O despertar do povo incomoda muita gente
Na Alemanha e na França, elitistas e populistas não olham a meios na disputa do poder. Vive-se já numa sociedade que pensa em estereótipos e usa dois pesos e duas medidas na condução do discurso público, como já se torna fácil observar nos mass media.
Principalmente a partir da epidemia Covid 19 e da guerra geopolítica na Ucrânia, a classe política e os Media apostaram na polarização da sociedade e deste modo transportam a sua agressividade política para o meio do povo.
Desde que o aspecto ideológico tomou assento na actual coligação alemã, o ambiente social na Alemanha é cada vez mais desconfortável chegando mesmo a tornar-se insuportável: as pessoas hoje têm medo de dizerem o que pensam para não perderem amigos e não serem colocadas no canto dos que pensam bem (a esquerda) ou no dos que pensam mal (a direita). Apagaram-se as diferenciações e até a palavra conservador já não se usa passando a ser identificada com a direita e esta com a extrema direita! As mentes correm cada vez mais o perigo de se encontrem em curto-circuito. Jornais alemães e políticos incitam o povo contra a direita como se se a direita se identificasse com extrema direita; diferenciação é concebida a nível de esquerda, como se o meio da sociedade fosse constituído pela esquerda).
Isto cria medo nas populações porque à guerra militar geopolítica dos governantes vem juntar-se a guerra civil da opinio pública sem espaço para a razão nem para alternativas, a não ser a luta e a culpa democratizada. De momento vale tudo menos o discernimento e a diferenciação: em tempos de guerra “salve-se quem puder”! As elites governantes em vez de corrigirem o seu actuar preferem declarar como antidemocrata quem não está de acordo com as suas medidas.
O povo, para não ser hostilizado nem envolvido na luta social criada pela política e pelos media, só lhe resta a possibilidade de se refugiar na vida privada. Doutra maneira verá amizades destroçadas!
A sociedade crítica alemã vai assim tendo uma ideia da atmosfera social do seu tempo nazi e do tempo da Alemanha socialista (DDR). Os regimes quanto mais autoritários são mais se servem do medo, da censura e do controlo. As democracias que se quereriam exemplares (União Europeia e USA) encontram-se doentes.
Passo a testemunhar uma experiência feita na sociedade alemã nos anos oitenta e noventa. Então era eu o porta-voz do Conselho de Estrangeiros de Kassel e minha esposa e eu organizávamos no nosso jardim encontros de convívio onde se reuniam africanos, muçulmanos, ateus, judeus e cristãos e membros dos diferentes quadrantes políticos alemães (De notar que então o partido dos Verdes era repelido pelo arco do poder tal como é hoje o partido AfD; no passado, porém, os Media eram mais neutros e por isso não havia ainda na sociedade a agitação popular). Eram festas em que se reuniam 40 pessoas empenhadas politicamente e todos conviviam e falavam uns com os outros sem preconceitos e, sem atender a diferenças ou posições políticas; todos aplaudiam músicas feitas por judeus, afegãos ou da Índia e não se preocupavam se os participantes eram de direita ou de esquerda.
Pelo que me é dado observar, hoje a opinião pública da população alemã encontra-se em geral fanatizada e com ela também habitantes de outras etnias; a polarização política passou a dominar de tal modo a opinião pública que põe em perigo a paz social e as amizades.
Imagine-se o desplante da arrogância ideológica: A ministra dos negócios estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, declarou querer levar ao mundo uma política externa feminista. O feminismo considerado como símbolo do bem apregoado por um país onde a vontade de compromisso, a capacidade de diálogo e a empatia devem ser substituídas por “tornar-se eficiente para a guerra” parece ter muito mais de masculino do que de feminino. Esperemos que este mal não se espalhe tão depressa pelos países menos expostos.
Deixou de haver direita e esquerda para se dar expressão à opinião única dos defensores do sistema identificado com a democracia contra a chamada extrema direita. Em geral, o discurso público não faz uso da palavra extrema no que toca aos da esquerda porque se parte do princípio de que esta se encontra na verdade e está consciente do poder virolento de palavras fortes. Também a China está a intervir no controlo da linguagem porque quem domina a linguagem domina o povo!
Os critérios usados para classificar uma pessoa como extrema direita são: questionar a agenda de género, ser contra o aborto, falar da existência de demasiados refugiados, da excessiva criminalidade de origem islâmica ou questionar o liberalismo globalista.
Na realidade trata-se de implementar uma nova cultura e o que está em causa é a deslocação do poder dentro do arco do poder (partidos que se alternam na governação) que, vendo o surgir de novos partidos com muito apoio popular, sente a sua posição de poder a oscilar e por isso faz uso de todos os meios para os combater usando a estratégia de que a democracia está em perigo, quando o que está em questão são medidas governativas que sem consideração de prejuízos se afirma de maneira arrogante sem ver necessidade de justificar as medidas que toma, como se dá no caso dos Verdes na coligação de governo alemã
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo