ASSALTO À GRAMÁTICA E ÀS LEIS


Ideologia pela Porta traseira do Dicionário e da Lei

António Justo

Enquanto representantes de Homossexuais masculinos e femininos procuram diluir os sexos a nível da lei, querendo ver substituída nas Constituições de diferentes países a palavra “sexo” pela palavra “género”, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, no seu discurso de posse usou a forma presidenta para acentuar o sexo da ocupante (a!)  do cargo de presidente. São duas medidas, de alta eficiência, duma mesma estratégia moderna de lavagem ao cérebro.


A esquerda portuguesa quer ver a palavra “sexo” banida do art. 13º da Constituição e vê-la substituída pela palavra “género”. Como refere a RR on-line de 21.01.2011, ” ‘Sexo’ é uma palavra que sublinha a diferença entre homem e mulher, enquanto “género” é muito mais abrangente, porque em vez de apenas dois tipos – feminino e masculino – a nova expressão da moda abrange cinco: feminino, masculino, homossexual feminino, homossexual masculino e híbrido.”


Se uns se afirmam através da ambiguidade outros recorrem à acentuação do contraste!


Presidenta está para o sexo como homossexuais para o género


A palavra presidente que vem do particípio presente latino praesidens/entis, tal como outras palavras originadas de palavras com terminações idênticas (ens no nominativo e entis no genitivo e ente(m) no acusativo ) assume a mesma forma no masculino e no feminino, distinguindo-se o género prático pela forma gramatical do artigo masculino ou feminino que a precede. Temos assim: o presidente, a presidente, o servente, a servente, o estudante, a estudante, o intérprete, a intérprete, o doente, a doente; o amante, a amante, etc.

Alguns já se anteciparam a uma análise cuidada sobre a etimologia e semântica da palavra colocando a palavra “presidenta” no dicionário. Quem pode pode! (1)


A arbitrariedade parece ganhar, cada vez mais, espaço. A demasiada preocupação de socialização da língua pode, em muitos casos, conduzir à sua proletarização.


Uma má consciência, justificável em relação à mulher e ao feminismo, não é suficiente para justificar pontapés na gramática. Para que uma asneira se torne norma não deveria bastar repeti-la muitas vezes, ou chegar o argumento de “autoridade” de lugares altos. O número da população falante, um argumento de peso, não deve oprimir formas de falar mais complexas e mais diferenciadas em outras zonas da lusofonia (2). O povo merece um ensino primoroso na escola.


Não está aqui em questão o uso de novas flexões para palavras tradicionalmente ligadas ao sexo masculino e para as quais faltam correspondentes formas gramaticais femininas.


O interesse pelo cuido da língua portuguesa a nível internacional deveria empenhar-nos num esforço de superar as conotações de região, moda, salvaguardando-se contudo o seu uso específico regional! Até que uma palavra tome lugar no dicionário (norma) é preciso que passe pelo cadinho do tempo. Uma língua viva precisa continuamente de criar palavras novas e de assimilar também os estrangeirismos. Estes são, muitas vezes, ditados por interesses comerciais e por uma propaganda que não tem respeito pela própria língua.


A lexicologia, ao falar da proveniência dos vocábulos da nossa língua e do enriquecimento do léxico, faz referência ao contributo dado pelos povos que viveram no país, aos neologismos e em especial à via erudita e à via popular no processo de formação das palavras originadas do latim. Hoje, os novos gramáticos deveriam acrescentar a estas vias, a via ideológica. De facto, uma “gramática generativa” e compêndios escolares tornaram-se no meio mais eficiente para fazer interiorizar forças ideológicas, entretanto infiltradas nos organismos dos Estados.


A língua, por mais democráticos que queiramos ser, não pode ser usada a bel-prazer. A gramática não se aprende apenas por osmose, precisa de especialistas formados em academias interculturais.


Assim, com todo o respeito pelos biótopos regionais, não sou presidente pelo facto da minha esposa ser a presidente, nem Doutor por ela ser doutora ou vice-versa, como quererá levar a crer o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: “http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx” ao apresentar a palavra presidenta.


Militantes da Ideologia servem-se dos lugares altos para espalhar os seus interesses. Lobbies, supranacionais encobertas, concentram as suas redes de influência nos corredores dos ministérios e dos parlamentos a nível nacional e internacional. Para isso utilizam não só a legislação (decretos e leis) mas até a gramática. Por trás da sua estratégia esconde-se a vontade de mudar o inconsciente dos povos e o seu condicionamento sócio-cultural, através da criação de novos mitos e conceitos operantes no consciente popular. A fomentar este processo encontra-se a ingenuidade de muitos políticos e multiplicadores de opinião.


No passado a gramática e as leis transmitiam regras mais ou menos consensuais. Eram fruto dum processo sério de análise por especialistas e de aferimento na prática.


Na era dos lobbies do oportunismo interesseiro, os militantes da ideologia e do poder, não submetem o seu produto à retorta do consenso, optam por dirigir-se directamente, às fontes do Estado e da consciência popular. Assim, o veneno da ideologia, metido pouco a pouco no sistema circulatório da Nação, é assimilado directamente por um povo que habituado às conservas do mercado, trata da mesma maneira o legado cultural, engolindo tudo o que se encontra já mastigado por não importa quem.



O interesse pelo cuido do português a nível internacional deveria preocupar-se no fomento duma língua moderna, expressão duma civilização intercultural preocupada em impor-se no mundo e não envolvida em guerrilhas de trincheira ao serviço duma estratégia de impor conotações de ânimo leve, selam elas da região, da moda ou da ideologia. A política da Língua e o ensino da gramática, no contexto intercultural português, não deveriam ser utilizados como instrumento de ideologia e de poder.


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

(1)     (Aqui a repetição da palavra “pode” é inocente como todo o poder; esta não tem género e vem do verbo latino “potere, possum, potui, posse” e não de “fodere, fodio, fodi, fossum”; se escavássemos um pouco mais no fosso da etimologia talvez pudéssemos menos mas criássemos mais e melhor!)

(2)     Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste.


OPINIÃO E REALIDADE – IDEIA E VERDADE


A Vida não engana, as ideias é que nos enganam! (3)

António Justo

A nossa opinião traz a cor dos nossos óculos. É monocromática, enquanto a realidade tem todas as cores do arco-íris. Com as lentes do nosso pensamento configuramos o mundo, a nossa maneira de ser, a nossa opinião e mentalidade. Além disso, usamos uma matriz de percepção selectiva, dirigida para a realidade apreendida como objecto e não como sujeito (ser em processo). A natureza dá-nos assim, para nos individuarmos, a possibilidade de ver a sua fluência transformada em camada de gelo, e assim nos podermos deslocar nela sem vertigens. Assim da órbita do pensamento criamos uma realidade virtual só para nós, separando-nos da natureza tal como a Lua se separou da Terra.


Fixados no movimento de rotação em volta de nós mesmos (do nosso ego) não pressentimos que estamos enquadrados em outros movimentos e forças, que fazemos parte duma Realidade complexa sob a força centrípeta dum Sol material e espiritual. Tal como o Sol continua a ser parte imperceptível da matéria até ao seu mínimo átomo, assim o Espírito faz parte do nosso corpo até às profundidades da nossa alma. O sol brilha na natureza como a intelig1ência no Homem. Como o Sol dá vida à natureza também o Espírito no Homem poderia dar maior brilho e honra à natureza humana, animal e vegetal.


Afirmar-se ou definir-se pela própria posição estática, pelo seu ponto de vista, é tão perigoso como se a Terra se afirmasse sem o Sol. O próprio ponto de encontro de si mesmo na própria rotação pressupõe a existência de outras órbitas e forças de transacção, a existência do outro, como parte também ela formadora da própria identidade. Para entrarmos em nós pressupõe-se então a distanciação de nós mesmos no outro, na outra parte que nos forma e alarga. Alarga não só na perspectiva do sistema mas no sentido metafísico como o entende Heidegger em “Ser e Tempo” ao distinguir entre “as coisas do mundo” e o “Ser”, entre o nosso ser ôntico e ontológico.


Geralmente vive-se da fixação na ilusão da própria visão longe da Realidade que não se deixa reduzir aos canais do pensamento mas acontece na dinâmica do sempre novo, sempre diferente. A ideia é abstracção, uma paisagem da vida a partir da janela da nossa pessoa, condicionada ao nosso saber e sentir. Não vemos a realidade, interpretámo-la através da janela distante dos nossos sentidos. Somos tradutores dum texto comum em que as letras todas correm lá no profundo de cada um de nós e simultaneamente em toda a realidade.


Longe da vida e à caça de vivências, ficamos presos nas laçadas das nossas opiniões. Confundimos a realidade e a verdade profunda com as condutas de acesso a ela: as condutas das opiniões e concepções, os pipelines das civilizações ou as maneiras de ver em voga. A vida torna-se no negativo (filme) da realidade. Na velocidade da dança e na riqueza superelegante da roupagem torna-se difícil descobrir o rosto da vida. A vida não engana, o que engana é a vertigem das ideias! Em vez de identificar o pensamento com a realidade, será óbvio reconhecer no sistema de pensamento um sistema de abordagem e de condução, no cruzamento de outras órbitas. Para evitar a frustração do próprio engano e do engano dos outros, há que descer à profundidade do ser onde a vida corre como ribeiro imperceptível na floresta da realidade. No mais íntimo de nós mesmos, não só na rota das órbitas, encontramos o mesmo Sol que procuramos lá fora. A opinião é uma pobre membrana aberta à osmose do ser todo que é a Verdade! Nestas condições, passo a ser todo na complementaridade do eu – tu – nós.

António da Cunha Duarte Justo

Pedagogo e teólogo

antoniocunhajusto@google.com


ANIMAIS NÃO SÃO MERCADORIA


Penso logo existo – Quem não pensa não tem direito a existir?

António Justo

Uma vaca gera tantos gases de escape (azoto, anidrido carbónico, metano, etc.) num ano como um automóvel que anda 18.000 km. Segundo a FAO a produção dum quilo de carne prejudica tanto o ambiente como uma viagem de 250 km com o carro. Um alemão consome 90 kg de carne por ano e os americanos, no mesmo espaço de tempo, uma média de 120 kg por habitante. Em 2008 foram consumidas no mundo 280 milhões de toneladas de carne e 700 milhões de toneladas de leite.


Segundo uma investigação das UN a agricultura ocupa metade da área da terra e utiliza 70% da água consumida globalmente; produz 20% das emissões de gases estufa, 60% de emissões de fósforo e azoto e 30% de emissões de venenos.


O olhar dum animal, a sua expressão de sentimentos revelam-nos uma sensibilidade que não pode continuar a ser encoberta pela razão humana. Razão e emoção podem-se manifestar não só na empatia duma pessoa com um animal doméstico como até ser verificada em plantas. Observações confirmam que até as plantas brilham mais e dão melhores frutos quando recebem dedicação carinhosa de alguém. Na dedicação cresce uma relação digna a nível profundo onde flúi muito de comum à nossa alma.


“Penso logo existo” é o slogan que nos tem conduzido também a uma certa unilateralidade cruel no agir. Na prática, a inteligência emocional é recalcada e quem não pensa não tem direito a existir. Isto vê-se confirmado nos grandes “campos de concentração” que a indústria agrária cria para os animais e na quantidade de animais que os talhantes imolam sem pudor nos seus matadouros, para depois serem expostos como cadáveres e vendidos nos talhos. Sem honra nem dignidade, os animais são anonimamente criados para se tornarem em bifes e chouriços, depois comidos, sem o mínimo de respeito e de sintonia com eles.


O ser humano ao resumir a sua identidade na fórmula filosófica “penso, logo existo” limita a humanidade à sua espécie, esquecendo que antes do pensar vem o sentir: sinto logo existo. A falta de solidarização com os animais e a carência de compaixão tornam-se num índice da desumanização do homem e consequente violação da natureza por ele. A filosofia e a ciência estão interessadas em considerar a vida emocional dos animais como inferior ou como insuficientemente investigada, para poder continuar a abusar dela e justificar a sua desumanidade como natural. Desde René Descartes fomos instruídos que decisões racionais são o ideal e que decisões do sentimento não valem muito. A injustiça e o opróbrio causado aos animais bradam já aos céus. A maneira como são tratados até ao matadouro não respeita a sua natureza nem os seus sentimentos. Somos campeões em recalcar os nossos sentimentos para com a vaca, o porco, a galinha, etc. Se víssemos neles o destino do nosso cão ou do nosso gato, talvez o sentimento acordasse a nossa razão embotada! Vai sendo tempo da política e da religião dar voz a estas vítimas sem voz. Se não ouvimos a voz da natureza também não nos podemos ouvir a nós! Nas suas veias corre parte do nosso sangue! A nossa desumanidade para com os nossos irmãos de espécie não é argumento para continuarmos a não ouvir a voz dos nossos irmãos da natureza!


A legitimação do ser é mais abrangente do que a razão tem demonstrado. No sentir se encontra a compaixão e a complacência dos seres uns com os outros.


Um aumento da sintonia do Homem com a natureza e consequente alargamento da consciência poderia conduzir à redução do consumo da carne. Se reduzíssemos o consuma da carne no mundo a 10%, o aquecimento da Terra seria evitado e a maioria dos problemas ecológicos seriam resolvidos.


O movimento dos vegetarianos deve ser visto com respeito e implementado, sem entrarmos no jogo de pingue-pongue da culpa, e à margem de qualquer moralismo elitista.


Se os consumidores de carne passassem a ser vegetarianos seria poupada 21% da área que hoje é utilizada para a criação de gado, uma área correspondente à Índia (www.provieh.de). Numa população mundial de 6,7 mil milhões de habitantes, há 75 milhões de vegetarianos, 1,45 mil milhões são tão pobres que não se podem dar ao “luxo” do consumir carne; 500 milhões comem raramente carne e 4,6 mil milhões comem-na regularmente.

Quem não pode ser vegetariano pode, pelo menos, reduzir o seu consumo!

Se quisermos salvar o Homem comecemos já empenhando-nos em favor dos animais e das plantas!


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

Pegadas do Espírito


PORTUGAL COM “SUCESSO” NA VENDA DA DÍVIDA PÚBLICA – Turbo-capitalismo e Globalização selvagem


Sucesso falso porque hipoteca Próximas Gerações e apenas serve o Governo

António Justo

Portugal conseguiu o empréstimo de dinheiro novo, no mercado do capital, no valor de 1250 mil milhões de Euros. Os portugueses têm de pagar, pelas Obrigações do Tesouro (dívida pública vendida), juros relativamente baixos. Como refere a imprensa internacional, do crédito recebido, paga 5,4% pelas Obrigações terminadas em Outubro de 2014 e 6,7% pelas que terminam em 2020.


As condições são relativamente favoráveis, atendendo à recessão de 1,3% da economia portuguesa prevista para 2011, à montanha de dívidas e aos juros a terem de ser liquidados no ano corrente.


Muitos observadores internacionais admiraram-se pelo facto de o Governo português não ter recorrido ao crédito do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEER), financiado pela EU e pelo Fundo Monetário. A renúncia ao FEEF, embora de juros mais baixos, explica-se pelo facto do Governo não querer dar já parte de fraco, como fez a Grécia, e ir aguentando até depois das eleições a realizar, este ano, em Portugal.


Técnicos internacionais prevêem para Portugal o recurso ao FEEF porque vai precisar de pedir um empréstimo de 20.000 milhões de euros em 2011, através da edição de Obrigações do Tesouro.


O fundo de resgate europeu já conta com a necessidade de 100 mil milhões de ajuda a Portugal.


Portugal, apesar da retórica contrária de Sócrates, terá de recorrer ao fundo de resgate europeu. No entender da França e da Alemanha, Portugal não poderá receber, por muito tempo, crédito do mercado do capital. Depois das eleições presidenciais, a realizar ainda em 22 e 23 de Janeiro, os portugueses serão confrontados com novas dívidas a fazer. Na filosofia económica em voga, então só o FEEF os poderá salvar. O Governo poderá então explicar melhor ao povo o porquê da necessidade de recurso ao fundo de resgate europeu e consequente intervenção da EU no controlo das finanças portuguesas.


Os credores internacionais concedem crédito porque sabem que a EU fará com Portugal como fez com a Grécia. O economista americano Nouriel Roubini revelou ao semanário alemão Der Spiegel: “Finalmente será utilizado o dinheiro dos contribuintes alemães para acabar com a crise de dívidas noutros países”. Certamente que a Alemanha tem sido a que mais beneficia com o Euro e a exportação. Apesar de tudo, muitos alemães expressam, cada vez mais, a saudade da sua antiga moeda, o Marco alemão. Se os alemães e os franceses tiverem de apertar mais o cinto, os portugueses muito mais o apertarão.


Os estados fortes da EU tremem com medo da inflação do Euro. O português, José Manuel Barroso, Presidente da Comissão Europeia, preocupado em “fazer o necessário para defender a estabilidade financeira”, alerta a EU para a necessidade de alargar o fundo de resgate europeu (FEEF) .


Espera-se que na Cimeira da EU a 4 de Fevereiro suba o actual fundo para 750 mil milhões de Euros. A chanceler alemã não se pronuncia sobre o assunto. Este é um ano de muitas eleições na Alemanha e aqui o cidadão contribuinte é bastante contra medidas de que ele, ao fim e ao cabo, é o único fiador. Interessante que o seu ministro das finanças Wolfgang Schäuble quer que se elevem os fundos de salvação europeia para um milhão de milhões de euros. Ele sabe que Portugal só poderá ser safo com o apoio do FEEF.


Turbo-capitalismo e Globalização selvagem


Schäuble já prevê os próximos candidatos à insolvência, Espanha e Bélgica. Uma Europa e um mundo livres, a nível financeiro, tornam-se em parasitas das economias nacionais. O que o contribuinte paga para a FEEF e para a salvação dos Bancos torna-se num buraco sem fundo a ir parar aos bolsos dos Bancos e das Bolsas.


O que está a acontecer na Europa e no mundo, a nível financeiro, é um crime a saldar pelos nossos filhos e pelos filhos dos nossos filhos. A banca rota dos estados preanuncia-se numa queda como as peças de dominó.


Em Bruxelas, os chefes de governo exibem-se ma dança dos símbolos. Irrealistas, querem melhorar a capacidade de concorrência mas tudo à custa dos trabalhadores. No mercado financeiro as regras não são iguais para todos vivendo este à custa de economias fracas. A chance dos bancos fortes está na insegurança das finanças dos estados. Por isso estabilizam num lado para desestabilizar no outro. Encontramo-nos no caminho falso, de engano em engano, adiando a derrocada. Naturalmente que muitos dos medos que correm provêem duma vida saturada a perder o arrecadado. Quem começou por vender as jóias arrecadadas dos valores culturais não se pode admirar se no fim lhe for apresentada a conta do desregramento.


A ditadura mundial do capital financeiro encontra, na globalização selvagem, a sua maior oportunidade. As suas estruturas são falsas e falaciosas. A sua ética destrói toda a ética social e desonra a consciência do cidadão que, imperceptivelmente, se torna cúmplice dum sistema injusto e corrupto.


Já Jean-Paul Sartre dizia que, para se amar o Homem, se tinha de odiar o que o oprime! Isto pressupõe a domesticação das estruturas, dos estados, dos partidos e dos boys das grandes organizações nacionais e internacionais. A Terra e o Homem encontram-se a saque! Tudo vê mas ninguém nota! Tudo se queixa mas confia na “bênção” dos Bancos e na “metafísica” do mercado que promete a realização do paraíso no consumo.


Não se pode continuar a reduzir a ética das finanças e da economia a uma ética do bom tempo. Os lucros não podem continuar a ser comprados com a moral, o sangue do povo!



António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com


FELICIDADE – UM BEM A DESCOBRIR


Na infelicidade andamos desencontrados de nós mesmos

António Justo


Numa altura em que vivia em comunidade, foi assinalada, com surpresa, a minha afirmação de viver feliz mas sem gozo.


A felicidade, a alegria interior, não tem razão para o ser. Acontece no centro de nós mesmos, à margem de razões para isso. Já o gozo não; ele depende das circunstâncias, depende também do outro. Geralmente andamos à nossa procura, angariando fora de nós o que está dentro. Distraídos esquecemo-nos que dentro e fora são pólos duma mesma realidade mais profunda; a verdadeira vivência (felicidade) acontece no centro de nós mesmos onde se encontra um tesouro soterrado.


No cruzamento do nosso corpo com o nosso espírito encontra-se a onda de ressonância com o todo, com o universo. No chão (no nivelado) do espaço e do tempo não há só a dimensão do horizontal, a linha do passado e do futuro nem apenas a linha vertical do alto e do baixo, do céu e da terra. A Realidade é a-perspectiva, nela tudo flúi, tudo é complementar. Os extremos tornam-se becos sem saída, verdadeiros desvios da Realidade. A felicidade acontece no meio, no aqui e agora duma Realidade mais abrangente entre o pólo material e espiritual. Os extremos tocam-se e no seu limiar ressoa a onda do transcendente e do imanente. Acontece incarnação e ressurreição numa complementaridade de ciência arte e religião.


A felicidade depende de nós, é uma condição de espírito, do nós a caminho. A felicidade é um filão que jorra no nosso íntimo sem passado nem futuro, sempre presente na vivência dum presente no todo a acontecer (kairos). Não pode ser procurada no passado nem no futuro, na recordação nem na aspiração. Estas são a parte de fora de nós, uma visão numa perspectiva determinada. Aí, as ideias e os sentimentos circulam sem nós e até mesmo contra nós. Do mirante do nosso intelecto apenas podemos fotografar a realidade, à margem da mesma, com as tonalidades positivas ou negativas das nossas ideias que determinarão a matriz (o negativo) dos nossos sentimentos. Aquele formata grande parte da vida que passa a ser uma cisma sobre ideias e sentimentos: um depender de ideias, um viver em segunda mão. Em vez de actores da vida tornamo-nos espectadores perante um palco de ideias positivas ou negativas. Geralmente permanecemos numa ideia positiva ou negativa ampliada num sentimento de gozo ou de sofrimento. Por isso andamos desencontrados de nós mesmos, longe da Realidade e consequentemente distantes da felicidade.


Assim a procura da felicidade torna-se vã pois não reconhece a realidade de nós e do mundo. De facto, a vida, tal como a natureza tem altos e baixos, vales e montanhas, Inverno e Verão. Ela é mudança sendo-lhe subjacente a alegria de viver. A felicidade não está no pensamento como o ano, a natureza, não se reduz ao tempo. A vida, a felicidade encontra-se na graça do viver.


A realização de desejos é apenas como a brisa que passa, que movimenta as folhas na sua superfície dando-lhes o gozo da frescura. A mesma brisa, porém, no Inverno acentua o sentimento do frio presente. Se reconhecemos, no nosso ser, o ser da temperatura, o frio e o calor serão apenas momentos da sua realidade. Se no Inverno nos tornamos infelizes por não termos o Verão procuramos fora de nós o que está dentro de nós, o verão e o Inverno, o gozo e o sofrimento. Não podemos colocar a nossa felicidade no aparecer das folhas primaveris porque então a sua perda no Outono trará consigo a lamentação. O acto de dar à luz é processo, faz parte integrante do acto da geração e da gestação. “No princípio era a Informação (o Verbo) e esta se fez carne” constatava João e Paulo tinha a experiência do “Cristo (o Outro) vive em mim”.


O gozo e o sofrimento são como o ir e vir, como a melodia, em tom maior ou menor, do acenar das folhas das árvores no passar do vento. Também nós, como o tempo e o vento, sempre em fuga descontente, fugimos à mudança na procura dalguma folha fixa. De nós e da realidade registamos apenas a fuga, a passagem, as folhas puxadas pelo vento que caem no Outono, sem percebermos que na sua queda se abre um novo horizonte, que no cair da folha se mostra o ser da árvore. O sentimento profundo da felicidade acontece na mudança, na metanóia e não num momento cristalizado duma queda aparente. Nela a melodia da felicidade trespassa os tons do gozo e da dor.


Num registo linear da vida somos levados a registar apenas os momentos de alegria e de sofrimento, numa realidade mais profunda. Não somos só palco; somos mais que o tempo, mais que as estações do ano, mais que obrigações e necessidades do dia a dia. Somos mais do que o clima e o tempo que parece e aparece.


Partindo duma pedagogia dialéctica para dominar o dia a dia, e chegarmos à felicidade há que começar por abdicar de ideias e de sentimentos negativos e esperar pelo despertar da Primavera em nós. Então virão os passarinhos abrigar-se nos nossos ramos, nas hastes da nossa natureza e farão nelas os seus ninhos. E nós, como parte da sua melodia, ingressados no seu espírito, estaremos, então, preparados para tomar decisões na ressonância com o todo.


Estamos chamados a dar à luz a realidade e não só a pensá-la a partir do de fora dela. Será preciso gerá-la no nosso interior e libertar-se dela, num acto de partilha e libertação, como o da parturiente… Para isso há que mobilizar a vontade na descoberta da essência do nosso ser e descobrir o ciclo das próprias dependências e hábitos. Então reconheceremos em nós a essência da natureza com as suas estações à superfície, o nosso ser de árvore que para dar novos frutos (alegria) perde as folhas (sofrimento) arrastadas pelas ventanias do Outono. Pressupõe-se um processo de desprendimento de ideias e de desapego de sentimentos, um deixar de ter e possuir para ser. Abertura e desprendimento não significam engolir sem mastigar mas pressupõem uma atitude de reconhecimento e agradecimento perante tudo e todos. Tudo é oferta, e, uma vez em sintonia com o todo tornamo-nos benevolentes, passando a abençoar-nos ao abençoarmos o mundo.


A alegria antecipada é a irmã do medo. Podem, por vezes, implicar alívio. Não é o outro que me pode tornar feliz ou infeliz; com ele posso ser feliz. Não se trata de ter uma alegria, um gozo ou uma tristeza. A felicidade acontece a nível não do ter mas do ser. Ela vem de dentro e não de fora. De fora vem o gozo e o sofrimento que se dão no ego. Muitas vezes usamos como substitutos da felicidade o sexo, o álcool, a comida. Procuramos apenas ter, dominar e receber reconhecimento, quando o essencial seria procurar entrar na ressonância com o outro.


A felicidade é um estado que suporta o gozo e a dor. Quem procura o gozo ou foge à dor anda sempre dois paços atrás da felicidade e três atrás de si. Parte da falta e não da abundância. A felicidade encontrada e vivida é como o Sol que traz calor à paisagem. No interior sábio, de cada um de nós, encontram-se as correntes das melhores ideias e dos melhores sentimentos. Trata-se de abrir caminho para elas e então virão ao de fora na estação apropriada. Então chegará observar sem analisar para descrever sem explicar.


No teatro da vida actua-se, não se prestam provas. Cada qual tem o seu ciclo de tempo com os seus ciclones e anticiclones, pressões e depressões. Uma nova consciência da realidade, na complementaridade da pequenez e da grandeza, do espírito e da matéria, do eu e do outro, conduz a uma nova vivência da Realidade una e diversa. A participação na divindade conduz à compenetração do que o Evangelho descreve como experiência do reino de Deus. Aí acaba a imanência e a transcendência. A transcendência emerge na criação como o som musical da guitarra na harmonia das notas. Aí acontece individuação na consonância da tríade eu tu nós. Ao tocarmos as cordas do nosso interior possibilitamos a experiência da felicidade em nós como ressonância do divino no ser que Ele também é. Uma vez entrados na casa do ser onde mora a deidade as tempestades e bonanças das nossas ideias e sentimentos passam a ser parte integrante da vida sendo vistas e sentidas como o ruído que o vendaval provoca ao passar no telhado, na distância do aconchego da casa.


Para lá do alto do conhecimento e da profundidade do sentimento há outros horizontes a descobrir: os horizontes da experiência alargada da ipseidade e alteridade em tudo presente e a tudo comum. Na sua relação se realiza a individuação, que se torna pessoa.


Para além do horizonte do nosso eu descobrimos um tu possibilitador do nós. Aí no mar do mistério adquirimos uma dimensão consciente da totalidade. Para lá do horizonte do nosso eu, entramos no fluido da mudança realizado na fórmula Tríade que resume a mística ocidental. Então passaremos da consciência do diálogo para a dinâmica do triálogo. Aí chegados, a nova consciência entende a dicotomia não se deixa enredar nela.


António da Cunha Duarte Justo

Pedagogo e Teólogo

Pegadas do Tempo

antoniocunhajusto@googlemail.com