GOVERNO APELA À EMIGRAÇÃO DE PROFESSORES PORTUGUESES

Emigrantes usados como programa de ajuda ao desenvolvimento do país

António Justo 

 

António Costa, nas celebrações do dia de Camões, incitou os professores portugueses desempregados a emigrar. Repete assim em Paris o convite que Passos Coelho tinha feito em 2011 aos professores sem emprego. Deste modo tenta evacuar também os professores obrigados a sair do Ensino Privado.

Em nome da difusão da língua,  faz-se passar como nobre um apelo que não passa de um testemunho de incompetência do Estado português que tradicionalmente não consegue dar resposta às necessidades dos seus cidadãos dentro do próprio país.

Torna-se ainda mais doloroso para a alma portuguesa ver que são convidadas a sair pessoas que, em Portugal,  tanto investiram na formação e que contribuiriam para a elevação social portuguesa.

O mesmo Estado que não investe no fomento e rejuvenescimento da demografia nacional tem a falsidade de justificar a saída de portugueses jovens com o argumento do défice demográfico português (falta de crianças). Por outro lado devem os nossos jovens ir rejuvenescer e enriquecer outros países que para isso recorrem da imigração, preferencialmente, de pessoas formadas. Os países ricos compensam o défice demográfico com o fomento de imigração qualificada e países da periferia como Portugal envia os seus formados e sujeita-se a receber imigrantes que tem de formar! Quando estará Portugal disposto a acordar?

Outrora tudo se levantou em coro contra a atitude reprovável do antigo primeiro-ministro. Hoje que o primeiro-ministro pertence ao outro quadrante político e faz o mesmo apelo já a imprensa portuguesa se mantem moderada e até ousada ao querer considerar não oportunas as opiniões críticas independentes. A diferença: António Costa tem razão pelo facto de ser do outro quadrante político.

O cinismo é de tal modo exuberado que querem passar a impressão de fomentarem assim o ensino de Português no estrangeiro, quando a política desde 1989 tem sido no sentido contrário. Já nos anos 80 eu lutava para que as associações portuguesas no estrangeiro fossem incrementadas através do Estado no sentido de estas criarem cursos de português em regiões não centrais criando assim a possibilidade de emprego para professores e outros implementadores de negócios e cultura nas associações, mas tudo isto era visto como abstruso.

Conversa, muita conversa é o que o Estado tem oferecido aos emigrantes e a muitos dos seus representantes que se contentam e alegram  com o calor da proximidade de políticos nos encontros com eles.

Agora, a política parece esfregar as mãos por cada português que sai: é mais um a enviar remessas para a administração portuguesa poder gastar e é menos uma pessoa crítica em Portugal a protestar.

Deste modo as nossas elites continuam a adiar refinadamente Portugal, abusando dos emigrantes como programa de ajuda ao desenvolvimento do país enquanto o Estado continua sem emenda transformado em rampa de lançamento para os boys que o povo tem de alimentar.

O grande problema a resolver é o de uma visão meramente ideológica que parte de um Estado considerado intrinsecamente bom e de interesses corporativos fundamentados em tal ideário.

Enquanto o nosso estado se considerar como naturalmente bom e os interesses corporativos aninhados em torno dele continuarem a ter uma consciência de iluminados, Portugal continuará dividido e a marcar passo.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=3671

 

Outro texto relativo ao tema:

Antigamente a escravidão, hoje a emigração

https://antonio-justo.eu/?p=1541

 

A PROPÓSITO DA VERDADE E DAS VERDADES NA IRREALIDADE DA POLIS

A Verdade é paciente não ataca nem difama

Por António Justo

A verdade ou é revelada ou é vivida, o resto é crença nalguma forma ou numa perspectiva de vida que, para cada qual, pode ser a sua. Seria auto-engano acreditar num poder todo-poderoso da razão, por muito nobre e prático que ele possa ser.

Todo o saber, seja ele político ou científico é apenas uma forma de discurso. A doutrina é limitada ao intelecto e a Verdade não se deixa reduzir a ele nem à experiência que se tenha dela. Consequentemente a atitude intelectual e prática mais adequada que possamos ter em relação à verdade será de humildade e de respeito e em relação às verdades e opiniões dos outros a melhor postura será de tolerância.

 O intelecto e a experiência são os instrumentos de acesso à verdade/realidade não podendo o instrumento nunca ser identificado com ela. A existência humana tem os seus quês e precisa de crenças e mitos tal como a planta precisa da luz, do calor e da atmosfera que lhe possibilita a sua forma de vida.

A planta não se questiona sobre a existência do Sol, porque o que ela precisa é de luz e de calor; pretender que ela reconheça para lá da luz e do calor também o Sol ultrapassaria as suas necessidades naturais primárias! Deus está para lá da experiência objectiva e ultrapassa a experiência que se possa ter dele, contudo aquilo que nos torna Homem é a referência (relação com) a Ele. Negá-lo seria meter-se num beco sem saída. De facto o beco também tem a sua serventia e quem quiser ir mais além volta para trás, talvez mais enriquecido com a experiência dele.

 Na polis a verdade encontra-se encarcerada na ciência, no partido, na opinião, na lógica, nas promessas e até na devoção. Acontece à verdade o mesmo que sucede à ideia livre ao ser metida na linguagem. A verdade absoluta sem ser categórica só pode ser Deus, aquele “lugar vivo” onde cada ser pode ser ele sem se justificar e assentar os pés para poder caminhar ao sol da vida, e saborear também a sombra da Verdade na opinião. Nesse lugar não precisa de se subordinar sequer a grupos de influência que ditam leis para outros cumprir.

Que seria da diversidade dos biótopos e das plantas se não houvesse para cada qual o seu raio de verdade! Que seria da cultura e da individuação se não houvesse a verdade do procurar a forma numa maneira própria de estar a caminho de Ser.

Verdade? Tenho a impressão que a Verdade é como o Sol: à medida que nos aproximamos dela mais queimamos as asas do nosso ego; se nos for dado, então sentiremos a dor do abismo entre as alturas do intelecto e a profundeza do coração. No descampado da polis tudo luta por ela, mas antes de chegarmos lá, a cada um a sua, desde que não a use como cacete! Verdadeiro é certamente o caminho no desejo dela! Sim, porque verdade é a liberdade a voar nas alturas do céu mas agradecida e consciente de que o que lhe possibilita a satisfação da vivência das alturas vem da profundidade do coração.

No contexto político, também a veracidade é dinâmica e como tal improvável porque depende do que se torna confiável e o fiável depende também da capacidade de ver, estar e ser; mesmo em relação ao dado factual surge o problema da interpretação que leva ao engano. Cada lógia (cada maneira de olhar) é apenas uma perspectiva necessária mas limitada da verdade/realidade, uma passada na grande caminhada sob os holofotes da Razão e do Coração.

Também penso que a questão está nos olhos e do olhar é que depende, em grande parte, a perspectiva e, dado a verdade (resumida em Deus) ser a-perspectiva, seria questionável querer mandar alguém para o oculista por causa dela! Sim, até porque há pessoas mais inclinadas a ver na perspectiva dos factos e outros na perspectiva do miradouro em que se albergam para observar a paisagem. A partir daí, cada qual se torna num pintor a elaborar a realidade na sua tela, ou um escritor a fazer a sua composição na intenção de a acrescentar ao grande painel da Realidade…

Muitos de nós encontramo-nos, por vezes, perdidos na própria imagem ou absorvidos na composição de imagens sem atendermos às linhas de fuga que dariam maior perspectiva ao panorama da nossa pintura na tela da vida. Os nossos olhos e intenções interferem e delimitam a paisagem e a verdade, não notando por vezes que ao dar-lhes forma as plastificam, confundindo o detalhe com elas, identificando a forma com o conteúdo que não cabe nela.

Se uns têm um olhar mais curvilíneo (emocional subjectivo), outros têm-no mais rectilíneo (racional objectivante) e aí surge o busílis de querer reduzir a realidade à própria linha (não contando ainda com o problema das cores!). Por um lado temos o problema dos instrumentos (razão e experiência) utilizados para definirmos a realidade na finitude e por outro temos o problema de pretendermos com uma visão finita querer identifica-la com o infinito. Querer possuir a verdade é como querer resolver o problema da quadratura do círculo, é como querer meter a transcendência (o círculo) na forma (quadrado) apenas com o instrumento da razão. (1)

A Verdade é inteira mas para ser apreendida pela condição humana, tem de ser repartida em partes (o infinito dividido em partes finitas é transformado em finito através da razão que depois abstrai da parte para o infinito). O escalpelo da razão como instrumento de explicação da realidade/verdade tem um pequeno senão ao arrogar-se poder resolver o problema da quadratura do círculo querendo identificar o quadrado com o círculo, o que é ilegítimo. Querer resolver assim o problema da quadratura do círculo é como recorrer à decomposição de um ser vivo em partes e depois concluir que a soma das partes é o tal ser vivo, não notando que o acto de apresentar a soma das partes, deixa de fora a vida.

Na impossibilidade de possuirmos a Verdade seria lógico juntarmo-nos todos com esquinas e arestas num círculo abraço para darmos mais espaço à forma onde caberá mais verdade.

A perspectiva polar exclusivista do verdadeiro e do falso, da direita e da esquerda, do espírito e da matéria reduz a realidade complexa, a um ponto de vista bidimensional, fazendo dele um caminho para andar mas que peca por não contemplar a verdade da vida. Não notamos ainda que andamos todos a tentar fazer da vida uma linha direita alérgica à vida porque a natureza é toda ela curvilínea

Seria pena querer-se reduzir a realidade multidimensional a uma superfície material bidimensional, ou a uma só perspectiva na linha vertical (mais identitária), na linha horizontal (mais social), ou na linha diagonal (menos monótona). Cada um tem o seu plano de imagem com mais ou menos perspectiva com mais ou menos profundidade… O decisivo é saber-se na convergência e na consciência de que a verdade não se tem, só se vive e experimenta, mas cientes também de que sem contraste não há profundidade. O apelo de Deus, o apelo da Verdade, é tentar descobrir sempre novas maneiras de enxergar o mundo e deste modo contribuir para a sua contínua criação, para a realidade que se encobre no mistério da sua poesia! A verdade é como o amor (2) embora manifesta em cada um ela é inteira.

Para mim a Verdade é Jesus Cristo porque nele se realiza e resume de forma inclusiva a matéria e o espírito. “No princípio era a palavra, a in-formação”, constatava já o evangelista João. “E o Verbo tornou-se carne” sem se deixar reduzir à incarnação!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

Meditações Irreverentes  in Pegadas do Espírito https://antonio-justo.eu/?p=3667

  • (1) A razão por mais que se esforce nunca poderá meter o infinito no finito, nem o todo na parte (o que demonstra que até a geometria não sobrevive sem o princípio infinito (Deus). Na minha opinião a teologia conseguiu a resolução desse problema através da fórmula trinitária; para tal não chega a razão, necessita-se também da espiritualidade e do coração; esta possibilita a integração da parte no todo e do todo na parte – serve-se porém do mistério de JC.
  • (2) “O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” 1 Coríntios 13:4-7.

DIREITOS DE IMIGRANTES DA UE REDUZIDOS PELO TRIBUNAL EUROPEU + CETA

Abono de Família encurtado ou eliminado na Sequência das Exigências britânicas

Por António Justo

No conflito entre a legislação social britânica e a Comissão Europeia, o Supremo Tribunal Europeu de Justiça deu razão à Grã-Bretanha. Estrangeiros da UE que não vivem ou não vivam sempre na Grã-Bretanha não tinham direito, segundo a legislação britânica, ao abono de família britânico, embora a Comissão Europeia em Bruxelas fosse de opinião contrária.

O Processo com o número de arquivo C-308/14 relativo ao abono de família para estrangeiros da União Europeia veio criar clareza através da decisão do tribunal que dá razão à Grã-Bretanha.

A decisão, ao dar razão à Grã-Bretanha, vem fortalecer a posição dos Estados membros em relação à política da Comissão Europeia. Esta medida do tribunal é vento contrário nos moinhos dos britânicos defensores da saída da Grã-Bretanha da EU (Brexit). Este vento não será porém suficiente para a manter na EU.

Os juízes fundamentaram a decisão com o argumento de que as directivas relevantes da UE não criam um regime comum de segurança social europeia, permitem diferentes regulações nacionais e um governo não deve perder de vista o seu próprio orçamento. Deste modo, mesmo que o pai de uma criança viva na Grã-Bretanha e o filho na Roménia, este só passará a receber o abono de família correspondente ao da Roménia e não ao da Inglaterra. Mobilidade livre na Europa não significa direito de acesso a todos os apoios do Estado.

Países como a Alemanha, que pagavam imensas quantias de abono de família a crianças a viver na Roménia e em outros países da União Europeia, esfregam as mãos de contentes com tal medida do tribunal. Também se torna muito diferente se a quantia do abono de família pode ser feita em referência ao país de residência ou ao país de origem. Assim uma criança que até aqui era abonada em 180€ na Alemanha independentemente do local de residência, logo que a legislação alemã seja aferida à decisão do tribunal europeu, passará, a receber apenas 10 € de abono num país que só abone a criança com essa quantia. A prática anterior que se revelava numa medida de ajuda ao desenvolvimento e uma medida compensatória para países da periferia com a correcção do tribunal favorece o espirito nacional em relação ao europeu

Com esta medida Bruxelas vem de encontro aos países mais ricos que se viam prejudicados ao terem de tratar os seus imigrantes e familiares independentemente da sua residência.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=3661

 

CETA  – AVISO DE BERLIM A BRUXELAS

O Governo alemão acaba de avisar Bruxelas que o acordo comercial CETA com o Canadá não poderá ser aplicado na Alemanha sem a aprovação do Parlamento alemão e do Conselho Federal.

Este é um aviso às instituições da EU e aos lóbis de Bruxelas de que a democracia também tem uma palavra a dizer num negócio que não deveria ser feito à margem dos parlamentos de países europeus em que os governantes respeitam o parlamento e o cidadão. O Governo alemão vê-se obrigado a intervir porque o povo tem feito muita pressão.

António Justo

 

 

 

 

A CRISE CULTURAL EUROPEIA E A NOVA AGENDA DOS PARTIDOS DE ESQUERDA

 

Numa Europa à Procura de si mesma?

Por António Justo

Ponto de partida

Vivemos numa Europa que não sabe o que a Europa quer! A sociedade europeia parece ter chegado aos seus limites. De facto, a sua abertura é tanta que já não se sabe onde é dentro e onde é fora. Toda a sociedade que não se preocupa com a sua definição, com a sua identidade, perde a razão do seu existir. Uma sociedade não se pode definir apenas pelas suas demarcações territoriais, ela precisa também de um tecto cultural espiritual, no caso, precisa de se reencontrar no cristianismo. A moral baseada nos dez mandamentos foi substituída pelo moralismo do pensamento politicamente correcto, da falsa tolerância, do “não deves…” e de um insidioso desenraizamento que se agarra à rotina de uma desgraçada filosofia niilista que reduz o ideário do cidadão à mera satisfação das suas necessidades primárias.

A consequência natural da ausência de um tecto metafísico torna-se visível nas crises de identidade individual, de identidade nacional e de identidade civilizacional. Isto leva socialmente à formação de uma economia dominada por um capitalismo predatório e de uma cultura submetida a um socialismo predatório. No vácuo cultural formam-se bolhas islâmicas e mundivisões mecanicistas que conduzem à arrogância, à insatisfação e à frustração de pessoas humanistas adultas, mais conscientes e sensíveis.

A Insatisfação social e a Situação partidária

Grande parte do povo europeu tem a sensação de que não é senhor na própria casa e tem a impressão de ter uma classe dominante composta de lobos vestidos de cordeiros. Assim, o povo, cada vez mais se afasta da classe política estabelecida e reinante. Em todas as nações alastra o descontentamento social e a desilusão observando-se, na sequência disso um amplo movimento social para o centro- direita e um radicalismo nos extremos.

Os ventos neoliberais que assediam a social-democracia europeia desestabilizam o centro social-democrático de esquerda e de direita, o que leva os partidos andarem agora à procura de noivas nos partidos radicais.

Os grandes partidos do consenso perdem as penas, correndo perigo de se tornarem ultrapassados; por outro lado os partidos das bordas têm-se encontrado demasiado centrados em si mesmos, e, como rastejo acompanhante, assiste-se a protuberâncias sociais no activismo político da extrema-esquerda e da extrema-direita. (A sociedade portuguesa é pacífica e moderada; politicamente é de inclinação republicana esquerda não possuindo extrema-direita).

Reacção apressada à situação

Atendendo à insatisfação generalizada do povo europeu os partidos que antes giravam em torno do centro esquerda reagem querendo perfilar-se com posições ainda mais radicais à esquerda como forma de responderem à acentuação do crescente nacionalismo provocado pelo vácuo cultural criado principalmente por ideologias prepotentes que fizeram das leis as rédeas do povo; essa elite reage agora assustada quando este parece querer beneficiador os partidos do centro direita e favorecer as bordas da sociedade, o que implica maior fragmentação política e social.

Tanto a esquerda radical (comunista) como a esquerda socialista, em vez de agirem reagem, chegando apressadamente à conclusão de que o povo precisa de assédio e de mais estímulo emocional. Para isso as famílias partidárias da esquerda europeia pretendem seguir uma agenda ainda mais virada para um “populismo de esquerda, empático e iluminado”. A agenda de radicalização foi anunciada na Alemanha pelo partido Die Linke (A Esquerda), seguindo-se-lhe o moderado SPD alemão (desgastado pela governação) e por último o Congresso do PS em Portugal. O PS já se encontra demasiado à esquerda (se tivermos em conta o SPD). A experiência do governo de Aléxis Tsípras na Grécia e de António Costa em Portugal parecem encorajar a esquerda a tornar-se mais radical.

Armam-se em escudo protector de uma classe que também exploram e para melhor se perfilarem usam uma posição ambígua em relação aos governos e de alas dentro do próprio partido. Numa época em que as questões sociais não se resolvem só a nível nacional nem partidário, a esquerda parece abdicar da responsabilidade ao acentuar uma estratégia baseada no ressentimento e na inveja e na luta entre os de cima e os de baixo; por outro lado um capitalismo liberal desenfreado dá-lhes razão.

Perante o Zeitgeist (espírito da época) europeu, que de momento expressa a necessidade de corrigir um movimento político progressista a perder cada vez mais as referências da cultura europeia, a esquerda europeia, em vez de reflectir sobre erros e exageros na imposição da sua ideologia, quer reagir mais agressivamente nos debates da sociedade, para assim poder ganhar para si a razão da emoção.

Portugal derrapa à esquerda enquanto a Europa se corrige reorganizando-se um pouco mais à direita. O povo português teria muito a dizer à EU mas a sua elite, enquanto não se descobrir como povo, será levada a viver da ideologia importada, impingindo ao povo gato por lebre, quando no país há tanta lebre!

Como Portugal não tem nenhum partido de extrema-direita, a nova estratégia da esquerda significará para Portugal uma escorregadela ainda mais à esquerda; em relação aos países do centro nórdico europeu, a sociedade portuguesa continua a nível ideológico político um passo à esquerda da Europa.

Quem manda pode e quem pode manda; só manda vir quem não pode ou quem não está consciente de que também pode poder organizando-se!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

O PRECEITO DO PRECONCEITO NA DISCRIMINAÇÃO DO GÉNERO GRAMATICAL E DO SEXO

Da “Linguagem sexista” ao Domínio da Consciência social através da Novilíngua

Por António Justo

Cada época, cada grupo, cada pessoa, quer possuir uma identidade própria e para tal constituir a sua narrativa como se só ela fosse a norma; para tal tenta afirmar os próprios vestígios na discrição ou na forma de interpretar e apresentar os mesmos fenómenos da vida humana que se repetem ao longo da sociedade e da História. É uma tendência natural confirmada na natureza ao observarmos cada planta a afirmar-se na procura do seu sol. O mesmo se observa na selva da polis, onde cada grupo pretende colocar o outro debaixo da sua sombra. Se outrora se vivia mais ao sol de Deus-Pátria-Família, hoje procura viver-se ao soalheiro de Dinheiro-Mercado-Ego sexual. Num tempo em que a justiça social e a democracia política e económica já ultrapassaram o seu zénite, a luta das reivindicações passa a ser no campo da gramática.

No Brasil a presidente Dilma para granjear algumas almas com asas da cor do seu género, determinou ser chamada, senhora “presidenta”! Às vezes parece que o erro vale como trunfo, não fosse o português brasileiro!

Neste sentido, a 13 de Abril, mas de forma mais moderada, o Bloco de Esquerda (BE) recomendou ao Governo a mudança do nome do documento de identidade “Cartão do Cidadão” para “Cartão da Cidadania”. Para o BE, a expressão Cartão do cidadão pertence à “linguagem sexista” (1).

Para os lutadores do género, a palavra “Cidadão” no cartão de identidade, torna-se desconfortável, porque favorece um sexo ao apontar para o apêndice terminal masculino da palavra, o que fere a sensibilidade de certas almas habituadas a ver tudo sob o ângulo do sexo, o que as predestina a terem de andar à espreita dele também na morfologia gramatical. Então, porque não voltar à designação “Bilhete de Identidade” por ser de dimensão mais aberta e de forma mais ambígua, dado a terminação da palavra em “e” não ser de provocação tão “sexista” como as terminações em “a” ou em “o” (2)?

Frustrados do Homem e da economia aproveitam-se da sociedade para criarem um novo indivíduo e, com ele, uma “novilíngua”; já que o povo não se muda, tenta mudar-se-lhe a gramática! Vai-se tendo a impressão de não nos quererem cidadãos, apenas nos quererem imaginar indivíduos abúlicos, portadores da sua cidadania. Sabem como é que se faz História e que para tal é necessário mostrar a consciência disso. Por outro lado, que seria dos culpados se não houvesse os inocentes?

A prova de que o que está em jogo para o BE, não é o preconceito nem a discriminação mas sim a conversa em torno deles, vem do facto de não advertirem também para o caso de, no Cartão do Cidadão, se encontrarem registados outros dados ainda mais propícios ao preconceito e à discriminação; entre outros: a idade, o sexo, a medida, a assinatura, a fotografia, o nome; de facto, todos eles potenciam a discriminação e o preconceito.

.

Registos a evitar para obstar à discriminação/preconceito

Abula-se a data de nascimento no cartão: a idade é um dos grandes factores de preconceitos e de discriminação; até o comércio e a indústria já se servem da idade para fazerem a sua propaganda adequada ao grupo etário, o que se torna numa afronta ao direito à protecção de dados.

Abula-se o uso da fotografia: através da foto pode-se deduzir qualidades temperamentais e tendências da pessoa para quem sabe um pouco de fisionomia. Através da análise do rosto pode-se chegar ao conhecimento de características psicológicas e seus traços de génio. Até a pele, mais ou menos bronzeada, também pode ser indicativo de pessoa mais ou menos sexy, o que também pode fomentar prejuízo ou discriminação.

Abula-se a assinatura: a escrita à mão também sofre da mesma peçonha porque quem tiver conhecimentos de grafologia pode usá-la como método de interpretação temperamental e de diagnóstico psíquico, podendo descobrir, através da assinatura, indicadores de personalidade. O manuscrito torna-se assim num factor de discriminação e preconceito.

Abula-se o nome: pelo nome pode chegar-se à etnia, religião e, por vezes, até à classe social.

Abula-se a indicação da nacionalidade: é factor de discriminação e de preconceito atendendo à escala do prestígio e de diferentes direitos dos Estados. Além disso os polipátricos ficam na indefinição entre o jus soli e o jus sanguinis.

Abula-se o registo do número do contribuinte: permite o controlo do cidadão e o registo dos três números (n° de identidade, do contribuinte e da saúde) facilitaria um governo espia.

Não falo já de fomentadores especiais de preconceito e discriminação que se escondem atrás do porte e do trajo, devido às consequências que poderiam levar ao estabelecimento do nudismo. Também a indicação de pertença religiosa ou partidária se torna, cada vez mais, num alimento do preconceito a que se pode seguir discriminação positiva ou negativa.

Uma consequência lógica passível de compromisso para o registo civil: substituição de todo o nome por números; seria a medida mais lógica contra o preconceito e a discriminação e o mesmo pacote legislativo teria a vantagem de unificar também o sexo. Depois poder-se-ia passar ao nome de ruas e de monumentos! Mãos à obra, trabalho não falta para os iconoclastas de uma sociedade egoísta e narcisista que só reconhece a própria imagem como ícone. Se continuamos a acção radical do neo-marxismo, a solução será irradiar a pessoa para acabarmos com as máscaras e todos os vestígios culturais.

Neste sentido, seria mais adequado apressar-se a abolição da linguagem e do pensamento; então encontrar-nos-íamos no paraíso terreal sem discriminações percebíveis entre todos os animais; sim, até porque na realidade não há conceito sem preconceito e aqui é que está o busílis de toda a questão! (3)

Conclusão

Fora de brincadeiras, o que aqui está em via é uma estratégia para reinterpretar o mundo e impor um discurso e uma lógica a um povo de cérebro bem lavado e como tal impróprio para vírus e bactérias; como o neo-marxismo já não tem mão sobre a economia procura tomar conta da arena pública assenhorar-se da linguagem do povo e, com ela, da sua consciência. Partem do princípio de que quem tem o poder da interpretação é senhor!

 

Tornou-se moderno ter à mão o sexo para chamar as pessoas ao regaço da ponderação moderna. Quem tiver mão nele tem mão em toda a sociedade. Assim, para quem quer poder, não há nada mais recomendável do que tornar-se senhor do sexo, servindo-se também da sexualização do género gramatical. Trata-se aqui de usar, para o público em geral, o outro pendente da sua doutrinação sexual nas escolas, nas tais aulas de “inocência” sexual para crianças ainda verdes que devem aprender a não ter preferências e assim formarem uma sociedade despersonalizada e sem preferências que esteja preparada para só preferir o que os que dominam a ribalta pública lhes apresentarem.

 

A sabedoria portuguesa costuma recomendar: „nem tanto ao mar nem tanto à terra” e a sabedoria europeia ensina: A virtude está no meio e não se encontra nos extremos! Apesar disso não se pode ser radical contra os extremos porque eles é que aguentam o meio! É certo que no uso da linguagem deveria haver mais equidade e ponderação; para levar isto avante, o melhor meio seria a arte e a cultura em geral mais que as terapias de choque dos políticos.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=3655

  • (1) Agradeço ao BE a oportunidade que me dá para reflectir um pouco sobre um aspecto da problemática do Gender (género) tão cara ao BE e deste espalhar um pouco de nevoeiro com a minha nortada.
  • (2) A lógica do género sofre de antropocentrismo em questões do trato do género gramatical não tendo em conta, animais, plantas e coisas!… Não perscrutam a injustiça no caso dos sobrecomuns, só com um género gramatical: a pessoa, a criança, a vítima, a criatura, a esquerda… Em tempos de esquisitices também não tratam bem os nomes “comuns de dois” : o/a jovem, o/a artista, o/a presidente, o/a fã, o/a turista, o/a imigrante.

Também os há, os nomes epicenos, com um só género gramatical, e sem diferenciação de sexos: será de obstar ao mal da cobra e do jacaré que englobam na mesma palavra o macho e a fémea; na cobra (macho ou cobra fémea) é discriminado o macho e no jacaré é discriminada a fémea.

Mais uma questão, para os advogados do género resolverem: Nota-se grande falta de lógica do género no emprego do masculino para a palavra tinteiro e o uso do feminino para a palavra caneta, já que, do ponto de vista da “linguagem sexista”, o pormenor está na tinta!…

Na mesma ordem de ideias será de preparar uma moção para o próximo congresso do BE: A mudança do nome “Bloco de Esquerda” para “Bloco do Esquerdo e da Esquerda” para que no partido o sexo feminino não bloqueie o sexo masculino.

O uso do pleonasmo “queridos portugueses (os) e queridas portuguesas” vai ganhando terreno usando-se mais em deferências de cortesias pessoais mas que não fazem parte do uso gramatical.

  • (3) Abula-se o prejuízo da discriminação baseada no preconceito da anti-discriminação!