Natal é uma Realidade com Simbologia universal

Através do Natal no Lugar da Convergência

António Justo

Natal é o dia do nascimento de um “rei” tornado menino. Este foi um acontecimento histórico, e ao mesmo tempo um evento transcendente e simbólico. Jesus é um segredo de amor, o Deus escondido que vai nascer nas trevas da noite. Não podia nascer de dia porque o nosso dia anda deslumbrado com o fogo mercantil, como mostrou já na expulsão dos vendilhões do templo. O véu daquela noite encobre a luz do verdadeiro dia. Aquela noite é uma noite-dia uma noite feliz a germinar a vida e a dar à luz o futuro.

Jesus quis nascer numa gruta, numa caverna onde os animais, à maneira daquele tempo, se abrigavam. O rei divino não foi nascer na casa do rei nem no templo; ele é a origem de todo o nascimento.

Se observarmos a vida, com olhar atento, notamos que muitos eventos e a própria natureza são, ao mesmo tempo, realidade e metáfora, a apontar para outras dimensões. Ao observarmos a noite e o dia, as estações do ano, a interdependência de estrelas e planetas, os estados do tempo e das nossas emoções, notamos, por trás de tudo isto, um traço divino comum. Natal é o evento de Belém e conjuntamente pode ser o evento do nascimento para nós e para o mundo na gruta do coração, o seio da concepção. Em cada um se encontra um presépio, uma fenda na rocha, pronta a mostrar Aquele que se fez um de nós.O nosso Menino na gruta, é uma luz que vem do chão; é a manhã da neblina a desembrulhar a terra e o céu.

A gruta, a caverna é símbolo da profundidade da criação e da alma. Tal como a árvore, símbolo da vida, mantem as suas raízes escondidas no solo, que é seio a dar à luz e regaço a receber. 

A criança divina surge numa caverna e com ela a energia cristã que, do fundo das catacumbas, leveda a cidade. Conseguiu furar a crosta terrestre, fazer uma fenda, uma amolgadela na superfície onde podemos mergulhar para reaver o mistério da vida. Neste sentido, os monges cristãos, dos começos do cristianismo, com saudades da vida, tornavam-se anacoretas, vivendo no deserto e em grutas. No seguimento da voz que vem do deserto cancelavam a vida do dia-a-dia para fazerem uma experiência de transformação. Aí, nas areias do deserto sentiam os passos de um povo em peregrinação à procura da gruta prometida e donde surge a vida plena. Deserto é o lugar das perguntas e das respostas, o tempo intermediário e preparatório onde nasce a fé para o Natal do tempo aberto. Dele irradia o sol do optimismo, o início da época da graça para toda o ser.

Na gruta ouve-se a voz do coração e a alma a ressoar. Angelus Silesius chamava ao coração a Câmara do Rei, a caverna de ouro.

Jesus nasce numa caverna e é, no fim, colocado num túmulo cavernoso. O divino encontra-se na caverna, o ventre maternal. A caverna, tal como o inconsciente são escuros, são o lugar do oculto. Quem não tem medo desce à escuridão da noite e lá encontra a luz.

Em cada pessoa se encontra um rei, um infante divino prisioneiro, à espera de atendimento e que se lhe abra a porta. O rei é um símbolo de Deus. A criança é por vezes um símbolo da nossa ipseidade (eu interior), do nosso professor interior. Jesus, na idade de 12 anos, instrói os doutores no templo. Também se revela na caverna do templo entre as pedras do intelecto e da ciência.

Aí, todos nós, doutores da lei, somos chamados a tornar-nos “pobres de espírito”, para sermos libertos (do desejo de poder do ego = Herodes) e assim podermos reconhecer o Emanuel e descobrir-nos a nós na pobreza divina. Todo o mundo, nas cores dos reis magos, vem reconhecê-lo a Belém.

Na metáfora da fuga da sagrada família para o Egipto, Jesus repete e recapitula nEle a História de Israel que regressa à casa paterna. No presépio encontram-se o antigo e o moderno, o Egipto e os reis magos (culturas/religiões do mundo).

Por trás de mitos encontra-se verdade nas suas facetas real, histórica, filosófica, religiosa, e mística.

Naquela noite, naquela gruta se junta o presépio da vida. A estrela como destino dos pontos cardeais reúne no presépio toda a criação. Os reis magos prestam-lhe homenagem com ouro (símbolo da realeza) incenso (da espiritualidade) e mirra (da imortalidade). O boi e o burro com o seu bafo condensam o calor da natureza para aquecer o Menino. Será também um burro que o levará para o Egipto e o trará triunfal a Jerusalém. Os anjos com a humanidade simples tudo canta e dá glória ao Deus Menino.

Francisco de Assis ao desnudar-se perante o pai, já conhecia a luz que vem da caverna (presépio). Lá se encontra a vida toda. Por isso, Francisco fomentou a representação do presépio com seres vivos numa harmonia primordial.

O Deus Menino libertou toda a natureza. Ele liberta tudo: o Homem, os povos e também os animais. Por isso Francisco chamava irmãos aos passarinhos, ao burro, à vaca; à vaca dócil e ao burro que por vezes insiste em que lhe respeitem a vontade. Também os animais de exploração agrícola têm o direito ao encontro e ao respeito da espécie. Também neles brilha a luz de Belém.

Em psicologia o burro é símbolo do corpo e da intuição; perante o perigo, logo ele reage e dá sinal. Francisco já dava o nome de burro ao seu corpo. Este reage à voz interior mesmo quando a vontade é dura e a tenta abafar. Quando se ignora a voz da alma, podem aparecer doenças, que são o toque de sino a lembrar que é tempo de ceder, tempo de descer à gruta para ouvir o ressoar da sua voz. A intuição é a voz do coração onde a sabedoria reside. Por vezes, atrelados ao cadeado do calendário, dançando ao ritmo dos afazeres, não se nota que o burro deixou a vida, já anda à rédea solta a dar coices à vida quando o seu mal é Burnout, Bordaline, falta de silêncio ou de carinho.

Natal é o luar onde converge o passado e o futuro, a realidade e o sonho, o desejo e a recordação. É uma realidade à maneira do tempo, impressa na alma da pessoa e dos povos, a querer transcender o tempo e o calendário. É uma maneira de ser, um estado de alma, a reunir a alegria e a tristeza de crianças e adultos, de seniores e jovens, de crentes e ateus, à procura do fulgor de um menino recolhido em Belém. Lá bem dentro de nós, à lareira do presépio, na magia do momento, crepitam desejos e preocupações a mostrar as chamas de um lume mais fundo…

O presépio revela-nos Deus a dizer que o nosso calor, a nossa frieza, a nossa justiça e injustiça são da nossa competência e responsabilidade porque surgem quando deixamos de ser presépio sem lugar para nascer o Deus Menino em nós. O nosso sentimento de justiça tem a ver com as coisas em nós resolvidas ou não resolvidas. Exigir de Deus uma sociedade justa seria exigir dele que nos tivesse criado como pedras sem eu nem tu, sem a diferença do mistério. Um tal Deus seria um deus das ideias, à nossa semelhança, um Deus ideia criado por nós. Um tal mundo perfeito seria um estado sem lugar para sonho, nem para alegria nem tristeza. Como poderia existir a alegria sem a sombra, sem a tristeza que lhe dá contorno? Como poderia haver o mar do sentimento sem a terra da razão que o sustem?

O Deus Menino vem à luz na gruta e não na praça pública. Ele está em nós e só se realiza quando nos descobrirmos presépio a revelar o salvador do mundo. Quando ele nascer em mim e em ti, então o mundo será uma aldeia em festa. Vamos todos à festa, a gruta é a direcção.

António da Cunha Duarte Justo

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Ângela Merkel Chanceler alemã: O Rosto do Poder feminino

O Governo de Coligação CDU/CSU/SPD tem lugar para optimismo

 

António Justo

O governo da coligação está de pé e traz a cesta básica (o cabaz dos bens necessários) com prendas para todos. Ângela Merkel, a “mãezinha”, como a chamam (uns com afecto, outros com desdém), é chanceler pela terceira vez consecutiva.

Para não perder tanto a influência do seu partido, aumentou os cargos governamentais e assim satisfez os desejos do SPD e CSU. Deste modo assegura indirectamente o poder governativo que, em muitas iniciativas legislativas, precisará da aprovação do Bundesrat (Conselho Federal) onde o SPD tem a maioria. Este governo soube também secundar-se de grandes especialistas independentes que aconselham os vários ministérios.

A Chanceler quer uma Europa reformada, forte e sem medo ao lado da China da Índia e do Brasil. Quer que os asiáticos não admirem a Europa só pelas suas igrejas mas sobretudo pelas suas inovações; não nos quer ver “morrer como museus”, citam-na os jornais!

Membros do Governo

Ângela Merkel (CDU) é a antiga e nova chanceler; Sigmar Gabriel (SPD), é o Vice-Chanceler e Ministro da Economia e da Energia; Frank-Walter Steinmeyer (SPD), Ministro dos Negócios Estrangeiros; Wolfgang Schäuble (CDU), Ministro das finanças; Thomas de Maizière (CDU), Ministro do Interior; Úrsula von der Leyen (CDU), Ministra da Defesa; Haiko Maas (SPD), Ministro da Justiça e dos Consumidores; Andrea Nahles (SPD), Ministra do Trabalho e Assuntos Sociais; Hermann Gröhe (CDU). Ministro da Saúde; Manuela Schwesig  (SPD), Ministra da Família; Joana Wanka (CDU), Ministra da Educação e Pesquisa; Alexander Dobrindt (CSU), Ministro dos Transportes e da Infraestrutura Digital; Barbara Hendricks (SPD), Ministra do Ambiente e Habitação; Gerd Müller (CSU), Ministro do Desenvolvimento; Peter Altmaier  (CDU) Ministro do Kanzleramt; Aydan Özoguz (SPD), Ministra de Estado para Migração, Refugiados e Integração; Monika Grütters  (CDU), Ministra de Estado da Cultura e dos Média;  Hans-Peter Friedrich (CSU), Ministro da Alimentação e Agricultura.

A grande surpresa foi a nomeação de Úrsula von der Leyen para Ministra da Defesa, para chefe de uma instituição com 255.000 soldados e civis. A este propósito, o jornal HNA cita vice-presidente da CDU na vontade de reformas com as palavras: ”Talvez se vá tornando tempo de um homem se tornar Ministro da Família e da Mulher”. Talvez os cristãos democratas queiram introduzir um novo estilo de comandar e obedecer! Von der Leyen, mulher corajosa de 55 anos, promete ir longe; Merkel coloca-a num cargo difícil mas o seu exemplo pode ajudá-la!

Wolfgang Schäuble é o tesoureiro e homem forte da nação; a política europeia fica nas suas mãos e nas mãos de Merkel.

Frank-Walter Steinmeyer não assume comulativamente o cargo de vice-chanceler que tradicionalmente pertencia ao MNE. Muitos esperam dele que a política exterior saia da sombra dos USA e da Grã-Bretanha; isto seria por outro lado incómodo porque a Alemanha teria de abandonar a política da discrição tendo de se comprometer mais na “estabilização” da periferia o que fatalmente levaria a investir mais em armas de intervenção.

 

O Rosto do poder feminino

O acordo de coligação também é fruto do poder feminino discreto na procura de um denominador comum, que deixa a filharada pular e saltar mas só na hora do recreio. Ângela é mulher natural que se não deixou dominar pela afectação masculina do poder. Depois desta legislatura talvez seja a mulher mais propícia para governar os destinos da Europa como presidente da União Europeia.

A sua capacidade feminina fez dela a mulher mais poderosa do mundo num Mileu dos homens. O poder já não tem género e aqui revela-se feminino, pelo menos no seu modo de ser. O poder feminino é imperceptível e discreto. A chanceler apresenta-se reservada e respeitadora; até na propaganda eleitoral estava mais interessada em destacar a semelhança do que a diferença; preocupava-se em mencionar os argumentos e contra-argumentos de cada matéria de interesse; nunca se perdeu em rectóricas, o que era próprio dos concorrentes masculinos. Assim nunca tem a perder penas de auto-apresentação. A base do seu poder está na defesa da Alemanha como povo, no respeito dos parceiros da coligação e no partido CDU que, discretamente, vai mudando e deste modo tornando os outros partidos cada vez mais compatíveis. Rodeia-se de mulheres e homens em quem confia; por isso mesmo todos a temem e respeitam. Tornou-se numa moderadora indispensável para a nação. Para ela o governar é um trabalho normal. A filha de um pastor e esposa de um professor universitário não sofre do desejo de dominância nem de aparecer; o seu poder é temido porque natural e discreto. Domina como a mãe consciente de ter filhos também gabirus mas ciente que todos são seus. Na vitória mostra-se soberana e feminina; a sua modéstia não lhe permite alardes de senhora triunfal. Merkel conseguiu 462 votos dos 621 votos válidos o que corresponde a 74,39 dos votos. Esta coligação tem poder para apostar no bem do povo. No parlamento tem uma oposição de 20% dos deputados. A única consolação que esta teve na eleição da Chanceler foi verificar que 39 deputados da coligação se abstiveram na votação.

Toda a nação segue os passos do governo. O povo odeia políticos que não se preocupem com o bem-comum. Como a chanceler não fez promessas tem um certo âmbito de acção nesse sentido. A chanceler já definiu a grande coligação como a “coligação das grandes tarefas”. Os rebuçados já os distribuíu ao parceiro SPD no pacto da coligação. Resta desejar que este governo continue o tempo das vacas gordas para poder incrementar a família, as reformas e dar solução ao buraco demográfico e dar continuidade à obra do século que é a transição energética. Então talvez reste algo para a EU. Esta mulher que tem sido uma bênção para o bem-estar do povo alemão talvez se possa tornar numa bênção para o bem-estar da Europa.

António da Cunha Duarte Justo

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NATAL MEDITADO

NATAL HOJE

António Justo

Quando era pequenino, andava de colo em colo, colhendo o fruto das cores do arco-íris. Entretanto crescido, tornei-me um rei mago a caminho do presépio a levar ao menino um sentimento agradecido na forma de pétalas olorosas colhidas a caminho; não vou movido por pecado nem culpa, sinto-me apenas impelido por um afecto reconhecido de ter algo para oferecer.

No menino estás tu, estou eu, sem culpa nem dever, com o sol da manhã sempre a amanhecer. Tu, meu vizinho, Deus Menino, não me carregas com culpas nem pecados, és um inocente menino. Um menino Deus como tu, anda por aqui à procura de um abrigo, em nome do céu, da política ou de alguém, sempre adiado, na procura de Belém.

A ida ao presépio é uma descida à gruta do coração onde a vida se oferece longe do bulício. No presépio se une Céu e terra, a humanidade também. Aí, no silêncio de mãos erguidas, jorra a água límpida do amor, jorra viva sem as cores de leis, concepções e credos. Aí, na escola maternal, antes da história da matemática e do catecismo, vou descobrir a dimensão de ser céu e terra à luz do sol.

Em Jesus descubro o caminho aberto para Deus que é felicidade. Não é um livro, mandamento nem dogma. É uma pessoa caminho, a caminho sob a mesma chuva, sob o mesmo sol. A pessoa é mais que um livro aberto. Um livro, uma ideia, um mandamento também pode torna-se em tropecilho a desviar do caminho. O Homem não é só ser, é tornar-se, é ser indefinido na definição, porque é in-formação; é o in a passar-se na forma como o sol pela vidraça. A alegria e a tristeza, não são vida, são apenas nuvens e abertas no alto, segredos de anjos nas asas do tempo a acenar.

No teu interior (presépio), no seio da igreja espiritual, germina o eterno que quer tornar visível a realidade mística da feminidade a dar à luz o infinito.

Toda a natureza se encontra nas dores de parto, toda a pessoa se acha em choque, a dar à luz num momento deslumbrado. A dor do grito desconsolado não encontra guarida nem alívio porque é impulso no seio do mundo a afastar a treva do corpo. A treva na procura do sol de aleluia.

Em cada um dorme um Deus-menino à espera de realização; em cada pessoa se encontra um corpo presépio, a feminilidade a querer dar à luz o salvador. No presépio somos todos um. Este um, passa a ser mãe, passa a ser filho e pai também. Cada um é mais que o mundo porque traz em si o eu, o tu e o nós, o eu e o universo numa aparição concretizada na Segunda Pessoa a caminho do Pai.

António da Cunha Duarte Justo

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Uma Cultura a gerar Filhos de Ninguém – O Ocidente

Sapatinho de Natal > Santa Claus > Pai-Natal

 

António Justo

Quando era pequenino quem trazia as prendas de natal era o menino Jesus; de 24 para 25 de Dezembro, pela calada da noite, ele colocava-as na lareira junto aos sapatos.

 

Com a comercialização da sociedade foi-se impondo o Pai-Natal (Papai Noel), vindo do Polo Norte num trenó; um homem rechonchudo, alegre e de barba branca vestido de vermelho e com um gorro caído virado para a terra. Os americanos protestantes (USA e Canadá – não inclinados para o culto dos santos) e propensos ao capitalismo, em vez de importarem da Europa a tradição católica do menino Jesus e do sapatinho à lareira ou do São Nicolau, criaram a figura do Pai-Natal, em 1860, à imagem da tradição nórdica do S. Nicolau. A substituição do bispo, que oferecera a sua grande herança aos pobres, pela figura do Pai-Natal, foi comercializada nos meados do século XIX pela empresa Coca-Cola. Pai Natal é a substituição secular do “Menino Jesus”

 

“Menino Jesus”, São Nicolau (Santa Claus), Pai-Natal, são nomes que se dão à personagem que traz os presentes na Véspera de Natal, (24 de dezembro), ou no dia de São Nicolau (6 de Dezembro).No Natal faziam-se prendas para lembrar a oferta de Cristo à humanidade; como fomos prendados continuamos a prendar os outros.

 

É interessante verificar, duma perspectiva sociológica, como cada época e povo cria/transforma as suas tradições à medida da sua alma e do seu ideário central. Este torna-se como que a estrela de Belém atrás da qual todo o mundo corre. As exterioridades folclóricas permanecem as mesmas; muda apenas o seu conteúdo cada vez mais feito de superficialidades, a nível de massas.

 

Se observamos a natureza tudo se desenvolve do interior para o exterior. O exterior chama a atenção para a vida interior a ser transmitir. Nos tempos em que a preocupação do ser humano com suas instituições se centrava mais nos bens interiores e na comunidade, as suas instituições preocupavam-se com a integração do novo na sua alma.

 

A Igreja Católica, no seu contacto com os povos bárbaros, respeitava o cerne das suas crenças procurando integrá-las no seu firmamento metafísico. Assim, num processo de aculturação e de inculturação dava profundidade e resposta aos mitos de povos e culturas, integrando num conceito global diferentes arquétipos da sociedade e do Homem. Nos mitos (arquétipos) encontra-se a simbologia plastificada da realidade humana para além do momento histórico. Por isso a verdade mitológica é mais real/verdadeira que a verdade histórica; esta é apenas o resultado do agir no sentido da concretização dos mitos.

 

Uma cultura a gerar filhos de ninguém

 

Com a acentuação da modernidade e do secularismo tem-se dado o processo inverso, iniciando-se assim a exoneração da cultura ocidental. O comércio apodera-se dos mitos cristãos para os desmiolar num processo de secularização desespiritualizadora para os instrumentalizar em seu benefício. Neste processo, em vez de um procedimento de enriquecimento e de interiorização no sentido da continuidade comunitária dá-se o contrário, a mera exteriorização sem ligação ao interior, apenas centrada no sentido da parcela e do momento. Só conta o embrulho que deslumbra o mundo. Tal como o protestantismo expressou o início do fim da cultura medieval agrária (fim do domínio dos países latinos) e o início do domínio nórdico baseado mais no fomento do capitalismo (do direito do indivíduo contra a comunidade), observa-se hoje o início da destruição da cultura ocidental através do globalismo financeiro. É preocupante dar-se conta dos paralelos entre a relação protestantismo-catolicismo como indicadoras do início de uma nova era no século XVI e a relação cristianismo-secularismo da actualidade, como início do abdicar da civilização ocidental e o início de uma sociedade anónima orientada pela pseudo-ética de um utilitarismo universal. Encontramo-nos no início do fim.

 

Os símbolos religiosos são substituídos por símbolos comerciais centrados no negócio e já não no ideário cristão. Deixam de ser arquétipos (modelos da alma e da civilização) para se tornarem símbolos do capital e do comércio ao serviço de necessidades artificiais. A relação humanista dá lugar à relação comercial. Ao ignorar a sua bondade inicial interior, o Homem torna-se a sua própria fera.

 

Na análise que aqui faço apenas me limito a referir um pequeno aspecto cultural, um sintoma limitado mas sintomático da autodestruição sistemática duma grande civilização que parece odiar-se a si mesma.

 

Quem melhor quiser conhecer a alma das civilizações e das culturas observa-lhes os seus mitos, a sua alma. A autodestruição da civilização ocidental é imparável ao reduzi-la ao seu aspecto de permuta económico-comercial e que se torna patente na substituição do Nicolau pelo Pai-Natal. O São Nicolau tinha uma mitra com a ponta a indicar para o céu e a ponta da barba a apontar para a terra; tinha o corpo em posição direita a indicar respeito e relação com a transcendência e o bastão da autoridade. Nicolau é o símbolo da autoridade não autoritária que proporciona lugar para o crescimento dos outros de modo a tornarem-se adultos.

 

Sem o poder e a influência que representa a propaganda Coca-Cola, o Pai Natal não teria transferido tão depressa os países protestantes. Hoje ele tornou-se na expressão da sociedade de consumo em que vivemos. O Pai-Natal, não vem do céu, vem dos países frios do norte e é expressão dos valores da nossa sociedade. Em vez da tiara simbolizadora da espiritualidade e do alto, o Pai Noel traz um gorro vermelho virado para o chão. Tem as proporções corporais de uma criança de três anos e um nariz grosseiro batatudo a puxar para baixo; é infantil, com um saco aos ombros pronto a distribuir o seu conteúdo. Deixou de ser um arquétipo da alma para se tornar a documentação duma sociedade de consumo em regressão.

 

A Vida do Presépio é Espírito ainda não materializado

 

Uma sociedade sem mitos empobrece e é abafada; uma sociedade sem natal é escura e sem perspectiva transcendente; natal é o tempo do dar à luz, é o tempo dos símbolos e dos contos de fadas e das crianças. (“Se não mudardes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mat.18.3).)

Não se trata de recordar apenas algo que aconteceu no passado. O mito é uma verdade e não uma fantasia (Na linguagem coloquial a palavra mito é usada como algo fruto da fantasia). Mais importante do que o acontecido no passado é a verdade do que está sempre a acontecer, ontem, hoje e amanhã, em diferentes dimensões. Mito é teologicamente algo/verdade sempre a acontecer em nós e na comunidade.

 

O Evangelho fala apenas do nascimento de Jesus na “manjedoura de um curral” em Belém e de pastores e magos (três reis) que o visitam. Na descrição da infância de Jesus mistura-se a realidade da História com a realidade das metáforas.

 

A procura de um lugar para a criança divina, longe da terra natal, é naturalmente uma metáfora. A alma não é oriunda da terra, nós vimos de outro lugar e não somos deste mundo. O mundo não é um albergue afável e quente. No nascimento virginal acontece algo completamente novo e inexplicável (Também aparece no budismo e no taoismo). Jesus é também o nosso arquétipo e como tal mostra que também nós temos uma mãe terrestre e ao mesmo tempo temos origem celeste, somos seres espirituais. Esta origem espiritual foi por nós esquecida. No nascimento virginal o pai é espiritual e como tal desconhecido. Jesus conhecia o seu Pai. O pai de todos nós é em certa medida o grande desconhecido. Somos todos filhos de Deus e a nossa vida é uma busca do grande desconhecido! A pessoa de fé vive da ressonância da presença divina em si e no mundo, ela tem a consciência de a ter presente no seu interior.

 

Há a verdade histórica e a verdade da alma e espiritual. A criança divina no presépio não se relaciona apenas à realidade histórica do seu nascimento (Belém/Nazaré) mas é também símbolo e garantia da criança interior em nós.

 

A criança não nasceu em casa, na própria terra; foi nascer em terra distante. Para que nasça algo novo em nós teremos de abandonar os velhos hábitos, teremos de abandonar a nossa casa, a segurança do dia-a-dia que não é albergue nem lar definitivo. Na pobreza do espírito, depois de despidos do nosso saber, das certezas e opiniões, depois de nos tornarmos pequeninos e depois de ter morrido o poder e a violência de Herodes em nós, então seremos o presépio onde a criança surgirá. A criança divina não ameaça nem usa poder. Não podemos continuar a esconder Jesus como fizeram os seus pais a caminho do Egipto (metáfora), numa fuga contínua ao perigo. Possuímos o sangue real. Jesus provém dos tronos de David e de Deus.

 

Em cada um de nós dorme uma criança, o eu original. A verdadeira realidade é invisível e só acessível pelo coração. O caminho é estreito. Para se chegar ao fundo da gruta, ao reino da criança divina em nós, vale a pena tentar ultrapassar a barreira do medo em nós, deixar o estresse, para chegar onde tudo é bom, onde nos sentimos bem e como feitos e envolvidos em muitas realidades. A nossa criança interior encontra-se atafegada em nós por medos e certezas, por fugas e corridas, vive amedrontada pelo barulho das nossas razões e opiniões. Jesus, o divino infante, encontra-se na concha do nosso interior, ele é a natureza da nossa ipseidade à espera de ser ouvida. Do fundo do reino da verdade, a divindade quer falar, quer ser ouvida, já não através da cabeça mas no silêncio do coração. Em cada um de nós encontra-se prisioneira a outra parte de nós, a nossa parte divina, onde a criança definha à espera de ser ouvida.

 

António da Cunha Duarte Justo

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Meditação – O Espírito entornado

 

DEUS NO MEU VIZINHO NÃO É PERFEITO

Por António Justo

Deus, meu vizinho, encoberto numa vida ao lado, ali, lado a lado de ti e de mim, ele brilha no fluir do rio, a correr no olhar de uma criança; acolá mais abaixo ele acena no sofrimento encalhado no remoinho de uma vida entornada no sentimento do tempo encurvado numa velhinha; mais além, o meu vizinho esconde a sua voz de criança a chamar o bulir das folhas no vento que estremece a noite e o dia na alma de quem passa.

Deus, meu vizinho, perde a voz nas pegadas do silêncio; ele é dentro no sentimento e é fora no pensamento. Como o sino, ele ressoa fora e dentro, fora e dentro, na ideia e sentimento.

Ele está em nós e entre nós; a sua voz de criança fala fora e dentro. O meu vizinho não é perfeito quando a sua voz fica só no pensamento.

Deus  revela-se uma desilusão para quem quer um Deus perfeito, ou à medida duma ferramenta mental que só conhece a dimensão do dentro ou do fora, do afirmar ou negar. Ele é o companheiro de jornada a mostrar no seu filho a nossa natureza humana e divina. Nele encontramos os nossos trabalhos, necessidades, aspirações e alegrias. Nele nos encontramos completos e cientes de que as horas do calvário são apenas sextas-feiras ao longo da vida.

A vida é uma caminhada, com uma quadra no monte calvário e uma auréola de pôr-do-sol. Essa cruz torna-se, no dia-a-dia, numa árvore, onde os passarinhos fazem ninho na esperança de novos passarinhos. Ao longo da viagem encontra-se a mesma expectativa no verde das folhas e no verde da esperança a brotar no horizonte da subida.

No verde redimido e nos frutos libertado, sigo o encanto guiado pelo aroma e pela ressonância da fluência da vida. Neste estado já não há atraso. Posso permanecer inteiro num gesto, numa folha, num ser, que se torna meta e caminho. O mar terreno da vida transforma-se em superfície divina a brotar o sagrado. Já não há bem nem mal, além nem aquém, apenas um estado de gravidez a dar à luz Jesus num despontar de luz em cada ser a agradecer.

No outro lado da morte as luzes também brilham a arredar a sombra que o sol arruma do outro lado da noite. O dia morre na noite, a morte morre no dia, tal como o ruído cinzento das cidades se vai no arredar das nuvens e no gorjear das gaivotas.

A violência é dia nas sombras da cidade, nos seus becos sem saída se junta a dor.

Nos becos da vida, o mundo reúne a dor para com ela subir ao calvário e nele limpar o pó do rosto de Deus no Homem ofendido. No meu caminhar sigo a divindade no sol por trás das nuvens. Elas encobrem-na, mostram o meu escuro na sombra da cruz a indicar a direcção da terra reconciliada.

A sombra que encobre o Sol do meu dia-a-dia é a mesma sombra que oculta a verdade no rosto das criaturas, na roupagem das instituições. A sombra multiplica-nos e esconde-nos na sensação de alguém nos acompanhar. Por isso, os nossos monumentos se enquadram melhor com a natureza; na sua sombra cintilam, brilham mais nas ruínas. Lá, onde o brilho das fachadas já não deslumbra, repousa o silêncio a surgir no verde que cobre o ruído da glória e viabiliza a liberdade criadora.

Também por baixo da grandeza dos palácios e dos templos se esconde o sustento, o espírito humilde e nobre que os fez crescer. Hoje, o espírito retido neles sobe à torre em lânguidos brados. Na paisagem ecoa o seu sofrer de volta ao alto no olhar das árvores e no vozear dos cães, enquanto, no fundo da encosta, um barulho chão salta e grita, apertado, entre muros partidários, jurídicos, científicos, económicos e religiosos. Muros contra muros atordoam a paisagem.

Também a voz do mundo inveja e combate, nos muros das igrejas, a sombra dos próprios muros. Desconhecem, contudo, o espírito que ergueu aquelas catedrais e que elas mantêm encoberto. Querem uma religiosidade sem corpo nem vínculo, uma religiosidade à la carte, a seu modo, sem igrejas nem personalidade. Uma religiosidade cor-de-rosa, do sentir-se bem individualista, que reprime e afasta o espírito religioso maternal para o sótão do intelecto, um ponto sem tempo nem lugar. Aquele espírito encoberto e derramado na alma dos fiéis continua imperceptivelmente, presente e vivo, a entrar nas igrejas e a fluir nos corações das pessoas. O espírito divino, a nossa alma, andam derramados na borda da calçada.

Como seres corpóreos construímos organizações e templos onde espírito e corpo se congregam e conservam o calor da memória. As pedras das catedrais, as instituições acompanham-nos dando assistência ao nosso corpo para que as nossas almas, o nosso espírito, acompanhado no paráclito se junte em comunidade para aí realizar a união da pessoa à comunidade. As pedras dos templos e as instituições não são o espírito líquido que precisamos, elas são apenas fontanários. Se os negarmos com o pretexto de serem pedras juntas, teremos de rastejar pelos regos da calçada para dela bebermos o espírito entornado. O espírito como a água brota do fundo da terra depois de recolhidas as bênçãos por onde passou.

O tempo que corre é doce, anónimo e despersonalizante. Vive-se no crepúsculo da cultura, sem tecto moral, ao sabor dos habilidosos do saber que lançam na noite os seus fogos de vista. Encontramo-nos desalojados de nós próprios e levados pelas ventanias da opinião, sempre expostos à chuva duma moral ácida. No crepúsculo da cultura o Espírito anda por aí a estender-nos a mão.

António da Cunha Duarte Justo

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