A PANDEMIA QUE O SOL ENCOBRE!

 

Às vezes vem-me vontade de gritar de desgosto e de desespero; magoa-me a solidão mascarada a caminhar pelas nossas ruas tornadas anónimas.

Hoje, ao fazer a minha caminhada na floresta que envolve a cidade, vi muita gente que caminhava sozinha, vi crianças tristes, adolescentes desiludidos, pais exaustos, pessoas deprimidas; vi tudo a acenar a sua angústia nas tenras folhas das árvores que se inclinavam para o chão em mim.

No meio de tanta vida penalizada que jazia no chão, descortinei um raio de sol numa criança que, nos seus quatro anitos, abraçava, o tronco de uma árvore já caída!

No meio de tanta desolação, queria gritar para as árvores, para o mundo, mas não estava lá ninguém; no meio da floresta só vislumbrei um que ouvia o meu gritar; esse alguém era Deus (1).

Depois de gritar a minha raiva, o meu desespero e a minha tristeza com Deus, notei que no horizonte o sol sorria para todos e a todos (mascarados e desmascarados) como que a dizer: Tu estás procurando o outro (a contraparte, o semelhante) em Deus e Deus está procurando o outro (a contraparte, o semelhante) em ti!

António CD Justo

 

Pegadas do Tempo

 

  • (1) Aquele que se encontra radiante em cada pessoa sem máscara e se encontra triste em cada pessoa mascarada!… Eu procuro o outro em Deus e Deus procura o outro em mim!

TROVA À LIBERDADE

Ao ler a seguinte trova de Manuel Alegre, sinto-o ligado à tradição do nosso grande trovador e rei Dom Dinis, na sua trova – “Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo?… “

Na procura de uma liberdade que parece não chegar, também Manuel Alegre se dirige à natureza (ao país) que se torna na melhor inspiradora e conselheira. Como em Dom Dinis, a “Trova do vento que passa” deixa uma porta aberta por onde se pode ir realizando o grande sonho. O trovador dirigir-se à Liberdade, que procura na sua amada e se encontra algures escondida nas terras de Portugal. Passemos à exímia trova de Manuel Alegre que acaba de celebrar o seu 85° aniversário:

António Justo

Pegadas do Tempo

 

TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio — é tudo o que tem

quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).

Há́ quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.

Mas há́ sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há́ sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há́ sempre alguém que resiste

há́ sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

AFORISMOS

CONFINAMENTO

Eu sempre desconfiei de muitas medidas do confinamento e apenas tomei a sério o Covid-19!

No reino da opinião todos ralham e todos têm razão!

António da Cunha Duarte Justo

MORTE

A luta contra a morte é o grande motor do desenvolvimento individual e cultural! O resto é música de acompanhamento!

António da Cunha Duarte Justo

HOJE É O DIA DA POESIA

Honro o dia com dois poemas meus!
NOITE MINHA
Minha noite querida
Meu escuro à luz do dia,
Nos teus braços agasalho
Minhas mágoas da alegria!
Noite que em mim passas,
Na procura de um Sol que não passa!
Tenho medo da alvorada,
Só quero em mim soluçar o dia.
Tu és a noite, aquela que é só minha,
A vivência de um sonho que não tive.
Já não durmo, a noite dorme em mim!
(Já não durmo, a noite vive em mim!)
António da Cunha Duarte Justo
In “Nas Pegadas da Poesia, OxaláEditora
O POETA NA POESIA
Poesia é presença
Um estado sem estar: todo em tudo
A acariciar na alma o firmamento.
É sentir sem saber
A vida toda num momento.
Poesia é ser
Ser sem estar, aqui além,
Na convergência do ser
Com o mundo caminhando
Tempo e espaço, num abraço, a arder!
Poesia é sofrer
Ser do mundo o ritmo
Um calafrio da terra pela alma a correr
Sofrer a dor do universo
Na chama do tempo no corpo a arder!…
Poesia é grito (dar à luz)
Mais que prazer é uma alegria
Para lá da chama do viver
Seguir na sombra a raiz das coisas
As pegadas do mistério a acontecer.
Poesia é dom
É amar sendo amado sem saber
Uma arte de olhar o mundo, de o ser
É imaginar, para lá das imagens, a imagem que se é…
Alma e corpo: uma vela a arder!
Poesia é liberdade
Aprender o afecto de gatas na procura da mão
É deixar-se agarrar para amar e acontecer…
Amar e ser amado como bem apetecer…
Poesia é ressonância
Uma brisa, uma onda, um vulcão!
A voz da alma, da terra e do céu
Trinado apenas da mesmo cancão.
Poesia é incarnação
Ser-se guitarra a tocar o mundo na mão!…
António da Cunha Duarte Justo
In Poetas na Diáspora, Antologia.

O ELOGIO FAZ MILAGRES – DIA MUNDIAL DO ELOGIO

No dia 1 de Março celebrou-se o dia Mundial do Elogio.

Os elogios fazem-nos felizes, são um factor de autoestima e aumentam os sentimentos de felicidade.

Segundo um estudo japonês de 2012 os elogios chegam até a aumentar a competência e a eficiência.  Conheço uma artista que quando louvada na sua arte ganha forças e inspiração que se reflectem imediatamente na produção e qualidade de obras.

O sentimento de querer ser apreciado é natural e é geralmente aquilo que nos leva a empenhar-nos mais. O elogio não esperado mas merecido é como a música serena que dá paz e força nas adversidades.

Cumprimentos e elogios estimulam a hormona da felicidade oxitocina (dopamina ou seritonina) no cérebro fomentando a empatia (a ligação). Naturalmente também debelitm certos mecanismos de defesa!

Cumprimentos são as especiarias que adoçam a vida. Naturalmente também há cumprimentos interesseiros; importante é estar-se atento à  situção e ao contexto. Somos humanos e como tal não só ajuda o louvor de qualidades interiores mas também o de superficialidades.

O elogio fácil e a censura costumam beber da mesma fonte.

Por vezes um louvor pode causar embaraço. Modéstia e humildade são bons condimentos porque a necessidade de elogios pode levar a um estado de sofrimento no caso de críticas. A dependência de louvores de  levianos puxar-nos-ia para a imprudência; mais importantes são os elogios sinceros.

A satisfação de vida cresce no que louva e no que é louvado. Penso que uma psicologia positiva perante pessoas e uma atitude de análise crítica perante ideias e factos podem ajudar a levar-se uma vida equilibrada.

O exercício do louvor seria um bom exercício para aqueles que têm dificuldade de reconhecer algo positivo nos outros.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo