Formigas no Frasco – Uma Reflexão
Permitam-me, antes de tudo, dirigir-me a vós com a serenidade que mereceis. Embora os temas que aqui abordo sejam, por vezes, candentes e envoltos nas chamas do debate político, dirijo-me especialmente àqueles que, sensíveis e ponderados, preferem não se deixar consumir pelo fogo das paixões partidárias. É, de facto, lamentável observar como a defesa de um ponto de vista político pode, tantas vezes, transformar-se em motivo de exaltação e desavença. Mais triste ainda é constatar que, na era da informação, somos constantemente bombardeados por narrativas manipuladas, mesmo por veículos que se presumem sérios. Seria uma pena permitir que essa torrente de desinformação — esse lixo que nos é servido como verdade — pusesse em risco os laços que nos unem, seja na família, seja entre amigos.
As elites políticas, aqueles que se reúnem em Bruxelas, Londres ou Washington, não nos levam a sério, nem perguntam se estamos de acordo. Procuram influenciar-nos, sim, mas será que devemos, em contrapartida, dar-lhes a importância que reclamam para si quando grande parte do que nos apresentam é mentira? Ou será mais sensato voltarmos o nosso olhar para o que verdadeiramente importa: o nosso bem-estar físico e emocional, as relações que nutrimos, a harmonia que construímos no nosso quotidiano?
A propósito, recorro a uma imagem de Mark Twain que, embora singela, encerra uma profunda sabedoria. Imaginemos um frasco. Dentro dele, colocamos um grupo de formigas pretas e outro de formigas vermelhas. Inicialmente, cada uma segue o seu caminho, ocupada com as suas tarefas, sem incomodar as outras. Há uma paz frágil, mas palpável. Agora, imaginemos que alguém pega nesse frasco e o agita vigorosamente. O que acontece? As formigas, antes pacíficas, começam a lutar umas contra as outras. O medo, insuflado de fora, desencadeia nelas um instinto de defesa agressiva, transformando-as em inimigas.
Esta metáfora, caros amigos, é um espelho do que vivemos hoje. A política, nas suas múltiplas e enganosas facetas, agita o frasco da nossa sociedade. Mexe com as nossas inseguranças, alimenta os nossos medos, e põe-nos uns contra os outros. E, enquanto nós nos gladiamos, distraídos pela confusão, os que agitam o frasco seguem impunes, alcançando os seus fins, que no contexto em que nos encontramos são maldosos.
Não permitamos que isso aconteça. Deixemos a maldade para eles. Não nos deixemos levar pela agitação do frasco. Em vez disso, cuidemos do nosso bem-estar, das nossas relações, da nossa paz interior. Como as formigas antes de serem perturbadas, busquemos a harmonia possível, mesmo num mundo empenhado em nos dividir.
Com muita estima no sentido da reflexão
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
Como sempre um texto profundo, para pensar! “enquanto nós nos gladiamos distraídos pela confusão, os que agitam o frasco seguem impunes..” Não permitamos que isso aconteca…” como?? Quem me dera ter algum modo de não permitir. E, como sempre, nao é por mim, que vou caminhando para o fim da estrada, mas por todos aqueles que vão caminhar por “estradas” perfuradas com resíduos de pólvora. É por esses que fico entristecida. Mais uma vez, obrigada pelo seu texto.
Mila Cerca, obrigado pelas suas palavras tão reflectidas e pelo modo como captou a essência do texto. A sua sensibilidade para com aqueles que “caminham por estradas perfuradas com resíduos de pólvora” é comovente e revela uma empatia genuína. Sim, é triste ver como muitos são distraídos pela confusão enquanto outros agem impunemente. Mas a sua consciência e a sua recusa em aceitar passivamente essa realidade são, em si mesmas, um acto de resistência.
Não temos sempre o poder de mudar tudo ao nosso redor, mas podemos escolher não ser cúmplices da distracção. Podemos questionar, reflectir e, acima de tudo, cuidar uns dos outros. A sua preocupação com os outros e o seu desejo de não permitir que a injustiça prevaleça são sinais de esperança. Não resisto porém a acrescentar o que talvez para sua paz de consciência seria melhor não continuar a ler: Importante é estarmos atentos sabendo que as notícias que diariamente nos são transmitidas não são para se aceitarem como verdades principalmente quando se referem à Guerra da Ucrânia e ao contencioso entre a União Europeia e os EUA. A UE quer guerra para assegurar os negócios que a Inglaterra já fez com a Ucrânia e também com as empresas alemãs no terreno, todas las a quererem assegurar os negócios quando Trump, cem por cento negociante não quer deixar seguir a presa para a Europa. A atuação da Europa tem sido miserável.
Subscrevo inteiramente,
vivamente,
calorosamente.
Parabéns pela lucidez demonstrada.
Caríssimo António Cunha Duarte Justo, mais um belíssimo texto, diria desabafo.
Exemplo das formigas por Mark Twain?
Marco Almeida , muito agradecido também pela indicação da metáfora que usei e que já não recordava ter lido em Mark Twain. Leu bem o que me vai na alma: trata-se de um desabafo de muito sofrer em verificar como o nosso povo é levado a opinar pelos meios de comunicação que deveriam ser isentos e não tomarem partido a favor das elites contra o povo!
Maravilhoso texto ! Deixemos a maldade para eles. Que boa dita Amigo.. Um bem haja ., Com gratidão muito obrigado
Conceição Azevedo , muito obrigado! Sim, viu bem a moral do texto!
Bem sei bem que é uma metáfora, um exemplo claro do que se passa nas sociedades dos nossos tempos. Mas, como metáfora e para tornar ainda mais complicado o que já tanto nos aflige, imaginemos que no frasco não há só formigas pretas
Mafalda Freitas Pereira , no frasco haverá sempre as mais diferentes formigas e a realidade para ser mais completa é representada aqui nas formigas pretas e nas formigas vermelhas como símbolo de toda a população que se encontra sob o mesmo sino. Todos estamos abrangidos; o remédio será não seguir os badalos do sino e cada um arranjar a sua opinião sem excluir totalmente a do outro.! Com a metáfora do frasco com formigas pretas e vermelhas quero simbolizar que a diversidade é uma realidade inescapável das sociedades modernas mas que a chave para lidar com essa diversidade não está no seguimento acrítico do que os media e os políticos mais altos nos anunciam procurando pôr-nos uns contra os outros para levarem a sua avante, mas sim na aquisição de um espírito crítico que recorre ao reconhecimento, ao diálogo, à empatia, à cooperação e à implementação de políticas inclusivas. Para se acreditar basta-nos Deus, o resto é apalpar e saber que no caminho se anda em terreno minado.
Como não podia deixar de ser 5*
É gratificante uma pessoa ler o que ele próprio pensa!
Abraço amigo António