXO DA POLÍTICA DO SÉC. XXI? (2014): https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/russia-e-china-o-eixo-da-politica-do-1206136 ;

“Sanções económicas são injustas e oprimem os mais frágeis”: https://antonio-justo.eu/?p=6999 ;

Textos em: https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/index.htm ;

A GUERRA FRIA NOS MEDIA RUSSOS E ALEMÃES: https://antonio-justo.eu/?p=7067 ;

Capitulação da Nato no Afeganistão – Mais uma Guerra estúpida perdida ;

Não quero questionar a independência à Ucrânia, o que prefiro é que a sua independência seja defendida através de vias diplomáticas e não através da violência nem de provocações como tem acontecido da parte da Rússia e da Nato. O presidente da Ucrânia já deu a entender que se encontra em maus lençóis ao ser jogado entre a Rússia e a Nato! Em 2014 escrevi: Rússia e China – O Eixo da Política do Séc. XXI? https://antonio-justo.eu/?p=2791 e, além de outros, “Os comunistas comem criancinhas?” https://bomdia.fr/os-comunistas-comem-criancinhas/

 

DEBATE SOBRE O GÉNERO: CIÊNCIA OU IDEOLOGIA?

Da Ideologia ao Serviço do Colonialismo mental global (de marca ocidental)

António Justo

Encontramo-nos já numa época intermédia, de passagem do colonialismo geográfico para o colonialismo mental! Esta é a fase de competição pelo domínio global – fase de conglomerações geoestratégicas e globalistas – em que se torna notória a luta pelo controlo e pela pilotagem do pensamento porque quem tiver o controlo do pensamento passa a controlar o humano e a humanidade. Nesse sentido, a batalha pela desconstrução da cultura e da pessoa soberana torna-se mais dura na sociedade ocidental, dado ser esta a que possui mais mecanismos de defesa contra um globalismo tendente a criar uma troica global. A estratégia que se encontra por trás do discurso sobre o género (Gender) implementa ideologias, em voga, ao serviço do colonialismo mental!

Depois da debanda do povo das aldeias (aldeão) para as cidades observa-se agora uma tendência de retirada do cidadão (citadino) para um mundo ideário que o liberte dos apertos de uma vida demasiadamente emparelhada sob a limitada cúpula da cidade. Aos domínios da nobreza e do clero sobre a terra (senhorios) seguiram-se as burguesias de caracter citadino que, a partir de um pouco de terra, assentaram o seu domínio no comércio e no dinheiro. Esta nova “burguesia”, já não do burgo, mas da polis, produz agora novos senhorios: os “latifundiários do dinheiro e das ideias (ideologias)! Daí o seu esforço por assentar a sua base já não na natureza, mas no domínio do abstrato, que torne os habitantes do “monte” em meros subordinados ou assalariados!

Nesse sentido, encontramo-nos numa fase intermédia, que, muito embora ocupada na desconstrução da cultura do mundo ocidental, traz a marca ocidental na luta globalista em via; traiçoeira, porque anti feminina mas feminista, desliga-se da paisagem religioso-cultural do povo ocidental porque esta, mais ligada à terra (mais feminina), contradiz os interesses de uma nova cultura abstrata que se pretende implantar (no sentido de implementar paulatinamente um “governo universal” sob o olhar masculino!) e que assume o cunho ideológico socialista-capitalista, de que o sistema chinês poderia ser uma amostra, no sentido  de uma sublimação do gene masculino e masculinizante!

Se antes as armas usadas eram espadas e canhões, hoje em democracia e globalismo as armas passam a ser a palavra e as ideologias!  O poder político serve-se dos currículos escolares e de currículos universitários para implementar agendas ideológicas com o fim de doutrinar gerações.

O modelo ocidental ao atingir o seu apogeu, em vez de repensar a sua matriz masculina em termos adequados aos princípios e energias moventes da masculinidade e da feminilidade humana e social, prossegue o seu caminho em termos masculinos de luta (baseada em papéis e no divide para imperar!) como tem feito até aqui e se torna visível na disputa dos falcões americanos e russos em terreno ucraniano, cada vez mais sacrificado à luta masculina imperialista das duas partes (também aqui, embora se trate de uma luta geoestratégica na disputa de poderes em termos globais, no fundo estão em luta ideologias e interesses abstraídos das paisagens populares e como tal cada vez mais distantes da feminilidade) .

É de constatar que, na base da nossa sociedade, a matriz (modelo estruturante), que determina os nossos comportamentos e modos de vida, é masculina e expressa-se em papéis discriminadores devidos à natureza e às construções sociais e culturais transmitidas no parâmetro dos rebanhos dos tempos ancestrais (Patriarcalismo). Nesta base torna-se mais que óbvia a reacção da mulher nos diferentes âmbitos do pensamento e da sociedade. O sentimento de uma feminilidade abafada provoca um justo desejo de emancipação que começa por limitar-se aos papeis da mulher em sociedade, mas que terá como objectivo final não tanto os papéis de homem e mulher mas o que se encontra por trás desses fenómenos. Ao orientarmo-nos apenas pelos papéis sociais arrumadores da feminilidade e da masculinidade não fazemos mais que protelar o problema da emancipação ou libertação, sem entendermos os verdadeiros moventes que se expressam a nível da matriz aparentemente aceite (1).

Portanto, a preocupação de análise e de empenho não deveria partir daquilo que alguns advogam como “condição feminina” mas da análise básica,  da matriz masculina que determina de forma sistémica a vida individual e social do homem e da mulher (para lá dos papéis assumidos que também eles contribuem para discriminação da feminilidade e que seria um erro fixar-se só neles) e, pelo facto de se basear em características de masculinidade, explora a mulher (ou melhor, a feminilidade (energia/princípio)  que é reprimida, consciente ou inconscientemente em todas as sociedades e cuja urgência de reparação se encontra manifesta  na ordem do dia da sociedade ocidental),  como é de observar em muitos segmentos da vida, a feminilidade não é contemplada e por isso a mulher é ferida não só nos princípios de dignidade e de igualdade de direitos mas sobretudo na sua maneira de ter sido enquadrada dentro da matriz masculina (de condição masculina ou masculinizante). A questão a pôr-se é a do homem todo, na sua feminilidade e masculinidade comuns e não apenas a do homem ou da mulher nas suas interpelações funcionais.

O que deveria estar no foco da discussão, a discutir-se básica e produtivamente,  seriam as características da feminilidade e da masculinidade num projecto de uma matriz mais adequada à natureza e à cultura  em processo e não limitada apenas às funções e papéis masculinizantes (redução funcionalista de caracter materialista); uma nova matriz criaria novas funções e papéis sociais flexíveis que tornariam incompatíveis os papéis da sociedade patriarcalista com os papéis do novo modelo de sociedade! As funções socialmente a desempenhar deixariam de estigmatizar (petrificar) quer a masculinidade quer a feminilidade nem no “género” nem no sexo!

Uma devida análise e empenho teria como consequência grande incidência no ser e na maneira de estar do humano, quer a nível individual quer social onde as estruturas culturais e económicas teriam de ser aferidas à nova matriz baseada na complementaridade dos seres e dos órgãos sociais com uma certa equidade, o que implicaria  uma nova valorização e integração da feminilidade e da masculinidade nesse novo modelo (no limiar da dinâmica da „igualdade e diferença” seria de colocar o modelo-matriz baseado na intersecção dos princípios/energias/características da feminilidade e da masculinidade); estes revolucionariam toda a maneira do estar individual e social bem como suas estruturas e supraestruturas, passando a internalizar-se numa maneira de ser. Esta nova matriz tornar-se-ia na mãe de todo o relacionamento e comportamento tornando supérflua uma discussão apenas em termos ou em torno de patriarcado ou de matriarcado (dado estes serem ultrapassados por manterem a sua dinâmica e relacionamento apenas ao nível de funções e papéis, ou seja, ao nível do ter e não do ser que se encontra  ao serviço de uma regulação social no âmbito de um funcionamento maquinal e de peças e, como tal, distante de um ser orgânico natural de comunidade e pessoas).

A luta ideológica e do género adoptou a metodologia masculina (processada em termos de luta e de olhar masculino e não de complementaridades) apostando numa definição desintegrativa de género/sexo e consequente linguagem em torno deles (2); segue o princípio masculinizante do poder: divide para imperar.

Os efeitos positivos da luta ideológica, na nossa sociedade de matriz masculina, manifestam-se numa maior igualdade socialmente a atingir, mas não legitima os meios que usa para a atingir dado estes serem a aplicação dos princípios da masculinidade (e correspondentes métodos agressivos ou de subjugação) apenas em termos de funcionalidade sem propriamente tomar a sério a feminilidade (que implicaria uma outra estratégia de afirmação já vital orgânica e não só funcional; isto é, uma estratégia inclusiva que partisse da feminilidade como base estrutural e estruturante e não assumisse apenas um caracter funcionalista como quer o mecanicismo social empenhado em reduzir a pessoa (homem ou mulher) à mera qualidade de função e de objecto.

Isto independentemente das salutares melhorias adquiridas através da luta em via; importa não reduzir o horizonte porque se trataria então de ganhar apenas batalhas e não a “guerra”.

Resumindo, sou do parecer que nos encontramos a combater no campo errado porque o que seria de questionar era a matriz masculina que regula e fundamenta as sociedades atuais com a sua correspondente metodologia masculina (perpetuadora da guerra) e que é masculinamente comum à metodologia de afirmação da ideologia feminista, socialista e capitalista. Uma luta em defesa da feminilidade, para conseguir uma mais valia da feminilidade, terá de ter a cautela de não afirmar  uma feminilidade que se esgota  em termos de afirmação ao serviço da masculinidade da matriz vigente  e, deste modo, subjugar-se concretamente ao masculinismo de que se defende, mas que na realidade aceita como sendo a normalidade. Uma análise menos ideológica e mais abrangente teria de começar por analisar as características ou princípios (energias) da masculinidade e da feminilidade (básicas a nível de indivíduo, cultura e natureza) e identificá-las na sociedade e nos seus mecanismos para possibilitarem uma matriz a criar em que esses princípios seriam ajustados ou aferidos numa base de complementaridade já não selectiva mas inclusiva, criando uma cultura de afirmação já não pela luta mas pela inclusão.

A própria matriz ocidental possui em si as potencialidades para o fomento da nova matriz social , dado, o modelo actual vigente, ter-se tornado infiel ao próprio protótipo que assentava mais na feminilidade que na masculinidade, mas que ao assumir, institucionalmente, a  estratégia de afirmação de Constantino (criação da “cristandade” à custa do cristianismo; o Constantinismo que parte do édito elaborado em 313, levou a instituição igreja a viver entrelaçada com a política e a apegar-se ao poder do Estado – vista a questão em termos meramente históricos: oh felix culpa!)  e por esse facto a instituição passou a expressar-se mais em termos de poder e como tal acentuou as características da masculinidade, deixando a sua característica fundamental que é a feminilidade nos conventos e na frequência do povo nas igrejas!

Em vez de tentarmos pegar o touro pelos cornos temos andado a agarrá-lo pelo rabo!

A libertação certa, para se tornar tal, deve ousar desafiar a nossa matriz cultural masculina, nos seus fundamentos e não só na sua fenomenologia,  no sentido de a poder desconstruir de maneira ordenada; a fase feminista de caracter machista, talvez justificada como fase transitória,  terá de se superar a si mesma e alijar a carcaça que usa  para possibilitar a passagem  a uma fase já não feminista mas feminina; passar à estruturação de uma matriz feminina que permita o início de uma era de paz e a coexistência harmónica da feminilidade e da masculinidade.

A rotura com as estruturas masculinas do poder vigente terá que começar já por questionar as bases (forças vitais, características, critérios) dessas estruturas que constituem o poder masculino determinante das sociedades mundiais; só então será possível desmontar os andaimes baseados na masculinidade (abusada no patriarcalismo) e a partir de uma desconstrução de estruturas, que foram elaboradas mais ao serviço do poder do que da população, se chegue  à reconstrução,   já não de uma estrutura de poder feminista (que continuaria a cadeia masculinizante de poder baseado em luta, selecção e opressão), mas se inicie a construção de uma cultura feminina, fecundante, que se torne a matriz criadora (integradora das forças vitais da feminilidade e da masculinidade) e geradora de novos comportamentos e relações sociais (não só a nível da maneira de estar como também da maneira de ser).

Cristo é o protótipo do homem e da mulher e foi pregado na cruz, mas ao sê-lo tornou-se no sinal de que o homem e a mulher não devem pregar ninguém na cruz porque ao fazê-lo pode ser que estejamos a pregar o protótipo do humano e da humanidade, o abandonado (cada um vale tudo por si)! E mesmo quando se fala de pessoas extremistas é legítima a pergunta de Jesus: “Essa questão é tua, ou outros te falaram a meu respeito?” (João 18:34).

O meu texto pretende propor elementos de reflexão e análise e não uma visão “masculina” a preto e branco do mundo, como faz o mundo, esquecendo que o ódio a quem é diferente ou a quem pensa diferente enegrece a alma e deste modo impede a construção de uma matriz fundada, em termos de igualdade e complementaridade, dos princípios da feminidade e da masculinidade!

Este texto será continuado em “O OLHAR MASCULINO

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Uma observação ou análise reduzida ao nível exterior dos fenómenos (aparências, porque se limita às estruturas da experiência que se contenta em ficar-se com explicações de caracter e comportamentos ao nível da compreensão (de sentidos ou de consciência) sem entrar nos seus pressupostos (essência), de que a sociologia é um exemplo quando prescinde das ciências naturais).

(2) Género diz respeito às características de masculinidade e de feminilidade: Sexo masculino, feminino e a variação inter-sexo ) e também expressões sociais e papeis sexuais. Homem trans ou transsexual (nascida mulher, agora homem) pode engravidar precisando de medicação hormonal. Para engravidar de menino, dado o menino ter cromossomas XY, é preciso o sexo do pai que possui gametas do tipo X e Y, enquanto que a mulher possui apenas do tipo X. A testosterona provocara o crescimento da barba e o aumento da libido e do clitóris; se a pessoa trans tiver útero, ela também pode menstruar.  Mulher trans ou transsexual (nascida homem, agora mulher) mediante a amputação e construção da vagina.

 

Links de Textos relativos ao assunto:

A Manipulação da Cultura acompanha a Manipulação da Natureza: https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/casamento-civil-de-homossexuais-premio-1435784

Discurso Masculino contra o Feminino (2014): https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2010/discurso_feminino.htm

A Liberdade é Feminina por isso não se dá no Deserto

Do uso da sexualidade como forma de afirmar poderes e de criar uma nova ordem mundial: https://beiranews.pt/2019/07/12/ponto-de-vista-por-antonio-justo-123/

Importância da Experiência interior como Forma de questionar Ideologias-Doutrinas-Instituições: https://antonio-justo.eu/?p=4935

Matriz socialista marxista na base da disciplina de educação para a cidadania: https://beiranews.pt/2020/10/13/ponto-de-vista-por-antonio-justo-10/

Libertação das leis biológicas: https://copaaec.blogs.sapo.pt/2021/08/

Das Mulheres na Sociedade e na Igreja e dos usos e costumes que as oprimem: https://etcetaljornal.pt/j/2019/09/das-mulheres-na-sociedade-e-na-igreja-e-dos-usos-e-costumes-que-as-oprimem/

Matriz política masculina não pode ser norma para a instituição eclesial: https://bomdia.be/matriz-politica-masculina-nao-pode-ser-norma-para-a-instituicao-eclesial/

Em Carlos podemos ver a masculinidade portuguesa infiel:

NA ESTEIRA DE CAMÕES E DO ROMANTISMO

Correcção duma Sociedade máscula de Via única: http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=29743&catogory=Opini%E3o

PODER RENOVADOR DA MULHER: https://triplov.com/letras/Antonio-Justo/2009/mulher.htm

Islão e a sociedade: masculinidade contra feminidade: https://bomdia.eu/islao-e-a-sociedade-masculinidade-contra-feminidade/

Urge uma Revolução cultural feminina: https://antonio-justo.eu/?p=6736

Humanismo e ética para a construção de uma Cultura de Paz global: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/cultura/57874/humanismo-e-etica-para-a-construcao-de-uma-cultura-de-paz-global

Punhos cerrados, 2015: https://www.yorku.ca/laps/dlll/wp-content/uploads/sites/212/2021/06/06mar15_steph.pdf