Consequência lógica: Passar da EU dos tecnocratas para a EU das Nações
António Justo
Londres pretende renegociação do acordo. O acordo não pode ser renegociado porque a EU já deu a sua última palavra e Teresa May apresentou o plano B igual ao plano A. Mesmo um adiamento do Brexit não traria vantagens nenhumas. Continuariam todos a urinar no rio!
No meio de tanto cinismo e do jogo das escondidas dos políticos ingleses com o povo britânico e perante uma uma atitude orgulhosa da EU que não prestou atenção às anteriores ameaças do RU caso a EU não mudasse algumas políticas que se queriam mais respeitadoras de interesses nacionais, colocou os dois parceiros em situação inviável de uma parte e da outra.
A consequência terá de ser um Brexit irregulado: uma catástrofe para todos os lados. O RU passará a ficar totalmente dependente dos USA e a EU passará a ter pouca relevância no palco internacional por lhe faltar o peso do RU.
O único aspecto positivo para a EU, depois deste amontoado de estilhaços, poderia ser o de ter de passar de uma EU dos tecnocratas para uma EU das nações.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
Comentários em:
https://antonio-justo.eu/?p=5250
Para além do que António Cunha Duarte Justo refere e que mereceria análise mais demorada e atenta, para já, três ou quatro pontos são debatíveis:
– o RU não ficará totalmente dependente dos EUA, até porque o tipo de relacionamento entre os dois países cinge-se mais à defesa, à história e ao domínio dos afectos e sentimentos, que propriamente à esfera económica (é evidente que é importante, mas não se pode comparar com a teia de relações múltiplas com a UE, forjadas nos últimos 45 anos), além disso existe a Commonwealth e o mundo na sua expressão mais abrangente (todavia, a pergunta que se faz é esta: um país qualquer pretende negociar com um estado e um mercado que representa 65 milhões de consumidores ou com um clube de 500 milhões? A equação é bem simples).
– Em segundo lugar, a UE pode ser afectada, perderá algum peso, mas a prazo consegue subsistir sem problemas de maior.
– Em terceiro lugar, a praça financeira de Londres, tendo em conta a sua importância e dimensão, não creio que venha a sofrer tanto, como se pensa. Aqui o RU continuará a dar cartas. E “Frankfurt Main Finance” não creio que tenha capacidade para a substituir, poderá conquistar uma parte, mas o grosso ficará na City.
– Finalmente, duvido muito que vamos passar da Europa dos eurocratas à Europa das nações. Esta cultura já está enraizada em Bruxelas e um pouco por toda a parte e é difícl contrariá-la.
Francisco H. Da Silva
In FB
Vamos colocar algumas questões que se me afiguram pertinentes: a negociação sobre o Brexit está ou não fechada? O problema irlandês, é uma verdade incontornável e irrefutável, daí o “backstop” (ou seja, a cláusula de salvaguarda) ou pode ser ultrapassadol? O backstop implica ausência de fronteiras entre a UE e RU (ou seja enre a Rep. da Irlanda e a Irlanda do Norte) sem qualquer horizonte temporal, mas existirá qualquer outra solução alternativa?
Vamos lá por partes.
Não há na realidade nada para negociar, do ponto de vista da Comissão, em representação de 27 Estados-membros, o pacote está fechado e não irá, seguramente, ser reaberto. A única questão que resta em cima da mesa é a relação futura RU-UE e essa, sim, está em aberto. Todavia, atenta a táctica negocial, não se pode debater o relacionamento futuro sem se aceitar previamente o pacote, que repito, está negociado e fechado. É uma condição “sine qua non”, uma questão, a meu ver, elementar. May poderá ser recebida por uma questão de mera cortesia em Bruxelas, mas não há nada para negociar e ela sabe-o bem.
Mais. Um amigo refere o seguinte: “o resultado teria de ser aprovado e ratificado pelo parlamento britânico. E não foi. Por isso, há que renegociar.” Sem dúvida. Só que a UE negociou na boa-fé com o executivo britânico e não tem mais nada para oferecer. Por conseguinte, a situação é como segue: o “deal” foi recusado, voltando-se à estaca zero, e não há materialmente tempo, condições ou sequer vontade para nos sentarmos à mesa. As ofertas estão feitas é pegar ou largar. Isto não é uma brincadeira de crianças.
Quando a Comissão ou o negociador pedem aos britânicos que se definam e digam o que querem, é mero desabafo e conversa mediática. Não mais do que isto. Não há quaisquer zigue-zagues, A posição é a que indiquei e não outra. Veremos quem tem razão e se haverá cedências de Michel Barnier. A minha experiência bruxelense de 2 anos e meio na Comissão, mais os muitos anos em que lidei com estes assuntos diz-me imediatamente que não.
O problema central é e sempre foi a questão irlandesa ou será que existiam questões de importância equivalente na fase das negociações? Este problema foi sempre varrido por toda a gente para debaixo do tapete até que irrompeu com toda a pujança no decurso do processo negocial e aí não havia volta a dar-lhe. O governo britânico e a “leal oposição de Sua Majestade” sabiam que era assim e andaram a encanar a perna à rã desde a primeira hora. Vamos criar uma fronteira rígida entre a UE (Irlanda) e o RU, na mesma ilha, com o mesmo povo, depois da conclusão de um complexo e delicadíssimo processo de paz, que culminou nos acordos de Sexta-feira Santa de 1998? E num hipotético “soft Brexit” essa “excepção irlandesa” não seria balizada por nenhum horizonte temporal? Oar bem, a bola está, aliás sempre esteve, do lado dos britânicos. Resolvam, pois, o problema “the sooner, the better” e não deixem que os “troubles” emirjam, porque podem mesmo emergir. A isto, como já o disse, chama-se irresponsabilidade, incompetência ou má-fé.
Se não sabiam que o bilhete de saída se traduzia nestas consequências, era bom que soubessem.
O que é que se seguirá?
Na minha perspectiva, não existem quaisquer saídas airosas desta situação. Estamos verdadeiramente num beco sem saída. Só creio que seja possível uma de duas soluções:
– uma extensão do artº 50, mas isso depende da vontade dos Estados-membros, e reabrir o dossiê, nesse prolongamento do jogo, muito embora não seja, para já, imaginável qualquer alternativa minimamente viável;
– o “hard Brexit”, na maior desordem, com prejuízos de monta para ambos os lados, mas recaindo o ónus principal sobre os britânicos.
A primeira hipótese é menos plausível que a segunda.
Francisco H. Da Silva
Excelente análise Francisco. Permite-me apenas acrescentar o seguinte. Parece-me que – talvez um pouco paradoxalmente – a carta mais poderosa que o RU ainda tem é precisamente a carta irlandesa. É que num cenário de no deal não se vê como um “hard border” entre as duas Irlandas poderia ser evitado. E isso é tudo o que a Irlanda do Sul não quer. Aliás há dias surgiu no FT uma peça que dava conta de divergências entre Bruxelas e Dublin a este respeito. Os irlandeses propor-se-iam aplicar unilateralmente uma política de no border em caso de no deal, o que evidentemente desagradaria a Bruxelas, que recearia uma espécie de “dumping regulatório” da parte da pérfida Albion…
Henrique Borges
FB
Caro Embaixador, excelente apresentação da situação e que bem descreve toda a problemática. Sim, certamente, o cum quibus da questão será a aceitação do Backstop ou encontrar uma maneira que salve o rosto dos dois parceirios em relação ao Backstop (permanência da Grã-Bretanha na união aduaneira com a EU e a Irlanda do Norte no mercado interno da UE até ser encontrada outra solução). Talvez a solução possa vir dos “regulamentos alternativos” no acordo de saída como Brady prevê.
Com efeito, a EU terá que persistir na cláusula de backstop, não só para evitar uma nova divisão da ilha irlandesa mas também para acautelar os interesses da Europa continental (em especial os países de grande mercado). A chave da solução estará na Grã-Bretanha que terá de abdicar de exigências anteriores e aceitar uma união aduaneira ou até uma ligação com o mercado interno da EU. Também a na Grã-Bretanha estará interessada em evitar a guerrilha na a Irlanda do Norte.
Realmente dado as posições de Londres e de Bruxelas se encontrarem com as rodas na lama, a única maneira de se evitar um Brexite caótico seria o adiamento do Brexit.
Encontramo-nos na luta entre os Deuses do Olimpo e os Prometeus. Os deuses que nos governam degadeiam-se e não aceitam Prometeus que pretendam servir o povo… Enquanto eles fazem o seu jogo, nós os habitantes da terra abatemo-nos uns aos outros falando da trevoada que os divinos provocam!