A política, embora idealmente devesse ser guiada pela ética, frequentemente reduz-se a um campo de interesses, onde decisões são tomadas com base em pragmatismo e não em ideais. Exemplos recentes, como a ascensão de Trump e as dinâmicas da União Europeia, ilustram como a moral é muitas vezes instrumentalizada para justificar ações políticas a posteriori, em vez de servir como um guia prévio. Este fenómeno levanta questões sobre a distância entre valores éticos e a realidade política, onde o oportunismo e o moralismo popularizado prevalecem.
A necessidade de limitar o poder para evitar regimes totalitários é evidente. No entanto, hoje enfrentamos um “totalitarismo brando”, influenciado por agendas de cunho marxista e maoista, que se infiltram através de organizações não-governamentais e políticas de cima para baixo. Este cenário exige uma reflexão sobre como equilibrar a autoridade estatal com a liberdade individual.
No contexto global, é crucial reconhecer que países como a China e a Rússia podem necessitar de regimes autoritários em fases intermédias do seu desenvolvimento histórico. Impor valores ocidentais a estas nações, sem considerar as suas particularidades culturais e históricas, pode levar a conflitos internos e desestabilização. A contenção e o respeito pelas trajetórias distintas de cada povo são essenciais para evitar insurreições e promover uma coexistência pacífica no sentido de uma cultura de paz.
A democracia directa, com elementos já praticados na Suíça, surge como uma alternativa interessante face às limitações da democracia partidária. Com o avanço tecnológico, consultas populares como referendos e plebiscitos tornam-se cada vez mais viáveis, permitindo uma maior participação cívica. No entanto, mesmo este sistema não está imune a manipulações, e a estupidez das massas pode ser tão perigosa como a brutalidade dos governantes.
O papel do Estado e da sociedade civil também merece atenção. Enquanto o Vaticano II defende que o Estado não deve absorver todas as funções sociais, a realidade em países como Portugal e na União Europeia mostra uma tendência para contornar a função subsidiária do Estado, relegando o cidadão à condição de mero cliente. A desconstrução da instituição família pelo estado progressista é outro fenómeno preocupante, que merece uma reflexão profunda.
Uma filosofia cristã, baseada na relação e inter-relação pessoal, poderia oferecer uma alternativa ao funcionalismo e ao interesse próprio que dominam a política actual. Esta abordagem exigiria uma consciência individual e social renovada, capaz de equilibrar soberania individual e comunitária.
Em conclusão, a política real é moldada por interesses e dinâmicas sociais e económicas complexas. A aspiração moral de combater a tirania e promover a justiça é legítima, mas carece de instituições capazes de a concretizar. Como bem lembrou Voltaire, “É perigoso ter razão quando o governo está errado”. Num mundo onde a razão de Estado e o maquiavelismo são inevitáveis, a busca por um equilíbrio entre ética e pragmatismo continua a ser um dos maiores desafios da governação contemporânea e certamente futura, a menos que haja uma mudança da consciência no sentido do ser e não apenas do ter.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo