A INSTABILIDADE DA CLASSE POLÍTICA CHEGOU À ALEMANHA
António Justo
Desenham-se novos cenários políticos para a Europa. Os tradicionais partidos populares ou “partidos do povo” (1), que faziam parte do arco do poder, encontram-se em decadência por já não poderem contar com a fidelização popular.
A Alemanha construiu, num equilíbrio federal de centralização e descentralização (regionalismo), um Estado social forte com alto padrão de vida, e do qual depende em grande parte o desenvolvimento da Europa; numa tal situação os objetivos, que o partido SPD originariamente tinha para o operariado, encontram-se em vias de realização ou com falta de aferimento social; hoje existem desafios que ultrapassaram o SPD porque não esteve atento à mudança da realidade social e do grupo alvo. Um motivo do mau resultado nas eleições estará na desunião dos dirigentes do SPD e dos adeptos rebeldes que pensam o bem-estar criado pelos tradicionais partidos de governo como natural, e ao mesmo tempo expressam exigências de uma juventude europeia que não se sente, devidamente, tomada a sério nos seus temas prediletos (2).
Uma sociedade, cada vez mais diferenciada e determinada por critérios de eficiência imediata, exige das elites e das centrais de pensamento maior atenção aos sinais dos tempos para a consequente celeridade na adaptação à mudança. O povo está educado para ser adepto e seguir estrelas, o que implica, nos partidos, grande capacidade de reagir às tendências em curso, e, para isso, pôr na linha da frente representantes jovens e carismáticos (em Portugal Sócrates fez o que fez, em grande parte devido ao seu charme narcisista, aquilo que hoje se consome muito!). Por outro lado, o Zeitgeist da sociedade já não considera como prioritário o tema da justiça social: as preocupações são primeiramente clima, imigração, digitalização…; os partidos que tematizarem convictamente estes assuntos têm maiores probabilidades de ganhar eleições.
Numa sociedade cada vez mais descontextuada, em que a velocidade é determinante, desenraíza as pessoas a mudar-se, e a sentir-se até em fuga, sem saber para onde; e o problema é que, nesta fase histórica de transformações rápidas, a quem não muda acontece-lhe como à figura bíblica de Edite (mulher de Loth) que ao olhar para trás é convertida em estátua de sal.
O carrossel dos povos, puxado pela globalização, atingiu tal velocidade que as populações tripulantes perderam a visão do que se passa ao lado e ao longe, sendo condicionadas a agarrarem-se ao cesto que as transporta e deste modo a reagir de modo mais emotivo que racional. O imediato torna-se o óbvio e o factual destrona o pensamento. A reacção substitui a acção passando a chamada inteligência emocional a ter a soberania sobre o entendimento intelectual; o eleitorado reage criando novas situações de governos, um facto fruto da desconfiança num partido ou num sistema que tem ignorado muitos problemas essenciais e esse dado factual mostra que o partido já não serve e, para se tornar necessário, terá de se mudar radicalmente mas isto não é reconhecido pelos lideres devido ao próprio envolvimento no que fazem e que os torna míopes para uma realidade que se encontra sempre em processamento.
O recrutamento de membros do pessoal júnior para altos cargos de responsabilidade num partido já não poderá ser orientado por perfis de fidelidade e mérito numa carreira longa dentro do partido; isso impede a resposta adequada ao Zeitgeist com pessoas carismáticas e fomenta o abuso de carreiristas de longa duração que criam subserviências prejudiciais ao desenvolvimento do partido e da sociedade política (Veja-se o anacronismo do que acontece com o PSD e a maneira ainda antiga de um PS no seu jogo das escondidas com a sociedade).
Hoje juventude é trunfo e as pessoas desgastam-se rapidamente, o que exigirá novas estratégias na política do pessoal representativo dos partidos.
A líder do SPD (Andrea Nahles), devido às críticas na sequência do mau resultado do partido (15,8% nas eleições europeias), e segundo o princípio do bode expiatório, declarou a sua demissão da presidência do partido e da Fracção. Talvez se tenha empenhado demais pelos interesses da Alemanha e menos pelos do partido! (Em Portugal dá-se o contrário porque os governantes fazem mais política partidária militante, coisa que o povo não nota e são, consequentemente, premiados pelos votantes; o facto de em Portugal o sistema da geringonça ter aparentemente resultado, dever-se-á ao pouco peso da economia produtiva portuguesa para o andamento da europa!). Na hora dos rebeldes é castigado um partido como o SPD que tem gastado demasiado tempo de discussão consigo próprio e não esteve atento ao desenvolvimento social (3); como diz o politólogo Prof. Dr. Jürgen Falter o SPD esqueceu que “o trabalhador clássico se tornou numa ocupação minoritária, no passado eram mais de 50% e hoje nem sequer 25% são”. Hoje, o sector dos salários baixos está a ser ocupado por muitos migrantes, que, frequentemente, não têm direito a voto.
Os partidos precisam de união e de novos conteúdos para poderem convencer o público. A chefe do SPD no governo de coligação (CDU/CSU e SPD, ao demitir-se das suas funções, (4) confessou: “o apoio necessário para o desempenho das minhas funções já não existe” (especialmente o dos deputados da sua Fracção no Bundestag!) e terminou a declaração de resignação com um recado aos membros do partido: “Espero sinceramente que consigam reforçar a confiança e o respeito mútuo e assim encontrar pessoas que possam apoiar com toda a vossa força”. O problema do SPD é também, de momento, não ter pessoas carismáticas.
Como se verifica no SPD a política é um negócio cruel que apenas conhece companheiros, mas não amigos e o espaço entre os partidos cada vez é menor.
É verdade que a grande coligação alemã (GroKo) irá sofrer alguns sobressaltos, mas manter-se-á porque nenhum dos tradicionais partidos de governo quer praticar haraquíri.
Atendendo à vertigem do desenvolvimento tecnológico e social, vão deixando de existir os partidos tradicionais em que as pessoas se ligavam de pais para filhos já no lar materno e em que escolhiam a filiação partidária como família alargada; hoje é mais visível a dinâmica dos interesses e estes mudam continuamente. Às ideologias dos sistemas ou de uma classe dominante, sucede-se uma sociedade de boys, estrelas e ONGs que reagem prontamente ao desenvolvimento do mercado e por isso não deixam lugar para descanso em posições cómodas nem em pensamentos adquiridos. O dinheiro é rei como podemos ver bem documentado também nas pessoas mais socialistas.
As novas tecnologias, com a digitalização do mundo laboral mudarão mais radicalmente a situação de trabalhadores, empregados e funcionários e com ela aumenta a exigência de transformações a nível de pessoal e de conteúdos nos partidos que pretendam interferir no futuro. Em política tudo é possível e os interesses e as circunstâncias é que determinam o agir (5).
Apostar num partido como algo imutável ou no Zeitgeist (pensamento politicamente correcto do regime do momento) implica pôr em risco o próprio desenvolvimento! Naturalmente o pertencer a um partido ou outro, além do mais, pode trazer vantagens pessoais que constituirão argumento para não pôr em risco um futuro ou uma vida beneficiada!
Em Portugal, na classe política, ainda domina o pensamento antigo tornando-se propriamente impossível mudar a situação de fundo porque Portugal, mais que uma democracia de cidadania vinculada ao povo, é uma República em que os corporativistas se apossaram do Estado, com a agravante de se desvincularem do povo! As pessoas agarram-se a pessoas bem-intencionadas, mas não notam que estas pouco podem fazer, devido a um sistema que, por natureza, as impede porque não está virado para o cidadão. O PS tem gozado ainda do carisma de alguns de seus lideres e também do facto de a sua ala social-democrata emparelhada com a ala ideológica de caracter marxista conseguirem o apoio nas urnas, muito embora 70% da população eleitoral não tivesse votado nas eleições europeias, de que o PS saiu maioritário. A crise dos partidos também está a chegar a Portugal em situação enviesada. (Com o tempo, apesar da constituição favorecer a esquerda, teremos um PS dividido à imagem do PSD e à imagem do que acontece hoje ao centro-direita: os egoísmos individuais são cada vez mais fortes.). Uma das consequências de uma sociedade cada vez mais diferenciada cria a necessidade de novas expressões de poder. O desenvolvimento social e a política atual trazem como consequência a dissolução das fronteiras entre os partidos. O factor osmose que outrora era lento torna-se hoje mais rápido porque a sociedade também, é mais rápida.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=5477
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(1) Partidos do Povo em decaída: no dizer de politólogo Jürgen Falter, deixou de haver uma base eleitoral fixa de pelo menos 20, mais provavelmente 30%. Para o politólogo “um partido do povo tem um público bastante equilibrado socialmente e é um partido que maximiza os votos, visando todas as camadas da população”. No início do SPD o partido compreendia-se como partido dos operários. Desde há meio século, o SPD considera-se como o partido dos empregados e um partido de pessoas menos favorecidas e da justiça social (HNA).
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(2) Não será de descurar o facto de o partido os Verdes (que conseguiu quase duplicar os votos em relação às eleições europeias de 2014, para 20,5% (https://www.bundeswahlleiter.de/europawahlen/2019/ergebnisse/bund-99.html ) beneficiarem dos votantes que viraram as costas ao SPD que só conseguiu 15,8% e à CDU (22,6%). Isto, aliado à boleia do Zeitgeist, está a tornar os Verde num “partido do povo” (O princípio orientador da política verde é a sustentabilidade ecológica, económica e social).
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(3) Outrora o SPD tinha mais de um milhão de membros com forte representação da juventude (350.000 Jusos) e hoje os Jusos têm 70.000 membros num SPD com 440.000 membros (2): Desenvolvimento dos número de membros: https://de.statista.com/statistik/daten/studie/1214/umfrage/mitgliederentwicklung-der-spd-seit-1978/
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(4) A líder do SPD (Andrea Nahles), demitiu-se das suas funções de presidente do partido e de chefe da Fracção no Bundestag devido às críticas, na sequência do mau resultado do partido (15,8% nas eleições europeias). Segundo a DPA Andrea Nahles não sai economicamente de mãos a abanar. Caso ela se demita também do Bundestag receberia da administração do Bundestag o vencimento de 9.780€ durante 14 meses (a partir de Julho o vencimento dos deputados é de 10.083€ mensais).Como esteve 18 anos no Bundestag e 4 anos como ministra federal, Nahles tem direito a uma pensão de velhice por cada ano do Bundestag de 2,5% do vencimento mensal dos actuais deputados, o que corresponderia a 4.537€ mensais. Segundo o Steuerzallerbund, também tem direito ao pagamento de uma pensão de reforma do período ministerial, o que corresponde aproximadamente ao montante da pensão de deputada. Segundo as minhas contas aproximadas, Andrea Nahles teria direito a 108.000 € anualmente.Os deputados que se encontram na fonte não se servem mal!
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(5) Sou do tempo em que na Alemanha se considerava o partido comunista um perigo para o Estado e os Verdes eram difamados pelo politicamente correcto da altura (coisa que então eu não podia compreender!) e tudo mudou: hoje os Verdes são os candidatos a substituir o SPD no governo. Tudo muda!