O Homem é o Templo de Deus e a Comunidade o Lugar da Sua Presença
António Justo
Por todo o lado, na Europa, se respira um ambiente de desconsolo e de desilusão perante as diversas instituições. Este sentimento é fortalecido pelo narcisismo muito característico do nosso tempo. Esta mistura de desilusão, medo e narcisismo leva muitas pessoas a desvincularem-se de estruturas imprescindíveis para a vida orgânica social e individual.
No universo tudo se estrutura, tudo se organiza no sentido do mais simples para o mais complicado, no sentido do caos para a ordem. No reino vegetal, como no animal, tudo se ordena e desenvolve com forças centrípetas e centrífugas, rotativas e de translação numa complementaridade de forças, sistemas e organismos. Em tudo se descobre uma matriz comum à matéria e ao espírito, ao cosmo e ao indivíduo. Por trás da ordem há um chamamento que tudo impele num sentido aberto.
Indivíduo e comunidade fazem parte do todo, como a célula e o órgão fazem parte do corpo. Deus está onde jorra a vida, a vida em floração. A fé e a esperança é como que a resposta ao chamamento, o fundamento da comunidade. A fé liga a Deus que é comunidade e liberta-nos dos cadeados e amarras e crustas do dia-a-dia. É a chave de entrada para os outros. A vida experimenta-se em comunidade! Quem se encontra infeliz terá de procurar uma comunidade.
Os países, as organizações nacionais e internacionais procuram, de maneira orgânica responder ao chamamento! A Igreja Católica (Cristianismo) e o povo judeu são os símbolos mais visíveis e mais conseguidos de resposta ao chamamento.
A Igreja, tal como cada um de nós, é, ao mesmo tempo, santa e prostituta. Encontra-se a caminho de Deus. Caminho é um momento de si mesma.
Pedro, num momento de iluminação reconheceu em Jesus (na Realidade) o que os outros ainda não tinham reconhecido: a divindade, o Cristo. Envolvido, exclama: “Tu és o Messias, o filho de Deus”. O que tu confessas está em ti, diz Jesus. Jesus revela a quem atinge esse conhecimento: “Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificará a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» (Mt. 16, 18).
Pedro, a Igreja, cada um de nós, trazem em si as trevas, pelo que, noutra ocasião Jesus disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!».
Por aqui se diz que a realidade humana e natural traz em si a lei da contradição. A nossa missão é integrar os opostos. Por isso Pedro será não só sinal de perenidade mas também um “estorvo”. A pessoa, como a instituição, integra o aparentemente oposto, o divino e o natural, a virtude e o pecado, o tempo e a eternidade. Quem se fixa num só polo revela-se irreal e fantasioso. Passa a branquear o negro da sua face na negrura que procura fora, ou procura fora o que não vê dentro! Afirma em si e na realidade só uma estacão da vida sem reconhecer as outras.
O povo como o rebanho ganha expressão no seu chefe. A natureza também atingiu o seu auge no Homem. A comunidade traz-nos os outros e abre-nos para eles. Não nos definimos apenas pela individualidade mas por esta com as suas circunstâncias. Tudo é complementar.
A Igreja memoriza e simboliza a presença espiritual na natureza e na humanidade. É uma rocha feita de muitas pedras pequenas. O rochedo é Jesus Cristo.
No Rochedo temos muitas pedras formadas de areias. Não é tão importante a diferença entre pessoas e grupos. O que conta é o amor que as une no seguimento dum chamamento comum, cuja meta é a realização da natureza humano-divina, Jesus Cristo.
O Papado, aspecto exterior, deve ser respeitado tal como se respeita uma nação. No princípio éramos hordas, depois tribos, depois nação e civilização. O corpo místico de Cristo suporta diferentes estádios e diferentes consciências.
Se os cristãos se combatem uns aos outros é porque não perceberam as Bem-aventuranças e não se deram conta da natureza de Cristo em cada um presente. Estão chamados a amar não só os cristãos mas também o próximo.
É alegre ver, no mundo, tantas igrejas cristãs ao lado do Catolicismo. Mal a hora em que se descreditem umas às outras. Estarão a merecer a frase de Jesus: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!». Não compreendemos então a realidade da diferença e da união!
Essa realidade manifesta-se na cruz, por vezes ensombrada com a acentuação do sofrimento. Naturalmente, imagens são condicionadas socialmente. A meta é a vida e não o sofrimento.
O crucificado resume uma história de sucesso. A cruz é uma imagem da vida e da realidade. Nela abraçamos a humanidade e o universo. Nela se reúne e soluciona a contradição, o vivido e o não vivido em nós. Na cruz reúne-se a crença e a descrença, Deus e a sua ausência, como sintetiza o teólogo Anselm Grün ao constatar: “A cruz diz que tu és abraçado em todas as tuas contradições”.
Aceitar a cruz connosco, a cruz com a Igreja e a cruz com o outro num processo de renovação é parte do caminho a fazer. Então perceberemos que Igreja é Reino de Deus. A experiência de Deus em nós e na comunidade realiza-se na matriz da cruz e da Trindade, fórmulas da vida e duma natureza que é o Templo de Deus!
Passamos a viver onde Deus vive, em nós e no próximo, em nós e na natureza! Temos a vivência no mistério. “A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a fonte de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa emoção é um desconhecido, que não pode mais fazer uma pausa para admirar e ficar extasiados em temor, é tão bom quanto mortos: seus olhos estão fechados.” – Albert Einstein
A Igreja representa a sociedade a caminho. Sem Igreja não há esperança. Igreja é a fé que nos une! Sem Igreja não haveria memória nem transmissão.
António da Cunha Duarte Justo
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