CRISTÃOS E POLÍTICA

Um amigo perguntou-me à queima-roupa: “dado que o senhor é um crítico da ideologia do género, e como cristão (1), em quem vai votar?”

Certamente quer ouvir a minha opinião sobre o socialismo que está na base da ideologia do género. O cristão procura orientar-se por valores humanos e no centro dos seus interesses está o valor e a dignidade de toda a pessoa humana (o cristianismo mais que em ideias ou valores  resume-se na pessoa de Jesus Cristo, na pessoa precária na condição do Cristo abandonado); se houver um lugar  de preferência política será a de servir o bem comum começando pela promoção dos social e individualmente mais desprotegidos. Para o cristão  não há adversários, o que há, no máximo, são concorrentes na feitura do bem, do seu bem.

Para já faço uma grande diferença entre o socialismo que critico e os socialistas que compreendo e respeito.  O socialismo de caracter marxista e maoista é o atual  adversário do cristianismo mais forte; tem  pretensões a substituí-lo (2)como fé popular (embora, no meu entender ele seja o filho pródigo do cristianismo);  percebe-se como religião da nova era, e aproveita-se, à moda da época, do facto de nos encontrarmos numa época axilar da história, época de mudança e passagem,  onde domina a confusão alimentada por tanta novidade não digerida e caída no relativismo; serve-se também do utilitarismo pragmatista que caldeia socialismo e capitalismo numa argamassa própria (modelo chinês) no intuito de construir uma sociedade materialista-mecanicista-utilitarista; procura, ao mesmo tempo,  modelar um novo tipo de homem de moral meramente mercantilista-funcionalista.

As suas intenções não são explícitas porque apostam numa transformação estratégica da consciência social (daí também a sua aposta numa mudança radical da linguagem!).  O socialismo tornou-se numa religião secular, determinada a agitar os fundamentos da civilização ocidental; num ambiente de falta de modelos políticos convincentes, num ambiente de sociedade precária e em que a injustiça prevalece sobre a justiça, serve-se de algumas ideias sociais cristãs (doutrina social da Igreja) , pretendendo implodir o cristianismo por dentro! Como o socialismo se reveste de um caracter salvífico social religioso (num embaralhamento esperto que cria confusão) leva muitos cristãos a perderem, de maneira impercetível, o acesso à própria mundivisão cristã; tudo isto num baralho de ideias, sentimentos e factos que leva (pelo menos na avalanche superficial) à incompreensão do próprio cristianismo!

Por outro lado, o socialismo (falo de socialismo e não de socialistas!), embora longe de uma cultura participativa, conseguiu ocupar os púlpitos da sociedade (nos Média e especialmente na arte (3) onde assume um caracter litúrgico); aproveita-se dos lugares altos para fazer leis e programas educacionais que minam e demonizam as raízes da cultura ocidental, levando o povo a confundir a excepção com a regra. Dá-se a substituição da luta operária contra o capital pela luta contra os valores fundamentais do cristianismo ou seja, (a sua estratégia de luta anti cultural) contra  o ideal da pessoa integral e soberana, contra a dignidade da vida/supremacia da vida humana,  família, etc.; fecham-se em si mesmos (como outros partidos)  numa estratégia de embaralhar as mentes para não precisarem de esclarecê-las; joga em seu proveito a falta de programas e de modelos políticos convincentes; também é relevante  o facto de, com suas reivindicações terem conseguido melhoramento sociais substanciais nas sociedades europeias liberais. Como os outros partidos também se perdem neles mesmos, não resta a muita da população senão a ideia de, pelo menos, contribuírem para manterem a estabilidade do sistema, julgando essa opção como a melhor (segundo um estudo, cerca de 70% dos Portugueses querem estabilidade…)!

No meio de tanta informação e contrainformação, grande parte da população perde o acesso ao próprio pensamento (dado ser mantida baralhada/distraída através de uma liturgia televisiva com contínuas ideias e factos que não consegue digerir) e ao próprio sentimento, passando a viver num torpor emocional social que nos torna dependentes (de pessoas e ideias encenadas).

Quanto a nós cristãos, estamos chamados a participar na política através dos partidos, mas numa atitude de dissidência do poder. Jesus, já no deserto, se distanciou do messianismo político-judaico (ou partidário) afastando-se do pensamento politicamente correcto e dos movimentos políticos (Act 1, 6-9 e Cf. Lc 4, 15-30) porque estes, como em parte dos discípulos, a preocupação era questionar-se em termos de poder. Ao contrário, o que movia Jesus era o humano-divino e a sua boa nova era para e pelo rebanho tosquiado pelos que pretendem ser seus donos!  Para Jesus o lugar do poder é o do servidor e para isso, em termos políticos e de sociedade, seria necessário inverter-se os valores de modo a ser também ela invertida! Sim estamos chamados, a votar e, certamente, também a ser políticos.

Na constelação política em que nos encontramos será necessário que os cristãos entrem, de forma consciente em diferentes partidos para de dentro poderem fermentá-los no sentido de Deus que se expressa, em política cristã, como povo! O Papa Francisco alerta: “Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum».

A consciência do cristão continua, em termos cristãos, a ser soberana independentemente da vontade de instituições ou de outras criações humanas!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Ideologia do Género: https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/nao-a-educacao-para-uma-cidadania-de-perfil-marxista-e-maoista

(2) Anticristianismo:  https://saiaonicolau.blogspot.com/2021/12/um-texto-de-antonio-justo.html

(3) Arte: https://antonio-justo.eu/?p=4345

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

13 comentários em “CRISTÃOS E POLÍTICA”

  1. Mafalda Freitas Pereira, mais um contributo na perspectiva de se pensar mais sobre o assunto! De facto, muitas vezes andamos enganados sem saber! Por outro lado, quanto mais procuramos saber mais instável parecem tornar-se as nossas certezas! Acho pena que a camada social instalada na nossa sociedade consiga criar tantos tabus e agressões contra outros partidos (Verifico isto nas conversas contra o Chega e contra os que por qualquer razão não se querem vacinar!).Para muitos não há argumentos, chega o ser contra ou o fechar-se no seu casulo para se fecharem nas suas certezas à custa de não verem mais além!

  2. RESPONDO E CORRIJO ALGUM PORMENOR:
    Ou seja que sim, mas não … Que mais socialista do que as primeiras comunidades cristãs? O descristianismo é a ideologia que surge e fomenta o “Constantinismo” (DECRETO DE 313): este faz com que a religião do estado seja a cristã, mas ao seu jeito executado no Concílio de Nicea (325). É aí que começou radicalmente a descristianização-estatalização, e não só nos dogmas, mas sobretudo por se converterem muitos dos bispos em funcionários efetivos do Império de Ocidente com consequências como o martírio do galego Prisciliano, cujo enterramento o cristianismo-hierárquico-monárquico posterior confundiu propositadamente com o impossível de Sant-Iago o Maior.
    Estamos a comprová-lo tanto nos “evangélicos” USA e agora USA-brasileiros e ainda mais, e nos católicos fundamentalistas dos Woytila e Ratzinger; veremos que é o que acontecerá com o bergoglismo.
    In Forum Elos- A Cunha Justo:autor]CRISTÃOS E POLÍTICA

  3. NÃO CHEGUEI A PODER COMPREENDER O QUE O SENHOR QUERIA “CORRIGIR” NEM ONDE QUERIA CHEGAR COM O “COMPROVAR”

    Senhor António Gil, quanto à palavra socialismo não me referi a ela no sentido popular! Que o socialismo manifeste reminiscências cristãs não pode levar a intuir que o socialismo possa ser identificado com o cristianismo das origens, por isso referi-me ao socialismo como “filho pródigo” do Cristianismo e a Marx e a Mao!
    Quanto ao Constantinismo não o tematizei porque exigira sair do intento do meu texto. Que Constantino tenha adoptado o Cristianismo e instrumentaliza-lo como ferramenta para adiar a queda do império romano só revela inteligência política de Constantino que tinha feito as suas experiências em terras ibéricas!
    De resto a investigação histórica e comprovações não são propriedade deste ou daquele grupo, elas encontram-se sempre em processo aberto numa constante observação do processo de inculturação e aculturação quer relativamente ao Cristianismo, quer ao socialismo, o que deve acontecer fora de ideologias A tolerância religiosa tal como prescrita no Édito de Milão e o patrocínio de Constantino ao cristianismo deu-se em grande parte devido à inteligência do estratega Constantino que deste modo consegue adiar por mais tempo o fim de um império em franca decadência e à esperteza de funcionários da Igreja que queriam tirar os seus grupos para fora de perseguições e naturalmente, um e outro por interesses de poder!
    A relação da prática do controlo ou influência do Estado sobre a igreja e a identificação da Igreja com o Império Romano foi naturalmente problemática; mas é a tal “felix culpa” que apressa o surgir da Europa com uma certa identidade cultural; com este pecado torna-se possível o surgir de uma cultura europeia em debate com as culturas dos povos “bárbaros”. A corrupção constantiniana da doutrina cristã possibilita por outro lado à Igreja a expansão da sua missão e doutrina! A aliança entre Igreja e uma orientação política torna-se benéfica no sentido da cristandade à custa do cristianismo genuíno que passa, em parte, a ser mais vivido nos conventos! Actualmente esta situação concreta de divisão de poderes dá oportunidade a maior pluralismo (a Deus o que é de Deus e a César o que é de César), isto sem entramos em moralismos tão próprios dos pretendentes ou activistas do poder dos nossos tempos! Nestas circunstâncias só uma consciência livre e soberana poderá resultar destes dois poderes e assim salvaguardar a seriedade entre a ideia da confissão a Cristo com o constantinismo, o que não é fácil! .
    Ontem era a luta entre religião e estado pelo poder; hoje continua-se a mesma luta de maneira mais eufemística entre os partidos e as ideologias em campo! Como referi no meu artigo. Outrora afirmou-se o cristianismo numa colaboração de estado-igreja; hoje os tempos parecem favorecer a tendência para uma união entre Estado e socialismo!

  4. António Cunha Duarte Justo é ler o Novo Testamento. Lá não diz para pecar à vontade que o padre perdoa, pagando, claro. Lá não diz quem mata com a espada é nobre e merece o céu. Disse: deixa tudo e segue-me e não segue-me e toma tudo para ti. E era mais socialista, o Jesus, que fascista.

  5. Meu caro Antonio Justo

    Acho que a tua resposta é típica do “ politicamente correcto “ !
    A minha opinião é que , votar em consciência como cristão , é a resposta correcta …MAS a pergunta é tão clara e directa que acho que não respondeste ao que o teu amigo perguntou “ em quem ( restritivo) vai votar ?”!
    Mas , claro, a tua resposta pode ter sido condicionada pelo contexto , por ex:. Se o teu amigo for do PC , do BE ou do PS , estiveste bem na resposta .
    Evidentemente que , no contexto específico de teres dúvidas ou não saberes quais os partidos que defendem a “ ideologia do género” , também deste a resposta adequada !
    No meu caso responderia que votaria, no actual espectro partidário, num partido contra as ideologias do género , que seja um
    Partido Personalista, interclassista e reformista, defensor da liberdade , da igualdade de oportunidades e da solidariedade, ie no (…) !
    Um grande abraço meu preclaro amigo e Condiscipulo !
    J CMartins

  6. Caríssimo amigo Martins
    Muito obrigado pelas tuas importantes objecções e propostas. De facto é importante que não nos predámos na Lua porque somos terráqueos com asas espirituais!
    Na minha exposição procurei precisamente não dar uma resposta directa no sentido do que seria esperado, dentro dos quadros do que a correcção política sugeriria! Procurei dizer que a resposta no sentido cristão (no sentido “humano-divino”) seria um estado de consciência mais próximo da atitude de Jesus (tendo em conta porém, não só o cristianismo mas também a cristandade! (A consequente questão que se poria seria, qual dos programas partidários se aproximaria mais da atitude (de Jesus) de serviço ao povo e da sacralidade da vida).
    A resposta terá que cada um encontrá-la fora do barulho do dia-a-dia e contar na sua mente com a função da “felix culpa” também ela por vezes oportuna e não alheia no estar cristão ao longo da História! Os partidos encontram-se todos eles dentro do espírito “messianista judaico” (em termos de poder e de estado terreno) e eles é que têm conztado, pelo que há que arriscar sempre incluindo o cálculo da referida “felix culpa” !… Sim, porque somos feitos de Céu e Terra!…
    A resposta sugeri-a, creio que no sentido Jesuíno, ao deixá-la a cada um que se põe na perspectiva de um Jesus que se distancia (deserto) do pensar politicamente correcto (do pensar em termos de poder) para se encontrar com o Cristo que se encontra no âmago de cada um de nós! Ao fazê-lo expressa a consciência de cristão no sentido de servir! Por isso dizia “Quanto a nós cristãos, estamos chamados a participar na política através dos partidos, mas numa atitude de dissidência do poder” (isto é contrariando os seus interesses que se manifestam mais explicitamente nos partidos de esquerda, concretamente na Geringonça que praticamente nos tem desgovernado!). “A consciência do cristão continua, em termos cristãos, a ser soberana independentemente da vontade de instituições ou de outras criações humanas!” Com isto deixei bem claro que a consciência se deve orientar pelos verdadeiros valores cristãos e não pelo imbróglio dos valores da pseudorreligião do socialismo materialista que não oferece perspectivas cristãs! Também para isto é preciso chamar a atenção, até porque há muitos cristãos que vão à missa votando no partido que talvez responda aos seus interesses mas nos princípios seja contra a fé que como cristão professa!
    Não me sinto dentro do pensamento “politicamente correcto”; procuro sim apresentar vários assuntos sob diferentes perspectivas com a intenção de dar o meu subjectivo contributo no enquadramento de informação, consciente de que ela formata. Como também eu sou pelo “votar em consciência como cristão” fiz referência à atitude de Jesus, o que não implica abstenção.
    Acho a tua atitude e vontade de expressão de voto como a correcta mas a minha intenção no texto foi reflectir em voz alta no sentido de também provocar reflexão. De facto, independentemente das convicções individuais ou partidárias (parto do princípio que todas elas são em perspectiva de procurar ou afirmar a verdade), no texto procurei questionar a esquerda sem ter de ser partidário! Sempre deixo claro nos meus textos que o socialismo não oferece perspectvas cristãs mas como também o mal tem aspectos positivos na História penso ser coerente em respeitar todos e ficar-me nas sombras do caminhar de Jesus! Um forte abraço e obrigado por me teres feito reflectir.

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