Com o Romantismo nas Pegadas de Portugal

(Continuação do texto “Dia de Portugal – Nas Pegadas de Portugal – Romantismo, Diagnóstico e Cura)

António Justo

A crise de hoje é civilizacional, antes de tudo cultural. Ela atinge mais os países da periferia, levados no redemoinho da globalização e propensos a reduzir-se a macacos de imitação. A crise portuguesa é crónica com muitos problemas chocados em casa. A má condução e aplicação da “Revolução de Abril”, com o abandalhamento do espírito português; a traição dos interesses portugueses nas antigas províncias ultramarinas, e um povo continuamente na rua de ouvidos atentos à propaganda dos dançarinos de Abril, tudo isto conduz Portugal à depressão e reata o ritmo da nação ao ideário do jacobinismo socialista do século XIX.

Outrora, o romantismo, cultura também ela de importação tardia, esforçou-se muito por tapar o buraco do racionalismo francês e por salvar o liberalismo dando-lhe uma feição portuguesa. Para tapar os buracos da ideologia dialécticaactual, ainda se não vislumbra nenhum oásis em que os portugueses se reconciliem, na base duma identidade própria. (Naturalmente que Portugal precisa de inovação e de progresso mas não com os extremismos ideológicos e estrangeirados expressos nos barões de outrora e nos boys de hoje!)

Criar uma cultura nacional portuguesa

O fomento duma cultura nacional portuguesa implica mundializar Portugal dado o ideário português possuir um espírito integral global, forjado no cadinho do cristianismo e das diferentes culturas.

Os românticos são escritores em que a dimensão nacional se torna palco e sentido da sua produção literária. Entendem-se como plataforma da cultura e ao mesmo tempo como crítica dela.

Em consequência das invasões francesas, do refúgio da corte no Brasil, do desenvolvimento das lojas maçónicas, ideais liberais, de revoluções e contra-revoluções, muitas personalidades vêem-se constrangidas a emigrar.

O exílio político dos nossos românticos contribuiu para a evolução cultural portuguesa. Emigrantes como Garrett e Herculano, transmitem com autenticidade temas românticos como saudade, isolamento, revolta amargurada e anseio da liberdade. Garrett desabafa perante o estado da nação e os exageros liberais: “Eu do meu pátrio Tejo desejoso / Deixei nas praias desmontada a lira: / Suas águas, já tão puras; hoje envoltas / Em lágrimas de sangue… / …quando a pátria é morta, / Morrem com ela as Musas.”

Também Alexandre Herculano em ‘A Vitória e a Piedade’ (1833) dá expressão à alma portuguesa romântica: ”…E lá chorei, na idade da esperança, / Da pátria a dura sorte: /

Esta alma encaneceu; e antes do tempo / Ergueu hinos à morte…”

No romantismo, o ideal, o sonho, a emoção o sentimento, fazem parte duma mesma paisagem humana e duma natureza comuns. Ele segue uma espécie de panteísmo místico que constitui como que o cenário base para a relação indivíduo – geografia, indivíduo – paisagem, indivíduo – povo numa identidade participada. Quer construir o futuro mas numa unidade de nação e indivíduo num destino comum enraizado no passado mas aberto ao futuro. Ele questiona uma forma de racionalismo vigente para possibilitar a descoberta do indivíduo sensível e livre. Pretende, na procura duma espiritualidade e duma mística que lhe dê um panorama libertador, libertar das amarras político-sociais autoritárias e dum certo moralismo convencional. O status quo ata o povo à melancolia levando-o a refugiar-se em figuras de heróis que contestam a mediocridade do factual e as máscaras duma sociedade artificial que se opõe a uma subjectividade nascente e inconformada com os limites do dia a dia.

Introduzido em Portugal por Almeida Garret com “Camões e Dona Branca” em 1825, o romantismo afirma a emoção e o sentimento, ao contrário do Neoclassicismo que afirmava a razão. O sentimento e a imaginação são guiados pela liberdade com uma referência sempre ligada à terra e ao povo num estilo coloquial e muito natural. Almeida Garrett, empenhado na propagação do liberalismo, proclamava: ”Este é um século democrático, tudo o que se fizer há-se ser pelo povo e com o povo”. Por isso a literatura assume um carácter pedagógico com intenção formativa. Os poetas querem-se com espírito cívico e democrático com uma reflexão fundada sobre a nacionalidade. Sentem-se os continuadores da obra dos padres numa plataforma cívica. Almeida Garrett preanuncia em “Dona Branca” a nova orientação estética. Renuncia à mitologia pagã para afirmar o maravilhoso nacional. O novo altar é o das tradições nacionais. “Professei outra fé, sigo outro rito, E para novo altar meus hinos canto”. Nas suas obras estão presentes as tradições populares, as figuras históricas, o sebastianismo, a rivalidade com Espanha e o ideal cristão evangélico. Garrett também contribui para a restauração do teatro nacional com a sua obra-prima “Frei Luís de Sousa”. Aqui confessa a prevalência da Literatura sobre a História. “Eu sacrifico às musas de Homero, não às de Heredoto; e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor verdade”. Em “Frei Luís de Sousa” assiste-se ao sebastianismo projectado na fidelidade de Maria e de Telmo que se vê representado no regresso de D. João de Portugal, o primeiro marido. À ocupação filipina procura afirmar-se a dignidade nacional preservada num certo sebastianismo.

A revolução liberal de 1820 empenha a intelectualidade portuguesa. Os românticos da primeira geração revelam-se personalidades do equilíbrio não perdendo, no seu entusiasmo iluminista, a perspectiva da paisagem natural mantendo-se com os pés no chão pátrio. Garrett e Herculano fazem parte do movimento revolucionário liberal, contribuindo também eles para a derrota miguelista.

A implantação do romantismo com “Camões” e “Dona Branca” dá-se sob o signo dum liberalismo humano baseado nos valores de liberdade, igualdade e soberania da nação.

Com Herculano surge uma consciência nova duma história crítica mas integral. Alexandre Herculano em “Eurico o Presbítero” torna-se porta-voz dum romantismo liberal conservador e respeitador da tradição religiosa portuguesa, contra o jacobinismo militante e contra o populismo ideológico vigentes. Herculano defende o municipalismo (democracia biotópica e não ideológica) contra o centralismo; ele critica o clericalismo e o socialismo e defende um liberalismo e um cristianismo evangélico como se pode ver no “Pároco de Aldeia”. Herculano luta pela implantação dum liberalismo português e não francês. Ele lamenta que o país viva sem conteúdos culturais profundos e que a preocupação intelectual portuguesa se esgote pois “todos os cuidados estavam aplicados às misérias públicas e aos meios de os remover”.

Oliveira Martins constata também: ”Uma das mais conspícuas aventuras do Romantismo foi decerto a tentativa de criar uma tradição nacional portuguesa…” O romantismo vem tapar o buraco cultural criado por ideologias socialistas não aferidas. Fomenta uma literatura de empenhamento cultural tendente a provocar uma reforma das mentalidades no povo. O problema será o da ideologia e do jacobinismo mais interessados nos dividendos da revolução liberal do que no empenhamento cultural e na transformação do povo.

Assim à geração Garrett/Herculano (1825-1850) segue-se a geração convencionalista dos instalados à sombra dos ministérios e da administração, liderada por Castilho em que, sob o seu mandarinato, se impõe uma literatura oficial. Alberto Ferreira descreve a situação deste modo:”Convulsivamente, o artista aceita o predomínio social e político do barão, cede às prepotências mundanas ou às imposições do público… cada um, mais ou menos, acaba por sucumbir às solicitações e apelos dos instalados, à coacção da mediocridade… O escritor ora cede às imposições familiares ora se deixa absorver pela burocracia estatal”.

Não admira, assim, que, na feitura literária passem a dominar os aspectos formais, e o espírito criativo se esgote na vernaculidade da palavra, na ortodoxia da sintaxe e na correcção métrica. Dá-se o emburguesamento mental e o escritor perde a capacidade crítica, como convinha ao rotativismo partidário da governação.

Depois, a geração de Antero de Quental, com a “Questão Coimbrã”, consegue maior autenticidade e perspectivas de visão. Ele luta contra o mandarinato de Castilho e certas fraquezas ultra-românticas, contra convencionalismos e oportunismos mas desilude-se. O socialismo leviano português não compreendeu, ontem nem hoje, a profundidade do pensamento português de Quental. Quental mata-se desiludido do socialismo e talvez dum Portugal que não aprendeu a entender-se a si mesmo. Um Portugal que, tradicionalmente vai adiando a vida, atraído por ideias de ocasião que as modas políticas vão exibindo.

Como outrora também hoje se precisa de janelas abertas e rasgadas que permitam maiores panoramas à alma portuguesa. Necessitamos, além de fazedores, também de videntes e admoestadores ao serviço de todo o povo português. No deserto de Portugal não chegam as miragens precisa-se também de oásis. O romantismo queria levantar a nação e ao mesmo tempo dar-lhe profundidade com a fantasia e a inspiração, ao contrário do que faziam e fazem os nossos figurinos de casa vivendo da cópia ou do ditado alheio.

Percurso de Portugal previsto já em “Viagens na minha Terra”

António Justo

“Viagens na minha Terra” a obra de Garrett que deveria constituir leitura obrigatória para todo o bom português é uma viagem ao “espaço” português, um espaço polivalente que possibilita os mais variegados trajectos ideológicos. Garrett apresenta nesta obra os diferentes componentes políticos, culturais, históricos e ideológicos em curso. Para ele o povo é puro, autêntico e tem bom gosto enquanto que a sociedade urbana e burguesa é “espuma descorada”, superficial e artificial.

No herói da novela, Carlos, dá-se uma transformação do Homem Natural para o Homem Social. Nas Viagens prevalece a ideia rousseauriana da bondade natural do indivíduo, numa mística cristã e num ambiente idílico longe da perversão social modernista.

As viagens comprovam a crise de valores e a situação político social com os seus conflitos de idealismo e materialismo. Dum lado os ideais do amor pátrio e da arte e do outro o mundo mesquinho utilitário e artificial. Nele se vê o aguilhão da cultura portuguesa no conflito frade – barão. O barão aproveita-se da confiscação dos bens fundiários das ordens religiosas e duma igreja acomodada, originando-se assim uma oligarquia de barões ricos.

As Viagens resumem: “O frade era, até certo ponto, o Dom Quixote da sociedade velha. O barão é, em quase todos os pontos, o Sancho Panca da sociedade nova. Menos na graça… O barão é pois usurariamente revolucionário, e revolucionariamente usurário. Por isso é zebrado de riscas monárquico – democráticas por todo o pelo”.

Os barões de hoje reportam-se aos cravos do seu Abril, vendo Portugal com os olhos colorados de Abril mas não com os olhos de Portugal. Encostados também eles à administração pública e partidária deixam Portugal sangrar. A sua má consciência é branqueada com ideias ou invertida em combates contra redutos cristãos ou contra uma Igreja já não existe, ou à maneira quixotesca com palavras vazias como progresso, inovação, mudança, reformismo. A questão porém não está no ter mas no ser…

Uma coisa é comum ao liberalismo, ao republicanismo e ao 25 de Abril: a desilusão. Nestas três “revoluções” mancharam-se os ideais da igualdade e da justiça. Em “Viagens na minha Terra” constata-se com resignação que a oposição natural ao progresso é constante pois “o mundo sempre assim foi e há-de ser” e verifica-se que os que se apoderam das revoluções se apoderam sempre das instituições estatais. O “status in statu forma-se: ou com frades ou com barões ou com pedreiros – livres se vai pouco a pouco organizando a influência distinta, quando não contrária, às influências manifestas e aparentes do grande corpo social. Esta é a oposição natural do progresso…” Os arautos das revoluções tornam-se barões. As revoluções tropeçam nos seus próprios mentores. Certamente por estas razões uma das primeiras acções governamentais de Mário Soares foi reabilitar a Maçonaria.

Na novela, Carlos simboliza o Portugal progressista e Joaninha o Portugal tradicionalista. Carlos representa o conflito ideológico e psicológico com Frei Dinis, seu tio (antigo regime). Ele busca nas novas ideologias, nas lutas liberais o afastamento das suas origens naturais. No seu trajecto, Carlos transforma-se, degrada-se e faz-se barão. Joaninha permanece fiel aos ideais de amor e de autenticidade, de que não abdica e morre doida. Carlos segue a razão e o progresso; Joaninha segue o coração e a tradição.

Já tarde, Carlos escreve a Joaninha, a única com quem ele realmente pode falar abertamente e confessa (e com ele a Revolução): “estou perdido para todos, e para ti também… Estou perdido. E sem remédio, Joana, porque a minha natureza é incorrigível. Tenho energia de mais, tenho poderes de mais no coração. Estes excessos dele me mataram…e me matam”.

Com esta confissão se declara o falhanço do liberalismo português, que foi o falhanço do republicanismo (a primeira democracia portuguesa) e que está a ter continuidade nos indícios de fraqueza crónica da nossa democracia de Abril.

Carlos protagoniza o percurso histórico de Portugal e em especial o do liberalismo e do 25 de Abril.

Uma vez desmistificada a revolução francesa (e ultimamente a Russa) trata-se agora de desmistificar a revolução dos cravos para se poder passar a desmistificar o sentimentalismo português e, na reconciliação de razão e coração, se dar perspectiva à vida nacional e individual abrindo a janela da poesia e da acção no sentido da reconquista de Portugal. Então a literatura, a poesia tornar-se-ão, não em instrumentos ideológicos mas em factores correctivos da política e factor formador do povo, tal como queria o romantismo. Para isso, os conservadores terão de acordar do seu sono deambulatório e os progressistas têm de deixar o seu espírito mercenário, para juntamente descobrirem que o globalismo, a modernidade e a democracia se encontram já nas origens da nação e da terra lusitana e não nas ideologias e modas estranhas.

Há entretanto uma chance que passará pela transformação e integração contínua do nosso ser de Carlos e de Joaninhas sem a perca da própria identidade. Integrar o progresso na tradição e a tradição no progresso, esta deverá ser a missão de governos e de cidadãos. Para isto pressupõe-se uma capacidade de auto-reflexão e de integração e a vontade de se ser povo, de se ser português não abdicando das diferenças e de se ser homem/mulher livre em processo.

António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”


DIA DE PORTUGAL – NAS PEGADAS DE PORTUGAL

A Festa repete-se e Portugal também

António Justo

Romantismo – Diagnóstico e Cura

Também, este ano, alguns portugueses celebrarão o seu dia de Portugal. A maioria terá dificuldade em festejar por viver fora de Portugal ou porque as preocupações pela sobrevivência não deixam espaço para festejos. A comemoração oferece, porém, uma oportunidade para se frazer o ponto da situação. Que dia de Portugal se continuará a celebrar: o macho ou o fémia, o dos seus representantes ou o do povo?

Ao compararmos o Portugal de hoje com o de ontem, verificamos que repete os mesmos vícios e virtudes do regime liberal e republicano. A nível de processo íntimo, as revoluções em Portugal parecem decalcáveis: os mesmos mitos, as mesmas lutas, os mesmos mostrengos, as mesmas ideias, a mesma estratégia, os mesmos políticos (desdobráveis) e os mesmos erros, a mesma mentalidade. Cada nação tem a sua doença colectiva específica. Diagnosticá-la será já meio caminho andado para a sua cura.

Em “Viagens na minha Terra”, Garrett faz uma descrição modelo da situação e dos problemas do Portugal de sempre. Nos protagonistas da narrativa, Carlos, símbolo dos progressistas e Joaninha, símbolo dos tradicionalistas, temos uma boa diagnose aplicável à actualidade sobre a situação dos partidos e da cultura portuguesa num Portugal que teima ser irreconciliável.

O romantismo liberal inicial de Garrett e Herculano, tal como, depois, o de Antero de Quental procuram aportuguesar o liberalismo (masculino) e o socialismo político importado (inicialmente bravio depois oportunamente acomodado) e dar-lhe uma perspectiva lusitana (feminina). Constatam o falhanço do projecto de liberalizar e democratizar Portugal. Portugal falha pelas mesmas razões que Carlos e Joaninha falharam. O comodismo instalado e o espírito Sancho Pança predomina em todos os sectores nacionais dominal a camada responsável.

O desenrolar da democracia do 25 de Abril parece seguir os mesmos passos encontrando-se já na fase da “desistência cívica”. Por isso desejo lembrar dois autores românticos, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, cujo ideário se encontra na continuação genuína da originalidade nacional e de Camões e, bem analisado, poderia dar impulsos novos e correctivos, atendendo que apresentam as mais variadas perspectivas do espaço português.

O protagonista Carlos, de “Viagens na minha Terra”, símbolo de Portugal do progresso abandona a província (Santarém) e assim enjeita Joaninha (cultura tipicamente portuguesa) incompatibilizado, ao mesmo tempo, com Frei Dinis (antigo regime) e vai à procura de novos ideais para a cidade (liberalismo) envolvendo-se nas lutas liberais (conflitos entre socialistas e conservadores). Neste novo espaço transforma-se e conhece, entre outros bens, a cor da luz dos olhos da Georgina e da Soledade (os belos corpos duma modernidade que permanece alheia). Depois de desenganos e frustrações volta a Santarém (cultura tradicional nacional) mas aí sente-se já estranho; tinha-se mudado e a mudança tinha sido tão radical que já não comportava a integração da memória no seu ser. Entretanto foi-lhe revelado que era filho do padre Dinis (um sinal talvez de que deveria reconciliar a tradição com o progresso ideológico, o pólo masculino com o pólo feminino da nação). Pelo contrário, desiludido da ideologia e da terra, que já na pode amar porque a ideologia e os bens o tinham desnaturado, volta à cidade e faz-se barão. Declara-se perdido. Joaninha enlouquece e falece.

Esta tem sido a perspectiva dum Portugal insatisfeito fatalmente irreconciliável consigo mesmo. Em Carlos podemos ver a masculinidade portuguesa infiel e homossexual que vive dos bordéis estrangeiros e em Joaninha a feminidade portuguesa fiel mas fechada em si mesma quase lésbica. Este é o problema de Portugal. A sua masculinidade e feminidade não se integram num todo. A luta do saber cínico (Carlos) contra a crença ingénua (Joaninha) conduz, segundo a experiência histórica, a uma portugalidade amorfa e indiferente. Isto conduz àquela “apagada e vil tristeza” dum Portugal não vivido mas com a ilusão de viver que lhe vem da sua divisão num Portugal de alguns tantos eremitas e poetas refugiados, de alguns barões da ceita e dum resto lamuriento.

O carácter másculo da revolução desmistifica a vida nacional fazendo dela um deserto desconsolado e mono-perspectivo. Não percebe que uma nação vive de muitas fidelidades. Não chega a mudança pela mudança como pretende o touro revolucionário, é precisa a fidelidade duma relação que possibilite a evolução.

Portugal ajoelhado e preso ao cadeado do racionalismo francês

O destino de Carlos e de Joaninha são, até agora, o destino de Portugal, o destino dum Povo fracturado. Foi este o destino da época do Marquês de Pombal, da época liberal, da época republicana e parece ser o futuro da revolução de Abril com a sua democracia. Nas diferentes épocas referidas repete-se o mesmo esquema: estrangeirados e sequazes importam a ideologia renovadora e, com ela, o seu espírito jacobino e dialéctico. Falta-lhe a própria reflexão, a reflexão portuguesa. Não chega o esperma da ideia, é preciso o corpo da nação em que ele fecunde. Portugal tem desonrado a nação (cultura nacional) dando mais carinho à amante do que à mulher!… O racionalismo francês, incorporado no socialismo português tem andado inebriado de si mesmo deixando-se levar pelo som das próprias patas em direcção duma direcção sem orientação. Vai sendo tempo de Portugal deixar de ser o bordel de alguns rufiões. Estes têm que integrar a feminidade em vez de a violarem.

Portugal serve o estrangeiro descurando o seu ser e os seus interesses. As revoluções, não aferidas ao espírito português, tornadas apanágio de alguns e desconhecedoras do seu ser cristão, monista e panteísta, tornam-se ciclos viciosos. Assim os que se apoderam de Portugal comportam-se, no país, como senhorios ao curso dos ventos estrangeiros, determinando, de suas “lojas”, o sentir e o ser dos seus inquilinos. Dançarinos do poder e da cultura importam as ideologias da França (ou Rússia) com o prejudicial jacobinismo como se tratasse da importação de máquinas.

Em Portugal quem consegue viver de fora não vive mal. Metade dos portugueses vive fora de Portugal e a outra metade vive dos de fora. Também o pensamento e a reflexão têm sido artigos estranhos de importação. Não chega pernoitar com eles.

As crises sociais e políticas portuguesas repetem-se ciclicamente como os ventos. O vício comum tem sido o desinteresse e irreflexão cultural, acompanhados pelo jacobinismo dos renovadores liberais, republicanos e socialistas (abrilistas). Estes são individualistas e internacionalistas a quem falta a consciência pátria; são os continuadores dos oportunos que na batalha nacional de Aljubarrota se puseram, à margem do povo e ao lado de Castela, que prometias mais comendas. Se, à custa do povo e da cultura nacional uns se puseram ao serviço dos interesses de Castela, os posteriores puseram-se ao serviço da França (maçonaria saúda os invasores franceses) e finalmente (entrega das províncias portuguesas à hegemonia comunista com o 25 de Abril) do socialismo russo e cubano. Um povo vazio, sem ideia nem ideias, facilmente se deixa levar pelos vendedores da banha da cobra que ciclicamente aparecem na arena pública. Portugal se quiser sarar terá de descobrir a sua feminidade e criatividade. Para isso terá, porém, de voltar aos berços da nacionalidade.

Não chega que alguns estranhos à cultura e ao povo, se aproveitem do 25 de Abril e de Portugal, tal como os barões se aproveitaram da revolução liberal. Estes sim, têm razão para festejar e se congratular com os proveitos da revolução; para a nação deixam a ideologia requentada. O problema deles é, não terem nascido do húmus, nem da reflexão portuguesa, faltando-lhes assim um conceito de cultura nacional processual, tornando-se eles mesmos no impedimento duma evolução portuguesa normal e equilibrada de espírito livre e desenvolvido à margem de complexos másculos nem fêmeos. O viver do encosto provoca no povo uma atitude de encostados das instituições.

Um socialismo militante, irreflectido e desintegrado e um conservadorismo emocional e burguês, sem tradição teórica nacional básica, têm sido os ingredientes que fazem do destino de Portugal o destino de Carlos e Joaninha.

Para festejarmos temos primeiro que restaurar Portugal, teremos de nos tornar Carlos e Joaninha mas reconciliados. Doutro modo não passaremos duns machistas da nação sempre à procura dum outro pão.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

(Continua em: “Com o Romantismo nas Pegadas de Portugal”)

Estacionamento ilegal de Soldados no Kosovo ?

O partido alemão „A esquerda “ apresentou queixa constitucional contra o Estado pelo envio de soldados alemães para o Kosovo.

Com a independência do Kosovo a Resolução 1244 das nações Unidas, que legitimava o envio de tropas, deixa de ter efeito. A nova situação não justifica a presença de soldados estrangeiros no país. Por isso o partido “Die Linke” apresentou queixa junto do Tribunal Constitucional em Karlsruhe contra o prolongamento do mandato de envio de soldados para aquela região.

Argumentam também com o Direito das Nações que proíbe a separação unilateral de minorias e no caso de separação exige o acordo das partes.

O governo fundamenta o envio com base no pedido do governo do Kosovo legitimado pela resolução 1999 do Conselho para a Segurança Mundial.

Ontem, o parlamento alemão legitimou o prolongamento do mandato de envio de soldados com 499 votos a favor, 57 contra e três abstenções.

A situação insegura no Kosovo manter-se-á até que a maioria muçulmana, no prosseguimento da sua intenção, assimile os sérvios. Até lá os governos prolongarão a sua presença na região começada há dez anos.

Enquanto que aqui se apoia uma colonização assistida em África deixam-se os povos abandonados ao processo de colonização interna.

Quando o interesse das potências está em jogo a lei ocupa um lugar secundário. Todas as intervenções na antiga Jugoslávia se deram por interesses da Alemanha e de interesses estratégicos europeus, sem que a lei os cobrisse. Na África, onde há irregularidades retumbantes e grupos dizimam outros grupos, aí não há lei nem interesses que motivem intervenções? Ou será que a vida dos africanos não é tão apreçada nos mercados do poder?

Neste caso o Direito é muito maleável e prevê mesmo as curvas mais apertadas.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL ABUSA DO REGIME DEMOCRÁTICO

Conjura dos Especuladores Globais provoca a Crise Financeira Mundial

A necessidade dum sistema financeiro global, o falhanço da alternativa socialista, a fraqueza dos sistemas políticos, interesses políticos e económicos interlaçados e nas mãos de sistemas comuns, são os ingredientes mais relevantes da crise económica em curso.

O povo cada vez arqueja mais com a carga de trabalhos mal pagos e de impostos; sente-se não tomado a sério pela elite. O capitalismo desculpa-se com a falta de formação das pessoas para possíveis empregos e tem o descaramento de afirmar que a injustiça é mais uma questão de sentimento. Por outro lado, embora em conivência com a política, a Economia desculpa-se com os políticos apontando-os, em voz baixa, como responsáveis na intenção de os usar como ópio para iludir o povo. Esperam do político que este crie uma atmosfera de optimismo crente que deve ver na moral um impedimento do desenvolvimento. Relegam a moral para a Igreja ou para a religião e mesmo aqui só na função de meio anestesiante.

A distribuição da riqueza e do bem-estar nacional bem como a possibilidade de acesso a elas, cada vez se tornam mais injustas. Não pode haver confiança numa ordem económica que não é justa no reconhecimento do trabalhador e que despreza mesmo um mínimo de ética social. O dinheiro, a proveniência social e a pertença a uma classe social, como na sociedade arcaica, determinam cada vez mais o currículo das pessoas.

O trabalho deixa de ser valorizado em favor da especulação. Não vale a pena trabalhar, não se reconhecem os talentos e a diferença do que recebe quem trabalha e quem não trabalha não motiva ao trabalho. O sistema tem bons mecanismos de defesa. A revolta impede-se financiando-se muitos milhões de desempregados e casos sociais com esmolas humilhantes. Numa sociedade cada vez mais virtual, os talentos só são reconhecidos nos centros da grande especulação.

Os ganhos são privatizados e as perdas socializadas

A ordem social presente é boa para os mais fortes. Quando o Presidente da Alemanha, Horst Köhler, um economista de grande relevo, se vê obrigado a afirmar que os mercados financeiros internacionais se tornaram monstros, a situação tem de ser mesmo caótica. Foi sintomático o facto da alta finança e dos bancos engoliram isto em seco e se calarem. Embora o governo alemão os tenha subvencionado com biliões de euros, para impedir a sua bancarrota e a perda de confiança no sistema bancário, os banqueiros não se dignaram pedir desculpa ao povo pelos erros cometidos.

A crise financeira com a cumplicidade dos bancos está a ser paga pelos contribuintes e não por aqueles que a causaram. Políticos e banqueiros arranjam-se entre eles e depressa, para que o povo não note o que realmente acontece. Aqui a solidariedade de baixo para cima funciona, tendo os pequenos de pagar as bolhas de ar dos bancos. Impede-se que bancos vão à falência e que milionários percam o dinheiro da própria especulação. Depois falta o dinheiro ao Estado noutros lugares. Os lucros da prosperidade são distribuídos injustamente.

Os operadores que investem globalmente e especialmente na índia e na China precisam dum sistema financeiro global. O mundo financeiro impera, à custa da disciplinacão do bem-estar do proletariado europeu e da calasse média. Esta é que suporta os riscos. Trata-se duma socialização do desenvolvimento, agora à custa dos mais carenciados em todo o mundo, atendendo a que, por toda a parte, quem sofre é a classe desfavorecida.

O valor do dinheiro é artificial, dependendo da procura especulativa sem um valor correspondente real de depósito em ouro como era outrora. Agora o ouro dos bancos são os cidadãos que funcionam como fiadores através dos impostos que entregam ao Estado. Os banqueiros que provocaram a crise são licenciados com indemnizações de milhões ou com reformas de sonho. Também os grandes accionistas não são castigados porque o Estado cobre a sua ganância e encobre as suas falhas. O Estado que só está interessado em impostos ajoelha-se perante a praga dos gafanhotos, os accionistas especuladores que, por sua vez só se interessam com lucros desmedidos. Um Estado no Estado. Nas inspecções e conselhos fiscais têm assento os políticos que são bem servidos. Nesta crise deixaram o rabo de fora mas pouco se mudará até nova crise financeira. Não se preocupam com a institucionalização de sistemas de alarme preventivo porque o povo é o fiador e os responsáveis entretanto safaram-se.

Um sistema que tão bem vive do sistema democrático não deveria humilhar a democracia nem os cidadãos a ponto destes se virem obrigados a compreender o terrorismo anónimo como única forma de reagir ao anonimato duma economia desumana.

Este sistema financeiro não se torna mais justo apesar de incluir nele também os especuladores árabes e asiáticos. De facto, a generalização do bem-estar pretendida pela globalização, a nível mundial e que deveria ir em benefício também da população simples, está a ser aproveitada por especuladores sem escrúpulos das oligarquias internacionais. O mundo preciso é de reduzir o número de pobres e não de aumentar desproporcionalmente os exploradores desalmados dos Estados.

A criatividade e a inovação têm de se orientar para o bem comum do povo. Seria falso se este sistema económico incontrolado viesse a justificar um socialismo barato administrador da miséria. A arrogância dum capitalismo exagerado fundamenta-se na constatação de que os agrupamentos ideológicos que lhes poderiam fazer frente não têm autoridade nem cabedal ideológico capaz pelo facto de continuarem presos nas ideias materialistas dualistas do século XIX já ultrapassadas pela realidade e pela ciência.

Urge interromper nas sociedades o automatismo da pobreza. Um sistema económico e social em que todos trabalham no duro e apesar disso só proporcione à maior parte da humanidade a dureza da vida do dia a dia não se pode legitimar a si mesmo nem dar resposta a pessoas com um estado mais desenvolvido da consciência. O capitalismo tem que recuperar o seu rosto humano que perdeu a partir da reunificação da Alemanha.

António da Cunha Duarte Justo

O Problema da Democracia é o Problema de Deus

Secularização e Religião, duas Faces da mesma Moeda

António Justo

O sistema democrático bem como a sociedade liberal não crê, quer apenas administrar as crenças. Falta-lhe um tecto metafísico.

Tal como o capitalismo dos países nórdicos precisou dum protestantismo que lhe desse conexão e projecção, assim a nova sociedade democrática precisará dum cristianismo místico, capaz de dar resposta às novas exigências no respeito dos diferentes biótopos, de que se torne o tecto. Um povo sem transcendência perde a sua consistência e a perspectiva do futuro. Enquanto a democracia não recriar Deus verá aumentar os seus problemas sociais e humanos. Não chega um sistema económico ou cultural para lhe dar estabilidade e perspectiva. Também não chega fundamentar a ética no pragmatismo oportuno do dia a dia. Para darmos perspectiva à sociedade e seus sistemas terá de se operar uma colaboração interdisciplinar, infraestrutural a nível de toda a sociedade à semelhança do que acontece no reino vegetal e biológica, numa solidariedade orgânica. O leme do futuro para todos os sectores da realidade e da sociedade será: cooperação em vez de confrontação, num processo de transformação aberta mas coerente.

A crise metafísica da sociedade ocidental é semelhante à crise dos deuses da sociedade romana, que com Constantino, num acto de inteligência previdente, conseguiu adiar dando a liberdade ao cristianismo, condicionando-o embora. Naturalmente que o problema estará em saber que Deus poderá dar resposta satisfatória às necessidades individuais, sociais e globais dos problemas humanos e da sociedade. O problema do politeísmo democrático poderá ser solucionado, no mundo ocidental de carácter global, com a redescoberta do monoteísmo trinitário. Aqui terão que se empenhar teólogos e outros intelectuais para revitalizarem o carácter místico do cristianismo (anterior à reforma constantiniana). O cristianismo, na devida altura, deu forma a uma sociedade europeia em expansão baseando-se numa teologia petrina (dialéctica) e numa estratégia paulina de comunicação. Agora, que o Ocidente deixa o seu carácter expansivo para entrar na fase da consolidação e globalização, a sociedade já se encontra mais madura para poder compreender a necessidade de implementação da teologia joanina (mística) numa pragmática da realidade trinitária. Uma visão perspectiva (dualista) da realidade terá que ir dando lugar a uma visão e a uma estratégia aperspectiva (integral) de acesso e interpretação da existência.

Só na distância se reconhece o horizonte do lirismo e da metafísica, o significado da vida individual e colectiva. A sombra da omnipotência dá à realidade o brilho do seu significado. Para uma vida social significativa e com sentido não chega a luz da razão; também o coração conhece razões que a razão não conhece, recordava-nos Pascal. O espírito é silencioso, não dá nas vistas, mas é a essência da vida. Já se ouviu alguma árvore a crescer? A configuração da banalidade factual limita-se demasiado ao ouvir e ao ver! Se quisermos salvar a democracia temos de descobrir uma nova metafísica, ou melhor, temos de a desenterrar das catacumbas da religião. A política e a religião (cultura), para dar resposta aos grandes problemas do futuro terão de se preocupar com o problema metafísico a nível de Estados, de povos e de pessoas…Não chega a expansão oportunista dum capitalismo globalizado com os governos como acólitos. A física mecanicista e a filosofia materialista já foram ultrapassadas, teoricamente, nos fins do século XIX e princípios do séc. XX. Urge aferir o ideário.

A democracia para evitar o problema da “verdade absoluta” e o Deus concorrente, espalha o relativismo moral e o pragmatismo como doutrina oficial reduzindo para isso o papel da filosofia ao cepticismo. Na sua prática é politeísta. O politeísmo porém não consegue ser global nem dar consistência a um sistema orgânico global. A ausência de parâmetros e de fundamento estável questiona, assim, a legitimação de todos os sistemas, também do democrático. A vida dum povo e duma pessoa não pode ser reduzida a uma filosofia que se fundada apenas no banal factual ou em necessidades imediatas. Tal como o universo tem um fio condutor teleológico, também ao desenvolvimento dos povos e da pessoa está inerente uma força teleológica. Tudo se subordina à lei da ressonância e da harmonia.

O contrário conduz à cedência ao pragmatismo que implica uma entropia da sociedade que leva o Estado a colaborar com estruturas meramente dualistas de domínio não integradas no conjunto. A afirmação da dissonância em vigor faz lembrar as pragas do Egipto. Os grandes expropriam os pequenos não só das suas riquezas materiais como até dos bens espirituais. A radicalidade de uns condiciona a dos outros e o que é pior ainda parece dar razão àqueles que dividem o mundo entre os dominadores da cultura e os dominadores da economia. Parece que poder religioso e poder económico se necessitam como concorrentes num equilíbrio de forças. Enquanto as religiões se não preocuparem seriamente com a espiritualização dos fiéis, a luta duns pelo domínio dos bens espirituais e dos outros pelos bens materiais continuará nos moldes conhecidos polarizando e produzindo uma maioria vítima inconsciente. Os vencedores encontram-se do lado do poder, o resto continua massa.

O equilíbrio na conexão da realidade da vida social e individual, material e espiritual parece estar numa relação de necessidade tal como a relação dos corpos celestes que se encontram numa correspondência de equilíbrio de massa e forças. A nível superficial, se não fosse a interligação da massa e as forças centrífugas e centrípetas que mantêm os corpos, estes desconjugar-se-iam. A sociedade moderna e post-moderna não se preocuparam com o factor teleológico. Vergou-se ao predomínio social e político de elites irreflectidas que possibilitando embora um desenvolvimento epidérmico abdicaram do seu papel condutor para cederem à mediocridade instalada nas instituições sociais e do Estado. Os intelectuais, a universidade, a escola, a igreja, os políticos, os jornalistas e a economia abdicam do seu papel num Estado cada vez mais anónimo e repressivo que fomenta a destruição da classe média e deste modo a consciência cívica.

Um materialismo e um espiritualismo excessivos criam problemas em vez de soluções. São modelos dualistas que se excluem mutuamente. Também no universo religioso se encontram respostas mais ou menos problemáticas porque imbuídas do espírito dualista que reduz tudo à exclusividade. Se o Islão apresenta uma resposta cultural fechada, o cristianismo, que já satisfez a sua missão dos dois primeiros milénios, terá de se esforçar por encontrar uma resposta civilizacional universal aberta para este e para os restantes milénios. Se o islao implica a construção duma identidade fechada o cristianismo implica, na sua essência, uma identidade aberta. Para isso será necessária uma nova reflexão do religioso, aberta à mística em que secularistas e as várias religiões colaborem no encontro de respostas integrais. O Ocidente terá que redescobrir o cristianismo e purificá-lo de cargas culturais históricas para que a nova sociedade se torne compatível, à luz da fórmula trinitária, possibilitadora da interferência dialogal de materialismo e espiritualismo, tal como se realizou em Jesus Cristo. A alma do Ocidente, quer queiramos quer não é o Cristianismo. Esta alma purificada do domínio e da lei é a alma do mundo! A sociedade aberta será a consequência da verdadeira sociedade cristã, chamada a implantar e construir a relação nobre e nobilitante. Na fórmula trinitária não há discriminação nem a afirmação pela negação. Domina a relação da ressonância e da harmonia. A matéria Jesus não se rebela contra o espírito Cristo.

Toda a sociedade, toda a nação que reduza o religioso a um mero assunto privado desconhece a realidade e a complexidade da pessoa humana, não podendo estar à altura de lhe dar resposta aferida. A religião por seu lado precisa duma força secular que a impeça da tendência do abuso do poder ou da tentação hegemónica. A instituição religiosa é necessária também como correctivo do poder político que tende, por natureza, a instrumentalizar o cidadão. O problema tanto do chefe político como do orientador religioso é ambos cheirarem a próximo passando a política e a religião pela sua fraqueza individual e epocal.

Trata-se portanto de impedir fundamentalismos quer de carácter secular quer de tipo religioso e redescobrir, através dum esforço comum empenhado, os tesouros cristãos que se encontram entulhados debaixo da nossa civilização e que são património de toda a humanidade.

António da Cunha Duarte Justo

Mestre em Teologia