De Férias por Terras de Portugal

Acabo de passar férias em Portugal na “Quinta Outeiro da Luz” na Branca: uma terra amena do Norte, perto de tudo e de todos, onde o mundo ainda parece encontrar-se em ordem!

A uma distância suficiente de Lisboa, reflecte bem a paisagem e a cultura portuguesa. Enquadra-se nas Terras de Santa Maria, a 60 km de Coimbra, a 50 do Porto, a trinta de Aveiro e a trinta da Serra da Freita. Nesta terra acolhedora e farta, pertencente a Albergaria-a-Velha, as pessoas, mesmo desconhecidas, ainda se saúdam na rua e conjugam equilibradamente a tradição com a modernidade.

A vida e o progresso desta terra mostram que palavras-chave como indivíduo, família, propriedade, economia liberal, igreja, permanecem mensagens válidas e promissoras de futuro.

Aqui ainda se servem, bem e barato, os tradicionais pratos da cozinha portuguesa. Por isso ia todos os dias comer ao restaurante P…, onde, com mais três pessoas, pagava, no conjunto, um total entre 16 e 20 euros. Naturalmente que aqui não se pagava nem esperava o requinte e o artificio mas era-se compensado com a simplicidade, a atenção e a alegria, características do povo trabalhador nortenho.

A beleza da paisagem, a riqueza da cultura, as festas e eventos exuberam por todo o lado.

De resto: um país maravilhoso com um grande povo em contínua elaboração, ainda por completar; um país medíocre, se atendermos aos seus governantes autistas; um país à margem do seu povo e da nação, se atendermos à sua Administração e outras instituições relevantes; um país de envergonhados e desavergonhados, se atendermos a uns e a outros; um país excepcional que subentende a excepção à regra.

Regresso contente mas com um vago sentimento de pena: de pena da gente simples, de pena dos cães e animais ainda não respeitados; de pena de tantas esperanças desbaratadas e de tanto trabalho dispendido mas sem o resultado que seria de esperar.

Regresso com a impressão de ter contactado um povo em estado de erosão. Verifiquei um certo espírito de indolência e de indiferença que se refugia na nostalgia dum imaginário prometedor mas enganador. A maioria vive sufocada pelas amarras da informação, do telejornal, das telenovelas e do artificialismo político. Um cinismo sub-reptício parece ganhar forma.

No espírito de muitos falantes parece pairar um certo individualismo emigrante: o reverso do sebastianismo.

Cansados do centralismo da capital e dum alarido político que tudo domina e ameaça destruir as sub-culturas mais recônditas e sossegadas, muitos, parecem ter já resignado e encolher os ombros, entregando-se à inércia de poderes governantes, que a força do destino ciclicamente vai colocando: os deuses do Olimpo democrático é que podem e sabem!….

Uma cultura política de lugares comuns vai vivendo do povo e da nação. O contento dos contentes parece implicar necessariamente o descontentamento agachado do povo português. Este tira à cultura e ao descanso o que lhe falta para a boca. Se em Lisboa se vive do sarcasmo e da ironia, um sentimento individualista leva o homem da província a evadir-se e a distrair-se da própria impotência e da impotência da nação. Parece restar-lhe assumir o cinismo vigente nos corredores ministeriais de Lisboa, que se ri de Portugal como nação.

Quem vê Portugal, como eu o faço agora da Alemanha, fica com a impressão que falta a Portugal uma atitude de pensamento. Este parece derramado pelas toalhas das mesas das elites da nação, a que falta um modelo consensual de elites de Portugal.

Assim se vai destruindo a nação e a natureza reduzindo-a à medida dos planos, dos planos de outros!….

A ideologia do progresso parece quer distrair-nos de pensar, alucinando-nos. Quer-se a mudança pela mudança sem respeito pelo dado; não se dá tempo para a mudança, nem se reserva tempo nem há capacidade para a reflectir. È mais fácil seguir a música dos outros. É mais fácil ser-se dançarino do progresso das palavras e das ilusões. A Nação e o Povo são apenas o palco!…

António da Cunha Duarte Justo


A REVOLUÇÃO FEMININA ESTÁ POR FAZER

HUMANIZAR – FEMINIZAR O MUNDO

António Justo

A revolução está por fazer. Até ao presente a história tem dado oportunidade à afirmação das forças da vertente masculina da pessoa humana numa reacção em cadeia. A história é o testemunho das revoluções masculinas. A revolução feminina está por fazer. Para mais facilmente notarmos a dicotomia do nosso mundo basta observarmos a dicotomia da realidade do mundo árabe, que é a nossa, embora um pouco mais acentuada.

A identificação, individual e institucional, tem-se afirmado na concorrência e manifesta-se numa constante assimetria nas relações homem-mulher, senhor-súbdito, razão e intuição.

A divisão de tarefas com a autoafirmação consequente com base a elas provoca a divisão em vez duma missão conjunta. Assim se faz a divisão artificial de espírito e matéria contrariando-os em vez de os coordenar e unir.

O espírito, o esperma, o homem tem-se afirmado contra a natureza, contra a terra geradora, contra a mulher, dando lugar apenas à dimensão vertical (cima – baixo, bem – mal) sem ter em conta a horizontal.

A terra reflecte naturalmente o brilho do sol, a força da chuva que nela cai numa relação íntima profunda fertilizada na união e missão comum: céu – terra. Um sem o outro não tem sentido nem identidade. Sem a gestação feita pela terra, sem a gravidez da mulher não haveria a fecundidade, o filho, o futuro. Assim não se pode dizer que espírito e matéria são desiguais no valor. Um ser está condicionado ao outro e deve o seu ser ao outro. Incarnação não tem sentido sem ressurreição, nem esta sem aquela; fazem parte dum ciclo trinitário em que o carácter polar da vida se supera.

Nos Estados e formas de governo, nos sistemas económicos e administrativos, nas próprias religiões e no comportamento individual prevalece, exageradamente, o carácter polar, o pólo masculino do estar humano. O actuar individual e institucional, a linguagem usada no discurso público, tudo testemunha a polarização masculina da vida social e suas estruturas. Uma visão dialéctica da vida e correspondentes mecanismos antagónicos de gerir e dominar a vida têm prevalecido contra uma visão mais integral e aperspectiva trinitária. Daí a dissonância do ser individual e social, o governo do partido e não do inteiro.

Sem que o homem deixe de ser masculino nem que a mulher deixe de ser feminina, necessita-se duma nova forma de viver individual e social em que a recíproca influência e interferência do masculino e do feminino estejam mais presentes e equilibradas, se tornem realmente complementares uma da outra. Uma sociedade, mais equilibrada e mais justa, pressupõem mais autoridade e menos poder: uma troca das armas da luta pelas duma moral onde o senhor é o que mais serve.

A luta de emancipação da mulher, embora necessária, tem seguido a estratégia masculina, afirmando, inconscientemente, a masculinidade do mundo. Até Simone de Beauvoir confirmou a perspectiva masculina da vida afirmando a contraposição da transcendência masculina à imanência feminina. Confirma assim a prática dualista grega ignorando a visão aperspectiva mística que supera o dualismo, já na fórmula trinitária da realidade, escondida no ideário cristão também ele reprimido.

O culto individualista da masculinidade tem conduzido a humanidade a um “progresso” cimentado com grandes tragédias. O futuro da humanidade tem sido conseguido à custa da violência, da violação, do masculino contra o feminino, da instituição contra o membro, de povos e culturas uns contra os outros, tal como podemos verificar nas lutas das tribos, das invasões muçulmanas, cruzadas, revolução francesa, guerras mundiais, nas guerras actuais e nas desavenças familiares.

Em nome do progresso dá-se continuidade a um processo perene de guerrilha. A parte afirma-se contra a parte sem considerar o todo. Ao fim e ao cabo, a cultura ainda acentua mais os processos de selecção e adaptação da natureza, em vez de os gerir. Por isso acompanhamos a natureza em vez de a sublimarmos.

Na época moderna, devido ao desenvolvimento tecnológico, a barbaridade ainda aumentou, o que torna muito premente a questão do sentido da humanidade e o sentido da vida. Este problema torna-se também visível na tragédia Fausto de Goethe que termina na utopia duma maternidade da natureza, com o eterno feminino. Facto é que a incarnação só é realidade através da terra, de Maria.

O presente que se manifesta na dualidade dos contrários deixa a dúvida se não será necessário acreditar no Diabo. Entre o bem e o mal se movimenta a esperança, e o medo de desaparecer do presente no redemoinho da polaridade. Na visão trinitária e não dual deixamos de ser prisioneiros do tempo e do factual, da matéria e do espírito. Assim no passado podemos reconhecer o presente e o futuro no jogo das escondidas com o tempo. Para salvarmos o homem em nós, temos de descobrir a mulher em nós. Só ela pode dar à luz o novo. Nela se realiza a criação no sentido da consumação. Seria redutor continuar a egomania do ser que encobre o matar. Já é tempo de mudar. A consciência humana já atingiu, nalguns biótopos, o estádio próprio para a metanóia global.

Atendendo aos resultados até hoje adquiridos, no processo de humanização do mundo, humanizar o Mundo, no futuro presente, significa torná-lo mais feminino, mais equilibrado e menos sexuado. Racionalismo, materialismo e espiritualismo são demasiadamente sexuados (dualistas) para poderem dar resposta à necessidade premente dum salto qualitativo no desenvolvimento humano. Trata-se de viver em parusia. Mandar é servir e servir é mandar.

Para se humanizar o Mundo será necessário um agir neutro e não sexuado: uma consciência mais intuitiva e mística, menos racionalista e materialista, um existir na reconciliação do saber dedutivo e indutivo, da imanência e da transcendência, do gerador e do gerado. A paridade do sexo e o respeito pela lei da simetria original que através de rupturas ganha novas formas terá de ser integrada. Para isso é necessária a “emancipação” interior do homem e da mulher, uma “emancipação” para dentro, no sentido do todo.

Nas sociedades democráticas, seguindo o determinismo dualista, as mulheres encontram-se em processo de aquisição duma emancipação exterior, não sendo tão facilmente manipuláveis como outrora. Continuam porém a estratégia masculina da luta da individuação contra o todo. Foi assim que os homens dominaram o mundo e que criaram a situação que hoje vigora: cultura contra natura! Seria um equívoco, numa fase do desenvolvimento da consciência integral, continuar a apostar na consciência dualista, e entrar agora na luta de dividir equitativamente o ser humano e o mundo entre o homem e a mulher. O que é preciso agora é humanizá-lo e esta missão é eminentemente feminina. Agora o mundo precisa da força e do espírito da mulher para o transformar, não já numa estratégia antagónica mas integrativa, global.

O equívoco da cultura contra a natura

A concepção puramente marxista e capitalista do mundo bem como as formas de governo até hoje praticadas sobrevalorizam a masculinidade e o status quo.

Necessita-se duma nova consciência e de uma prática do respeito pelas diferenças biológicas e psicológicas que integre a contradição, tal com prevêem no cristianismo a fórmula trinitária, e na ciência a teoria da relatividade e a física quântica.

A mundivisão masculina, o mundo da concorrência premeia o ser que produz mais Testerona, dando assim, previamente, a vitória às qualidades masculinas sobre as femininas dado o homem ter mais Testerona. É preciso criar-se uma nova consciência social e uma sociedade em que a quantidade de adrenalina não seja determinante para determinar e formar a sociedade, onde a autorealização integrada constitua prioridade, onde a concorrência determinada por um mercado de trabalho desumano e por expectativas irrealistas e desequilibradas não continuem a ditar o estar humano.

A política tem falhado e continuará a falhar no seu esforço de conseguir a igualdade entre homem e mulher, baseada na mesma atitude de sucesso no mundo do trabalho. Assim impõe à mulher um mercado de trabalho e uma estrutura social baseada no modelo de sociedade machista (masculina). As mulheres têm outras prioridades necessitando dum mundo mais humano e familiar. Elas não arriscam tão gratuitamente a sua vida pois possuem um pensar mais integral e menos selectivo que o homem.

O pior que poderia acontecer à sociedade seria que as mulheres se deixassem utilizar na concorrência desta sociedade anti-feminina, na ilusão de estarem a defender os interesses femininos, quando na realidade se estão a tornar masculinas. Naturalmente que enquanto continuar em vigor o modelo de sociedade masculina, as mulheres conscientes terão de se lançar à conquista na ocupação dos bastiões relevantes da sociedade e da economia, estudando biologia, informática, engenharia, fundando firmas, etc. Em tempo de guerra não se limpam armas… Só depois de destruírem as desigualdades exteriores poderão então permitir-se dar expressão às diferenças. Este foi porém o equívoco da sociedade masculina com o seu imperar até hoje, afirmando-se uns à custa dos outros. O que é preciso é uma nova mentalidade, uma nova maneira de estar. A sociedade masculina é uma sociedade de burgos e de castelos a conquistar, de Don Quixotes e Sancho Panças. Com a inclusão da feminidade, só então as muralhas se poderão tornar em lugares de jogo e transformar-se os campos de batalha em campos de futebol, como centros de higiene social.

Capitalismo e socialismo são masculinos interessados apenas em se apoderar da terra e do povo. É a força do macho no tempo do cio. Não resta tempo para o choco, para a vida. O apoderar-se da terra e do povo corresponde à repetição dos mecanismos da natureza biológica através do princípio (força) selectivo e do princípio da adaptação.

A revolução está por fazer. Foi começada por Cristo mas logo interrompida, porque era demasiado feminina. Não chega continuar o olhar monocolar masculino; a era futura pressupõe dois olhos bem abertos na mesma pessoa: o masculino e o feminino.

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

A MULHER DESPERDIÇA AS SUAS FORÇAS EM FAVOR

DO MUNDO MASCULINO

Equilíbrio das forças da extroversão e da introversão

António Justo

A mulher de hoje corre o perigo de se esgotar ainda mais do que ontem. Corre mesmo o perigo de desperdiçar a sua feminidade para aceder e dar resposta às necessidades dum mundo masculino e masculinizador que, em nome da igualdade e da técnica, se serve do Direito contra a Natureza para a dominar sem a respeitar. Tal como os agricultores se faziam proletários industriais na revolução industrial submetendo-se à disciplina da escola, também a mulher é hoje aquartelada e arregimentada para os campos de batalha, imprescindíveis às conquistas masculinas.

Sem a luta de competição os galos não teriam direito ao poleiro, a um lugar de relevo masculino, no galinheiro. Mobilidade, honra, violência, coragem, espírito de luta, gosto do risco, potência e corporalidade, concorrência, trabalho, auto-controlo, sucesso, pensar dedutivo e linear, são características mais masculinas, enquanto que a mulher tem mais compreensão, criatividade, intuição, realismo, dedicação, sentido de família, espírito protector, abertura, pensar indutivo e global. Se a mulher tem a vantagem de ser mais ligada ao ciclo da lua o homem está mais condicionado ao ciclo do sol. Naturalmente que as qualidades dum pólo condicionam também as do outro.

A mulher vê melhor ao perto do que ao longe e o homem vê melhor ao longe do que ao perto. Ele foi habituado à caça e ela à recolecção e ao cuidado dos filhos. A sociedade moderna exige dela cada vez mais actividades profissionais estranhas ou não adaptadas ao seu ser.

Continuamente interrompida e com milhentas coisas para fazer, a mulher não tem tempo disponível para si. A diversidade de afazeres leva a mãe à desconcentração e dispersão. Os deveres são de tal ordem que não lhe resta tempo para si. Também por isso, na velhice, com uma reforma mínima, tem de continuar a lutar pela sobrevivência. A dispersão de interesses, de obrigações e a quantidade de ocupações não deixam ser a mulher o que ela poderia ser. Ela é um espaço desprotegido com actividades de carácter operário fac totum. A sua força criativa dispersa-se. A sociedade exige dela uma vida distraída, uma vida de entremeio. Interlocutora e agenda de tudo e todos. Um sistema económico esfalfante, exige do empregado a concentração total na profissão e na actividade. Neste mundo masculino a mulher encontra-se muitas vezes dividida entre os dois lugares de trabalho: casa e emprego. O homem ignora, muitas vezes, o trabalho de casa, ou considera-o como esquisitice da mulher, de que se desobriga. Ele, pelo facto de tanto olhar para a floresta, não chega a notar as árvores mais próximas. Trata-se portanto de homem e mulher, para evitarem cair na parcialidade da visão da presbitia ou da miopia, integrarem, em si mesmos, os dois olhares.

Quanto menos necessidades temos, mais livres somos. Por isso o segredo da libertação começa aqui pela redução, nos vestidos, nos trabalhos, nas visitas, nas obrigações. Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte! Quantas vezes nos sacrificamos, para alimentar convenções ou hábitos frustrantes ou para agradar a alguém que também anda no mundo por ver andar os outros. A vida deixará de ser talvez tão cómoda para o homem mas passará a ter maior qualidade para os dois.

O equilíbrio está entre actividade e repouso, entre extroversão e introversão, entre força centrífuga e centrípeta. Alienação é a negação do próprio centro. Para amamentar é preciso primeiro alimentar-se a si mesma, encher os vazios da própria fome. Para isso precisa de criar um espaço em si, dum quarto só para si, dum tempo só para si, duma meditação para, imperturbada, se reencontrar e olhar para dentro de si e para aquilo que a determina à sua volta. Doutro modo a gritaria da vida, dos filhos, do marido, do dever e dos hábitos tornam-se tão fortes que não deixam espaço para a própria pessoa. Uma pessoa é vivida sem viver!

António da Cunha Duarte Justo

© “A Fórmula Trinitária do Mundo e da Vida”, Kassel 2008

antoniocunhajusto@googlemail.com

Bilinguismo – A Vantagem de Ser Diferente


De crianças binacionais a crianças biculturais / inter-culturais

António Justo

Muitas vezes, as crianças filhas de imigrantes são intituladas e definidas na subcategoria de “Estrangeiros”. São, assim, colocadas numa situação discriminatória e coerciva entre os outros, a maioria.

Esta situação pode fomentar sintomas de fobia e irregularidades na vivência do dia a dia. Na minha actividade profissional com crianças bilingues conheço casos de recusa e até de mutismo. Referir-me-ei mais a casos relativos ao Português e Alemão, dado ser este o meu campo de acção (professor de crianças bilingues de origem portuguesa, brasileira ou angolana).

A heterogeneidade demográfica da Alemanha, onde aproximadamente 9% da população é estrangeira, deve ser tida mais em conta no processo educativo.

É muito importante a criação de espaços, de lugares naturais da língua portuguesa.

Casamentos mistos

A frequência do Ensino do Português é essencial para o alargamento e complementação cultural especialmente para filhos de casamentos mistos. Os dois pólos culturais deverão ser apreendidos pela criança numa atmosfera do respeito da relação bicultural entre os parceiros. As duas culturas devem tornar-se nas duas traves mestras, nas duas colunas que suportam o projecto educativo bicultural. Uma cultura tem características específicas (valores) que a outra não tem.

Se uma cultura não for bem tratada e bem considerada, a criança poderá mancar pela vida fora e envergonhar-se duma parte do seu ser de cidadã. Por isso se encontram cientistas que problematizam a biculturalidade como um conflito a acrescentar no desenvolvimento da criança. Estes defendem que a criança deve ser iniciada apenas numa língua materna base para poder adquirir um desenvolvimento máximo da sua personalidade e das suas capacidades linguísticas e cognitivas. Estes adversários afirmam que a aprendizagem de duas línguas constitui uma exigência demasiada para a criança e conduz a um atraso no desenvolvimento de cada uma das línguas. Na realidade o desenvolvimento da língua é individualmente muito variável. Facto é que os bilingues se movimentam dentro do âmbito da norma. Esta visão está já ultrapassada e refutada por uma investigação mais séria, a não ser que as duas línguas faladas em casa o sejam sem nível nem estrutura.

Na literatura sobre bilinguismo domina a opinião de que a aprendizagem simultânea de duas línguas não prejudica a aprendizagem nem a socialização da criança, pelo contrário. As pesquisas mostram que há vários ritmos de aprendizagem dependendo eles de criança para criança, independentemente do bilingue ou monolingue. As deficiências linguísticas inerentes à aprendizagem recuperam-se no ensino Básico.

Experiência e Estratégias

Em casa a minha esposa fala sempre alemão com os filhos e eu falo português… Assim a criança já se orienta automaticamente: uma pessoa uma língua. Até à entrada no jardim-de-infância a criança responde automaticamente em português ao pai e em alemão à mãe.

A partir da entrada da criança para o Jardim-de-infância são necessárias estratégias especiais para que a fala não sofra porque a língua dominante tende a excluir a outra. Neste caso pode recorrer-se à funcionalidade, escolhendo a frequência de determinados meios onde ela se fale e estratégias específicas em casa. No caso de pais estrangeiros, seria normal que, em casa, se falasse a própria língua ou planear encontros regulares gratificantes onde se fale a língua paterna. É relevante falar-se uma língua com bom nível e com vocabulário rico. O nível do ambiente frequentado também é relevante para a consciência da importância da língua.

O areal cerebral da língua materna e paterna

É importantíssimo que a criança oiça e fale as duas línguas até aos três anos porque até aí o cérebro elabora um espaço específico onde localiza a língua materna, possibilitando uma diferenciação e a não interferência das línguas. Este sector cerebral da(s) língua(s) materna(s) começa-se a fechar a partir dos três anos.

A Kernspintomographie funcional mostra que a partir dos três anos já entram outras partes do cérebro para gravar e gerar língua. A confrontação das crianças com as duas línguas constitui um treino fisiológico do cérebro: capacidade da identificação da diferenciada fonética, etc. No primeiro ano de vida o bebé é muito sensível à melodia e muito receptivo à variedade de sons registando-os na malha cerebral onde os sons se registam. A dificuldade que muitas pessoas têm na exactidão da fonética deve-se a ter ouvido esses sons mais tarde.

Também é possível a aprendizagem duma terceira língua, importante é que o falante seja original que fale língua materna, ou a língua do coração.

As crianças bilingues são mais inteligentes

O problema da opção por uma língua materna, como ponto de partida desvantajoso para a aprendizagem, carece de base científica atendendo a que há muitos outros factores que fogem às investigações científicas ou melhor, que não são integrados nelas. Muitas crianças crescem em meios deficitários a nível de língua e cultura: emigração muitas vezes falando dialecto…Isto condiciona o resultado das investigações.

Em comparação com monolingues, os bilingues chegam a apresentar maior nível de competência social e emocional-cognitiva. As capacidades empáticas e a abertura ao novo tornam-se normalidade.

A actividade cerebral da criança bilingue foi já cedo confrontada com processos mais complexos na sua aprendizagem.

A aprendizagem das duas línguas traz muitas vantagens. Até aos três anos de idade o cérebro da criança é como uma esponja, muitíssimo receptivo. A aprendizagem da língua transmite não só informações, mas sentimentos, cultura e outros conteúdos não verbais. Importante é que quem fala a língua não fale uma língua estrangeira mas uma língua do coração.

A ciência regista uma relação positiva entre inteligência e bilinguismo. Bilingues misturam por vezes os idiomas mas logo que se encontram num ambiente monolingue já não misturam. Eu mesmo pude observar esse fenómeno na escola. Problemática é a situação daquelas crianças que crescem num meio onde se fala uma mistura espontânea de duas línguas. As crianças correm então o perigo de semilinguismo, não falando nenhuma língua bem, passando a interferência linguística a ser regra durante bastante tempo.

Investigadores provaram que bilingues aprendem mais facilmente o inglês. Na parte cerebral que elabora a língua também se encontra o areal cerebral para a memória do trabalho e o areal para a solução de problemas. Com o treino das línguas estes areais também são treinados. Uma outra vantagem, segundo investigações científicas, é o facto de bilingues reagirem em menos tempo. É muito importante que as crianças aprendam as línguas brincando e com afectividade positiva.

Necessita-se por isso da criação de espaços protegidos para a criança onde esta possa experimentar a mais valia da sua situação. Não se trata de aprendermos a ser portugueses, brasileiros ou alemães, mas de aprendermos a tornar-nos seres humanos abertos.

A criança e as suas culturas precisam de ser defendidas e positivamente apreciadas pelo ambiente, pormenor a que os educadores deverão prestar atenção especial.

É também relevante a posição dos pais no que respeita às vantagens ou desvantagens da educação bicultural. Se um parceiro é do parecer que a aprendizagem de duas línguas é prejudicial à criança, esse facto torna-se por ele mesmo um factor negativo da aprendizagem.

O processo educativo é um processo de integração da criança a vários níveis e perspectivas.

Na Alemanha, uma grande percentagem das crianças estrangeiras, depois do 9° e 10° ano, não se encontram preparadas para ingressar numa formação profissional, segundo os resultados PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Principalmente as crianças turcas que vivem em Gueto são as vítimas da vida familiar, cultural e política vivendo num isolamento, em grande parte querido, o que fomenta a existência de sociedades paralelas. O fanatismo religioso e nacionalista cria muita criança vítima e deadaptada.

Com os portugueses observa-se o fenómeno contrário. Assimilam-se sem deixar rasto, o que também não é bom.

O Português embora consciente de si tem uma tendência a considerar o que é estrangeiro melhor que o nacional. Isto tem a ver com a experiência inter-cultural e com a tradição migratória de povo sempre obrigado a emigrar. Nesse sentido seria interessante fazer-se um estudo relativamente a maneiras de dizer portuguesas que manifestam um certo antagonismo entre admiração e menosprezo pelo nacional, e uma consciência internacional, como se pode ver em: “Ver-se grego”, “isto é chinês”, “trabalhar como um mouro”, “isso é uma americanice”, “é como o espanhol” mexe no que não deve, “é para inglês ver”, “vive à grande e à francesa”, no regatear “é pior que os marroquinos”…E se a coisa corre mal, então “é à portuguesa”.

Na Alemanha observa-se contudo grande interesse pela frequência da língua materna portuguesa, ao contrário do que acontece na França. As próprias crianças portuguesas comentam a triste figura que as crianças filhas de portugueses residentes na França fazem nas férias em Portugal não podendo comunicar na língua de seus pais.

Na observação da minha actividade com os meus alunos posso dizer que aqueles em cujo meio os pais falam o alemão em casa ou uma mistura espontânea sem método, esses alunos têm muita dificuldade em aprender o português e exprimem-se como se tratasse duma língua estrangeira. Alguns têm dificuldades também na disciplina de alemão.

Observei uma constante. Geralmente os pais falam consequentemente o português em casa enquanto que muitas mães, a partir do momento em que o filho entra no jardim infantil ou na escola procuram falar alemão com os filhos ou mistura. Talvez na tentativa de aperfeiçoarem o seu alemão ou até de serem corrigidas. Isto é muito problemático. É natural que a criança que entra na escola ofereça resistência e queira falar o alemão em casa porque não nota a sua relevância no meio em que vive.

Há crianças que se negam a falar a língua materna, até ao mutismo. Se a criança recusa falar o português não a devemos forçar. Pai e mãe deveriam falar com ela só português.

A sociedade deveria fomentar os recursos que os bilingues trazem.

A existência de associações portuguesas como pontos de referência, onde se proporcione o encontro de crianças e jovens portugueses é uma riqueza a promover. Também a promoção de associações bilingues e grupos pré-escolares onde se promova o intercâmbio intercultural. A precariedade financeira de iniciativas e projectos deveria ser compensada também pelo estado português e pelos departamentos de cultura, conselhos de estrangeiros, etc. Neste sentido deveriam os ministérios elaborar um projecto de política cooperativa com as associações, também no sentido do ensino de português.

A melhor altura para a aprendizagem automática da língua e cultura é o período de vida que vai até ao sexto ano de escolaridade. Deve para isso criar-se espaços onde se aprenda a língua portuguesa por imersão.

Problema de motivação da criança. Neste caso os grupos conscientes consumidores de cultura deveriam iniciar esforços no sentido de criarem espaços da língua portuguesa integrados por participantes dos países de língua portuguesa. Importante porém é a possibilitação da criança se tornar ela mesma. O incentivo terá que ter em conta a vontade da criança. Se o ambiente é natural não haverá problemas.

Em Berlim e em Frankfurt Munique há iniciativas (associações de brasileiros, portugueses e alemães) no sentido de fomentarem uma educação bilingue a nível pré-escolar. Entre mães mais novas e conscientes – nas zonas onde lecciono – observo que estas criam iniciativas onde se joga, canta e dança à portuguesa. Isto é muito importante…

Resumido

Uma educação adaptada às crianças em situação bicultural terá que ter em conta uma preocupação especial dos progenitores já antes do nascimento da crianca.

Assim, no caso de casamentos mistos:

Pai e mãe devem falar, desde o primeiro momento, os dois idiomas segundo o princípio: “Uma pessoa – uma língua”.

É importante não obrigar a criança a falar mas recorrer a processos indirectos de a interessar, não desistindo de falar a língua mesmo que a criança se negue a usá-la.

Importantíssimo o aspecto emocional dos representantes das línguas no seu dia a dia entre si e com a criança.

A língua falada, diferente da língua ambiental geral deve ter espaços próprios onde a língua falada seja também experimentada em ambiente de maioria com as características culturais próprias com o jogo, danças, músicas, futebol, filmes, e outras referências culturais.

O prestígio da língua, da cultura é determinante para o processo da sua aprendizagem. Aqui tornam-se muito importantes os testemunhos da mesma: o papel dos pais e dos educadores. O carácter e relação dos multiplicadores ir-se-á projectar na maneira como a criança valorizará ou desvalorizará inconscientemente a determinada língua ou cultura. Uma criança que só visite pessoas e situações carentes não poderá receber nem boa impressão da sua cultura nem motivação para a seguir.

A reacção apropriada à renúncia duma criança por um determinado idioma deve ser uma atitude compreensiva e uma maior dedicação afectiva à criança.

Mesmo no caso de divórcio a criança não deve ser privada dos seus vínculos culturais e afectivos.

A oferta de duas línguas à criança desde o princípio são factores muito positivos parta o desenvolvimento psicológico e escolar como têm provado as investigações científicas dos últimos anos.

Deve evitar-se um falar mistura das duas línguas. Isto conduz ao semilinguismo.

©António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”

BILINGUALIDADE – UM CAPITAL CULTURAL

Que língua falar em casa?

António Justo

Numa Europa cada vez mais inter-cultural, por razões económicas, políticas e demográficas, habituámo-nos a viver nas mais diversas situações de comunicação. Os grupos étnicos de menor relevância numérica encontram-se, muitas vezes, sujeitos às leis da inércia ou abandonados à lei do mais forte, deixando-se assimilar totalmente pela cultura dominante, enquanto que outros (turcos), por razões históricas, de religião e de cultura, reagem alergicamente a uma integração mesmo comedida, fechando-se por vezes em guetos impermeáveis.

Esta problemática é bastante crassa na Alemanha pelo facto da questão migrante não ser objecto da discussão intelectual e política sendo apenas mencionada à margem, no âmbito da assistência social ou nas cervejarias. Uma relação descomplexada e consciente, entre a cultura da maioria e as culturas minoritárias, traria mais proveito para todos.

Os portugueses terão que fazer esforços no sentido duma acção coordenada a nível de instituições, de associações e de multiplicadores para se afirmarem, sem se imporem, conscientes dum património cultural e vivencial rico que, a perder-se, constituiria um empobrecimento geral da sociedade de que fazem parte.

Seria de desejar que as crianças com raízes portuguesas continuassem a crescer num ambiente bilingue e, portanto, aprendessem a língua portuguesa e a língua alemã, francesa etc, conforme o país em que se encontrem. O mesmo se diga para o caso dos casamentos mistos. Destes é de esperar maior consciência da importância da transmissão de duas culturas, isto é, de uma maneira diferente de estar no mundo. A formação bilingue deve ser introduzida a partir do nascimento da criança, pelo facto da capacidade de aprendizagem duma língua ser inversa à idade.

É verdade que a criança, até aos dois anos reproduz palavras, misturando as duas línguas; com o tempo porém surge a diferenciação e a partir dos dois anos já separa os dois códigos e a partir dos três anos e meio passa a distinguir os dois mundos.

A aquisição das línguas acontece em diferentes situações, seja ela movida pela necessidade de comunicar com os companheiros de jogo ou com as famílias, obedecendo sempre a diferentes regras e pressupostos. Esta aprendizagem situacional variada é muito proveitosa para a aquisição de outras línguas.

A aprendizagem posterior duma língua (na escola) dá-se segundo o filtro inicial das primeiras línguas. O bebé aprende já no primeiro ano de vida a variedade de sons que facilitará a expressão futura. Facto é que quanto mais complexa for a língua mais possibilidades abre, mesmo até cerebralmente.

Personalidade enriquecida, aberta e reflectida: uma outra forma de ser e de estar

Para nos darmos conta da importância do assunto torna-se necessário reconhecer a dependência e a correlação que há entre pensamento, linguagem e estrutura social.

A personalidade do bilingue é diferente da do monolingue. Enquanto que as referências e estruturação do monolingue se processam duma forma mais estática e modelar, no bilingue é mais processual, mais dinâmica e diferenciada. O bilingue, mais que ter ou estar, ele acontece em relação.

Ser bilingue é ser-se processo, processo na mudança, não é ter duas línguas mas viver em duas línguas, em dois mundos, navegar noutros espaços; é ter vistas mais rasgadas, outras perspectivas do mundo, é participação mais livre, conhecimentos dinâmicos; é viver amando, aceitando o outro como ele é, aberto para comunicar, dar e receber… comunicar-se como forma de vida; é uma nova mundivisão onde não há modelos fixos em que instituições e valores passam a ser referenciados e portanto relativizados para mais se poder ser; é viver em mais que uma existência. Numa palavra, o bilingue tem uma personalidade multi-dialogal cuja forma de ver e sentir é multi-referencial, referencial, processual – dinâmica, já não é tão estática e “subordinada”como a do monolingue mais local.

O bilingue encontra-se, mais cedo que o monolingue, na necessidade duma relação de se tornar mais sujeito e menos objecto das tradições e sistemas que o vão forjando. De facto tem de superar a tensão sociedade da sociedade de envio e da sociedade de acolhimento. Uma sociedade de acolhimento que já é capaz de integrar e aceitar lésbicas e homossexuais tem que ser capaz de integrar o diferente, o estranho… Para isso, temos de nos tornar conscientes que a diferença é a lei mais verificada na natureza.

Problematização

Os cientistas têm escrito muito sobre a questão do bilinguismo, chegando por vezes a resultados contraditórios. Há cientistas que recomendam que se fale com a criança a língua que se domina; significando isto que nos casos de casamentos mistos (português – alemão) um cônjuge fale o português e o outro o alemão. Outros chegam mais além desproblematizando o processo de aprendizagem, defendendo mesmo a mistura segundo as situações.

Ao contrário os puristas/nacionalistas, principalmente no passado, apontavam para o problema de se originar uma língua mistura, chegando mesmo a falar de analfabetismo nas duas línguas ou da falta duma identidade étnica ou mesmo do perigo duma dupla personalidade da criança. Facto é que esta opinião nunca foi comprovada científicamente. Muitas vezes esta visão tem um carácter ideológico e remonta aos constructos nacionalistas do século dezanove.

Importância da aprendizagem da língua dos pais/avós nos primeiros anos

Nas famílias em que a língua falada é puramente portuguesa ou mesmo de mistura, a criança terá esta língua como materna e falá-la-á em casa até aos três anos. Com a entrada no Jardim Infantil o alemão passará a dominar e a acentuar-se cada vez mais socialmente, mesmo que os pais falem só português em casa.

Nos primeiros anos da infância a criança tem grande capacidade de absorção das duas ou mais línguas sem dificuldade.Com o desenvolver dos anos a dificuldade aumenta. Dadas as capacidades das crianças na primeira infância para aquisição de várias línguas (até aos 6 anos), seria um roubo à criança se esta fosse privada duma das línguas. É natural que a vida nem sempre permite fazer o que seria melhor; se pessoalmente nem sempre se tem a disposição para falar o português, as duas línguas, podemos socorrer-nos de estratégias supletivas, ligando mais os avós nas relações com a criança, criando mais encontros com famílias portuguesas, frequentando mais os centos portugueses, interferindo mais na programação das suas actividades e planeando mais férias em Portugal.

No caso de casamentos mistos penso ser de muita importância que cada um dos pais fale a sua língua materna deixando a oportunidade e liberdade à criança de se expressar na língua que quiser. O facto de um cônjuge falar sempre o português leva a criança a interiorizar o português, embora o não use no dia a dia como língua de expressão.

O português transmitido nos primeiros anos de vida, embora limitado a relações gregárias, tem imensa importância no desenvolvimento; é muito relevante para o desenvolvimento psicológico, intelectual e social da mesma. Constitui um capital cultural e uma herança muito rica com imensas consequências gratificantes para o futuro e para a personalidade da criança.

Ensino da Língua “materna”

A inscrição das crianças nos cursos de Língua e Cultura Portuguesas é essencial para o alargamento da competência comunicativa. Esta deve ser aprofundada e reflectida nos seus aspectos de competência sociolinguística, sócio-cultural, de competência estratégica, discursiva e de competência empática.

Conscientes da importância da língua e da cultura dos pais para as crianças, os Estados federados alemães instituíram, desde 1968, o Ensino da Língua Materna no seu currículo escolar com uma componente lectiva de 3 – 5 horas lectivas semanais. É reconhecida grande importância à aquisição da língua dos antepassados, por razões socio-pedagógicas, psicológicas e económicas.

Todos os bilingues deveriam ter a oportunidade de ter uma formação bilingue. Uma educação inter-cultural deveria ser possível em todas as escolas e para todos os alunos. Os bilingues serão os mais preparados para manter a relação e estabelecer pontes entre gerações e culturas. É preciso incentivar-se a motivação. É compreensível a relutância que muitas crianças apresentam perante a aprendizagem do português, atendendo à sobrecarga que significa e a concorrer com actividades imediatamente gratificantes.

A língua portuguesa, tal como outras línguas de culturas minoritárias em diáspora, está sujeita a preconceitos criados pela cultura dominante sendo, além disso, uma língua falada reduzida ao ambiente familiar o que contribui para preconceitos que poderiam ser desfeitos através da frequência da língua materna.

Por vezes os pais deixam-se impressionar pela pressão de professores alemães, que, em alguns casos, aconselham os alunos a não frequentarem o Ensino da Língua “Materna”, ou porque os pais não querem sobrecarregar os filhos com as aulas de português, ou ainda porque os filhos preferem ter a tarde livre tal como os colegas alemães.

Se é verdade que, muitas vezes, a criança não tem a mesma competência linguística nas duas línguas, apresentando problemas numa delas, isso não quer dizer que deva abandonar o português seja este a língua forte ou a língua fraca.

Pais desinformados não inscrevem os filhos na escola logo na primeira ou segunda classe tornando-se depois cada vez mais difícil inscrevê-los. Se é verdade que a criança no primeiro ano deve ser alfabetizada no alemão, também é verdade que ela, ao frequentar, simultaneamente, a escola portuguesa, começa logo a ter a experiência duma aprendizagem estruturada da língua, se bem que a princípio, apenas oralmente e através de jogos, imagens e de desenhos. Possibilita-se-lhe assim a experiência duma diferente forma de estar no mundo, ao comunicar e brincar com os companheiros da “escola portuguesa”, sendo isto muito importante para a socialização e aquisição de hábitos nos verdes anos.

Enquanto as elites estrangeiras, conscientes da importância da formação inter-cultural, (por exemplo: os japoneses) criam escolas privadas pagando bem para que a sua língua e cultura sejam transmitidas aos seus filhos, observam-se pais distraídos que, embora com ensino gratuito, não se preocupam com a escolarização dos filhos no português.

Para todos aqueles que podendo, sem grande esforço, usufruir do ensino do português gratuito não recorrem a ele, a não inscrição dos filhos na escola constitui um atestado de pobreza de espírito. Não se trata de elevar o português aos cornos da lua pelo facto dele ocupar o quinto lugar das línguas mais faladas do mundo mas de se cultivar, organizar e planear indirectamente o futuro proporcionando perspectivas à vida dos filhos.

Devo dizer que, nas zonas onde ensino o português, tenho deparado com grande interesse. Quase a totalidade dos pais portugueses envia os seus filhos às aulas de Língua Materna, ficando embora a escola, para muitos a 20 quilómetros de distância. Isto prova o interesse e consciência dos encarregados de educação em perfeito contraste com políticas de ensino tendentes a acabar com o ensino da Língua materna para o tornarem apenas acessível a alunos liceais (do Gymnasium) onde a concentração populacional escolar e a procura no respectivo liceu o permitir. (Esta é uma política ilusória desconhecedora da realidade alemã, tendente a acabar com o português pela raiz e abandonando infra estruturas que precisariam sim de revitalização).

Situação a evitar

É fatal adiar a inscrição das crianças nos Cursos de Português. A inscrição deve ser feita o mais cedo possível.

Há crianças cujo contacto com o português se processa pela negativa. Isto dá-se nos casos em que alguns pais, falando habitualmente o alemão em casa com os filhos, em casos conflituosos usam o português apenas para ralhar ou castigar. A criança passa assim a ter uma experiência muito parcial do português, associando-o à negatividade além de o não experimentar como veículo normal de comunicação. Nestas condições a criança não pode ter nenhuma motivação para aprender o português.

Há encarregados de educação que para aprenderem o alemão deixam de falar o português optando por um alemão macarrónico, habituando a criança a estruturas de língua não correctas.

Vantagens do bilinguismo

Uma plurilingualidade viva constitui um enriquecimento para a personalidade aos mais diversos níveis. De facto dá-se uma relação enriquecedora e mútua entre funções da língua e funções cerebrais. Uma pessoa, que desde a primeira infância fale várias línguas, activa, de maneira particular, os centros da língua no cérebro e interliga várias funções cerebrais, dado as acções da língua se armazenarem nos dois globos do cérebro.

O domínio de línguas facilita também a aquisição dos outros idiomas; além de alargar a riqueza fonética específica e a melodia das línguas, capacita a pessoa para novas visões da realidade, para a diferenciação e reconhecimento da diferença. Também se potencializa o aproveitamento escolar da criança.

Crianças bilingues orientam-se de maneira diferente das crianças monolingues. As bilingues aprendem cedo a diferenciar situações e a posicionar-se situacionalmente. Elas têm de desenvolver mais estratégias de expressão adquirindo assim competências contextuais, de conexão bem como competências meta-línguísticas (que vão mais longe do que a língua, como aspectos neuro-psicológicos etc.). A bilingualidade promove, além do mais, o desenvolvimento de competências de interacção cultural

Os pais não podem abdicar da sua missão caindo num laissez faire irreflectido. Para o desenvolvimento posterior da língua é responsável a escola. A semente tem porém de ser lançada pelos pais/avós. É urgente capacitar os jovens a poderem viver e expressar-se nos dois mundos. Deste modo capacitamos os nossos educandos a maior reflexão e o refúgio em vários mundos. O bilinguismo, o trilinguismo serão realidade numa Europa do futuro. Numa Europa multi-étnica, o domínio de línguas abre muitas chances culturais e económicas.

É preciso criar-se o espaço da Língua Portuguesa como o espaço de existência de formas e experiências vitais diferentes com muito espaço para a liberdade e criatividade onde se aprende o afecto na relação autêntica e verdadeira. Neste sentido têm que se empenhar pais, associações, estado, multiplicadores, RTPi etc. A RTPi tem que repensar os seus programas que normalmente “espantam” a criança bem como pessoas de espírito jovem ao serem confrontadas com programas de conversa ou melo-saudosistas /futebolísticos voltados apenas para um tipo especial de emigrantes.

António Justo

(Professor de Língua e Cultura Portuguesas na zona de Kassel e docente de Português na Universidade de Kassel), Maio de 2001