Maria a Deusa encoberta do Cristianismo
No 8 de Dezembro a Igreja católica festeja Maria que concebe sem intervenção sexual; a Igreja quer deste modo convidar as pessoas a reflectirem sobre uma Realidade que não conte apenas com a biologia e o método do pensamento lógico linear. O fulcro da questão é:” nascido da Virgem Maria …”
A imaculada conceição recorda o princípio, onde tudo era original e inocente, e ao mesmo tempo a percepção de um mundo feito de “bem” e “mal” que não nos deve deixar indiferentes nem irresponsáveis no projecto comum de darmos continuidade à criação.
O aspecto alegórico do acontecimento aponta para o Jesus que deve renascer em cada humano, isto é, para o lugar onde Deus se revela, ao tornar-se presépio: o laboratório divino de todo o ser humano irmanado na qualidade de filho de Deus.
Maria, através da fé, torna-se a terra sagrada capaz de dar à luz o divino. E no filho Jesus Cristo compatibiliza-se de maneira integral o humano e o divino, o espiritual e o material, tornando-se também ele nosso fim, protótipo e modelo. Isto tem implicações que só a mística e a nova física poderão ajudar a intuir no sentido de criar uma nova visão mental pois trata-se da vereda de uma realidade de origem espiritual a caminho de uma meta espiritual num processo de relação interactiva de espírito e matéria/mente. Pressupõe a passagem de uma visão mono-causal para uma visão a-perspectiva e pluridimensional! (A física quântica já mostra a interação da matéria e da energia de maneira a a mente subjectiva poder mudar o mundo físico. Segundo ela “pode-se “reduzir” a matéria, de forma subjectiva e no domínio do abstracto, até à consciência – causa da “intelectualidade” da matéria”).
No nascido da Virgem Maria, em Jesus Cristo, reconhece-se o novo começo da humanidade como oferta divina gratuita e com isto a primazia do transcendente (do Espiritual) na Natureza. A “cheia de graça” dá à Luz (sem o pecado original) o novo Adão da humanidade.
Teologicamente, a concepção virginal de Maria é uma verdade “de fide”e quanto à virgindade no parto é uma “sententia certa” (1) da igreja. Como vivemos numa sociedade neopagã, de formatação materialista e utilitarista, com pouca tolerância para a poesia e para o espiritual, tudo isto se torna enigmático e é por muitos reduzido a “mito”.
A virgindade aponta para o reino de Deus. A Virgem Maria é o testemunho da diferença “contra os ídolos escravizantes do homem moderno” (2) que querem fazer do sexo o paraíso solucionador de todos os problemas sociais e humanos. Uma sociedade cada vez mais infiel ao seu passado reduz a virgindade a mero tabu sem perceber o que ela simboliza nem o que ela tem a dizer à sociedade actual. Na virgindade o valor do feminino é independentizado e isentado da condição de ser mero anexo do masculino.
Leonard Boff: “ A virgindade cristã é maternal, gera filhos para o Reino” e deste modo exorta-nos a transcendermos as amarras do aqui e agora e a seguirmos uma castidade interior. Em Maria tornam-se visíveis os traços maternais de Deus! Em Maria se encontra a deusa encoberta do cristianismo.
O prazer sexual é a recompensa que a natureza nos dá para lhe dar continuidade e desenvolvimento, na afirmação da vida que é por natureza relação; prazer por puro prazer morreria no indivíduo sem deixar pegadas de Deus nem da vida humana na natureza/criação. A missão é, cada um a seu modo, possibilitar futuro para a natureza e para a humanidade. Tal como o Sol estimula a natureza ao desenvolvimento também o espírito estimula o ser humano a uma visão sustentável, a não fixar o seu fim/meta na sepultura.
O testemunho celibatário não é algo contra a sexualidade, mas sim uma outra forma de vida também ela afectuosa que pretende testemunhar a relação não limitada a uma relação binária mas trinitária que transcende um mundo estreito de visão meramente causal; cristologicamente falando, a missão mais profunda de cada pessoa é dar à luz (encarnar) Jesus Cristo e assim não se deixar submeter ao meramente sexual.
Por outro lado, há que estar-se atento porque a fixação na culpa e no pecado beneficia sociologicamente o agir dos poderosos.
Maria merece ser abordada para além de modas, de crenças, de tabus e de erotismos; ela mantém a sua característica original, facto este que lhe dá sustentabilidade. Em vez de nos fixarmos na perspectiva meramente racional e materialista sobre a Virgindade corporal biológica de Maria, torna-se importante possibilitar novas formas de análise e de abordagem da própria perspectiva, de maneira a incluirmos novos versos, ao nosso universo mental. Para isso torna-se necessário aceitar vários modos de abordar a realidade de maneira a não limitar tudo ao pensamento lógico linear.
Reduzir a Realidade ao real percepcionado ou ao conhecido corresponderia a reduzir o universo ao sistema solar. Trata-se de não reduzir o sentido da vida só ao caminho porque o caminhante e a caminhada transcendem o caminho. A abertura ao mistério e ao desconhecido é o melhor meio de superar o desconhecimento e o preconceito, seja na afirmação, seja na negação. A fé e a esperança são os raios de sol que nos erguem a cabeça para vermos mais além.
António CD Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo
(1) Na hierarquia das verdades cristãs, “Sententia certa” é uma verdade que está internamente ligada a uma verdade revelada (https://de.wikipedia.org/wiki/Gewissheitsgrade_der_Dogmatik )
(2) (file:///C:/Users/Antonio/Downloads/lepidus,+A+virgindade+de+Maria+-+RET4+-+p.12-16.pdf )