EXTREMISMO E POLARIZAÇÃO SOCIAL NA ALEMANHA

Em 2024, as autoridades alemãs registaram um total de 57.701 crimes com motivação extremista, refletindo um cenário preocupante de radicalização no país. O Gabinete de Protecção da Constituição (BfV) identificou dados alarmantes sobre o extremismo em 2024:

Extremismo de direita: 50.250 indivíduos, dos quais 15.300 são considerados propensos à violência.

Extremismo islâmico: 28.280 pessoas, com 9.540 em risco de adopção de métodos violentos.

Extremismo de esquerda: 38.000 activistas, com 11.200 de tendências violentas.

Tudo isto tem a ver com a polarização social e cultura do confronto.

O relatório não se limita aos números, alertando também para uma degeneração do clima social. A sociedade alemã está cada vez mais dividida, com discursos políticos e mediáticos que privilegiam o conflito em vez do diálogo.

 Assiste-se a um reducionismo perigoso: Debates públicos são dominados por uma visão maniqueísta (“bem vs. mal”), ignorando nuances e aprofundando divisões.

 Guerra e propaganda: Temas complexos, como conflitos internacionais, são simplificados em “a favor ou contra”, eliminando espaço para análise crítica e objectiva.

A falta de coerência política, a hipocrisia, o dogmatismo e o cinismo são factores que alimentam a desconfiança e o radicalismo.

O relatório da Protecção Constitucional Alemã serve como um alerta urgente: a radicalização e a polarização estão a corroer a coesão social. Para combater o extremismo, é essencial promover diálogo, transparência política e rejeição de narrativas simplistas que alimentam o ódio e fomentam o desequilíbrio.

 Segundo um provérbio alemão, “o peixe começa a feder pela cabeça”.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

Dia de Portugal – Um Canto Renascido

10 de Junho de 1580 – Luís de Camões parte, levando consigo o último suspiro de um Portugal dourado.

De celebração em celebração, embrulhamos a alma da pátria em folhas de jornal, como sardinhas de feira popular. Queimamos incenso sobre o corpo ainda quente da nação, enquanto ela, entre golfadas de fumo e discursos vazios, agoniza em festa.

Camões, o trovador do destino lusitano, cantou-nos quando éramos aurora. Nas páginas d’Os Lusíadas, o sangue dos heróis ainda corre, mas secou nas veias dos que nos têm governado. O sol da ideologia queimou as cores da nossa bandeira, e as revoluções, como vagas traiçoeiras, arrastaram para o abismo o que nos restava de identidade.

Dizem que, ao morrer o poeta, morreu Portugal. Talvez. Mas a terra não sepultou a semente. A classe política, sim, é cadáver – um fantasma que vagueia pelos corredores do poder, surdo ao ritmo do povo, cego à chama que ainda bruxuleia nas cinzas. “Fraco torna fraca a forte gente…” E nós, filhos de uma escrava e de revoluções alheias, deixámos que nos vendassem com os trapos da Libertas, da Agar, de todas as quimeras que nos roubaram o rosto.

Mas Portugal não morre apesar de muitas loucuras ideológicas e nos últimos tempos dos interesses do deus Mamon de Bruxelas que suborna os humanos para obter suas almas. Não morre enquanto respirar fé e coragem, enquanto lembrar que foi à sombra da cruz e da espada que conquistámos o mundo. Pátria e fé eram uma só carne, um só destino. Hoje, porém, perdemos o povo no labirinto das ideologias, e sem ele, a pátria é apenas um nome esvaziado, um barco à deriva sob o voo circular dos abutres.

Agora, a missão é outra: não basta restaurar – é preciso redescobrir. Os Homens-Bons de hoje não partirão em caravelas, mas em busca da própria alma. Terão de navegar “mares nunca dantes navegados”, não de água salgada, mas de consciência. A Taprobana a vencer já não é a distância, mas o materialismo que nos engoliu, o Estado que nos devora, a religião que se esqueceu de rezar.

Teremos de ousar, como os “egrégios avós”, mas sem infantes que nos guiem. A bússola será a dor, o desespero de uma terra que já não nos reconhece. E quando acordarmos, talvez descubramos que a verdadeira liberdade não tem fronteiras – é como o mar, que não sabe onde começa nem onde termina.

Então, Portugal não será apenas um lugar no mapa, mas um verbo: criar. Já não conquistaremos terras, mas relações; já não levantaremos impérios, mas consciências. E quando o céu se rasgar por fim, não serão canhões que ecoarão, mas as cores do arco-íris, derramando-se sobre nós como uma nova aliança.

Até lá, seguimos. Entre a névoa e o sonho, entre os Velhos do Restelo e os loucos que ainda acreditam. Porque um povo que já foi mar não pode viver eternamente de joelhos.

Viva um Portugal que se redescubra à luz do bem e da verdade e se empenhe na construção de uma cultura da paz e abandone a cultura da guerra!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

Notas explicativas:

Os Lusíadas: epopeia nacional portuguesa, escrita por Luís de Camões no século XVI. Glorifica os descobrimentos e as viagens heróicas portuguesas, sobretudo a viagem de Vasco da Gama à Índia.

Os fracos enfraquecem a forte gente…”: De “Os Lusíadas”, expressão para a decadência moral que mina a antiga grandeza.

Libertas, Agar: Figuras simbólicas. “Libertas” representa um falso ideal de liberdade; Agar, a serva bíblica, é aqui uma metáfora da alienação cultural e da heteronomia.

Mamon de Bruxelas (símbolo da ganância ou dos valores materialistas): Crítica à influência económica da União Europeia na soberania nacional, particularmente através de subsídios, burocracia e lobby. A UE é aqui apresentada tanto como parceira como objecto de escrutínio crítico – particularmente devido à sua política de interesses económicos e à progressiva alienação de identidades culturais.

Homens Bons (Conselheiros do rei): Termo histórico para cidadãos respeitados que participavam nos conselhos portugueses na Idade Média – hoje um símbolo de actores íntegros e responsáveis ​​​​– com integridade moral – na sociedade. (Representavam os interesses populares das regiões no Conselho Real.)

Taprobana: Nome antigo para o Sri Lanka, em Camões um símbolo do desconhecido – aqui como alegoria aos desafios interiores e espirituais da modernidade (metafórica “fronteira final”).

Velhos do Restelo: Figura dos Lusíadas, um velho que profere palavras de advertência na partida da frota portuguesa. Símbolo de pessimismo e hostilidade ao progresso.

PORTUGAL 2 – ALEMANHA 1

 

Uma Batalha de Glória e em glória no Tabuleiro de Esmeraldas onde o Baixo e o Alto se igualam (1)

 

Sob o céu de Munique, num fim de tarde com granizo, onde outrora se desenharam sombras de conflitos antigos, ergueu-se um novo campo de batalha—um rectângulo de relvado, tingido de esperança e suor. Ali, não se cruzaram espadas, mas talentos; não se lançaram projéteis, mas passes precisos como setas douradas. Foi um duelo de alta estirpe, onde as aspirações de duas nações se entrelaçaram num bailado de força e arte, resolvendo-se não pela obstinada actual guerra nem pela violência, mas pelo sublime código do jogo.

 

Portugal e Alemanha, duas nacoes grandes com diferentes destinos históricos encontraram-se, não para dilacerar ou aniquilar, mas para disputar. E que disputa! Cada toque na bola era uma palavra num diálogo universal; cada drible, um verso num poema escrito com os pés. O relvado transformou-se num palco onde os instintos naturais do homem—a competição, a superação, a beleza—floresceram sem a sombra da destruição.

 

Ah, se o mundo compreendesse a lição que emana destes noventa minutos! Enquanto os governantes tecem discursos sobre domínio e poder, erguendo muros e brandindo ameaças, o Campeonato surge como um farol de outra possibilidade: uma sociedade onde os conflitos se resolvem não com tanques, mas com técnica; não com ódio, mas com génio. As legítimas aspirações dos povos poderiam ser decididas em jogos, onde o vencedor leva a glória, e o derrotado, ainda de cabeça erguida, aprende e recomeça na consciência de que a maior parte da vida é jogo.

 

E o espectador, esse juiz imparcial sentado nas bancadas ou diante do écran, não recebe a verdade mastigada pelos arautos do poder. Não—ele vê, com os próprios olhos, avalia com o próprio critério, e celebra ou lamenta com o coração livre. Nada de opiniões pós-fácticas, formatadas em segunda mão por quem quer moldar a narrativa. Aqui, a verdade desenrola-se em tempo real, crua e bela, como um golo que rasga as redes e a alma.

 

Assim foi em Munique. Portugal venceu, a Alemanha cedeu, mas ambos brilharam. E no fim, quando o apito ecoou, não houve vencidos—apenas homens que lutaram, e homens que, por um dia, lembraram ao mundo que a verdadeira grandeza não está em destruir, mas em jogar.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) “O jogo foi marcado por condições meteorológicas adversas e escolhas táticas surpreendentes de Roberto Martínez, incluindo a estreia de João Neves como lateral direito. A Seleção Nacional venceu esta quarta-feira 04.06.2023 a Alemanha, por 2-1, em Munique, e garantiu a passagem à final da Liga das Nações”.

1.º DE MAIO: O DIA EM QUE AS MÁQUINAS CHORAM POR NÓS

Era uma vez um mundo que trocou as mãos calejadas por dedos de aço, os suspiros dos cansados pelo zumbido infalível das máquinas. Hoje, no primeiro dia de maio, os sinos dobram, mas não celebram—lamentam. Soam por aqueles que ainda se chamam trabalhadores, embora o trabalho já não os reconheça como seus.

Os homens outrora conquistaram este dia como um refúgio no calendário do suor, um instante de respiro entre a servidão dos séculos. Mas que ironia: ganharam um dia e perderam os outros. Os salários, mínimos como esmolas, compram pão, mas não compram horizonte. Sustentam o corpo, mas deixam a alma em jejum. E enquanto os relógios de ponto viram algoritmos, os direitos desmancham-se no ar, como fumo de chaminés abandonadas.

A automação chegou sem piedade, vestida de progresso, e onde pisou, deixou pegadas de desalento. O operário, antes explorado, agora é ignorado. Suas mãos, que moviam o mundo, são peças sobressalentes num mecanismo que se autorepara. O capital desalmado, esfinge insaciável, devora até seus próprios filhos—e os que sobram, assistem, esfaimados de futuro, à decomposição da própria dignidade.

Onde estão os sindicatos? Onde estão os gritos que furaram o céu como fachos? Mudos, encurralados pela engrenagem que não tem ouvidos, apenas rodas dentadas. Resta aos homens uma escolha: render-se como peças soltas ou erguer-se como brasa. Pois a precarização não é só do ofício—é da alma. O trabalho sem rosto cria homens sem nome.

Os governantes, feiticeiros de números, falam em produtividade, em flexibilidade, em revoluções digitais—palavras vazias que rolam como moedas falsas. Suas leis são escritas em código binário, sem espaço para lágrimas ou suor. Enquanto isso, a vida torna-se líquida, escorre por entre os dedos como areia de horas extras não pagas. O Ocidente, outrora farol, agora é um navio à deriva, com velas rasgadas pelo mesmo vento que soprou sobre os colonizados. A roda da história gira, e os de baixo começam a exigir o que lhes foi negado—enquanto os de cima já nem sabem o que é humanidade.

Na sombra deste dia, São José Operário estende suas mãos marcadas pela plaina. Carpinteiro, pai, homem—não algoritmo, não função nem estatística. Se queremos resistir ao dilúvio de cifras, não basta lembrar Chicago; é preciso invocar o milagre do trabalho que não humilha, que não reduz, que não descarta.

E Portugal, pequeno barco neste oceano de ferrugem e silício? Entre o centralismo que esmaga e o globalismo que desfigura, só nos resta a rebeldia das raízes. A Europa será federal ou não será—pois só um mundo feito de pátrias humanas, não de impérios digitais, merece ser chamado de civilização.

A tarefa que nos cabe é antiga como Caim e Abel: lutar contra a exploração que mata o corpo e a alienação que aniquila a alma. Enquanto houver um só homem que levante a cabeça e pergunte “por quê?”, a chama não se apagará. Não por um mundo de máquinas perfeitas, mas por um mundo de homens imperfeitos—livres, iguais em dignidade, donos de seu suor e de seu sonho.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

1.º DE MAIO: UM GRITO POR HUMANIDADE NUM MUNDO EM RUÍNAS

Um momento de reflexão

Hoje, quando as máquinas substituem mãos humanas e a dignidade do homem se reduz à sua utilidade produtiva, o Dia Internacional dos Trabalhadores não é apenas uma data no calendário—é um espelho que reflete a nossa decadência. Celebramos, sim, mas a quem rendemos homenagem? Aos que labutam sob o jugo de um sistema que os esmaga enquanto os glorifica com palavras vazias? Os trabalhadores conquistaram um dia para si, mas os outros 364 permanecem nas garras de grandes senhores que transformam vidas em números, corpos em engrenagens, sonhos em peças descartáveis.

Os direitos arrancados a duras penas—horas justas, salários mínimos, o direito a respirar fora da fábrica—são agora devorados pela sanha de um capitalismo disfarçado de progresso porque aliado do socialismo materialista. A automação, que prometia libertação, tornou-se a nova algema: o homem já não é explorado por sua força, mas descartado por sua suposta irrelevância. O salário mínimo sustenta o estómago, mas não alimenta a alma; garante a sobrevivência, mas nega a existência digna. E enquanto a tecnologia avança, a humanidade recua, esfacelada em funcionalidades, reduzida a algoritmos.

A precarização não é apenas do trabalho—é do humano. O indivíduo, despojado de valor, torna-se mercadoria numa economia que venera máquinas e desdenha de carne e osso. As organizações sindicais, outrora trincheiras de resistência, são esvaziadas por um poder que não tolera coletivos, apenas consumidores isolados. Resta-nos, então, a pergunta: como resistir? A resposta não está apenas em novas leis, mas numa revolução da consciência. É preciso erguer-se não como peças substituíveis, mas como seres irredutíveis à lógica do descarte implementada por medos.

Os governantes, cada vez mais distantes, falam em eficiência, em crescimento, em futuros digitais—mas calam-se sobre fome, sobre cansaço, sobre o desespero de quem não é visto como gente, mas como recurso. Suas agendas são escritas a sangue-frio, em salas onde o humano é abstração e a tecnologia, dogma (num imperialismo mental). Enquanto isso, a instabilidade é cultivada como projeto: vidas informais, trabalhos efémeros, existências sem raízes. O Ocidente, outrora senhor do mundo, vê agora os servos de ontem exigirem dignidade—e descobre, atónito, que já não sabe oferecê-la nem a si mesmo.

No Cristianismo, hoje é dia de São José Operário—o carpinteiro, o trabalhador silencioso que sustentou a sagrada família com suor e dedicação. Se queremos resistir à maré desumanizante que vem de além-mar (e das ideologias materialistas), não basta evocar os mártires de Chicago; é preciso resgatar a ideia de que o trabalho não é apenas produção, mas extensão da própria humanidade.

E Portugal? Entre a Europa centralista e o globalismo voraz, só nos resta uma saída: o federalismo, a força das regiões, a resistência das culturas locais contra a homogeneização que esmaga identidades. O globalismo só será legítimo se nascer de baixo para cima, se for construído por mãos humanas, não imposto por máquinas políticas e por corifeus líderes de ideologias falsas.

A tarefa que nos resta é colossal: libertar-nos não apenas da exploração, mas da alienação que nos faz aceitá-la. Enquanto houver um sopro de humanidade em nós, a luta pela dignidade permanece. Não por um mundo de robots, mas por um mundo de gente. Um mundo onde a dignidade não seja privilégio, mas direito inalienável—de todos, para todos.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo