(Lágrimas do tempo entre Gaza e Jerusalém)
Entre muralhas arde o sol ferido,
no pó da história o sangue se derrama;
Gaza e Israel, dois rios divididos,
se buscam sempre, mas no meio a mesma chama.
Mãos são raízes presas na penumbra,
olhos, espelhos de uma dor partida;
o tempo curva o peso da lembrança,
mas não detém a marcha desta vida.
Israel cerca o fogo da negação,
Gaza ressoa em gritos sem perdão;
o povo, sempre o povo, se consome,
prisioneiro de mapas e de nome.
Se a voz nascesse pura e sem barreira,
se o olhar fosse ponte verdadeira,
flores murchariam no concreto frio,
e a história seria apenas o rio.
Mas o destino é férreo, colonial,
forja alianças no silêncio hostil,
traça nos céus constelações de exílio,
marca na carne o peso desleal.
E no entanto, no meio de pó e chama,
surge um fio de luz que nunca inflama:
vida que insiste em dançar no abismo,
chama que arde contra o fatalismo.
Talvez um dia os povos, não os mapas,
ergam seus cantos contra as frias capas;
talvez com lágrimas, mãos e memórias
reergam vivos o destino e as histórias.
Por fim a dor grávida de dois povos,
em tempos de respiração mais livre,
rasgada na racha cruel da dor,
trará à luz o amor que sempre vive.
E então o ódio murchará, cansado,
como flor que resiste ao duro concreto;
e a história, por um instante suspensa,
será apenas o sopro de quem ama.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo