AS CINCO TENTAÇÕES DO “CAMINHO SINODAL” ALEMÃO

Entre os Sinais dos Tempos e o Espírito do Tempo

O Presidente do Episcopado da Polónia, dirigiu uma carta ao Presidente da Conferência Episcopal Alemã, mostrando o seu desconforto aos seus irmãos no episcopado, pelo rumo que está a tomar o “caminho sinodal” alemão (1).

Nos subtítulos da carta estão resumidos os perigos a que está exposto o caminho sinodal e bispos alemães:  a “tentação de procurar a plenitude da pessoa (da Verdade) fora do Evangelho”, a “tentação de acreditar na infalibilidade das Ciências Sociais”, a “tentação de Viver com um complexo de inferioridade”, a “tentação do Pensamento Empresarial” e  a “ tentação de sucumbir à pressão” de uma sociedade  onde quem não a segue fica só.

“Permita-me, caro irmão no episcopado, partilhar a minha ansiedade sobre a validade das reivindicações feitas por alguns círculos da Igreja Católica na Alemanha, especialmente no contexto do “caminho sinodal. A Igreja Católica na Alemanha é importante no mapa da Europa, e estou ciente de que ou irradiará a sua fé ou a sua incredulidade para todo o continente. Por isso, olho com desconforto para as acções do “caminho sinodal” alemão até agora. Observando os seus frutos, pode-se ter a impressão de que o Evangelho nem sempre é a base para a reflexão”.

A Tentação de Acreditar na Infalibilidade das Ciências Sociaisexpressa-se especialmente em querer „modernizar” a esfera da identidade sexual. O Arcebispo Metropolitano de Poznan adverte para “o facto da mutabilidade inerente à própria natureza da ciência, que tem apenas um fragmento de todo o conhecimento possível”. Refere as teorias científicas do racismo (nos EUA) e a eugenia (no nazismo). “A descoberta de erros e a sua análise é a força motriz do progresso da ciência.  Na sequência da eugenia e do racismo “o Congresso dos EUA em 1924 aprovou a Lei de Origem Nacional, impondo quotas de migração restritivas a pessoas da Europa do Sul e Central e proibindo quase inteiramente a imigração asiática.  Por outro lado, com base no conhecimento da eugenia, cerca de 70.000 mulheres pertencentes a minorias étnicas foram esterilizadas à força nos Estados Unidos no século XX (2). “Além dos “erros científicos” existem também “falácias ideológicas “na psicologia ou nas ciências sociais, que hoje em dia são consideradas infalíveis”. “Estas estão subjacentes, por exemplo, à mudança de atitudes em relação à sexualidade que agora se observa “(3). “Como deverá então a Igreja responder ao estado actual do conhecimento científico para não repetir o erro que cometeu com Galileu? Este é um desafio intelectual sério que temos de enfrentar, com base no Apocalipse e nas sólidas conquistas da ciência”.

E avisa: “Observando os seus frutos, pode-se ter a impressão de que o Evangelho nem sempre é a base para a reflexão”. Também admoesta “não devemos ceder às pressões do mundo ou aos padrões da cultura dominante, uma vez que isto pode levar à corrupção moral e espiritual”.

Apela também ao seguimento da tradição: “Evitemos a repetição de slogans desgastados, e exigências padrão como a abolição do celibato, o sacerdócio das mulheres, a comunhão para os divorciados, e a bênção das uniões do mesmo sexo“, insistindo: “Apesar do clamor, ostracismo e impopularidade, a Igreja Católica – fiel à verdade do Evangelho e ao mesmo tempo motivada pelo amor a todo o ser humano – não pode permanecer em silêncio e tolerar esta falsa visão do homem, muito menos abençoá-la ou promovê-la”!

O Presidente do Episcopado acrescentou que a crise contemporânea da Igreja na Europa é, acima de tudo, uma crise de fé. “A crise de fé é uma das razões pelas quais a Igreja experimenta dificuldades quando se trata de proclamar uma doutrina teológica e moral clara”. “A autoridade do papa e dos bispos é mais necessária quando a Igreja está a atravessar um tempo desafiador e quando está sob pressão para se afastar dos ensinamentos de Jesus”.

A Tentação de Viver com um Complexo de Inferioridade” ameaça hoje muitos cristãos dado viverem sob uma enorme pressão da opinião pública. “Os discípulos de Cristo em geral, escreveu o Papa Francisco, estão hoje ameaçados por “uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a sua identidade e convicções cristãs”. (…). Acabam por sufocar a alegria da missão com uma espécie de obsessão por serem como todos os outros e possuírem o que todos possuem” (4).

A fé “já não é um pressuposto evidente da vida social; a fé é frequentemente rejeitada, marginalizada e ridicularizada”. Daí a validade do aviso aos Romanos: “Não vos conformeis a esta época, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,2). Evitemos a repetição de slogans desgastados, e exigências padrão como a abolição do celibato, o sacerdócio das mulheres, a comunhão para os divorciados, e a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo. A “actualização” da definição de casamento na Carta dos Direitos Fundamentais da UE não é motivo para adulterar o Evangelho”.

Adverte também para o risco do pensamento corporativo (Empresarial): “não há empregados suficientes, por isso vamos baixar os critérios de recrutamento”. São Paulo VI: “Não somos facilmente levados a crer que a abolição do celibato eclesiástico aumentaria consideravelmente o número de vocações sacerdotais: a experiência contemporânea das Igrejas e comunidades eclesiais que permitem aos seus ministros casar parece provar o contrário” (5). O que atrai as pessoas para a Igreja e para o sacerdócio não é outra oferta de uma vida fácil, mas o exemplo de uma vida totalmente consagrada a Deus”. Em relação ao sacerdócio da mulher cita João Paulo II: … “declaro que a Igreja não tem qualquer autoridade para conferir a ordenação sacerdotal às mulheres e que este juízo deve ser definitivamente realizado por todos os fiéis da Igreja” (6). O Papa Francisco também disse que este tema estava arrumado pelo seu antecessor, mas que “já o disse, mas repito-o: Nossa Senhora, Maria, era mais importante do que os Apóstolos, do que os bispos, diáconos e padres. As mulheres, na Igreja, são mais importantes do que os bispos e sacerdotes” (7). “… cada diferença é tratada como um sinal de discriminação. Contudo, isto não impediu que as mulheres desempenhassem na Igreja papéis que são tão importantes, e por vezes talvez mais importantes, do que os dos homens. O Catecismo distingue claramente entre as inclinações homossexuais e os actos homossexuais. Ensina respeito por cada ser humano independentemente da sua inclinação, mas condena inequivocamente os actos homossexuais como actos contra a natureza” (8 )cf. Rom 1,24-27; 1 Cor 6,9-10. (Congregação para a Doutrina da Fé, Responum a um dúbio sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo).

O Arcebispo, presidente da Conferência polaca sublinha ainda: A crise da Igreja na Europa de hoje é, antes de mais, uma crise de fé. “Mas não há outro Evangelho: há apenas algumas pessoas que semeiam confusão entre vós e que gostariam de distorcer o Evangelho de Cristo” (Gl 1,7). Paulo VI: Nunca os profetas de Israel ou os apóstolos da Igreja concordaram em diminuir o ideal, nunca suavizaram o conceito de perfeição, nunca tentaram reduzir a distância entre o ideal e a natureza. Nunca estreitaram o conceito de pecado – pelo contrário” (9). Cada período da história pode achar este ou aquele ponto de fé mais fácil ou mais difícil de aceitar: daí a necessidade de vigilância para assegurar que o depósito da fé seja transmitido na sua totalidade (cf. 1 Tim 6:20) e que todos os aspectos da profissão de fé sejam devidamente enfatizados”.

A Conferência Episcopal Alemã decidiu não responder à carta do bispo Gadecki. O seu gabinete de imprensa alegou que não reagem publicamente a cartas abertas, mas que apesar disso procuram contacto pessoal com o arcebispo Gadecki., mesmo que este tenha escolhido a via de comunicação social.

O Bispo Ipolt de Görlitz reagiu positivamente à carta, ao dizer que a carta da Igreja na Polónia é uma voz da Igreja universal. O vigário geral da diocese de Essen critica a carta do Bispo Gadecki pelo seu “anti-modernismo raso e muito clerical” dizendo que “soa como se fosse de um passado católico distante, e é precisamente isto que choca e mostra até que ponto em algumas partes da Igreja universal o legado de João Paulo II continua a determinar o clima de pensamento e acção – e recusa uma percepção honesta da realidade”.

As posições do Caminho Sinodal alemão e as do episcopado da Polónia resumem os problemas e as discrepâncias com que se depara a Igreja hoje! Não será fácil uma resposta comum ao problema, dado a Igreja universal ser composta por muitas culturas e mentalidades, encontrando-se, todas elas, a caminho, mas socialmente com diferentes velocidades e possíveis desvios.

Das diferentes posições em discussão (cf. “Caminho Sinodal na Alemanha:  https://antonio-justo.eu/?p=7078 ) exige-se mais espírito de discernimento para podermos distinguir os “Sinais dos Tempos” e o “Espírito do Tempo”!

A caminhada ainda oferece oportunidade de discussão e de união até ao seu remate em outubro de 2023 em Roma.  Em termos de igreja global, só um seguimento de Jesus Cristo e uma orientação articulada no Papa poderão proporcionar um caminhar sereno sem precipitações, mas também sem emperramentos.

Em termos de globalismo, a carta da Polónia poderia servir de alerta para se repensar a nossa caminhada num mundo que corre o perigo de seguir uma mundivisão mais adequada ao espírito anglo-saxónico (demasiadamente orientado por um utilitarismo e racionalismo individualista e consumista) e como tal demasiadamente unilateral. O mundo anglo-saxónico que actualmente quer dirigir o mundo e os destinos da humanidade e que incorpora demasiadamente a masculinidade, precisa de voltar a descobrir a sua alma feminina tão bem expressa no idealismo romântico alemão. A carta pouco conseguirá na Alemanha atendendo a uma certa característica alemã que se expressa já no protestantismo do cismo do século XVI e que desde então se tem distanciado do espírito romano (católico)!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) O Caminho Sinodal Alemão: https://antonio-justo.eu/?p=7078

(2) (cf. G. Consolmagno, “Covid, fede e fallibilità della scienza”, La Civiltà Cattolica 4118, pp. 105-119)”

(3) (J. A. Reisman, E. W. Eichel, Kinsey, Sexo e Fraude: The Indoctrination of a People, Huntington House Publication, Lafayette 1990; J. Colapinto, As Nature Made Him. The Boy Who Was Raised as a Girl, Harper Perennial, New York-London-Toronto-Sydney 2006).

(4) (Evangelii gaudium, 79).

(5) Sacerdotalis celibatus, 49.

(6) João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis, 4

(7) Francisco, Conferência de Imprensa durante o voo de regresso do Rio de Janeiro para Roma, 28.07.2013.

(8 ) cf. Rom 1,24-27; 1 Cor 6,9-10. (Congregação para a Doutrina da Fé, Responum a um dúbio sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo.

(9) Paulo VI, in: J. Guitton, Diálogos com Paulo VI, Poznań 1969, p. 296.

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

11 comentários em “AS CINCO TENTAÇÕES DO “CAMINHO SINODAL” ALEMÃO”

  1. O percurso sinodal será a nossa caminhada de fé que marcam a nossa identidade enquanto cristãos de verdade… mas atentos aos sinais dos tempos…
    Teremos de ter coragem para reconstruir um mundo fraterno… justo… cuidador… generoso…e… atento…

  2. Olá, António Justo!
    Recebo e procuro ler, sempre que posso, os seus artigos.
    Não me lembro se alguma vez entrei em diálogo consigo sobre os temas que trata, e sobre os quais nem sempre partilho a opinião.
    Desta vez, não me contenho.
    Acompanho desde o começo o caminho sinodal da Igreja nestas terras da Alemanha.
    Outra coisa não era de esperar: trabalhei como assistente pastoral nesta Igreja (diocese de Mainz) ao longo de quase 40 anos.
    Por isso, não posso deixar de manifestar o meu profundo desacordo com esta linguagem de “tentações do caminho sinodal”. Os medos e distanciamentos da Igreja católica da Poónia em relação ao Concílio Vaticano II e a todas as iniciativas que procuram levar o concílio em frente são conhecidos. A maioria dos bispos são ainda da “fornada” João Paulo II, um homem que vivia atormentado pelo medo do modernismo, como nos tempos de Pio X. JP II meteu a Igreja católica num beco sem saída (cito um cardeal alemão que foi meu bispo) e vai levar muitos anos a tirá-la de lá. O Evangelho obriga-nos a viver o “hoje” de Deus, como bem mostrou Jesus em Nazaré (ver Lucas 4), e a não conservar o “ontem” das tradições, que, a seu tempo, foram um “hoje” mas hoje são “passado”.

    Há que falar sim das “preocupações” do caminho sinodal e das suas dificuldades em encontrar respostas. Falar de tentações tem uma conotação tão negativa que parece ser de quem não quer compreender que a Igreja católica no seu conjunto tem encontrar respostas convincentes e garantes de futuro. No tempo de João Paulo II e de Bento XVI procurou salvar-se a imagem exterior, escondendo os problemas graves de todo o género que o “sistema” foi agravando. Os problemas da Igreja (das quais o abuso do poder em forma de abuso sexual é o mais grave, de gritar aos céus, mas há muitos outros – por ex. a celericalização do poder na Igreja – ) são para resolver com coragem e raduicalmente. “Radicalmente”, etimologicamente, indo até às raízes, ao Evangelho. Raízes bem mais profundas que a contra-reforma (sec XVII e seguintes) ou o bloqueio contra o chamado “modernismo” (dos finais do sec, XIX até João XXIII).

    O António leu os documentos que estão a ser produzidos pelos grupos de trabalho do “Caminho Sinaodal”? Vale a pena ler e, ao ler, há-de perder o seu “entusiasmo” implícito com as respostas do medo e das costas voltadas ao mundo de Deus como é a carta do bispo polaco. Há-de ver como se trablha e se reflecte com muita seriedade, abertura e profundidade nesta Igreja, eventualmente racionalista, mas aberta, que é a Igreja na Alemanha.

    Veja, se quiser saber a minha posição, os meus artigos em http://setemargens.com

    Abraço
    JNunes

  3. Boa noite, JNunes.
    Obrigado pela sua tomada de posição.
    Se tivesse seguido o que escrevi sobre o Caminho sinodal alemão que pode ver também aqui https://www.facebook.com/acrdofunchal/community/?ref=page_internal
    certamente teria notado que não me sinto vocacionado a defender ideologias sejam elas de esquerda ou e direita. Envio os meus escritos também para bispos e sinto-me na obrigação de apresentar as ondas em voga, até porque tenho a impressão que em Portugal a discussão em certos meios religiosos não é tão transparente como na Alemanha. A mim importa-me informar de uma parte e da outra parte para que cada um possa ver não só um aspecto e tire as conclusões que melhor entender. Que as pessoas se manifestem de acordo ou em desacordo é bom sinal, porque nesse ponto é que pode assentar o desenvolvimento!
    Li alguns documentos e gostei deles embora note falhas nalguns tal como noto na carta do bispo da polónia, mas esse não era o assunto em questão.
    Importante é que uns e outros trabalhem para a vinha do senhor e cada qual à sua maneira!
    Forte abraço

  4. Quando reinava o fascismo , estes senhores quando alguém falava denunciávamo-nos á pide
    Em 1970 um clérigo católico romano na freg. de Guardizela, Guimarães Portugal “ disse que estivesse caladinho caso contrário tratava-me da saúde
    FB

  5. António Cunha Duarte Justo isto foi com a minha pessoa, não por ouvir outros.
    Não me defenda essa corja que diz falar em nome de DEUS o deus deles nada tem haver com o verdadeiro IHVH ok.
    Que IHWH esteja consigo.

  6. António Cunha Duarte Justo será que a inquisição era cristã?
    As mãos deles estão manchadas de sangue.

  7. São sim quem faz o mal deve pagar pelo mesmo.
    Mas quem faz o bem que IHVH se lembre deles no dia da prestação de contas.
    Sejam homens ou instituições. Sejam pesadas na balança do DEUS infalível.

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