OVOS DE PÁSCOA SÃO SÍMBOLO DA VIDA


O Coelho é Símbolo de Fertilidade

Do ovo, aparentemente vida morta, surge a vida viva, tal como da gruta da terra, do túmulo de Jesus ressuscita a vida em Cristo. Do túmulo da nossa vida pode amanhecer um novo eu, um novo dia.

Antigamente os cristãos, durante os quarenta dias da Quaresma, renunciavam a carne e ovos. Por isso na Páscoa havia ovos em abundância. A fertilidade é fruto de esforço e catarses.

Também o coelho era um símbolo da vida devido à sua fertilidade. Aqui na Alemanha, no dia de Páscoa, é costume as crianças irem procurar os ovos coloridos (amêndoas e doçarias), escondidos pela casa fora ou pelo jardim, aí deixadas pelo coelho da Páscoa. As pessoas costumam enfeitar as árvores, ainda sem folhas, com ovos de plástico multicolores.

António da Cunha Duarte Justo

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PÁSCOA É A PRIMAVERA DA NATUREZA E DA HUMANIDADE


O Espírito é a Alma da Matéria

António Justo

A Primavera é a Páscoa da natureza e na Primavera dá-se a Páscoa humana. Tudo se encontra a caminho em conjunto, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos rápida.

A Páscoa é passagem e transformação; expressa o caminhar da humanidade e o caminhar da criação com o criador do ponto alfa para o ponto ómega. Nela os cristãos procuram acordar para a natureza de Cristo que reúne tudo em todos.

Pessoas em diferentes situações de vida e nos seus sistemas de pensar e interpretar exprimem Deus e salvação à medida da sua linguagem e mentalidade. A vivência concreta predispõe para a ideia de Deus. A experiência da separação de Deus deu-se de modo traumático na nossa civilização ocidental. Os evangelhos correspondem a diferentes interpretações, diversas vivências da Vida de Jesus. O Novo Testamento é uma casa com muitas mansões: “Na minha casa há muitas mansões”dizia o mestre de Nazaré!

O Deus de Jesus Cristo é o Deus do filho pródigo, o senhor da vinha e dos vinhateiros. O Deus vivido para lá do Deus pensado em conceitos demasiadamente gregos. Jesus procurava abrir os corações do povo para Deus, um Deus familiar e libertador a quem chamava “paizinho”; por isso as elites políticas, religiosas e económicas não o podiam suportar e quem perturba a ordem, estabelecida pelos mais fortes, é oprimido, expulso ou linchado. A experiência do reino de Deus torna-se, com ele uma realidade, mais ou menos consciente, no coração de cada um, na comunhão com o irmão e o samaritano.

Em Cristo consumou-se a salvação. Ele é o protótipo de todo o ser humano. Ele libertou-se da maldição e do pecado da natureza humana e da pena de morte da humanidade. Páscoa é vida na pujança; ela manifesta o processo de libertação dos males da natureza humana em processo de realização da natureza de Cristo.

A consciência da morte surgiu com o alvorecer da consciência humana que floriu pela primeira vez em Eva que ao pecar se separa da unidade natural que antes comparticipava com os animais. Alcança assim a idade da razão, a capacidade de pecar, isto é de assumir responsabilidade por si mesma, tal como a criança que uma vez atingida a idade da razão começa a questionar o paraíso paterno em que até aí vivia. Na semana pascal celebra-se o expirar da natureza e num certo sentido a morte de Deus.

Oh félix culpa que acordaste a humanidade para a responsabilidade em liberdade e que atingiste a máxima expressão no calvário e resumes a história da humanidade e da criação no alfa e ómega, protótipo de toda a realidade em processo, à imagem da economia da Trindade. O nosso caminho é uma via-sacra de purificação até à reconciliação com tudo em todos, em Deus. A Páscoa, Jesus Cristo é o exemplo da ponte, da metamorfose humano-divina, matéria -espírito.

Na transubstanciação da comunhão destroem-se todas as cancelas entre a substancialidade e o Espírito. O pão, a terra, o universo tornam-se o corpo e o sangue de Cristo, tornam-se a divindade.  E isto não é só simbologia mas realidade, realidade da criação e de todos nós. Nele e com ele somos um, em comunhão com toda a criação. Na comunidade, em comunhão com ele e com o outro tornamos a Realidade presente.

A Quaresma é o tempo da experiência da purificação do ego a caminho e ao encontro do verdadeiro eu, da ipseidade. Durante ela aprende-se a renunciar à carne e ao fazê-lo a respeitar os animais e a vida digna a que estes têm direito: vivemos também com eles na complementaridade. Exercita-se a libertação da inveja, da avareza e da cupidez e deste modo a respeitar e considerar todos os seres vivos na sua substancialidade e na sua espiritualidade. Isto leva-nos a purificar-nos de nós mesmos e daquilo que assumimos dos outros e que nos leva à doença do ter.

O próprio consciente e até o inconsciente devem ser colocados no cadinho da procura da verdade. Na renúncia a si mesmo, ao ego aprendemos a ter menos necessidades, a libertar-nos delas. A liberdade conduz-nos ao amor, à sintonia que se pode traduzir em compaixão e misericórdia (sintonia e ressonância). A ausência de necessidades acorda-nos para a realização do Reino de Deus.

O cristianismo recomenda o exercício das virtudes, a observação dos 10 mandamentos, a oração, a esmola, a meditação, o jejum corporal e espiritual, o exame de consciência a nível de pensamentos palavras e obras, como exercícios de purificação a caminho e na realização da salvação: esta é processo. Trata-se de passar do tempo cronológico, e mesmo do kairós para o tempo parusia, o tempo fora do tempo, o “tempo” acção amorosa.

Não há caminho feito, faz-se caminho andando, e cada um tem o seu caminho pautado pelo do Mestre de Nazaré que nos antecipou. O ego supera-se no amor ao próximo, no amor a todo o ser humano, a todos os seres como se pode ver na prática das bem-aventuranças. O tempo da Quaresma aponta para a reflexão e meditação desta realidade, o outro lado do viver na procura intensiva da verdade, da descoberta da ipseidade na ressonância com a ipsidade dos outros e na vivência e sintonia comum da caritas/ágape. A paz interior que ressalta das bem-aventurados que reconhecem que tudo lhes foi dado e por isso o atingir duma consciência de entrega e a compreensão (sintonia) com o samaritano e o universo.

Jesus queria conduzir a humanidade a Deus, queria encorajar cada um a libertar-se das cargas da lei e de tudo o que causa sofrimento e por isso resume toda a sua vida e filosofia no amor a Deus, a si mesmo e ao próximo, especificando que o próximo é o estranho, o Samaritano. A sua visão da realidade e do Homem é tão pacífica e abrangente que exige dos seus seguidores o amor ao inimigo. O sermão da montanha (bem-aventuranças) pressupõe a libertação do ego (alcance da perfeição, êxtase), num processo de libertação do ter para se poder realizar o Reino de Deus já aqui na terra (Mc 1,15). Trata-se de experimentar a união com tudo, com Deus, da vivência do divino: “Deus é amar, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (1.Jo 4,16).

No processo de salvação (libertação), através da cruz, os cristãos fizeram a experiência que a vida implica a morte. O Filho do Homem, o protótipo de toda a criatura, é vida apesar da morte. A vida é ressurreição. A morte que primeiramente parecia o verdadeiro inimigo da humanidade revela-se no Homem Adulto já não como pena mas como parte da vida. No momento da queixa do Homem “Meus Deus, porque me abandonaste” está já a divindade a irromper tal como o botão de rosa, a experiência da mãe num esforço de dar à luz, de acordar para a nova realidade. Deus morre por momentos em Jesus Cristo para a criatura, com ele ressuscitar em Deus. “Eu vivo e vós vivereis”(Jo. 14,19);”eu estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós”. “Deus faz a sua morada” naquele que se puser a caminho e assim entrar no processo trinitário.

Deus é a videira e nós as suas varas (Jo. 15, 4-8). Entre a divindade e a sua criação há uma relação de complementaridade. A relação divina que tudo sustena é amor; de resto, a doutrina reduz-se a pedagogia. Cristo está presente nas acções, na palavra, no indivíduo e na comunidade, em toda a criação.

Jesus dizia muitas vezes: “que te aconteça como crês”. O mesmo será antes, na e depois da morte. “A tua fé te salvou”, repetia também. A percepção, seja ela religiosa ou científica, tem como base a fé como arroteadora da realidade que no fundo permanece sempre mistério. Em Jesus encontramos a expressão (modelo), do caminho de Deus connosco até “que Deus seja tudo em todos” (1 Cor. 15,28) já em processo no mistério da trindade de que fazemos parte.

É o caminho do despir do eu na metamorfose até à natureza de Cristo.

No desbravar do mistério da vida, cada um precisa de símbolos e modelos da realidade, que são ao mesmo tempo expressão (em imagens e ideias) de vivências individuais e culturais.

Há muitos caminhos de salvação que conduzem a Deus, ao homem e à natureza. A realidade é tão ampla que não basta o olhar da razão; é preciso também o olhar místico, o olhar do amor que supera o tempo e o espaço. O espírito é a alma da matéria, revela-nos a realidade da Páscoa.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

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PADRES A MENOS E PASTORES A MAIS


Celibato – Ontem uma Bênção – Hoje um Problema

António Justo

A Igreja Católica conta com 1.131.000.000 católicos no mundo e dispõe de 407.262 padres e de 815.237 membros de ordens religiosas (estatísticas de 2008).

As comunidades cada vez contam com menos padres. A frequência dominical diminui também. Enquanto na Polónia 40% da população vai regularmente à missa, na Alemanha, dos 25,461 milhões de católicos só frequentam regularmente a missa dominical 17%, isto é 3,492 milhões (estatísticas de 2008).

Pelo contrário, a Igreja Evangélica, onde não há obrigatoriedade de celibato para os seus pastores, vê-se obrigada a dividir um tempo inteiro  de pároco por dois pastores, com meio tempo para cada um, pelo facto de ter pastores e pastoras em superabundância. A Igreja Católica, por seu lado, encontra-se numa situação desesperada de luta com a falta de padres.

As Igrejas ortodoxas russa e gregas, nas quais os padres se podem casar, não têm problemas de formação e angariação de padres. Tradicionalmente as famílias de padres fornecem também novos padres. Os bispos são recrutados, geralmente, das ordens religiosas.

Em Portugal conta com 81,10 % de católicos. Segundo a Agência Ecclesia, em 2006 havia 2.894 padres distribuídos por 21 dioceses em 4.366 paróquias. Por cada dois padres que morrem é ordenado um. A Igreja, para responder ao problema organiza “Unidades Pastorais” com equipas de sacerdotes responsáveis por várias paróquias; além disso recorre à formação de diáconos casados.

Até ao século XX, a obrigação do celibato para os párocos revelou-se como medida inteligente, na Igreja Católica. Duma maneira geral, a Europa era constituída por uma sociedade de classes, fechadas em si mesmas. O povo não tinha acesso às classes superiores nem à cultura das elites, não podendo, por isso, assumir lugares de responsabilidade pública. As grandes famílias distribuíam o poder (postos) entre elas. O sacerdócio celibatário impedia a concentração do poder eclesiástico em famílias tendo sido, ao mesmo tempo, um elemento democrático no meio do clero, da nobreza e da burguesia.

A extensão da obrigação celibatária das ordens (clero regular) às paróquias (clero secular) possibilitou uma solidariedade entre elites e povo. O padre, que, geralmente, provinha das classes populares tinha hipótese de subir e fazer parte do alto clero. A sua presença contesta a prática secular das grandes famílias nobres/burguesas e possibilita a subida da classe desfavorecida aos postos superiores da sociedade eclesiástica, impedindo que se formasse uma oligarquia sem base popular. O povo, através do sacerdócio, trazia sangue novo e renovador à oligarquia da Igreja, solidarizando-a com o povo. Aqueles que não aguentavam com o jugo do celibato e abandonavam o seminário ou o cargo, provindos embora do povo, passavam para a sociedade secular onde ocupavam cargos relevantes e deste modo assumiam também uma presença popular nela.

Quando se fala de padres e de celibato é necessário distinguir entre os celibatários por vocação, (membros de ordens e congregações religiosas) e os celibatários por encargo aos quais a legislação eclesiástica impõe o celibato como condição de acesso ao exercício da missão sacerdotal paroquial. O celibato para os párocos foi tornado obrigatório pela Igreja Católica na idade média. A Igreja Ortodoxa não aderiu a esta medida disciplinar. Apenas exige o celibato aos bispos. A ligação do exercício do sacerdócio ao celibato não tem fundamento bíblico. Pelo contrário, a Bíblia opõe-se ao ascetismo exagerado e à proibição do casamento aos padres (cf. 1Tim3,1-13 e 4, 1-5).

Entretanto o celibato tornou-se no principal factor impedidor da abundância de padres. O benefício que o celibato traz para a estratégia administrativa é adquirido contra a integração cultural e estrutural do cristianismo nas estruturas seculares. Uma mentalidade fechada e ingénua tem levado as elites da administração eclesiástica a adiar o problema em detrimento da Ecclesia semper reformanda e da integração religiosa nas estruturas culturais. A estruturação da sociedade hodierna exige não só novas medidas em relação ao clero mas também uma nova estratégia de presença cristã nas sociedades. A sua nova reestruturação não pode ser feita apenas para dar resposta à falta de padres. O papel dos leigos numa comunidade viva consciente e activa não pode esquecer a importância do testemunho de vida e missão na sociedade em que estão inserido.

Clericalismo e anti-clericalismo são sintomas de Sociedades desintegrada

Nas sociedades nórdicas, a influência dos pastores casados e suas famílias está muito presente a nível cultural e político-social nas nações. O seu contributo cultural para a sociedade secular faz lembrar o contributo cultural de alto nível dos judeus, no seio dos povos onde se encontram inseridos. É importante constatar-se que, nos povos nórdicos, não há o anti-clericalismo que se encontra em países latinos. Isto tem a ver naturalmente com a integração social e o relevo cultural dados pelas famílias dos padres evangélicos às nações. É frequente ouvir-se políticos tomar posição em público fundamentada em princípios cristãos e isto tanto em partidos de esquerda como de direita.

Nas nações latinas, tradicionalmente de maioria católica, os padres também contribuíram muito para a cultura secular dos países; faltou-lhes porém a disputa com a vida concreta do dia a dia, o enraizamento familiar e a consequente influência. O povo nas sociedades latinas são mais indiferentes e mais dependentes da opinião momentânea do que os povos das nações nórdicas. Os filhos dos pastores evangélicos foram muitas vezes pioneiros a nível de cultura e movimentação política crítica, integrando-se nas mais diversas expressões da arte, da ciência e da religião. Deste modo a Igreja torna-se indirectamente a guardiã do progresso e ao mesmo tempo a defensora de valores tradicionais e humanos.

Clericalismo e anti-clericalismo são fenómenos doentios de sociedades mais desintegradas.

Cidadãos e crentes têm que suportar as estruturas e suportar-se a si!

DO PODER DIVINO PARA O PODER POLVO

A secularização da sociedade deu um grande contributo para o desenvolvimento social. Igrejas e museus têm vivido lado a lado. Mundo religioso e secular, povo e burguesia, embora em tensão, viviam sob o mesmo teto cultural.

Com o acentuar-se da União Europeia e do Globalismo, os antigos deuses europeus estão de volta e vingam-se contra o monoteísmo cristão. Esta religião que se afirmou na luta contra a adoração do Imperador e na defesa dos escravos e explorados parece tornar-se em estorvo para os deuses do novo Olimpo em construção. As novas elites querem recolher-se ao Olimpo para não se misturarem com o povo. A ética e moral, ligada à religião, ao dar voz aos interesses dos mais fracos, com os seus parâmetros éticos e morais, dá muita consistência à base da pirâmide social, o que não agrada aos que querem ter um proletariado de fácil manobra. Por isso o poder anónimo e desenraizado que se instala por todo o lado está interessado em destruir a identidade das pessoas e aquelas estruturas que as defendem a pessoa, pelo facto da divindade fazer parte da pessoa.

Com o processo de democratização do ensino a camada pobre já tem acesso aos lugares dominantes/dominadores da sociedade. Sobe através de sindicatos, partidos, administrações e superstruturas que imperceptivelmente dirigem a vontade e o sentir social. O poder de ontem encontra-se hoje camuflado e opera eficazmente sob o nimbo democrático. Como o polvo tem muitos braços que permitem um processo de filtração na selecção “democrática”dos seus melhores servidores. O poder polvo tem a capacidade de determinar o pensar e sentir do povo de dia para dia através duma opinião publicada nebulosa que o torna invisível e inimigo do Homem. Por isso os amigos do Homem e da democracia, independentemente do seu colorido, têm de mudar a sua estratégia, na sua maneira de estar presentes na sociedade. A Igreja, vocacionada a defender o povo, a dar voz aos que não têm voz deveria estar atenta ao momento histórico que atravessamos, que por razões de reorganização em super-potências e de globalização pretendem reduzir a pessoa a mero indivíduo e este a mercadoria. As novas elites querem um indivíduo cata-vento.

Hoje, a lei do celibato, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, prejudica imensamente a acção da Igreja. A realidade social, através da democratização, mudou-se e o sentido e vias de solidariedade também. A presença cristã no mundo institucional e público precisa duma nova dinâmica. Na sociedade tradicional a aura social estava hierarquicamente estruturada de cima para baixo pelo que a presença eclesial reflectia esta mentalidade com a correspondente presença em lugares relevantes da pirâmide; hoje, que vivemos em tempos de democracia nominal, de poder polvo, a sua presença tem que partir da base da pirâmide, para se tornar presente nos diferentes biótopos sociais e institucionais.

A função de solidariedade e de intercâmbio social do padre deixou de ter prestígio, nas sociedades secularizadas. Por outro lado as exigências do presente, em relação à pastoral, não se limitam à consciência e ao testemunho de castidade do padre, embora nos encontremos numa sociedade sexista já em estado neurótico. Numa altura em que as famílias partidárias procuram assumir, na sociedade democrática, o papel das famílias relevantes burguesas e nobres, da sociedade antiga, lutando, por isso, contra a família tradicional, torna-se importante enobrecer o estatuto da família tradicional e fortalecer o surgir de famílias coesas cristãs e instigá-las a manifestarem a sua presença nos diferentes ramos da política e da sociedade.

A presença cristã necessita duma nova estratégia. Não chega ser-se inteligente; num mundo de espertos exige-se também esperteza. A crise sacerdotal dá a oportunidade à Igreja de se antecipar aos acontecimentos para não ser levada na enxurrada. A paróquia não pode continuar no comodismo fácil de ter um padre livre de tudo para se encontrar à disposição de toda a gente a toda a hora. Isto é egoísmo muito embora os padres que exercem a função com alegria sejam uma bênção para as pessoas com quem contactam.

Não chega já a inteligência racional, é necessária também a inteligência emotiva. Torna-se óbvio, a nível de Igreja, o fomento de famílias testemunho, comunidades de vida, que vivam a caridade, a liberdade e o amor ao próximo em contrastante com as ideologias seculares que seguem uma estratégia de instalar os seus multiplicadores não só nas estruturas do Estado e implicitamente nas estruturas sociais da igreja. A realidade da família e correspondente investimento nela é a estratégia e oportunidade nobre e duradoura que a Igreja tem para se tornar presente a nível social na estrutura do estado moderno. Este aposta na destruição da família e no fomento das grandes famílias (estruturas) partidárias. A influência e participação na vida pública dão-se hoje, principalmente, através da vida partidária, que se apoderou das estruturas do Estado e é, muitas vezes, orientada pela ideologia e pelo dogma dum pragmatismo factual à margem do povo. Uma função da Igreja actual seria mitigar e humanizar aquelas estruturas participando activamente nelas. Não se trata de ter políticos que defendam os interesses dos cristãos mas de ter cristãos na política que a humanizem e defendam a pessoa, os interesses do povo que comunga do ser pessoa. Para isso não pode continuar a considerar-se o matrimónio como concorrente da ordem sacerdotal ou mesmo inferior a ela. Se antigamente era importante o exemplo institucional hoje é importante o testemunho de vida integrada. A hierarquia precisa de se integrar na vida familiar, social e política de maneira directa e não apenas representativa. Também a instituição está chamada a responder ao apelo. Não existe uma norma normans mas uma norma normata. Na há nada definitivo. A cristologia aponta para o primado da praxis.

Sexualidade e Espiritualidade são Energias complementares

Vida sem erotismo é ausência, é frieza. De facto, a sexualidade e a espiritualidade atravessam o coração humano. A sexualidade é uma dádiva de Deus que não deve ser tabuizada nem instrumentalizada. Ela é sinal de alegria na vida.

Apesar duma sociedade sexualmente pervertida em que o comércio se apoderou da sexualidade, a Igreja não pode manipular a sexualidade dos seus padres muito embora o argumento do testemunho pese muito.

A propaganda reduz a mulher a mercadoria. A mulher é transformada em alegoria de mercadoria ao lado dum Mercedes. Este é o melhor sinal de como o mercado já colonizou o corpo da mulher com as fantasias sexuais a ele unidas. A mercadoria tornou-se mulher e a mulher mercadoria. Ela tornou-se reclame. A indústria comercializou o desejo sexual pondo-o ao seu serviço.

Toda a pessoa se encontra sob tensão entre necessidade e valores, seja qual for a forma de vida escolhida, a caminho do possível.

Maturidade afectiva pressupõe a capacidade de renúncia a necessidades e a capacidade de diferenciação entre o papel que se desempenha e a pessoa que se é. Só assim se pode observar os próprios abismos. Até ao concílio de Espanha (Elvira) era comum os padres poderem compartilhar a corporeidade com a esposa. A acentuação do ofício sobre a pessoa exige super-homens sem necessidades, condicionando a santidade do ofício à especialidade do homem padre. Em nome da independência sexual tornam-se dependentes da administração. O facto dos párocos terem feito o voto de castidade não os deve impedir de ter coragem para esclarecer o povo, muito embora a coragem seja dificultada por uma obediência mal entendida.

A igreja não pode calar-se em relação à sexualidade do padre nem pode aceitar que o sacerdote seja torturado pela sexualidade.

A sexualidade consta de relação, fecundidade, identidade e prazer. A Igreja solucionou muito bem a relação e a fecundidade, através de rituais e sacramentos. O problema do prazer e da identidade reserva-os para a controvérsia, sem lhe dar solução.

O celibato é uma forma de vida, uma opção livre nas ordens e congregações religiosas. É um testemunho especial do evangelho de disponibilidade para o espiritual. Porém o processo da incarnação e da ressurreição e o mistério da trindade não permitem apenas a visão bipolar de extremos contraditórios. A espiritualidade cristã não se esgota no diálogo ela vive do triálogo e por isso da complementaridade dos “elementos”. Esta integra a dialéctica na mística.

A obrigação celibatária do clero secular traz, hoje, muito mais desvantagens que vantagens para o povo de Deus.

Uma sociedade sexualizada faz dos celibatários exóticos levando-os ao isolamento. O exercício sacerdotal torna-se hoje mais difícil que ontem. A vida celibatária traz consigo mais disponibilidade mas acarreta também perigos, além de arrogância e de egocentrismo, na falta do elemento correctivo comunitário ou do parceiro, pressupostos necessários para haver desenvolvimento. A abstinência genital sexual não implica abstinência emocional sexual, isto tanto para casados como para solteiros. A renúncia à prática genital pode aumentar a emocional possibilitando uma maior relação com a comunidade, com os membros e com Deus; o mesmo se diga duma prática genital sexual familiar. Há muitos caminhos para chegar a Deus e nem sempre os que se manifestam mais directos são os mais rápidos!

Celibato é uma questão para adultos. Pessoas que não aceitam e não conhecem a sua sexualidade devem renunciar ao celibato. A contenção sexual é uma prática também presente no matrimónio.

Também há perturbações (fobias) da personalidade que se podem esconder no celibato. O amadurecimento da personalidade é um processo e como tal não deve ser parado em nenhum sector.

Nos tempos em que havia grande afluência de vocações sacerdotais aos seminários, os orientadores prestavam grande atenção à maturidade intelectual, psíquica e afectiva; hoje, a carência pode tornar os critérios de selecção mais laxa, o que pode ter más consequências. O padre deve continuar a ser uma instância moral, também o pode ser como casado! A instituição não pode limitar-se no mundo a ser um universo paralelo. Os padres não são criaturas sem necessidades. A natureza quer-se dominada mas não negada. A negação da necessidade implica a negação da realidade. Uma afirmação da instituição à custa da negação da necessidade pode tornar-se exploração e pode conduzir à hipocrisia e à sobranceria.

O padre caminha ao lado das pessoas. Nas missões e no meio dos pobres realizam acções heróicas. A sua entrega é total, vivem com os pobres de dia e de noite, assumem as suas preocupações. Ele é cura de almas e presencia o divino. Todo o cristão está chamado a esta missão.

O voto da castidade pode tornar-se, com o tempo, numa grande carga, numa prisão da sexualidade e é já hoje uma renúncia a fomento de cristianismo nas instituições democráticas.

A Igreja católica, num acto de angústia, viu-se na necessidade de proclamar, a 19 de Junho de 2009, um ano sacerdotal.

Com isto espera das comunidades cristãs e dos padres maior empenho. Os bispos, continuam a reagir como a avestruz que em situações de perigo metem a cabeça debaixo da areia. Em vez de analisarem o porquê da crise sacerdotal e a prescrição celibatária preferem continuar a apostar no celibato do pároco, a reduzi-lo a um perfil de desafio entre aceitação e rejeição, apesar da penúria que se alastra por todas as paróquias.

A instituição ainda não se deu conta que explora a pessoa do padre e por vezes abusa de pessoas sobrecarregadas com cargos honoríficos, que os chegam a envolver em activismos exaustivos. Naturalmente que embora o trabalho feito, não reverta em favor da instituição mas em favor da comunidade, esse facto não deve desresponsabilizar a administração no cuidado que deve ter pelos seus membros. Naturalmente que uma igreja pobre ao serviço dos pobres não tem fundos de meneio suficientes para poder fomentar uma rede de colaboradores leigos mais eficiente. Embora a fórmula trinitária seja plena em relação à dialéctica, a organização não pode fugir à realidade dialéctica da disputa de dois pólos: um pólo constante do exercício e da procura da verdade e outro variável de expressão e adaptação cultural.

REESTRUTURAÇÃO DAS COMUNIDADES CRISTÃS

A Paróquia é um Terreno em Obras

Na Alemanha, tal como em muitos outros países, as paróquias católicas e protestantes encontram-se em profunda reestruturação devido a falta de recursos económicos, a elaboração de novos perfis pastorais e à falta de párocos (no caso dos católicos).

A crise de comunidades paroquiais devida à falta de padres torna-se cada vez mais aguda. Em vez de se adaptar a estrutura pastoral eclesiástica às necessidades da comunidade, adapta-se a comunidade à falta de padres. Acelera-se um fenómeno de desenraizamento e de abandono dos cristãos das práticas litúrgicas e uma certa identificação territorial. A relação pároco comunidade dificulta-se. A comunidade de base insurge-se contra a reunião de paróquias sob um só pároco, mas em vão. O padre passa a ser um pastor de multiplicadores. Este processo oferece pouca resistência porque muitos dos párocos já só visitavam os “fregueses” quando solicitados. A necessidade em vez de se dar em favor dos membros da comunidade recorrendo-se à ordenação de pessoas casadas, de diáconos e diaconisas recorre-se à estratégia estrutural do mesmo pároco fazer serviço em várias freguesias ou em juntá-las. Naturalmente que também o reajustamento de paróquias traz as suas vantagens. Geralmente da necessidade nasce a virtude.

Com a fusão de paróquias o trabalho será mais estruturado e a rede de serviços torna-se mais lata. Por outro lado com estas medidas petrificam-se posições conservadoras que não aceitam párocos casados nem diaconisas. A lobi administrativa reduz a lamentação dos fiéis, que vêem a sua comunidade ameaçada, a um luto que passa. Mais que investir na mudança das estruturas seria de investir na vida espiritual das comunidades e na criação de Unidades Pastorais de serviços específicos. A preocupação das estruturas da igreja parece ser outra: pensa em sistemas de representação da Igreja a nível local, como se a comunidade cristã não fosse ecclesia mas fosse apenas parte duma sociedade. Enganam os fiéis com a ideia de democratização e de responsabilização dos leigos no lugar como se a comunidade não continuasse centrada no padre. Ou será que os actuais párocos são um impedimento de desenvolvimento de actividades laicas que na sua ausência se tornarão possíveis? Naturalmente que se há paróquias em que o padre só se limita à administração dos sacramentos, neste caso a subjugação dessa paróquia a uma outra parecerá legítima. Temos o Mammon e a instituição por vezes em concorrência com a pastoral e com a eclesiologia. A igreja tem uma responsabilidade ad intra et ad extra. Esta pressupõe o respeito por comunidades vivas e unidas, emocional, social e espiritualmente; essa responsabilidade deve estender-se ao pároco muitas vezes abandonado ao isolamento. Nunca é demais louvar o trabalho abnegado de assistência social e pastoral que os padres prestam ao povo e ao Estado apesar do ressentimento presente em ideologias que se apoderam do Estado e pretendem carta branca para a imposição dos seus interesses contra aqueles.

Critérios indispensáveis a uma Comunidade

Uma paróquia pode continuar a ter várias comunidades, como já acontece com os diferentes horários de missas, com diferentes músicas, diferentes públicos e até, por vezes com diferentes padres. As condições para que haja comunidade são: o seu testemunho de fé (martyria), a vivência da caridade (diakonia) e o louvor a Deus (Eucharistia) que se expressam na comunhão de todos (Communio) e se realiza e experimenta no Reino de Deus (Missio). Ecclesia (comunidade) pode naturalmente acontecer independentemente dum lugar determinado.

A revista alemã para pastoral e praxis na comunidade nº. 3 de 2010 www.anzeiger-für-die-seelsorge.de  refere o resultado duma investigação científica em que se enumeram os critérios necessários para que uma Comunidade (ou paróquia) seja viva. Os oito critérios têm que ser cumpridos simultaneamente e são: direcção que autoriza, realização (execução em colaboração) de orientação carismática, espiritualidade entusiasta, relações amorosas, estruturas convenientes, liturgias inspiradoras, pequenos grupos íntegros e evangelização relevante.

Daqui se conclui a necessidade duma planificação abrangente. Além disso purismos são inconvenientes; o “trigo” deve “crescer com o joio”; só mais tarde se poderá ver. Uns fiéis trazem e sustentam os outros. Os espaços paroquiais ou da comunidade poderão ser usados por diferentes grupos de música e de arte, canto, cursos de formação, viagens, peregrinações, exposições, e grupos de meditação e outros em situações mesmo contraditórias, projectos ligados a necessidades específicas sejam elas família, idosos, etc..

Com padres casados ou com padres celibatários o importante é que a comunidade se abra à vida e não se fixe em hábitos rotineiros mas que se reduzem a não deixar morrer alguma iniciativa. Descobrir os próprios carismas e os dos outros numa estrutura com buracos estruturais que permitam oportunidades para a actuação do Espírito Santo.

Com a reforma antecipada há muitas pessoas cristãs e não cristãs interessadas em colaborar honorificamente ou apresentar projectos.

A Igreja tem-se contentado em ver a Banda a passar

Uma atitude da sociedade secular generalizada contra os padres e a sobrecarga de trabalho leva muitos párocos a uma situação de isolamento e de solidão.

A direcção da Igreja adia o problema da falta de padres conectando várias paróquias em Unidades Pastorais sob a direcção dum só padre ou dum grupo de padres. O sacerdote vê, muitas vezes, a sua actividade reduzida a mero administrador de sacramentos e a orientador de grupos, tornando-se num hóspede de passagem, sem tempo para conviver com os membros da comunidade. O novo perfil de pároco parece corresponder mais a um Administrador duma sociedade de leis (grega) do que a uma comunidade de vida (bíblica) com uma vida inerente de “auto-suficiência”.

A estratégia de substituir padres por assistentes pastorais revela-se, por vezes, como contra-produtiva por estes não surgirem da comunidade de vida mas serem colocados por uma instituição distante apenas preocupada com problemas logísticos de administração. O recurso a padres do terceiro mundo para as paróquias, tal como faz a indústria recorrendo à imigração de trabalhadores do estrangeiro, revela-se precária. Não podem contar com uma comunidade acolhedora como no caso das ordens e congregações, o que pode conduzir a um choque cultural, ao isolamento e a depressões, como se observa em certos casos na Alemanha.

O activismo a que os párocos estão sujeitos leva-os, muitas vezes, a perder a alegria de serviço e de vida. 50% dos padres portugueses não participam em retiros nem em cursos de formação contínua: um testemunho de pobreza espiritual e de incúria.

Padres transplantados de outras culturas acrescentam à solidão do celibato o choque cultural que conduz muitas vezes ao stress emocional e à depressão. O padre vive só com os seus problemas e fica só com os problemas a ele confiados. O cargo transforma-se numa carga e o dia a dia pastoral vai-se tornando num deserto onde a fonte da fé se vai esvaindo.

O Homem não é de pau. A sua união a Cristo deve ser complementada com a sua ligação a Jesus, o Homem. No padre, como no cristão deve tornar-se transparente o espírito e a matéria, Jesus Cristo completo.

Deus age em nós e através de nós; o nosso agir tem qualidade divina (Gal.2,20). Apresentar Cristo como garante de que não há tempos de ponto morto na vida sacerdotal seria uma impertinência em relação à materialidade como se de Cristo não fizesse parte Jesus, a parte humana sujeita. A sublimação dum serviço não deve dar-se à custa dos outros, como se o leigo em comunidade não pudesse participar do mais profundo da divindade. O chamamento sacerdotal e específico não deve desresponsabilizar o sacerdócio comum do povo de Deus; eles dão-se na complementaridade. “Eu sou aquele que está aqui para vós” (Ex 3,14). “Onde estiverem dois ou três no meu nome lá estou eu”(Mt 18,20). “O que fizerdes ao mais pequeno a mim o fazeis”(Mt 25,40).Jo 17,21) (Act 2,44; 4,32).

“O sacrifício que agrada a Deus”(Ef. 5,2) não é mortificação mas sim fidelidade à carne e ao espírito no respeito de Cristo e de Jesus que formam uma unidade de matéria e espírito. Estar em Cristo não significa só estar junto dele mas estar nele na terceira dimensão (pessoa) do amor. A força de Cristo jorra em Jesus de várias maneiras. Mais que “enviados de Cristo” estamos a fluir com ele na realização trinitária. Com o Paráclito somos todos enviados a transformar-nos a nós e ao mundo no Jesus Cristo (união de matéria e espírito, 2Cor.1,21).

O serviço sacerdotal terá de ser alargado para que a acção eclesial se concretize na multiplicidade das situações da vida. Também o diaconato da mulher se tornará uma realidade. A razão precisa de percorrer, por vezes, longos caminhos até que, por fim, vence!

O dom do sacerdócio e os diferentes dons são para a comunidade. O desleixo esconde-se facilmente sob o manto da vontade de Deus, como se ela não passasse pela vontade do Homem. Deus age no leigo, no secular e no padre em diferentes funções. O cristianismo não é uma estrada num só sentido. Nele há as mais diversas mansões!

António da Cunha Duarte Justo

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ENTRE A PALAVRA E A IMAGEM


Por um Discurso mais Feminino

António Justo

“Nada de novo sob o Sol” diziam já os antigos. Isto não nos deve impedir de, à sombra das imagens, nos aquecermos no fogo das palavras e nelas aumentar o espectro das perspectivas.

No princípio estava o Verbo que é mais que a palavra. Ele, mais que abstracção, é acção na complementação, é encarnação. O verbo, o logos é biótopo, é ao mesmo tempo razão e natureza, abstracção e experiência do todo, no sentido do todo (Alfa e Ómega), para lá dum simples ordenar de letras do alfabeto. Da palavra surgiu a cultura, numa metamorfose esforçada contra a natura.

A interpretação da realidade numa dinâmica (sentido) de palavra contra a imagem, de masculino contra o feminino, de cidade contra o campo, tem sido redutora duma realidade que é Verbo. A imagem é a-perspectiva e aponta para a fonte profunda da cultura.

Primeiro está a imagem e depois vem a palavra. A imagem é indutiva, parte da experiência directa enquanto que a palavra é dedutiva, resultando duma elaboração intelectual emancipada. Pelas duas se pretende apalpar e expressar a realidade, as duas são informação, encontrando-se numa relação de autonomia complementar.

Primeiro está a imagem que encobre muitos conceitos. Sem a palavra o conceito não seria dado à luz e ficaria submerso na imagem, perdido na ramagem da floresta primitiva, reduzido ao ulular da selva animal. O pensamento torna-se num andaime de que as palavras são os ferros. A imagem cria a necessidade do suporte.

A língua vive das suas metáforas tecidas de imagens. Por detrás das palavras escondem-se imagens, as ideias. As ideias são para Platão imagens protótipo, são as coisas do mundo das aparições, dos fenómenos. Para Kant são os reguladores do esforço humano, provenientes da razão, sem realidade objectiva mas que possibilitam a construção de imagens fechadas do mundo, ultrapassando a possibilidade da experiência nas ideias de Deus, liberdade e imortalidade.

Na imagem eu não falo, sou falado… ela é o lugar da poesia e da religião. O discurso não se forma numa roleta das palavras ao gosto dum linguarejar unidimensional masculino. A palavra só é verdadeira, se encarnada. Não chega a informação do sémen (a palavra) é necessária também a imagem, o útero que lhe dá consistência. Só assim ela é completa, é verbo. De resto, reduziríamos a palavra a uma tautologia do quem esteve primeiro, o galo ou a galinha, se quem está na origem é o esperma ou o óvulo. Não passaríamos de guarda-livros da vida!  Entre o Esperma e o Óvulo encontra-se uma outra Dimensão da Realidade.

Sem a matriz da selva, sem a fantasia não haveria agir humano, nem arte nem mitologia. A geração, a criatividade dá-se na união e não na divisão. A sociedade patriarcal, a civilização, domina mediante a afirmação exagerada da palavra contra a imagem. A palavra real emancipa-se, da imagem, abstraindo-a mas mantendo ao mesmo tempo uma relação de filiação com ela. É uma relação de necessidade que leva o espírito à gruta, o espírito ao corpo gerado pelo espírito e ao mesmo tempo transformado em lugar de nascimento da divindade. Aí, o ser integra o estar, num processo de ser, ao mesmo tempo parido e parturiente. No eu da minha palavra reúne-se o grito, a ressonância do encontro, o intermédio, o sentido surgido entre imagem e palavra. De mim vazio, entrelinha, torno-me imagem e grito (palavra) do mundo para com ele nascer no outro, à luz do encontro trinitário, na complementaridade do eu e do tu a expressar-se no nós sempre a acontecer.

O eu e o tu ganham forma e transcendem-se no nós. O eu, tal como a palavra que o consciencializa, pressupõe não só a voz mas também o eco no tu, na imagem dum eu primordial. Imagem e palavra encontram-se em correlação, tal como praxis e teoria, tal como mulher e homem, matéria e espírito, tempo e espaço, natureza e cultura, na coexistência e interferência complementar, sempre a caminho e a gerar uma terceira dimensão, na relação do todo integral.

O andaime é veículo, diríamos, é a lógica que não se deixa reduzir à palavra porque faz parte da imagem. Antes da palavra está o balbuciar, o gaguejar do pensar que é a expressão das dores de parto, da noite sem sonho, no dormir do estar sem ser, para depois começar a sonhar e a aparecer. No grito treme, ao mesmo tempo, o espírito e a matéria que, nas pegadas do tempo, deixam o eco sempre repetido na palavra.

Também o mar das emoções gera as ondas do sentimento. Emoção, sentimento e palavra são diferentes níveis de expressão duma realidade comum. Veículo e veiculado encontram-se em relação de necessidade mútua.

A realidade da árvore não se deixa definir pelas folhas como as folhas não se definem pela árvore. O mesmo se diga do pensamento e das palavras. O andaime não se deixa limitar a veículo; ele faz parte integrante dum processo vivo. A palavra, como o ferro do andaime, realiza, desde que enquadrada no processo de que ela se torna também mensageira. Se olho para a folha vejo também ramos e talvez uma perspectiva da árvore.

A palavra realiza-se e redime-se na medida em que revela ou dá acesso ao conceito, à ramagem da árvore e a conduz à imagem inicial. A palavra é mais que código, mais que veículo.

A Palavra petrificada para o Povo no Deserto do Sinai

É verdade que a Sarça-ardente de Moisés (1.400 a.C.), sem a palavra dos Mandamentos, neste caso, uma espécie de materialização do espírito, não expressaria a Verdade da Sarça ardente, do Mistério. Moisés, o iniciado, que experimentou o mistério que o prostrou, manifesta a sua sombra na força da imagem, na realidade do fogo. A Verdade experimentada por Moisés só podia ser transmitida, duma forma distante, democratizada através da palavra, dos mandamentos, ao povo. A sua experiência do todo (Verdade) prostra-o por terra, desfigurando-o.

Moisés não confia no povo e resiste a Deus, não reconhece no povo a capacidade de se subordinar à religião nem ao direito. Desfigura-se e reconhece depois que a integralidade da verdade (Realidade) pode encontrar o mais elementar acesso a ela através da janela da palavra, nos mandamentos. Não chega a mera palavra; esta tem de se espiritualizar num processo de errar pelo deserto da vida antes de atingir a Terra Santa, que Moisés mesmo depois de 40 anos (uma vida inteira de procura) não chega a atingir. O primeiro degrau no acesso à verdade dá-se pelas palavras, a folhagem do pensamento. A realidade (verdade) em fluxo na Sarça-ardente só se torna acessível à generalidade através da experiência (de Moisés) petrificada nas palavras e deste modo adaptada ao receptor. O povo não tem acesso directo à imagem e menos ainda à realidade que prostrou Moisés. A verdade transcende a sua petrificação nas pedras do Sinai e nas pedras do cérebro. Ela é dinâmica como a Sarça-ardente sempre em processo a acontecer. Por isso há que despir as palavras da “mentira” que as envolve, tirar-lhe a ilusão das pedras da lei. O processo de libertação da “escravidão do Egipto” pressupõe o ajuntamento e a subida ao Sinai. Mesmo a lei libertadora não garante a chegada.

Se a palavra é a janela do conhecimento a imagem é a janela do sagrado. Entre os dois acontece a realidade. Pela janela da palavra descortina-se o irromper da paisagem do mistério, de que também ela faz parte. Ela fica no limiar do Segredo e do Espírito. Não somos só filhos incógnitos do pensamento, do “penso logo sou”. Ao eu – imagino da selva segue-se o eu – falo, o eu sou em sociedade. Este foi o grande caminho especialmente do Ocidente que frutificou nos direitos humanos e que precisa da referência oriental à imagem, à mãe. Primeiro está a paisagem do nós e depois o indivíduo nela. Este ao sair dela tem a possibilidade de se reflectir dentro do diálogo e em diálogo passar ao triálogo. Somos filhos do mistério e com ele continuaremos a ser definidos. Pela palavra temos acesso ao mar do mistério mas ela é apenas a sua onda. A palavra sem a imagem é vida em segunda mão. A Palavra (Verbo, não é só sujeito e objecto) é acontecer, é processo tal como o esperma e o óvulo na dimensão dum ventre a dar à luz. Ela não pode ser reduzida a um flatus duma verdade meramente espacio-temporal, a uma crosta da crosta. A palavra seria então a objectividade enquanto que a imagem a subjectividade duma realidade para lá das duas.

Os caminhos do Homem marcam a sua presença na selva da realidade à maneira de caminhos feitos sobre o alcatrão da palavra que em contexto de imagem se pode tornar também realidade. A palavra, ao mesmo tempo pegada e caminho em “contexto” deveria transcender os holofotes da lógica dialéctica redutora e determinista, de causa – efeito, para atingir uma Realidade, não só de diálogo (dialéctica pura do “ou… ou”) mas sobretudo de triálogo (trinitária) do “não só… mas também”. Esta será o pressuposto duma nova cultura, dum novo mundo.

O Verbo é a Informação ainda não formatada

O mundo físico é uma expressão fenomenal (uma forma da Realidade), tal como o pensamento (um molde da realidade física).

A palavra vem do pensamento, o pensamento vem da imagem e a imagem vem da informação não formatada (Verbo), da verdade de gerar ou enformar. Se, por um lado, se dá o processo evolutivo espiral ascendente, por outro lado, temos o momento do processo descendente, da Palavra que se encorpa num processo trinitário e não apenas numa dimensão linear de afirmação pelo contradição dual. A Realidade que é a divindade interage na relação Pai, Filho e Espírito. No princípio era o Verbo… O Espírito seria analogicamente o princípio criador maternal. Em Jesus encarnou a Palavra e com ela a carne entra num processo de espiritualização, expressa na natureza de Cristo, onde se transcende a consciência espacio-temporal, a consciência bipolar do bem e do mal.

A fixação na palavra, tal como a fixação na imagem, aprisiona a realidade a uma vertente. Uma cultura quanto mais iconoclasta é mais masculina se torna. Quanto mais puro o monoteísmo mais machista é!

Imaginação é a força que está por detrás do poder de abstracção, a inteligência. Ideia é representação no palco do conhecimento. A relação abstracta, se por um lado é libertadora por outro é redutora, meramente binária, o mundo e eu.

A dialéctica afirma-se pela contradição quando a estrutura da Realidade e do diálogo é trinitária, como a teologia previa e a física quântica parece confirmar. Esta superou o determinismo e o mecanismo dogmático da física clássica. O processo é complexo não se deixando reduzir à realidade do plano bidimensional da coisa (outro), do eu e da consciência, quer próprio quer do outro. Eu sou mais que ser com. O meu estar com o estar do outro possibilita a minha presença, a vivência de não só estar mas também ser. A presença do outro leva-me a ser. Ser o espaço entre o meu estar e o estar do outro numa correspondência tripla Eu-Tu-Relação (mais que vivência/ideia): Pai-Filho-Espírito. Husserl também constata que para lá do nível da realidade “plana” se encontra a “dimensão da espiritualidade viva”. O espírito humano revela-se na língua pela possibilidade de dizer tu. Revela-se na capacidade de reconhecer um tu, no limiar do “pecado” de Adão e Eva, como reconhece a Bíblia. O reconhecimento leva à fala que permite então o encontro. Oh feliz culpa!… No argumento e contra argumento, cada interlocutor reduz a coisa à sua imagem fixa, cristalizando-a na própria diferença, ou aspecto, truncando-a da imagem viva que é movimento.

Discurso Masculino contra o Feminino

Através da imaginação ultrapassa-se a situação real, encara-se a realidade para lá da via causa efeito. Para lá das palavras e das ideias encontram-se imagens, panoramas da alma. Por isso se queremos mudar sentimentos e comportamentos recorre-se a imagens.

A comunicação acontece no âmbito verbal e não verbal. A zona mais próxima ao sentimento é a das imagens; a primeira apreensão da realidade talvez se dê através da inteligência emocional. A imaginação é a chave para secções da personalidade. A imaginação é um instrumento que pode desenvolver a atitude racional. Nas câmaras da cave do nosso cérebro encontram-se armazenadas as mais diferentes imagens, à imagem de pinturas rupestres, que uma vez estimulados deixam representar a cor local de então como se fossem filmes reais. Ao pensar criam-se associações ligadas ao panorama da imagem.

A parte esquerda do cérebro é responsável pelo pensar lógico, de orientação causal e determinista, tem a competência da língua e da actividade verbal, como ler, escrever, matemática, decorar e processos analíticos. É o centro do pensar racional, ao mesmo tempo ordenador e orientado para uma meta.

O hemisfério cerebral direito tem a competência da compreensão de imagens. Não é lógico, e corresponde a uma visão de conjunto, criativa, global, de carácter fotográfico panorâmico, de carácter intuitivo emocional numa relação de indução. Esta parte cerebral é desprezada a nível escolar, político e económico e mesmo no sistema de pensamento, dando-se mais importância à inteligência racional (carácter mais masculino, firmamento) do que à inteligência emocional (carácter mais feminino, terra). Repete-se o defeito da dialéctica na relação entre Realidade e ideia. Assiste-se à ciência contra a arte e contra a religião, ao patriarcado contra o matriarcado. É o hemisfério cerebral esquerdo contra o direito. Continua-se no diálogo rectilíneo, quando o a realidade é complementar e acontece em triálogo.

Podemos fazer uma comparação extrema para a apreensão da realidade. A parte esquerda do cérebro podíamos designá-la do homem em nós e a direita de mulher em nós. Imaginemos que homem e mulher se encontram num extremo dum jardim sem caminhos e querem atingir o outro extremo. O homem chega naturalmente primeiro! Ele com o seu pensar lógico só via o fim (o firmamento) pisando muitas das flores e arbustos para lá chegar rapidamente. A mulher chegou mais tarde mas não estragou e chegou mais rica porque pode descrever muitas das flores e arbustos que observou ao contornar. Ela tem a visão individual e quer manter o todo intacto, o seu estar é um estar em relação. O homem tem a visão abstracta, tem no sentido a meta, provoca a dor mas consegue chegar mais rápido, o seu estar é distante.

A Escola, o Estado, o Pensamento e até a Religião, continuam a cultivar uma cultura masculina, um discurso exclusivo do “ou…ou” quando a Realidade é integral, necessitando nós duma cultura do “não só…mas também.” As duas forças juntas conseguem reunir o princípio da selecção e da colaboração (osmose) numa parceria de complementaridade em relação de igualdade. Trata-se de ver o mundo não só segundo uma dimensão de uma perspectiva (masculina ou feminina, dedutiva ou indutiva) mas também da dimensão a-perspectiva, porque a perspectiva é sempre redutora, tal como a definição. A paz e a harmonia no sentido evolutivo realizam-se então na dança da mulher e do homem, da imagem e da palavra, num processo contínuo de emancipação dos dois, num jogo de ejaculação e gestação, de tensão e relaxe. Na complementação dos dois se dará à luz uma nova realidade, uma cultura da paz e não da guerra. A estratégia a seguir será o reconhecimento da complementaridade da feminilidade e da masculinidade de forma equitativa.

© António da Cunha Duarte Justo

https://antonio-justo.eu/

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Conselho da área consular de Frankfurt

CONSELHO CONSULTIVO DA ÁREA CONSULAR DE FRANKFURT

Sua Constituição

O Vice-cônsul Abílio Dias Ferreira convocou as associações e os professores da área consular para uma reunião de eleição de pessoal, a nomear pelo titular do posto consular, para o Conselho Consultivo da Área Consular de Frankfurt. Após a reunião efectuada no Consulado, a 25 de Janeiro de 2010, o Vice-cônsul Abílio Dias Ferreira apresentou a lista do Conselho que consta dos seguintes membros:

Abílio Dias Ferreira, Vice-cônsul

Irene da Glória Rodrigues, Assistente Adm. Especialista do Consulado

Fátima Veiga

Maria de Jesus Krämer

Teo Ferrer Mesquita

António da Cunha Duarte Justo

Bruno Lopes

Dina Maria André

José Apolinário Madeira Pires

José Luís Coelho

Manuel Rubens da Costa

O número de conselheiros depende, segundo a lei, do número de portugueses inscritos no Consulado.

É da competência do conselho “produzir informações e pareceres sobre matérias que afectem os portugueses residentes” e  “elaborar e propor recomendações respeitantes à aplicação das políticas dirigidas às comunidades portuguesas”, como refere o Artigo 16° do Decreto-Lei  n.º 71/2009 de 31 de Marco..

O conselho funciona por um período de dois anos e meio. Reúne-se ordinariamente três vezes por ano e “extraordinariamente por iniciativa do seu presidente ou a requerimento de, pelo menos, um terço dos seus membros”.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

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