A FAMÍLIA GERADORA DE RELAÇÕES HUMANAS NA MISERICÓRDIA

Reflexão sobre a Família baseada em “A Alegria do Amor”

António Justo

A família é o lugar onde nos desenvolvemos como pessoas e cada família é a pedra base que constrói a sociedade”.

Na exortação apostólica “A Alegria do Amor” o Papa Francisco apela ao reforço da família, como “lugar da misericórdia” onde o plano de Deus se realiza. Não deixou de valorizar também a “dimensão erótica” do amor conjugal, como bom acompanhante: um “dom de Deus que embeleza o encontro dos esposos”. Como no Oceano, tudo o que é exterior muda e transforma-se com o tempo; as necessidades e as expressões afectivas também.

Não há caminhos feitos, há metas. A este propósito recordo uma história que ouvi de um colega padre no Domingo a seguir à Páscoa: uma comunidade de cristãos brasileiros questionava-se da razão de Jesus ter escolhido um pescador para chefe da Igreja. Depois de algo reflectirem, a resposta foi unânime: quem se movimenta em terra constrói estradas e asfalta-as. Consequentemente usará sempre o mesmo caminho. Pelo contrário, um pescador procura todos os dias um novo caminho. O importante é descobrir os peixes e dirigir-se para onde eles estão. Pode acontecer que o caminho de ontem não conduza onde os peixes de hoje se encontram.

A experiência dos pescadores da Galileia foi-se repetindo ao longo da História da Igreja, num caminho de sucesso e de falhas, que é também o caminho de cada um de nós. Jesus aparece aos discípulos em diferentes lugares; aparece lá onde estava o medo.  A mensagem pascal é reconfortante: Vive a vida em plenitude onde te encontras porque aí Deus está presente e procura-te sem te condenar; o pressuposto é a disponibilidade de te encontrares a ti mesmo no seguimento de uma presença envolvente.

Clima familiar

Família é mais que a soma de dois indivíduos que se possibilitam um ao outro. Família é o princípio de toda a união, é um laboratório de futuro. Sem família não há indivíduo e dos destroços de uma cultura o que permanecerá é a família. Na família nascem os sentimentos e a intimidade onde se inicia a primeira comunidade de pais-filhos- irmãos. Do amor entre os membros nasce a alegria de viver.  Uma estruturação equilibrada da pessoa e da família precisa de programas e ritos que dêem protecção e consistência ao indivíduo numa espiritualidade familiar (Cf. https://antonio-justo.eu/?p=4138).

Francisco encoraja a “cuidar a alegria do amor” na consideração pelo outro e na expressão do carinho e da ternura. Nesse sentido aconselha a usar na família muitas vezes e todos os dias as palavras “por favor”, “obrigado” e “com licença”. O beijo matinal mantem o amor fresco. Recomenda aos pais que, num clima de liberdade deem regras claras às crianças e cuidem pelo pouco consumo de telemóvel porque é uma tecnologia que conduz ao autismo.

A constante do amor de Deus no matrimónio faz crescer a afeição e o carinho entre o homem e mulher premeia-os com confiança, amor e paz interior misericórdia e ajuda o desenvolvimento pessoal; possibilita o encarar a vida e as pessoas com benevolência sem ter em foco as exigências da justiça numa atitude compassiva, também para com os mais necessitados.  “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia “(Mateus 5:7).

A Parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:11-32), é um exemplo importante da extensão da misericórdia divina aos outros. O filho depois de ter malgastado tudo o que o pai lhe dera foi acolhido sem qualquer pedido de satisfação.

Deus é misericordioso, não olha para as nossa culpas, trata-nos com a graça e a bondade de um favor imerecido: Deus não faz contas, não julga, premeia (João 10,10). O bem que fizermos, por nós o fazemos; fazemo-lo no sentido de nos tornarmos entidades desenvolvidas e de consciência espiritual distinta. Em nós flui o mundo todo. “A maturidade chega a uma família quando a vida emotiva dos seus membros se transforma numa sensibilidade que não domina nem obscurece as grandes opções e valores, mas segue a sua liberdade, brota dela, enriquece-a, embeleza-a e torna-a mais harmoniosa para bem de todos”.

Misericórdia é mais que justiça

Misericórdia é, para o Doutor da Igreja Tomás de Aquino, a maior das virtudes. E o Papa Francisco faz dela programa de vida, ao enfatizar, com S. Tomás, a primazia da caridade na acção da Igreja e no agir de cada um. A “misericórdia” do estado social é insuficiente.

Para a igreja os pobres e os fracos “formam, em primeiro lugar, uma categoria teológica e só depois uma categoria sociológica ou política” (cf.: “Alegria do Evangelho”); para além da justiça está a misericórdia– a rede social da misericórdia, expressa também na Caritas, procura dar resposta à justiça social na sequência da tolerância. “A vida não é tempo que passa mas tempo de encontro” e a ”Solidariedade é uma reacção voluntária que nasce no coração de cada indivíduo” .

“Faz aos outros como queres que te façam a ti”, reza uma digna regra moral antiga. O ideal do amor ao próximo (independentemente de raça ou religião) tem uma dimensão emocional e espiritual ao contrário do imperativo categórico de Kant que corresponde à “moral sem amor”, como constata o cardeal Walter Kasper. A justiça embora seja o fundamento da vida social é seca. A racionalidade procura o que vale mais; tudo é vista na perspectiva e na lógica do negócio. De facto, em ciência e política, o altruísmo é considerado como lógica de negócio em que o doador recebe algo em compensação. A Igreja completa-o acrescentando à inteligência racional a inteligência afectiva com o sentimento e a espiritualidade. A misericórdia supera a justiça, porque tem em conta a pessoa.  É um modo de vida compassiva que integra a ternura e a benevolência predispondo a pessoa para as necessidades do próximo. A pessoa compassiva é realizada, por isso, renuncia à afirmação do ego à custa dos outros, respeitando os que não têm tanta força para se impor. Neste sentido precisa-se de uma nova educação, uma educação humana no sentido das bem-aventuranças e das obras de misericórdia, onde, de forma reduzida se se apresenta um programa especificado de vida (1). “A violência na família é escola de ressentimento e ódio nas relações humanas básicas”

Cristianização das mentalidades

Na base de uma vida familiar conseguida estão “o crescimento no amor mútuo”, o respeito, a tolerância e o perdão que garantem autoconfiança, estabilidade e humanidade.

O ideal católico do amor concretiza-se, como “projeto comum estável„ no sacramento do matrimónio, um estado sagrado, no exercício dos valores generosidade, compromisso, lealdade e paciência; onde surgem dificuldades maiores há resta o recurso ao exercício da misericórdia. Aponta para o ideal da “doação generosa e sacrificada, onde cada um renuncia a qualquer necessidade pessoal e se preocupa apenas por fazer o bem ao outro, sem satisfação alguma” (no sentido evangélico, seguir o chamamento divino sem ceder a fraquezas humanas que se considerem como critério de orientação nem ao facilitismo).

Por experiência penso que, na vida de casais, o mais difícil virá da dificuldade de estabelecer compromissos no aferimento de ideais, intenções e metas comuns, na relação do dia-a-dia; como família, um e outro agirá na qualidade de comunidade e não de indivíduo, o que supõe uma vida comum regrada e orientada por Deus e não apenas por objectivos imediatos nem sequer pelas tendências ou capacidades de um ou do outro; a perspectiva do nós prevalece sobre a do eu. Há casos de casais com mentalidades extremamente diferentes e a maioria deles não terá o ideal nem a paciência que tinha Sta. Mónica em relação ao seu filho Agostinho.

O amor a Deus é colocado acima das próprias necessidades e como tal serve de ponto de reencontro e de ponte que possibilita a realização do presente numa perspectiva de futuro gratificante. O matrimónio é processo em que os dois se desenvolvem na entrega mútua. Um desenvolvimento individual desafinado conduz a becos sem saída.

A vida familiar é dificultada por uma cultura do “individualismo desenfreado… e do Provisório ” acrescida da comodidade e de uma atitude de suspeita e desconfiança. A dificuldade de um equilíbrio entre vida familiar privada e vida laboral contribui para fomentar uma dinâmica de ressentimento e agressão.

Segundo o Papa, na vida familiar, a misericórdia é de colocar acima da moral tradicional. “O Sábado é para a pessoa e não a pessoa para o Sábado” (Mc, 2,27).

Uma atitude misericordiosa pressupõe a mudança de postura perante as comunidades de vida, perante as mães solteiras, os nascituros indefesos, os drogados, os homossexuais, os divorciados e todos os que vivem à margem da sociedade. A misericórdia divina é exemplo para a Igreja petrina; por isso, esta não poderá perder-se tanto no sector moral nem na acentuação pedagógica reguladora da vida dos fiéis; as falhas de cada pessoa já serão sancionadas nela mesma e exteriormente através da sociedade envolvente (leis, costumes e preconceitos).

O ideal proposto e vivido pela igreja tem de passar pela via de Deus que é o perdão (a nível institucional: anuição dos recasados à comunhão; a nível familiar: reconciliação e perdão, ritualizados na oração diária do fim do dia!).

A questão ética da relação ou validade de valores e normas é algo a ter-se presente. A exortação pastotral do papa dá primazia à misericórdia e aponta pistas na “A Alegria do Amor” não neutralizando a responsabilidade individual no respeito pela consciência pessoal como última instância perante Deus e perante si mesmo. Naturalmente, o outro lado da misericórdia, para a condição humana, é a justiça. A necessidade de misericórdia para com os fracos não pode passar por cima da sua responsabilidade nas relações vividas.

No dia-a-dia há pessoas que sentimos como não simpáticas e que são desgastantes e desagradáveis; nestes casos uma atitude autoconsciente e de benevolência misericordiosa ajuda a diminuir o estresse que a situação pode proporcionar.  A misericórdia presume que se dê e se renuncie a algo de si que se encontra na alteridade. Deus é misericordioso, não condena, perdoa e proporciona sempre uma oportunidade. O perdão não é uma estrada num só sentido (2), pressupõe a metanoia e reparação. Mas segundo o pensamento cristão não é um irmão que julga um irmão, há um terceiro que julga: a presença divina.

Misericórdia é dar de olhos nos olhos, é doação e entrega. Também implica ser misericordioso consigo mesmo na aceitação de se ser como se é e reconhecer as próprias limitações como algo natural e a aceitar para então se puder ultrapassar. Ao aceitarmo-nos com as nossas limitações estamos dispostos a aceitar os outros e a fazer uma caminhada com eles. Isto supõe a reconciliação consigo mesmo, com os outros e com a vida (3).  De facto, todos somos tecelões de um grande tecido e do qual fazemos parte: o mundo e a humanidade onde todos queremos mudar algo no sentido do futuro que é esperança.

Perdão é  possibilitador de futuro

O futuro só é possível onde houver perdão – muitas das faltas contra o próximo são acções de défices da própria autoimagem que procura confirmação em alguém.

Alegria e caridade pressupõem o dom da empatia que, por vezes, escapa à força de vontade e à praticabilidade. A justiça pode-se exigir, mas o amor não! Nele não se trata de exigir demais, mas de dar um passo mais largo do que a dor possibilita; o futuro é amor.

Por vezes, pessoas escrupulosas ou hipercríticas querem ver formas autoritárias na Igreja, querem ver tudo regulado por leis, partindo de uma ideia preconcebida, do como cada pessoa deveria ser.

É preciso recuperar a união da família, dela dependem os valores humanos. A família é um valor a defender por todos os grupos, independentemente de diferentes éticas. Ela é a matriz de qualquer ordem social com perspectiva de futuro.

Conclusão

“Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las”! Este apelo do Pontífice não significa uma cedência ao relativismo nem uma redução da acção da igreja a mero humanismo e filantropia. Na base está sempre a Boa-nova, a consciência e o seguimento da trdição espiritual apesar da mudança dos costumes e das vontades.

Na exortação “A Alegria do Amor” não se trata de uma flexibilização da doutrina católica no sentido de uma protestantização nem de uma ortodoxização da igreja católica, como pretendem ver grupos conservadores; muito menos uma cedência ao modernismo.

Na Exortação pontifícia não se trata de encontrar desculpas para aliviar erros sociais ou seguir tendências modernistas, o que só beneficiaria os traficantes de ideias e ideologias; em questão está o respeito pela consciência da pessoa concreta, o chamamento do Evangelho, a Igreja mãe e a família com seu primeiro lugar de exercício social.  Sem trair a tradição da Igreja ela possibilita uma certa ambiguidade de interpretação nalgumas passagens, o que por outro lado favorece melhor emprego numa prática de situações diversificadas.

O Pontífice critica “o fascínio do gnosticismo fechado no subjetivismo e o neopelagianismo autorreferencial e prometeuco com um elitismo narcisista e autoritário”.

O papa reconhece que “nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magistrais… em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais”. Para os divorciados com desejo de se recasarem permanece a doutrina da penitência com as mesmas condições de acesso aos sacramentos e que são: a confissão, o arrependimento sincero e o estado da graça.

Para a Igreja e para o cristão, o sentido de orientação é Deus, o oriente onde nasce o sol da iluminação.

“Queridas famílias, também vós sois uma parte do povo de Deus. Segui o vosso caminho em paz. Permanecei sempre unidos a Jesus e levai-O com o vosso testemunho a todos”, exorta o Pontífice.

Este papa é uma bênção para o mundo. Resta-nos abençoá-lo também.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

  • As sete obras de misericórdia corporais (Cf. Mateus 25:34-40): 1ª Dar de comer a quem tem fome; 2ª Dar de beber a quem tem sede; 3ª Vestir os nus; 4ª Acolher os peregrinos; 5ª Dar assistência aos doentes; 6ª Visitar os presos; 7ª Enterrar os mortos. As sete obras de misericórdia espirituais: 1ª Dar bom conselho; 2ª Ensinar os ignorantes; 3ª Corrigir os que erram;4ª Consolar os aflitos; 5ª Perdoar as ofensas; 6ª Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo; 7ª Rezar a Deus pelos vivos e defuntos. Os Sete Pecados Capitais contra as obras de misericórdia: 1° A Gula (é intemperança, desejo insaciável), 2° A Avareza (apego excessivo pelos bens materiais), 3° A Luxúria (a fixação no prazer sensual e material), 4°A Ira (sentimento descontrolado de raiva, ódio e rancor), 5° A Inveja (o ciúme, não vê o que tem para cobiçar as posses, status e habilidades do próximo), 6° A Preguiça (negligência, desleixo evita o trabalho), 7° A Soberba (Orgulho arrogante, Vanglória, Vaidade).
  • O Papa pede para se demitirem do sacerdócio os abusadores sexuais. A tolerância para com os criminosos não se deve tornar em injustiça para com as vítimas. Abuso além de pecado pessoal, é crime, por isso os superiores têm de o comunicar ao Ministério Público. Antigamente não se tinha ideia dos prejuízos psicológicos que causam tais delitos.
  • Em termos de recasados: Isto significa o perdão do adultério por Deus misericordioso é oposto pela negação da comunhão. Contradição fidelidade a Deus e infidelidade do divórcio. Deus quer a fidelidade e certamente não há nenhuma pessoa que possa perdoar de maneira global. Por isso há uma maneira nobre como a Igreja resolve a questão através do sacramento da penitência não reduzindo a questão a um caso perdido ou individual. A reconciliação consigo mesmo e com a comunidade dá-se no ponto de encontro onde se encontram o indivíduo com a comunidade para se realizarem como comunidade.

 

SABEDORIA CHINESA – UMA ADVERTÊNCIA AO “POPULISMO” EM VOGA

Um provérbio chinês lembra e ensina: “O medíocre discute pessoas. O comum discute factos. O sábio discute ideias”.

Este é um ensinamento também para populistas políticos de cima e para populistas de baixo! Na cena política, mesmo da classe estabelecida, assiste-se a uma brutalização da linguagem contra pessoas. Generaliza-se a falta de respeito para com pessoas e para com outras opiniões. Muitos dos que alegadamente defendem a tolerância revelam grande falta de tolerância. Não suportam opiniões diferentes; difamam-nas com atributos ditadores, em vez de argumentarem contra as suas ideias. A polarização da sociedade alarga-se pelas sociedades como um polvo alarga os seus braços.

António da Cunha Duarte Justo

NACIONALISMO SURGENTE – UM SINTOMA DE CRISE E DE INSTABILIDADE

Salvar a Europa ou as suas Nações? 

 

António Justo

 

Na Europa assiste-se a uma onda de indignação contra a onda do nacionalismo crescente que indignado reage contra transformações políticas, económicas e sociais, sentidas como ameaças à própria identidade e aos bens adquiridos. A União Europeia insurge-se contra os europeus e os europeus insurgem-se contra a Europa.

 

Concorrência no mercado das opiniões

 

A ideologia socialista que num primeiro momento da industrialização se revelou oportuna precisaria de uma revisão radical, para se não tornar prejudicial, num momento da História que precisaria de maior tempero e equilíbrio na rapidez do progresso para se proporcionar um desenvolvimento sustentável mais adequado às pessoas e aos povos. O mesmo se diga do capitalismo liberal!

 

A ideologia nacionalista, como sintoma de crise e de instabilidade económica e social, corresponde à maré vazante depois de uma maré cheia anterior (de melhor bem-estar económico e social) demasiadamente aberta, virada para fora, para a expansão e desacautelada em relação ao próprio centro (os interesses do próprio Estado, da cultura e da economia nacional foram negligenciados e a imigração muçulmana, incontrolada e, em parte, incontrolável, atenta contra a unidade cultural continental). Uma cultura prematuramente aberta e apressada questiona o próprio desenvolvimento orgânico e ordenado, a que poderia chegar com mais eficiência em ritmo menos acelerado.

 

O nacionalismo começou a ganhar maior expressão com a revolução francesa e especialmente com a revolução industrial inglesa que desestabilizou a ordem social, ao provocar a emigração dos lavradores e dos aldeões para as cidades.

 

De aldeão para cidadão

 

Com o abandono da terra e do campo e com a consequente concentração do povo nas cidades deixa de valer a estabilidade de uma economia de caracter familiar para se passar para uma economia de caracter individual mais acentuada no capital. Passa-se das famílias alargadas para as famílias pequenas – estas condicionadas por uma economia de proletariado agarram-se a novas mundivisões).

 

A insegurança do indivíduo na cidade e a instabilidade política citadina teve como consequência o fomento do individualismo que passa a procurar a segurança na nação (Um certo patriarcalismo familiar desaparece e o indivíduo, longe dos seus, procura o seu substituto na nação). A emigração do povo do campo para a cidade leva-o a deixar a igreja na aldeia e a desvalorizar a importância da família alargada (actualmente até a família pequena é posta à disposição dos maiores ataques). Nas cidades as torres da Igrejas começaram a ser atafegadas pelas chaminés das fábricas e pelas torres dos bancos. Mudam-se os costumes mudam-se as mentalidades.

 

A concentração das pessoas na cidade cria um novo tipo de pessoa: surge o cidadão a tecer novos sonhos que posteriormente se revelam, também eles, sem asas, com as naturais desilusões.

 

A família, a geografia, o campo e a agricultura deixaram de ser garantes de valores duradouros e de estabilidade a nível individual e social. O indivíduo distancia-se e afirma-se perante a família: destrona-se o pater famílias, destrona-se o rei; o nós das famílias transpõe-se para o nós nacional.

 

Surge o indivíduo isolado, com menos laços; o que vale agora é a força de trabalho e o capital que ela produz; o citadino, procura agora a estabilidade social e afectiva em novas ocupações e organizações; a vida da polis, a organização laboral e do Estado, fomentam nele o sentimento nacional.

 

A República vai-se afirmando como barco no mar revolto e o cidadão já não vê outra perspectiva senão agarrar-se ao nacionalismo, quando as ondas da economia tumultuosa do século XIX e do início do século XX assolaram as cidades.

 

Uma crise económica e social na Alemanha, na sequência do acordo de paz de Versailles (imposto à Alemanha em 1919), revela-se como acordo fomentador do nacionalismo porque ao estagnar a economia alemã cria instabilidade social que leva ao nacionalismo que preparou a segunda guerra mundial.

 

A solução é ambivalente: Salvar a UE e/ou salvar o destino dos países

 

A crise económica e financeira de 2008 transbordou de tal modo que castigou a classe média e média inferior, aquela que é a base da sustentabilidade das sociedades nos Estados.

 

O Brexit é a consequência e expressão séria do nacionalismo que por todo mundo efervesce. De facto, os políticos da EU que representam os interesses das organizações e relações internacionais encontram-se num beco aparentemente sem saída. Efectivamente, a Europa encontra-se numa situação ambivalente entre os interesses nacionais e os interesses civilizacionais continentais (em concorrência com outras civilizações).

 

Muitos representantes das nações sentem que para resolverem os problemas nacionais teriam de quebrar com as relações da UE (como faz o Reino Unido). A situação é desesperada porque a tentativa de resolução de uma situação pressupõe o ataque à outra de que também se depende. Por um lado, o desenvolvimento da civilização ocidental exige de si uma organização supranacional;  por outro lado, o não desenvolvimento de muitíssimos países no sentido de consciência nacional, de povos nação (típico europeu) exigiria um abrandamento no desenvolvimento do centralismo europeu até agora seguido no sentido de formação de um bloco coeso; o abrandamento teria como consequência o fortalecimento das culturas nacionais a nível mundial e  proporcionaria mais tempo de formação da consciência nacional a países a que o sentimento de Estado-povo-nação não é próprio, devido a uma socialização de tipo mais regional e tribal e a uma outra velocidade civilizacional.

 

As nações não podem sobreviver sós. Surge a ambivalência: salvar a União Europeia ou salvar o destino dos países. Por outro lado, em situação de crise quem difama a ideologia nacionalista esquece que o convívio internacional tem o seu substrato e legitimação nas nações. As relações internacionais e mundiais baseiam-se numa estrutura social e geográfica de um mundo que consta fundamentalmente de nações e a sua destruição conduziria a um internacionalismo caótico que só favoreceria ideologias extremas de uma esquerda improdutiva e ao atropelamento do desenvolvimento de povos (por ex., países africanos delineados pela régua e regras de protectorado) que ainda não sofreram os processos de desenvolvimento social e políticos  a que esteve sujeita a Europa na sua longa história de cultura, conflitos e concorrências que a levaram ao que se tornou no pós-guerra.

 

No meio de tudo isto, e para colocar algumas achas na fogueira do nacionalismo, temos os estados soberanos em dívidas e uma Alemanha, que, em nome da EU, obriga os estados membros a receberem os refugiados muçulmanos que além de gastos trazem consigo problemas exclusivos e o aumento da ameaça. O agir da economia e da política favorece o nacionalismo e este, por sua vez, legitima o autoritarismo e a intolerância. Uma política da ambivalência gera dependentes e fanáticos.

 

A acentuação do imperialismo na EU tem desrespeitado uma digna autodeterminação das nações; para as nações economicamente menos fortes o mercado livre e aberto vai contra os interesses nacionais porque não têm capacidade tecnológica de concorrerem com os mais fortes nem capacidade competitiva na concorrência com economias mais fracas devido a ordenados e estatuto de trabalhadores mais baixos.

 

A classe dominante ocidental queixa-se do nacionalismo russo e chinês e vê-se confrontada com a cultura árabe de caracter hegemónico. Levada pela força da inércia não muda de estratégia e adia o encontro de soluções aferidas e válidas.

 

O nacionalismo e a ideologia hegemónica legitimam o autoritarismo e até a ditadura como se observa no fenómeno Erdogan e Turquia. São fenómenos que incrementam a desconfiança contra o vizinho e, como tal, tornam-se nos melhores armeiros do futuro. Cada sociedade tem a sua economia e as suas crises e gera em cada tempo a ideologia do mainstream e ideologias acompanhantes; de momento garça o nacionalismo de um lado e o esquerdismo do outro, as melhores forjas do fanatismo e do dogmatismo da opinião.

 

A Europa já sente o rumor do nacionalismo no seu ventre. Os EUA, para legitimar novas tomadas de posição, puxam agora do trunfo nacionalista na luta contra a concorrência chinesa que tem beneficiado da economia liberal que deu origem a um grande défice comercial americano em relação à China.

 

Grupos extremistas são os beneficiados de guerras, crises e do caos. Importante é que governantes e governados não percam a cabeça porque o nacionalismo é um tubo de escape em situações de crise; afinal, uns e outros formam a mesma nação; o que seria mais apropriado para uns e outros seria um patriotismo moderado.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (História e Português)

Pegadas do Tempo

A VIOLÊNCIA AUMENTA TAMBÉM NA EUROPA

Forte Emigração de Estados em Decomposição

Por António Justo

 

A realidade criminal na Alemanha

 

A delinquência do dia-a-dia, aliada à criminalidade de motivação ideológica, é “preocupante” como afirma o ministro do interior alemão ao apresentar a estatística criminal de 2016.

 

Em 2016, na Alemanha houve 6,37 milhões de infrações criminosas registadas pela polícia.  Houve 2418 casos de assassinatos e homicídios; 7.919 casos de violações e agressões sexuais; 151.265 casos registados de assaltos a casas.  A quota de esclarecimento geral é de 56,2%. É alarmante o à vontade com que bandos de estrangeiros vão ocupando as grandes cidades.

 

De motivação ideológica ou política registaram-se 23.555 infrações de extremistas da direita, 9.389 infrações de extremistas de esquerda e 3.372 casos de criminalidade de estrangeiros. À conta de requerentes de asilo, refugiados da guerra civil e refugiados tolerados houve 174.438 infratores (nos delitos não estão incluídas as violações contra as leis de imigração; muitas das vítimas são também elas refugiados!) Os infratores provêm na maioria de países da África do Norte; os crimes praticados por sírios  cf. www.bmi.bund.de não são tão frequentes. Dado a política de refugiados ter falhado, a soberania da opinião sobre criminalidade faz parte dos extremos da sociedade. Tornou-se rotina a apresentação da estatística sem que haja consequências a tomar em relação a elas. Enquanto for o povo a aguentar, o Estado prefere branquear a situação. Berlim é a capital do crime, com uma quota de 16.161 infrações por 100.000 habitantes.

 

O problema é cultural e como tal de grande sustentabilidade

 

A esmagadora maioria dos imigrantes é muçulmana e não se integra na sociedade, como revela a recente percentagem de 70% de turcos na Alemanha a apoiarem o ditador turco Erdogan. O partido liberal (FDP) reagiu ao fenómeno desta votação que contradiz a mundivisão alemã de um Estado democrático de direito (e revela a mentalidade da comunidade turca a viver na Alemanha desde há 60 anos), exigindo publicamente que pessoas com dupla nacionalidade só devem ter a possibilidade de votar num país, para evitar conflitos de lealdade. Juridicamente é um caso quase impossível e como tal um tema propício para épocas de eleições.

 

Bandos de jovens do próximo Oriente, Eritreia e da Ásia central afirmam a sua presença nos centros urbanos europeus.

 

Estados em decomposição devido a fragmentações religiosas e tribais produzem bandos criminosos especialmente entre a numerosa juventude abandonada a si mesma que provoca distúrbios nos seus países (bolhas de juventude: Youth Bulges) e avalanches demográficas em direção a países fora de África e do próximo oriente; através da Líbia vêm africanos do sul do Saará (sobretudo da Somália, Eritreia e do oeste africano islâmico). Há muitos grupos criminosos que enriquecem à custa dos movimentos migratórios.

 

Na política de descolonização e de protetorados, o Ocidente criou estados-nação em regiões de cultura tribal cujos interesses são contrários a instituições nacionais centrais (justiça, polícia, administração central). Por exemplo a Líbia tem muitas tribos, mas não tem um povo nacional. Líbia e Somália têm governo, mas não têm Estado (No mundo árabe só Marrocos e o Egipto são países com estruturas estatais estáveis). A Europa incorreu no erro de transplantar a democracia de pluralidade partidária para sociedades de tradição tribal, o que não funciona, porque nelas, os factores de identidade seguem por outras rotas (etnia e religião) à margem da identidade nacional (Cf. “Tribes and State Formation in the Middle East”). Fundaram-se Estados nacionais nominais sem comunidade, muitos deles são Estados em desintegração, como se observa na Somália, Síria, Iraque, Líbia e Iémen, etiópia e Quénia, Nigéria (tribos em revolta). O crescimento da população nestas regiões cria gerações agressivas, sem futuro, que vêm para a Europa como Youth Bulges.

 

É autoengano quando os políticos falam, de poderem fazer face à Integração de pessoas em briga religiosa, étnica e tribal entre elas próprias” como refere o Prof. Dr. Bassam Tibi em Cícero 2/2017.

 

A Alemanha, com a sua política de refugiados descontrolada, favoreceu uma situação imprevisível e quer, em nome da solidariedade obrigar os outros países europeus a aceitar mais refugiados. Em 2015 a Alemanha acolheu quase um milhão e meio de refugiados; a França acolhe imigrantes até um limite máximo de 30.000.

 

A miopia política e a irresponsabilidade de cientistas da migração, para não serem intitulados de racistas, não se atrevem a apresentar análises realistas da situação. (Também é verdade que uma apresentação realista da situação desestabilizaria o sistema político europeu e fomentaria ainda mais os nacionalismos).

 

A tarefa europeia é mastodôntica: criar futuro para a geração sem futuro acolhida e criar um islão europeu compatível com a democracia ocidental.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo