A confissão como ferramenta de individualidade
Categoria: Religião
ENTRE TEMPO E ETERNIDADE
Eu… cavo.
Sempre a cavar…
Uma cova,
que um dia me há receber,
não de terra, mas feita de palavras.
Daquelas que disse…e das outras,
que… nunca ousei dizer.
Ah, quantas manhãs perdidas!
Nas vielas estreitas
do meu próprio pensamento,
enquanto a vida,
esse rio sem pressa,
me chamava, chamava… em vão.
Pára! Escuta! Olha!
O mundo não cabe
nos teus planos desenhados a lápis.
Vês ali a amendoeira floresce.
E ouves o silêncio
entre dois gritos de pavão?
Isso… também eras tu,
e deixaste-o morrer
sem sequer lhe tocares.
Deus não construiu o mundo
com regras de gramática
Ele escreveu com luz,
não com cinzel em pedra.
Ele é puro verbo,
sem objecto, nem parêntesis.
E do seu sonho nasceram,
o arco-íris, a espiga,
este anseio meu e teu
que não cabe em regra nenhuma.
Contempla as escrituras,
mas não te enterres em ideias!
Não te expulses, tu mesmo, do Éden!
Solta as asas que manténs cativas…
Pois a alma vive do assombro
de ser vento, fogo,
e semente despenteada
ao sol do impossível.
António CD Justo
Pegadas do Tempo
https://poesiajusto.blogspot.com/
GENE DIVINO A FAULHA DO HUMANO
O homem cria o próprio engano
forra-o de ideias, palavras-mortas
e nelas enterra a alma,
antes que a mente descubra a luz.
Quero erguer-me sem muros na mente,
com verbo e sentimento à solta,
para que o sonho, semente ardente,
rompa o chão e a vida brote.
Deus sonha ainda em mim,
além do que a razão alcança,
na poesia do arco-íris,
na seiva que a terra lança.
Não creio em Deus
Deus crê em mim!
Não se apague o fogo vivo
que ergue o humano ao infinito!
António CD Justo
Pegadas do Tempo
SOB TEUS PÉS DESENHA-SE O MISTÉRIO
Não há trilho traçado,
sou eu que sou o trilho,
na vereda daquele que disse:
“Sou o caminho e a vida.”
Sou criatura, sou figura
do cosmos e da gente,
o verbo que se move
num tempo sem guarida.
Não pares, segue firme,
o chão espera o teu passo.
O mundo nasce em ti
quando caminhas nele.
Debaixo dos teus pés
desenha-se o mistério:
o chão que parecia
vazio, agora és tu.
Olha o monte nevado,
sem rasto nem direção,
à espera do teu vestígio,
da tua história impregnada.
A neve, que antes era intacta,
agora já tem memória.
És tu quem lhe dá rumo,
és tu quem faz a história.
No fim, não há coroa,
mas um cântico manso,
um Deo gratias bendito
sussurrado no cansaço.
Pois foste conduzido
por força sem medida,
por mão que não se vê
a chamar-te à subida.
António CD Justo
Pegadas do Tempo
O PERFECIONISMO CRIADOR DE ANGÚSTIA E INSATISFAÇÃO
Um Exame de Consciência para Elites-Governantes e Povo
A sociedade ocidental, doente do progresso, trocou a alma pela máquina, a virtude pelo algoritmo, e a transcendência pelo like. O resultado à vista é uma epidemia de vazios e cada vez mais doenças na sociedade ocidental de maneira a poder-se falar de um sistema que adoece o corpo e a mente dos cidadãos.
A Morte da Perfeição Virtuosa e o Nascimento do Perfeccionismo Funcional
A tradição clássica e cristã entendia a perfeição como uma harmonia entre corpo e alma, uma busca ética que elevava o indivíduo e a comunidade. O ser humano era visto como um microcosmo, a ponte entre o finito e o infinito, não como peça substituível num sistema mecanicista e tecnocrático.
Hoje, o perfeccionismo não é virtude, é exigência de funcionalidade. O psicólogo Thomas Curran revela que as tendências perfeccionistas aumentaram 60% desde 1990, não por aspiração interior, mas por pressão social. A sociedade não quer seres humanos completos, quer operários optimizados.
Abandonamos os sábios para fabricar técnicos. Renunciamos à felicidade em troca do gozo, o breve prazer do atrito entre engrenagens.
A Doença da Alma numa Sociedade Superficial
A Alemanha, símbolo da eficiência europeia, enfrenta uma crise de saúde mental: os custos com terapia psicológica disparam, enquanto outros tratamentos médicos são negligenciados. O Ocidente trata sintomas, não causas, porque não ousa questionar o estilo de vida que os produz.
Factos brutais: 1 em cada 4 europeus sofre de perturbações mentais (OMS) e a depressão será a principal causa de incapacidade até 2030.
Os jovens são os mais afetados: 40% da Geração Z relata ansiedade crónica como constata a American Psychological Association.
A espiritualidade e a religião, outrora pilares da resiliência psicológica, são ridicularizadas como “ópio do povo”. Mas o que oferecemos em troca? Redes sociais que vendem conexão falsa, likes que substituem amor próprio, e uma economia que consome almas.
A Ditadura do Ego Auto-Optimizado
O neoliberalismo e o socialismo materialista uniram-se para esvaziar o transcendente. Como resultado surgiu uma cultura do egoísmo consagrado: tínhamos antes a devoção a valores superiores (Deus, virtude, comunidade); temos agora a auto-obsessão de cada um se torna na melhor versão de si mesmo, ao serviço do sistema.
Mas o eu sozinho torna-se numa prisão. O ser humano não é uma mónada autossuficiente; ele precisa de raízes, sentido, e algo maior que si. Sem isso, a ansiedade e a depressão são inevitáveis e mais ainda quando o próprio Estado perde e desmotiva sentido de missão.
A felicidade vem de dentro, mas vendem-na apregoando que está nos bens, nos likes, no sucesso vazio. O gozo é passageiro; a angústia, crónica. Trata-se de procurar gozo e felicidade sem que uma exclua a outra.
A Elite que nos desumaniza
O saber e o poder concentram-se nas mãos de poucos: bancos, tecnocratas, gigantes digitais. Esta elite não quer cidadãos, quer consumidores obedientes.
A religião era um freio ético ao poder. Agora o poder encontra-se sem quem o controle e o mercado é quem mais ordena e dita a moral. A alta finança encontra-se em luta contra a baixa finança e contra as empresas locais que sistematicamente destroem. As cúpulas ideológicas e económicas querem ditar sozinhas a vontade das pessoas e o futuro dos povos. Disto não se fala porque são os factores que se encontram por trás dos diferentes regimes como a história nos tem ensinado!
Temos assim uma sociedade sem misericórdia, onde quem falha é descartado. Os fracos não são ajudados porque são ineficientes.
Reencantar a Vida: Um Apelo à Revolução Interior
Se queremos sobreviver como civilização, precisamos de: rejeitar o perfeccionismo tóxico (que exige perfeição, mas nega a profundidade); de restaurar o diálogo entre corpo e alma (a ciência sem espiritualidade é mutilada e mutila sem dor pelas populações); de desafiar a tirania do mercado sobre a consciência pois o humano não é um recurso.
A Europa está em falência cultural porque trocaram Deus pelo PIB, a alma por algoritmos, e a comunidade por solidão digital. Se não reagirmos, seremos escravos de um sistema que nos odeia.
Temos a alternativa: ou reencontramos o sagrado na vida, ou afundamo-nos na angústia de um mundo sem sentido.
Por amor também às próximas gerações temos que nos tornar críticos ao ouvir o clamor mudo dos povos, na consciência que a verdade dói, mas liberta. A alternativa é continuarmos doentes, sozinhos, e cada vez mais vazios.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo