IMPORTAÇÃO DE CARROS USADOS

Provedor da Justiça gratuito em caso de conflito com autoridades

António Justo

Já em 2016 o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)” condenara Portugal, relativamente à matéria de importação de carros do Espaço Europeu. Este ano  a EU advertiu novamente Portugal para que cumpra a lei europeia.

A sobrecarga, que o Estado Português impõe a emigrantes ou a quem importa carros usados da EU, revela-se como uma exploração do próprio povo e maltrata os direitos dos portugueses no espaço económico europeu!

Pode ler sobre isto no Expesso de 27.11.2019 (link em nota 1)

Muitos portugueses não reagem e o Estado vai adiando a solução do problema. A imprensa portuguesa também só tematiza o assunto superficialmente.

Pessoas lesadas deveriam colocar a questão no Provedor de Justiça Europeia; a queixa é gratuita (2); por exemplo, no Google em Provedor de Justiça Europeia (3).

O recurso ao provedor da justiça seja ele o europeu ou o português é premiado pelo interesse da autoridade em esclarecer o assunto e na intervenção que faz.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

O ABUSO DA EMOÇÃO ESTÁ A DESTRUIR A NOSSA CULTURA OCIDENTAL

«Viva a Emoção. Abaixo a Razão»

Li um texto do Prof. Dr. António Bento que é muito oportuno e esclarecedor de muita baixeza moral que se passa na comunicação social. Ele explica o porquê do abuso sistemático da emotividade usada por “profissionais” da opinião.
São usados títulos de notícias ou fotos emocionais com a intenção de levar as pessoas a chafurdar só nos sentimentos e de maneira a excluírem a própria razão.
A mensagem apelativa é dirigida apenas à parte instintiva ou emotiva da pessoa.
Todos os domínios da sociedade e da pessoa são intencionalmente abordados e apresentados de maneira a produzir reacções emocionais que se reduzem a duas tomadas de posição: agrado ou desagrado. O mecanismo é tão eficiente que muitas pessoas até ficam com a impressão que têm opinião fundamentada!
António Bento diz: “Na verdade, qualquer um dos variados âmbitos da actividade humana tende hoje a ser abordado a partir de uma perspectiva fundamentalmente ou exclusivamente emocional. Um slogan simplificador capaz de dar conta desta nova situação moral crítica em que nos encontramos poderia ser o seguinte: «Viva a Emoção. Abaixo a Razão». O seu pressuposto obscurantista é mais ou menos o seguinte: “Se as próprias neurociências nos permitiram recentemente descobrir que as emoções comandam tanto a vida privada como a vida pública, e se a razão é efectivamente escrava das paixões, então abandonemo-nos inteiramente às emoções e entreguemo-nos a todo o tipo de experiências garantidas pelo grande mercado político das emoções. Active-se, em cada indivíduo, a sua fibra mais passional. Abandone-se o raciocínio. Vá-se directamente ao coração. Emocionarmo-nos é bom. Raciocinarmos é mau”.
Uma sociedade em que se menospreze a razão passa a ser decadente porque produz um desequilíbrio entre inteligência emocional e inteligência racional em desfavor desta prevalecendo uma emocionalidade orientadora do agir que  proporciona uma moral de costumes doentia.
António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

A ALEMANHA PREPARA-SE PARA A ERA PÓS-ÂNGELA MERKEL

A Mudança político-social na Alemanha expressa a Mudança em Via na Europa

António Justo

As eleições do Estado federado Turíngia, na continuação de outras eleições federais, colocaram em xeque-mate não só os partidos da Coligação como também as tradicionais forças políticas do arco do poder na Alemanha. Pelo que se observa, a liberdade favorece as margens partidárias e abandona o centro.

O partido Esquerda ganhou as eleições na Turíngia (antiga Alemanha Oriental) com 31,0 % (29 assentos num parlamento de 90 deputados), AfD 23,4 % (22 assentos, duplicando o seu resultado de 2014); a CDU 21,8% (21 assentos, menos 11,7 %), SPD 8,2%, (oito assentos), os Verdes 5,2 % (cinco assentos); o FDP 5,0% ( cinco assentos, cinco votos fizeram com que o partido entrasse no Parlamento; restantes partidos 5,4% . A maioria absoluta é de 46 lugares.

Do meio da sociedade alemã surge um clamor que faz lembrar um toque a finados anunciador da era pós-Merkel e do poder político europeu classicamente disputado e repartido entre os partidos populares do centro da esquerda e da direita.

Chanceler Merkel conseguiu com a coligação CDU/CSU-SPD fortalecer a força económica da Alemanha. Mas, com a sua teimosia em matéria de política de refugiados (política das portas abertas à imigração muçulmana e do norte de África) e de política energética (pôr termo agendado às centrais nucleares e às centrais do carvão) embora conseguisse também o aplauso dos Verdes e da esquerda em geral, desestabilizou a sociedade centrista alemã e em parte a política europeia (A política dos refugiados desestabiliza toda a Europa e as relações entre os membros da EU (O Brexit também tem explicações neste contexto; a difamação da Polónia que conseguiu integrar um milhão de ucranianos também).

A Grande Coligação do Governo de Merkel criou prosperidade, mas em vez de reagir às exigências da maioria do povo que representava limitou-se a criticar o surgir de um AfD que provem do seu eleitorado. Não chega a demonização da AfD, a força de uns é a fraqueza dos outros. Importante seria a discussão política de quem tem as melhores ideias.

Enquanto os partidos do poder se concentram em torno do monotema clima, e a AfD se ocupa do monotema imigração muçulmana, a sociedade reagirá. As medidas para redução do CO2 fazem-se sentir na carteira de cada um e a criminalidade sobretudo de estrangeiros parece tornar-se normal na sociedade. Não admira que o AfD surja como novo “partido do povo”, em oposição ao estabelecimento.

A nova força, a estabelecer-se como novo centro parece querer dar resposta a exigências de revisão de políticas, as mesmas que estão na base da eleição de Trump nos EUA. O AfD movimentou muito dos cidadãos não eleitores pela razão do buraco existente criado pela Grande coligação governamental (Groko) que segue uma política tida por muitos como demasiado verde e vermelha.

O AfD perfilou-se como verdadeira oposição, apontando também para problemas por resolver e que são o controlo das fronteiras, a imigração em massa, Estado de direito condescendente com Erdogan, segurança interna, islão, autonomia monetária, identidade nacional e a Expropriação da classe média pela taxa de juro zero na zona Euro.

Embora na Turíngia tenham ganhado os polos (Esquerda e AfD), resumindo, pode-se dizer que venceu a democracia; o cidadão encontra-se mais politizado começando a haver mais mistura de cores. O povo sente-se submerso, não representado, e quer ver a coisa pública nas próprias mãos; é o começo de autoconfiança. Não é fácil governar uma sociedade do bem-estar e igualitária, dado também ela concorrer para a divisão de pessoas e grupos.

A esquerda de Bado Ramelow poderia constituir governo com a CDU, mas esta tem medo que lhe aconteça como tem acontecido ao SPD em plena derrocada. Por isso se levantam na CDU as vozes conservadoras que não aceitam fazer coligação com uma esquerda socialista que não se distancie do ideário dos pais do socialismo. No futuro, também estes antagonismos políticos deixarão de constituir impedimento de coligações governamentais; é apenas uma questão de tempo.

A discussão em vez de se dar em tabus e ataques dogmáticos gerais deveria passar a uma discussão de quem tem as melhores ideias, com debates racionais e com espaço para compromissos. O povo bem diz : “o compromisso é a cola da democracia”. Se os partidos do arco do poder pretenderem manter-se nele terão de investir mais no cidadão, pois a sociedade civil será a chave para o futuro. Censurar como o fazem aqueles que lucram com o poder estabelecido, e como aqueles que se expressam como se fossem os senhores da democracia e da verdade não ajuda ao desenvolvimento. Estamos em tempos de mudança; aqueles que ainda não notaram isso já perderam.

Se a CDU e o SPD quiserem voltar aos gloriosos tempos do passado terão de ouvir o povo que nesta época anseia por fronteiras não tão escancaradas.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

DOCUMENTAÇÃO SOBRE O ÓDIO AOS JUDEUS ABAFADA

Da Documentação filmada “Escolhido e marginalizado” – União antissemita alarmante entre extrema esquerda e extrema direita

António Justo

A palavra de ordem “Judeus para o gás” que partiu de uma manifestação pro-palestinense em Berlim em 2014 parece constituir método e lema antissemítico cultivado em comunidades muçulmanas e em ambientes extremistas da Alemanha. Judeus que tragam a gorra judaica na cabeça são frequentemente vítimas de discriminação especialmente por árabes.

O Centro de Pesquisa e Informação sobre Antissemitismo (Rias) apresentou um artigo sobre o antissemitismo em Berlim em 2017 segundo o qual houve 947 incidentes e, destes, 288 foram considerados crimes antissemitas (1).

O ódio aos judeus na Europa testemunhado no documentário “Povo escolhido e marginalizado” (“Auserwält und ausgegrenzt “) mostra uma perspectiva chocante do avanço do antissemitismo (2). A documentação filmada surpreende pela anuência antissemita implícita à extrema direita, à esquerda radical e a muitos dos palestinenses.

Em tempos de crise (3) o antissemitismo aumenta e exige mais bodes expiatórios a ser sacrificados.

Geralmente na opinião pública discutida, filmes contra Israel não são analisados sob o aspecto do anti judaísmo. Esta documentação, ao contrário, entre propaganda e jornalismo, procura alertar para o tradicional antissemitismo na Europa acrescido pelo antissemitismo árabe. A documentação embora trate do antissemitismo na Europa teve de dar espaço ao Próximo Oriente porque de lá se alimenta atualmente grande parte do anti judaísmo europeu. O filme pode contribuir para uma certa balance nas opiniões e para impedir a espiral do ódio em via contra os judeus. A dependência do petróleo e o peso dos muçulmanos nas perspectivas partidárias pesam muito na formação da opinião pública.

O filme pretende chamar a atenção para o anti-semitismo galopante na Europa e para o tornar compreensível aponta para o Médio Oriente que o fomenta. Um problema que é tabuizado na nossa sociedade porque não se encaixa no alvo das nossas noções…. Tem-se a impressão que os Estados para poderem continuar a subsidiar indiscriminadamente a causa dos palestinenses não estão interessados em que se mostrem os aspectos negativos deles.

Seria mais interessante mostrar as falhas das duas partes, mas como a documentação partiu da realidade de uma opinião pública de informação de tendência propalestinense e módica em publicar o terrorismo palestinense, os organizadores da documentação não se preocuparam em mostrar os aspectos de que geralmente a imprensa fala.

A redacção da ARD queria boicotar a emissão, mas Bild Zeitung publicou imagens da reportagem, forçando a ser publicada apesar da maioria da opinião pública alemã ser pró palestinense. A reportagem chama a atenção para o antissemitismo na Europa o que não se encaixa na nossa imaginação. Vitimamos os judeus e consideramos vítimas os que os atacam, assumindo assim o papel de traumatizados como que num desejo inconsciente que outros os vitimem para podermos sentir-nos entre iguais.

Naturalmente, o que acontece em Israel/palestina influencia a opinião pública e encontra eco na população muçulmana emigrada para a Europa, de modo a Europa cada vez se tornar mais em palco dos problemas do Médio Oriente. Em Berlim têm sido queimadas bandeiras de Israel em manifestações pró Palestinenses. Em reacção ao reconhecimento de Jerusalém como Capital de Israel por Donald Trump, também então manifestantes queimaram bandeiras de Israel. Querem com isto demonstrar a negação de Israel. É lamentável que a Europa se torne palco de situações como esta; não nos encontramos em Teerão onde a tolerância se limita à própria religião. É fatal quando demonstrantes não reconhecem o direito de existência a outros. Na Suécia também houve, na altura, um ataque a uma sinagoga.

O medo de errar na apresentação de um assunto onde há injustiças de um e do outro lado, não legitima a transmissão de uma injustiça e calar a outra.

Urge discutir factos e contextos de antissemitismo aberta e honestamente e sem adornos nem despeitos. Na Alemanha discutiu-se muito sobre a documentação apresentada e pouco sobre o tema do antissemitismo.  Por aqui se nota quão longe estão os judeus de poderem ter uma vida normal e tranquila entre nós.

O presente antissemitismo na Europa obriga muitos judeus a ir para Israel (4). Tanto israelitas como palestinos cometem erros, não podendo isso servir de desculpa para uns nem para outros.

A educação muçulmana, o conflito no Médio Oriente com a humilhação dos palestinenses, a negação do direito de existência aos judeus em Israel, o Corão e outros escritos do islão têm claras instruções antijudaicas que favorecem a antissemitismo. No Corão são vistos como “macacos e porcos”.

Em Israel, o único Estado democrático na região, também há judeus comunistas e anti sionistas.

A demonização dos judeus já é velha (vindo dos primórdios em que judeus e cristãos se debatiam pela existência e posteriormente o lado escuro da cristandade em relação aos judeus). O facto de hoje lhes ser negado o direito a ter um país, segundo a opinião de muitos muçulmanos, corresponde a uma posição de antissemitismo eliminador.

Também se usam medidas duplas em relação às falhas dos soldados judeus sem se falar do que fazem outros soldados em África, etc… Muitos israelitas sentem-se tratados como bichos-papões. Um outro preconceito é ver os judeus no estrangeiro como cúmplices da política Israelo-palestinense. Muitos outros escondem o seu antissemitismo na posição contra o capitalismo internacional. Depara-se com um antissemitismo imanente como se os judeus não tivessem direito a defender-se e tivessem de assumir o papel que tiveram no nazismo.

Em vez de se fomentar o encontro e a permuta fica-se pelo sentimento de impotência.

Os velhos ressentimentos da Europa em relação aos judeus serão difíceis de se extinguir, apesar da Europa e do mundo deverem tanto aos judeus.

Da educação para o ódio e do terrorismo do Hamas não se fala, não passa bem na opinião pública europeia que se quer preconceituosa em relação aos judeus. O discurso do ódio e da intolerância também é transmitido sub-repticiamente com imagens de crianças que choram em reportagens que não mostram que elas são vítimas das duas partes.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo,

 

DAS MULHERES NA SOCIEDADE E NA IGREJA E DOS USOS E COSTUMES QUE AS OPRIMEM

A Igreja tem uma Face feminina ainda escondida

Por António Justo

Nas sociedades islâmicas os valores culturais sobrepõem-se aos direitos humanos individuais e o homem tem um estatuto superior ao da mulher. Na sociedade ocidental embora haja igualdade de dignidade e de direitos, na prática social há discriminação; também no catolicismo não se aceitam mulheres no clero pelo facto de serem mulheres.

Na controvérsia sobre a integração das mulheres no clero, o Papa Francisco pretende dar um passo qualitativo no sentido de lhes possibilitar a sagração, mas sofre oposição por parte de ultraconservadores na igreja e é até difamado por grupos políticos que fazem campanhas contra ele por temerem a sua influência em vários campos sociais.

O obstáculo maior à inclusão das mulheres no clero tem sido o argumento da tradição. O mais importante, porém, a registar para atenuar um tradicionalismo exagerado vem da mensagem libertadora de Jesus e do facto de ter havido mulheres discípulas de Jesus, e suas provadas funções na igreja primitiva. Só com o tempo foram impedidas de ocuparem funções de direcção nas comunidades.

A matriz sociológica masculina antes implantada pelo nomadismo e depois pela situação bélica dos povos de outrora valorizavam o papel do homem de modo a conduzirem à marginalização sistemática das mulheres (à segregação da feminilidade). Seguindo o espírito da sociedade (Zeitgeist) também na Igreja a acção das mulheres, como discípulas de Jesus e como orientadoras de comunidades, foi deitada ao esquecimento para mais facilmente se poder justificar a violência do poder da masculinidade (economia, política e religião dão-se as mãos). Chega até a ser cultivada a desconstrução teológica da imagem de Madalena, a” apóstola dos apóstolos”, de maneira a ser interpretada e adaptada à ordem social e ao espírito de cada época segundo a norma masculina vigente.

Tanto a exclusão das mulheres do ministério sacerdotal como a determinação do celibato obrigatório para todos os padres, têm como pano de fundo interesses estratégicos do poder institucional masculino (também uma consequência lógica do Constantinismo, mas de não menosprezar o contraponto da “feliz culpa” que tem como consequência a globalização da cristandade!).

É cristãmente trágico constatar-se nesta religião libertadora, como nela, ao longo da História, a mulher e mulheres conscientes e fortes foram impedidas de afirmar a feminilidade em funções de poder na Igreja petrina. A Igreja também tem uma face exterior feminina, mas na controvérsia teológica esta tarda a ser reconhecida. Pelos vistos apesar da razão, o poder é o último a ceder!

Maria de Magdala (a Madalena com histórias populares virados para a lenda e para a sua desconstrução moral através do resumo nela de outras Marias seguidoras de Jesus) esteve presente em todos os momentos decisivos da vida de Jesus. O grupo das mulheres (discípulas) mostrou-se, no seguimento e anúncio de Jesus, mais arrojado que o dos homens.

No episódio das irmãs Marta e Maria ( (João 11:1-45 ) Jesus louva Maria por se querer instruir na missão de discípula e admoesta Marta por ainda se encontrar demasiadamente presa ao papel caseiro atribuído à mulher. Maria (Madalena), mulher consciente e forte, não se deixou limitar às funções caseiras para se preparar para o apostolado ativo, seguindo Jesus, com a mesma atitude dos homens. Jesus confirma Maria na sua vocação de apóstola dizendo: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Os tradicionalistas que defendiam o papel de Marta para a mulher na sociedade, conseguiram, contudo, que a tradição e a força do hábito dos costumes dominassem sobre a mensagem evangélica de libertação. O Édito de Constantino, ao reconhecer a oficialidade do cristianismo, fez o resto.

Também Hipólito de Roma (170-236) testemunha que Madalena era a “apóstola dos apóstolos” (João 20:17); dignidade esta que o Papa Francisco reconhece, na sua qualidade de discípula de Jesus, mas a que falta o reconhecimento na prática através da atribuição do inerente ministério sacerdotal também a mulheres (De facto seria pobre uma Igreja de homens que só manifestasse admiração e louvor pelas mulheres).

Grande é a multidão de mulheres relevantes na História da Igreja (1). O espírito do tempo tinha uma percepção androcêntrica da realidade que era vista na perspectiva dos homens e das suas atividades. É natural que a nossa percepção seja sempre autobiográfica e circunstancial pelo que, também os teólogos não escaparam à realidade ambiental que os circundava e mais não fizeram que interpretar os escritos e a realidade da igreja primitiva segundo a sua condicionada observação que levava a uma interpretação dos factos considerada real.

O exegeta Bernhard Heininger refere que (2)  “um quarto de todos os colaboradores de Paulo nomeados no Novo Testamento são mulheres”. Na sua opinião, a prescrição do silêncio na Primeira Carta aos Coríntios é uma interpolação pós-paulina e encontra-se em contradição com outras afirmações de Paulo. Uma teologia demasiadamente masculinizada apoiava-se em cartas pastorais de Paulo, que segundo exegetas não proviriam dele. É interessante a observação de que Paulo, na carta aos Coríntios, permitia o divórcio a mulheres no caso de os maridos não estarem de acordo com o empenho das mulheres na comunidade.

A apóstola Febe, que presidia à comunidade doméstica de Cencreia é referida por Paulo com o título de diácono.  Paulo trata-a como irmã e refere também que Áquila e Prisca eram muito activas na comunidade de Corinto e Roma. Paulo diz que conheceu o Messias através de Prisca. Também Lídia era a chefe de um grupo de mulheres (Atos dos Apóstolos, 16) e também Tabita propagava a fé no messias. No último capítulo da Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo pede para saudar o casal Andrónico e Júnias, que “estiveram comigo na prisão, são apóstolos respeitados que confessaram Cristo antes de mim”.

A respeito de Júnia, João Crisóstomo (344-407 d.C) escreveu: “Quão grande deve ter sido a sabedoria desta mulher que foi achada digna do título de Apóstola”.

Em Roma, o acesso aos aposentos das mulheres era proibido aos homens, por isso só as mulheres podiam ter sido anunciadoras do Evangelho. A ciência bíblica tem de investigar mais para colocar o papel das mulheres a uma nova luz no sentido de uma tradição mais esclarecedora e justa. Urge dar o exemplo para continuar na vanguarda da História.

Há filmes feitos por homens, na tradição da masculinidade, que reduzem Maria Madalena a uma companheira afectiva de Jesus ou a uma sedutora, para assim corroborarem as comuns imagens de mulher em função de uma sociedade de poder masculino adverso à feminilidade/espiritualidade. Também é de compreender que muitos teólogos ao longo da História seguissem os mesmos parâmetros de cariz masculina porque, envolvidos no Zeitgeist e nas estruturas de poder, certamente, não se encontravam suficientemente livres nem iluminados pela mensagem libertadora do evangelho; a luz do Zeitgeist era mais forte; assim interpretavam as atividades das discípulas de Jesus orientados pelo molde expresso pelos usos e costumes das respectivas épocas, que reduzia a imagem da mulher a uma missão subsidiária e a uma posição social de auxiliar. 

Custava a uma sociedade patriarcal compreender o facto de o testemunho da ressurreição ter sido feito por mulheres. Como poderia Deus ter confiado tal missão a Madalena (3) e não a Pedro? A inculturação da mensagem cristã é legítima, mas se se fica por aí emperra-se o andar da História e limita-se a mensagem evangélica ao crivo de tradições e correspondentes argumentos de caráter oportuno que provocam a discriminação da mulher através do limite de funções. A figura de Teresa de Ávila (1515) mostra-nos como uma mulher previa o desenvolvimento que hoje estamos a tentar concretizar (4).

Também no sec. XVI   (5) Maria Ward afirmava que a diferença entre mulher e homem não é tanta como é feita. O que vale “não é a verdade do homem (veritas hominum) ou a verdade das mulheres, mas sim a verdade do Senhor (veritas domini Jesus). Quando falhamos, vem da falta de verdade e não de sermos mulheres… Espero em Deus que vejamos que as mulheres farão muito no tempo que virá”(6). (Pelos vistos a voz de Deus tem sido dificultada em ser ouvida no sentido das mulheres!).

Muitos movimentos feministas não respondem à realidade da Mulher integral feita de feminilidade e masculinidade; fixam-se apenas nas questões funcionais e de sexo, talvez, na sua luta, não conscientes de que estão servindo o pensamento e o modelo patriarcal (parte da luta pode ser vista como resposta, mas não como solução). Não chega ter em mira apenas a igualdade de oportunidades de mulheres e homens, mas também os valores ou princípios que têm determinado o modelo de sociedade vigente ao orientar-se apenas pelo princípio/energia da masculinidade ignorando o princípio/energia feminilidade que tem de ser também constitutivo da realidade social e individual (independentemente do ser existencial homem ou mulher), se é que queremos uma sociedade mais pacífica e mais justa.

Em todas as sociedades e ideários dominantes no mundo ainda se nota um medo inibidor perante as mulheres devido, certamente, a um temor cultural transmitido e adquirido; este temor, aliado a uma certa fraqueza natural passou ao inconsciente social criando no homem a ideia imperceptivel de que se não conseguir “domesticar” a mulher, sentir-se-á inseguro e perdido; como resposta a esse medo o homem e com ele a sociedade – construída sobre as bases do princípio da masculinidade –  têm construído estratégias culturais de opressão  que, no fundo, têm como objetivo defender o homem da concorrência do outro homem ( este medo dela encontra-se especialmente expresso no islão que subjuga a mulher de maneira proporcional ao medo e ao instinto de domínio). Uma coisa é certa, apesar da agressividade da masculinidade hodierna (uma crise de machismo) delineia-se já no horizonte a descoberta do princípio da feminilidade como solução para o alvorar de uma nova sociedade. Delas, as mulheres, como expressão mais manifesta do princípio da feminilidade, terão um grande papel numa revolução do islão e numa renovação fundamental da sociedade ocidental, a começar pela Igreja. As mulheres que se encontram na cena política ainda não podem funcionar como exemplo integral porque se encontram empenhadas na continuação da sociedade de matriz baseada no princípio da masculinidade. Como se dedicam apenas em aplicar as modalidades ditadas melo modelo político vigente apenas preparam os caminhos para a continuação de uma concorrência mais equilibrada entre mulheres e homens; de resto, nesta situação o princípio da feminilidade ainda é mais menorizado porque em vez de se partir do aspecto orgânico e integral continua-se a servir apenas a funcionalidade (a parte exterior, não se passando da fenomenologia adiante)!

Já foi dito muito sobre a subjugação da mulher, mas ainda não é visto nem reconhecido por todos. O que mais me legitima a tratar do tema é a feminilidade que fala também em mim e o desejo de fomentar a concretização do reconhecimento da masculinidade e da feminilidade tal como se encontra realizada no protótipo Jesus Cristo a nível humano e cósmico.

Uma igreja universal inclui necessariamente nela o princípio da masculinidade e da feminilidade, sendo por isso uma igreja (petrina e joanina) dos homens e das mulheres, e, como tal, não poderá deixar-se levar pela acentuaç1bo, no seu agir por meros critérios de inculturação; de facto quer os diversos quer os mesmos dons, se encontrarem simultaneamente quer na expressão masculina quer feminina. O todo é mais que a parte. Precisamos de todos, de homens e mulheres de ortodoxias e de ortopraxias num mundo mais aberto e ainda a fazer-se.

No fim de ter escrito este artigo e ao relê-lo notei como sou também dominado pela matriz da masculinidade. De facto, notaram os eleitores a maneira como procurei convencer, convencer à maneira masculina nomeando autoridades como se não chegasse a fé, a razão e o entusiasmo por Jesus Cristo e a sua boa nova de libertação como argumento para se verem as coisas (isto é naturalmente ainda tolerável num período de transição da pura masculinidade para uma equilibrada sociedade em que quer o princípio da feminilidade e o da masculinidade se harmonizem!).

Ontem 15 de Agosto comemorou-se a Assunção de Nossa Senhora; certamente uma data e uma comemoração apontar para uma realidade importante. Mas quando começaremos nós a olhar também um pouco mais para a Terra? Porque não se passa, na Igreja, a criar a possibilidade de mulheres também fazerem parte do clero?

Por vezes chega-se a ter a impressão que tanto louvor a Nossa Senhora e a santas se pode tornar num perigo de um deslouvor (impedir honras e cargos) das mulheres na Terra, impedindo-as de ascender ao sacerdócio jerárquico. A feminilidade e a masculinidade não se reduzem ao sexo; as duas energias pertencem juntas! Seria oportuno olhar para o Céu sem esquecer a Terra; doutra maneira continuaremos a praticar a visão antiga do Olimpo lá em cima para alguns e o Sheol para os enlameados terráqueos.

Vai sendo tempo de se abandonar uma praxis baseada na ambivalência de papéis! Padres e pessoas com cargos de responsabilidade nas bases começarem a trabalhar pastoralmente mais em conjunto com freiras, mulheres exemplares num espírito colegial de repartição da missão de evangelizar sem medo de escandalizar pois só assim se consegue, numa comunhão sacerdotal participada no Espírito Santo, progredir no anúncio e prática do Evangelho que é promessa de bem para toda a humanidade. Talvez assim se fossem destruindo barreiras.

De facto, vivemos num mundo onde, se não fosse o erro, não se avançaria!  Por isso, numa nova mentalidade a criar-se não há culpas nem censuras a distribuir a este ou àquele. A missão é grande: temos mais que indicações suficientes para continuarmos a tradição de errar para podermos avançar; importante é criar espaço em cada um para que a mensagem e o chamamento possam ser ouvido. Cristo não nos pediu para andarmos por caminhos seguros, ele disse que era o caminho e, para o seguir, é necessário ter a coragem de se andar sobre as águas sem o medo de sucumbir!

É trágico, que a Igreja que deu tanto à humanidade e tem tanto para dar, perante tanto medo de errar, perca muitas vezes o comboio da História, ficando demasiado tempo nos apeadeiros de uma moralidade sexual descontextuada; no caso é fatídico para a mulher, no sentido do desenvolvimento da sociedade e da eclésia santa. Os factores “sexo” e “medo” foram sempre instrumentos privilegiados usados pelas potestades na intensão de manter os pretendidos súbditos de maneira sustentável.

Olhemos para as mensagens religiosas e para os mitos, eles já nos disseram tudo, o problema é que a sua mensagem ainda não chegou a todo o lado!

No sentido eclesial o poder não pode continuar a ser unilateralmente ligado ao homem e ainda por cima de forma sacralizada (Clero). Como mensagem evangélica e eclesial estamos à frente do mundo, não há nada que justifique andar atrás dele! Há que criar uma nova pedagogia e fomentar as capacidades da feminilidade/espiritualidade e o desenvolvimento da personalidade ainda antes da transmissão de saberes. Urge uma nova educação baseada nos princípios da feminilidade e da masculinidade e não uma focalização nas suas exterioridades no sexo masculino e sexo feminino.

Mulheres ligadas à Igreja, devem preparar-se e apostar mais no estudo da filosofia, da teologia e da administração institucional. As universidades católicas, instituições eclesiais e até cargos nos colégios episcopais esperam por vós; as freiras deveriam prestar aqui uma especial atenção, doutro modo uma masculinidade desequilibrada continuará a adiar o futuro com o argumento que a mulher não está preparada; a aurora de novos tempos já se faz sentir: preparai-vos para assumir funções sacerdotais.

(Este artigo faz parte de um livro sobre masculinidade e feminilidade que há anos espera por ser dado a lume)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”