CUMPLICIDADE ENTRE GLOBALISMO IDEOLÓGICO E ECONÓMICO – “FOGO” POSTO NA AMAZÓNIA PELA ONDA MEDIÁTICA EUROPEIA

Do Desmatamento do Biótopo Amazónia ao Arroteamento dos Biótopos culturais ocidentais

Por António Justo

A situação

Por um lado, o planeta encontra-se a salto por parte de forças económicas variadas e por outro, o povo encontra-se a salto por parte de ideologias contraentes. Tudo corre para usufruir dos rendimentos sem contar com os interesses dos povos, das regiões, nem da nossa casa comum que é a natureza. Sob a nuvem do globalismo originam-se tsunamis e tufões que arrastam biótopos naturais e biótopos culturais; o povo não pode dar-se conta da razia em obra porque desconhece as leis “climáticas” dos centros de altas e baixas pressões e só lhes é dado pôr ou tirar o guarda chuva para não ser encharcado nem levado pelas ventanias.

Bolsonaro apressa-se a combater o fogo com aviões da força aérea e com 43.000 soldados que ajudam os bombeiros e com 10 milhões de euros de apoio ao combate às chamas (HNA 26.08.2019).

Segundo pesquisadores da Universidade de Oklahoma a área verde de floresta perdida entre 2000 e 2017 foi de cerca de 400 mil km² (1).

Um aspecto que não tem sido considerado na discussão é o facto de os fogos terem aumentado desde que a Alemanha e a Noruega deixaram de apoiar as suas ONGs (organizações não governamentais) no lugar (dá que pensar, quando ONGs petistas são proibidas, tendo o facto provocado a suspensão de donativos para a Amazónia!); deste modo juntam-se aos interesses dos madeireiros outros interesses políticos também eles implicados no negócio. Na Amazónia há dezenas de milhares de ONGs estrangeiras: uma verdadeira chuva de interesses económicos e políticos internacionais diversificados….

A Amazónia sempre ardeu e isto, segundo especialistas, não é decisivo no clima mundial (os pulmões da terra são os oceanos e as suas algas sofrem sem que ninguém se interesse), o problema estará não tanto na produção do CO2 mas mais no facto de os fogos nas florestas tropicais contribuírem para o aquecimento da atmosfera. Sintomático é o facto de que este problema foi ignorado até agora embora isso aconteça também em África e Ásia (Um olhar cínico poderia, porém, apontar para o facto de os fogos antes não contarem porque não punham em perigo o alastrar do socialismo na América latina!!!).

O comércio é determinante e se o Brasil continuar o desmatamento na Amazónia para produzir carne e forragem para exportar, também os interesses dos lavradores europeus são lesados devido à concorrência de produtos mais baratos. (Os interesses comerciais e políticos são o verdadeiro rastilho em acção que conduz à pólvora: para uma solução justa haveria que fazer um levantamento da situação e identificar primeiro todos os “incendiários”; douto modo, andamos todos a lançar foguetes para o ar, simplesmente para satisfazer o prazer de ver o povo perder o seu tempo a correr atrás das canas!).

O clima é realmente um problema global, mas não pode ser resolvido à custa do não desenvolvimento do Brasil. Nós já procedemos ao desmatamento das florestas europeias para chegarmos onde nos encontramos e do alto das nossas razões sentimo-nos com o direito de exigirmos do Brasil que renuncie ao desenvolvimento nacional por puro altruísmo com o resto da humanidade, mas não lhe oferecemos alternativa; o problema da Amazónia e de muitas outras “amazónias” pelo mundo é um assunto universal complicado e como tal deveria ser resolvido na concórdia de uma Cimeira entre os representantes dos povos (mas numa atitude fora de qualquer colonialismo económico ou ideológico). A continuar na perspectiva de egoísmos nacionais meramente interesseiros, é natural que Bolsonaro pretenda impedir qualquer interferência externa para demonstrar que o Brasil pode crescer por força própria (Não se esqueça que o povo brasileiro é em termos nacionais um povo muito auto-consciente.

A protecção do clima só poderá ser tomada em conta se a produção do anidrido carbónico não subir e o consumo de carne for reduzido; o problema é que ninguém quer renunciar ao nível de vida adquirido e, por seu lado, a economia aposta no eterno crescimento como a única solução dos problemas! Os usufrutos da Amazónia querem-se universais, mas o preço não pode se adquirido à custa do subdesenvolvimento do Brasil e de uma população de 200 milhões.

Assim, olhe-se para onde se olhar, só se avista fogo posto e fogo por atear; é só fumo e fogo, por todo o lado: na Amazónia, nas chaminés dos povoados, nas lareiras das ideologias, nas torres da economia e, lamentavelmente, até já começa a sair fumo e fogo dos olhos e dos ouvidos, de cada vez mais pessoas, devido à balbúrdia dos interesses na discussão pública.

Altas e baixas pressões em diferentes zonas de interesses

Na Amazónia já houve maiores fogos e maior desmatamento (2) que hoje, mas na altura ninguém ligou porque então os ventos sopravam da Rússia. Hoje que os ventos parecem começar a soprar dos USA já toda a gente da ribalta se sobressalta fazendo hoje um elefante do que antes consideravam uma mosca! De facto, fogos para desmatamento são no Brasil já tradição embora, a forma descontrolada como acontecem, se revele muito perigosa.

Mácron que quer ser visto internacionalmente como o homem da Europa (3), publicou informações erradas sobre a Amazónia e caiu no ridículo (4). Mas, no meio de tanta alhada em torno da Amazónia, Mácron saiu-se, por fim, de rosto erguido no palco da G7 e declarou a intenção de a G7 ajudar a amazónia com 18 milhões de Euros (5), Trump mostra-se disposto a encontrar-se com o presidente do Irão e a entrar em diálogo com a China (Tem-se a sensação que o globalismo ganhou!).

Na discussão pública chega-se a ter a impressão que o adversário não é o fogo, mas sim políticos de ideologia adversária.

Grupos ideológicos, na sequência da queda do poder soviético, aproveitam-se de tudo e de todos para ocuparem uma imprensa neles interessada e assim envolverem a opinião pública exageradamente nos seus temas; agora abusam do problema grave da Amazónia para apostarem na sua luta contra o seu rival ideológico que é Bolsonaro (símbolo da direita e dos interesses regionais contra o globalismo; com a eleição de Bolsonaro andam desesperados porque contavam já com um Brasil socialista e com ele a América Latina mas a conta está-lhes a sair errada); de comum em todas as lutas que iniciam estará a  homogenação dos povos e sua submissão a supra estruturas ideológicas com o intuito destruidor de biótopos culturais (valores adquiridos, família, cristianismo, nações, e controlo da educação), a partir daí; assim conseguem criar, na sociedade, descampados da civilização que possibilitem a implantação da sua monocultura plana, uma mistura de savana e deserto, com alguns embondeiros do poder a dominar a paisagem; o mesmo fazem multinacionais económicas interessadas no desmatamento da natureza e na destruição de empresas nacionais num abuso destruidor em função do proveito e da ganância global que não respeita povos nem nações. As duas ideologias que, à primeira vista, parecem contraditórias são unânimes em criar um povo ovelha (de consumidores e proletários); um povo que se sinta satisfeito apenas em saciar as necessidades primárias. Os dois poderes (marxismo e turbocapitalismo) querem uma sociedade sem ordem nem regras nem valores e, deste modo, orientada apenas pela máxima do “quem oferece mais baixo e mais barato”. A sua estratégia, de ir nutrindo a sociedade com temas quentes dirigidos à tona das emoções, tem-se revelado de grande sucesso se tivermos em conta os resultados no mainstream dominante e, cada vez mais, na pobre maneira do pensar igual das pessoas.

A poluição que o turbo-capitalismo provoca na natureza corresponde à poluição ambiental social provocada pelos seus contraentes. Em vez de uma discussão séria dos problemas e factos no sentido de procurar uma solução comum, cada parte fixada apenas nos seus interesses divide para imperar. O problema agudiza-se numa situação em que os meios de comunicaç1bo social dançam no mesmo ritmo, a mesma música. Por isso o conteúdo dos Media deixa muitas vezes a desejar; o conteúdo de uma boa mensagem (informação) deve, de certo modo, destacar-se da vida quotidiana e de interesses imediatos.

O marxismo ocidental torna tudo igual (quer tudo proletário), por isso investe no desmatamento espiritual. Ao deplorável desmatamento da floresta e ao corte das árvores da Amazónia corresponde o derramamento de valores culturais (chamem-se eles ocidentais, pessoais, familiares ou nacionais) O internacionalismo socialista tal como o turbo-capitalismo uniram-se e atrás do islamismo vão conquistando terreno, espalhando assim a desertificação cultural ocidental para criarem apenas uma vegetação de latifúndio monocultura (a cultura marxista universal).

O povo inocente mata-se a correr atrás das canas ou à procura de incendiários quando o problema engendrado é mais do fumo e dos ventos e das pressões que os interesses determinam! Cada parte pretende ver o argueiro no olho dos outros sem notar a trave que tem nos próprios olhos. Os ativistas do clima veem o problema nos governantes, que supostamente se deveriam afirmar contra a vontade das massas, mas estas querem continuar a viver como até agora com carne barata, para que todos justamente participem da prosperidade. No que toca a Trump, ele é um achado para alimentar a imprensa e entretimento para os leitores (O povo precisa de símbolos para poder ser motivado a correr atrás deles: não importa se o punho cerrado ou de Trump, Bolsonaro e outros mais!). E viva a festa!

O fumo internacional é tanto que já atravessou o Atlântico, do Brasil a Portugal, de modo que até políticos bombeiros de Portugal (Ministro do Ambiente) para não ficarem fora da procissão, já se atrevem a criticar os bombeiros do Brasil e isto sem se preocuparem com a barracada das queimadas em Portugal com tantos mortos e feridos, nem com outros fogos que atualmente afligem também outros países da América do sul; não se fale já da África e da Ásia (Há muito pasto que não interessa pôr na manjedoura pública para que, de maneira repartida, se vá mantendo o povo na fileira!).

Há por aí muita gente a viver à gosma, como o cuco a viver do “ovo” que colocam no ninho dos outros. Pena é que, no meio de tantos cucos vai-se tendo a impressão que no fim cada um fica a zurrar para seu lado e quem fica a sofrer é um povo atordoado e uma natureza doente!

Para lá de uma cidadania catavento

É triste verificar-se como o povo e seus interesses são adiados através de ondas de informação que os condicionam à situação de cataventos dependentes do sopro dos ventos que surgem da esquerda e da direita, quando o melhor seria que a direita e a esquerda se entendessem como membros do mesmo corpo que é a nação e entrassem numa relação de inclusão passando a usar as duas pernas para o país possa andar direito.

A situação mundial e do clima não dá para brincadeiras, mas pior ainda se torna ela, quando os seus actores se aproveitam da crise para fazerem o seu jogo.

Penso que hoje, tão grave como a crise da amazónia, é a crise provocada que se vive também devida a uma informação manipuladora com a consequente influência decisiva que provoca na opinião pública uma quase histeria. Por trás encontram-se os interesses de um turbo capitalismo e de da estratégia da expansão do marxismo cultural contra a cultura ocidental: uns em nome dos interesses individuais, outros em nome dos internacionais.

A política dos países e as democracias são cada vez mais condicionadas por grupos de interesses que se organizam em ONGs numa estratégia de afirmação de interesses contraditórios para deste modo pressionarem os governos; apelam para um direito nada inclusivo de se encontrarem ao serviço de interesses internacionais contra os nacionais; isto legitima-os a não respeitarem nem reconhecem a vontade de um povo democrático embora legitimado por eleições; como não reconhecem povo apostam na guerrilha e na guerra civil; deste modo esvaziam os direitos democráticos e as consciências regionais. Hoje em dia encontramo-nos numa guerra ideológica e o povo não nota o que se está realmente a passar, sendo até muitas irregularidades cobertas ou até fomentadas pela ONU!

Outrora, os jacobinos marxistas usavam-se do pretexto do capitalismo para continuarem a sua guerra, agora aproveitam-se, dos direitos humanos, da sexualidade, do “género “, da ecologia (CO2), da ONU, para se intrometerem a nível internacional no negócio dos países; agora que veem a sua guerra a perder-se no Brasil e com ele potencialmente na América do Sul criam um clima de alarme por todo o lado. A solução só pode ser encontrada através de compromisso e não de uma posição ditadora de um só lado possuir o direito e a razão.

Muitas ONGs operam hoje como operavam antes os serviços secretos estrangeiros dentro dos países. Alarmismo e movimentação dos sentimentos das massas contra a luz da razão, podem tornar-se em novas formas de invasão.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (Português e História)

In Pegadas do Tempo

DAS MULHERES NA SOCIEDADE E NA IGREJA E DOS USOS E COSTUMES QUE AS OPRIMEM

A Igreja tem uma Face feminina ainda escondida

Por António Justo

Nas sociedades islâmicas os valores culturais sobrepõem-se aos direitos humanos individuais e o homem tem um estatuto superior ao da mulher. Na sociedade ocidental embora haja igualdade de dignidade e de direitos, na prática social há discriminação; também no catolicismo não se aceitam mulheres no clero pelo facto de serem mulheres.

Na controvérsia sobre a integração das mulheres no clero, o Papa Francisco pretende dar um passo qualitativo no sentido de lhes possibilitar a sagração, mas sofre oposição por parte de ultraconservadores na igreja e é até difamado por grupos políticos que fazem campanhas contra ele por temerem a sua influência em vários campos sociais.

O obstáculo maior à inclusão das mulheres no clero tem sido o argumento da tradição. O mais importante, porém, a registar para atenuar um tradicionalismo exagerado vem da mensagem libertadora de Jesus e do facto de ter havido mulheres discípulas de Jesus, e suas provadas funções na igreja primitiva. Só com o tempo foram impedidas de ocuparem funções de direcção nas comunidades.

A matriz sociológica masculina antes implantada pelo nomadismo e depois pela situação bélica dos povos de outrora valorizavam o papel do homem de modo a conduzirem à marginalização sistemática das mulheres (à segregação da feminilidade). Seguindo o espírito da sociedade (Zeitgeist) também na Igreja a acção das mulheres, como discípulas de Jesus e como orientadoras de comunidades, foi deitada ao esquecimento para mais facilmente se poder justificar a violência do poder da masculinidade (economia, política e religião dão-se as mãos). Chega até a ser cultivada a desconstrução teológica da imagem de Madalena, a” apóstola dos apóstolos”, de maneira a ser interpretada e adaptada à ordem social e ao espírito de cada época segundo a norma masculina vigente.

Tanto a exclusão das mulheres do ministério sacerdotal como a determinação do celibato obrigatório para todos os padres, têm como pano de fundo interesses estratégicos do poder institucional masculino (também uma consequência lógica do Constantinismo, mas de não menosprezar o contraponto da “feliz culpa” que tem como consequência a globalização da cristandade!).

É cristãmente trágico constatar-se nesta religião libertadora, como nela, ao longo da História, a mulher e mulheres conscientes e fortes foram impedidas de afirmar a feminilidade em funções de poder na Igreja petrina. A Igreja também tem uma face exterior feminina, mas na controvérsia teológica esta tarda a ser reconhecida. Pelos vistos apesar da razão, o poder é o último a ceder!

Maria de Magdala (a Madalena com histórias populares virados para a lenda e para a sua desconstrução moral através do resumo nela de outras Marias seguidoras de Jesus) esteve presente em todos os momentos decisivos da vida de Jesus. O grupo das mulheres (discípulas) mostrou-se, no seguimento e anúncio de Jesus, mais arrojado que o dos homens.

No episódio das irmãs Marta e Maria ( (João 11:1-45 ) Jesus louva Maria por se querer instruir na missão de discípula e admoesta Marta por ainda se encontrar demasiadamente presa ao papel caseiro atribuído à mulher. Maria (Madalena), mulher consciente e forte, não se deixou limitar às funções caseiras para se preparar para o apostolado ativo, seguindo Jesus, com a mesma atitude dos homens. Jesus confirma Maria na sua vocação de apóstola dizendo: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Os tradicionalistas que defendiam o papel de Marta para a mulher na sociedade, conseguiram, contudo, que a tradição e a força do hábito dos costumes dominassem sobre a mensagem evangélica de libertação. O Édito de Constantino, ao reconhecer a oficialidade do cristianismo, fez o resto.

Também Hipólito de Roma (170-236) testemunha que Madalena era a “apóstola dos apóstolos” (João 20:17); dignidade esta que o Papa Francisco reconhece, na sua qualidade de discípula de Jesus, mas a que falta o reconhecimento na prática através da atribuição do inerente ministério sacerdotal também a mulheres (De facto seria pobre uma Igreja de homens que só manifestasse admiração e louvor pelas mulheres).

Grande é a multidão de mulheres relevantes na História da Igreja (1). O espírito do tempo tinha uma percepção androcêntrica da realidade que era vista na perspectiva dos homens e das suas atividades. É natural que a nossa percepção seja sempre autobiográfica e circunstancial pelo que, também os teólogos não escaparam à realidade ambiental que os circundava e mais não fizeram que interpretar os escritos e a realidade da igreja primitiva segundo a sua condicionada observação que levava a uma interpretação dos factos considerada real.

O exegeta Bernhard Heininger refere que (2)  “um quarto de todos os colaboradores de Paulo nomeados no Novo Testamento são mulheres”. Na sua opinião, a prescrição do silêncio na Primeira Carta aos Coríntios é uma interpolação pós-paulina e encontra-se em contradição com outras afirmações de Paulo. Uma teologia demasiadamente masculinizada apoiava-se em cartas pastorais de Paulo, que segundo exegetas não proviriam dele. É interessante a observação de que Paulo, na carta aos Coríntios, permitia o divórcio a mulheres no caso de os maridos não estarem de acordo com o empenho das mulheres na comunidade.

A apóstola Febe, que presidia à comunidade doméstica de Cencreia é referida por Paulo com o título de diácono.  Paulo trata-a como irmã e refere também que Áquila e Prisca eram muito activas na comunidade de Corinto e Roma. Paulo diz que conheceu o Messias através de Prisca. Também Lídia era a chefe de um grupo de mulheres (Atos dos Apóstolos, 16) e também Tabita propagava a fé no messias. No último capítulo da Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo pede para saudar o casal Andrónico e Júnias, que “estiveram comigo na prisão, são apóstolos respeitados que confessaram Cristo antes de mim”.

A respeito de Júnia, João Crisóstomo (344-407 d.C) escreveu: “Quão grande deve ter sido a sabedoria desta mulher que foi achada digna do título de Apóstola”.

Em Roma, o acesso aos aposentos das mulheres era proibido aos homens, por isso só as mulheres podiam ter sido anunciadoras do Evangelho. A ciência bíblica tem de investigar mais para colocar o papel das mulheres a uma nova luz no sentido de uma tradição mais esclarecedora e justa. Urge dar o exemplo para continuar na vanguarda da História.

Há filmes feitos por homens, na tradição da masculinidade, que reduzem Maria Madalena a uma companheira afectiva de Jesus ou a uma sedutora, para assim corroborarem as comuns imagens de mulher em função de uma sociedade de poder masculino adverso à feminilidade/espiritualidade. Também é de compreender que muitos teólogos ao longo da História seguissem os mesmos parâmetros de cariz masculina porque, envolvidos no Zeitgeist e nas estruturas de poder, certamente, não se encontravam suficientemente livres nem iluminados pela mensagem libertadora do evangelho; a luz do Zeitgeist era mais forte; assim interpretavam as atividades das discípulas de Jesus orientados pelo molde expresso pelos usos e costumes das respectivas épocas, que reduzia a imagem da mulher a uma missão subsidiária e a uma posição social de auxiliar. 

Custava a uma sociedade patriarcal compreender o facto de o testemunho da ressurreição ter sido feito por mulheres. Como poderia Deus ter confiado tal missão a Madalena (3) e não a Pedro? A inculturação da mensagem cristã é legítima, mas se se fica por aí emperra-se o andar da História e limita-se a mensagem evangélica ao crivo de tradições e correspondentes argumentos de caráter oportuno que provocam a discriminação da mulher através do limite de funções. A figura de Teresa de Ávila (1515) mostra-nos como uma mulher previa o desenvolvimento que hoje estamos a tentar concretizar (4).

Também no sec. XVI   (5) Maria Ward afirmava que a diferença entre mulher e homem não é tanta como é feita. O que vale “não é a verdade do homem (veritas hominum) ou a verdade das mulheres, mas sim a verdade do Senhor (veritas domini Jesus). Quando falhamos, vem da falta de verdade e não de sermos mulheres… Espero em Deus que vejamos que as mulheres farão muito no tempo que virá”(6). (Pelos vistos a voz de Deus tem sido dificultada em ser ouvida no sentido das mulheres!).

Muitos movimentos feministas não respondem à realidade da Mulher integral feita de feminilidade e masculinidade; fixam-se apenas nas questões funcionais e de sexo, talvez, na sua luta, não conscientes de que estão servindo o pensamento e o modelo patriarcal (parte da luta pode ser vista como resposta, mas não como solução). Não chega ter em mira apenas a igualdade de oportunidades de mulheres e homens, mas também os valores ou princípios que têm determinado o modelo de sociedade vigente ao orientar-se apenas pelo princípio/energia da masculinidade ignorando o princípio/energia feminilidade que tem de ser também constitutivo da realidade social e individual (independentemente do ser existencial homem ou mulher), se é que queremos uma sociedade mais pacífica e mais justa.

Em todas as sociedades e ideários dominantes no mundo ainda se nota um medo inibidor perante as mulheres devido, certamente, a um temor cultural transmitido e adquirido; este temor, aliado a uma certa fraqueza natural passou ao inconsciente social criando no homem a ideia imperceptivel de que se não conseguir “domesticar” a mulher, sentir-se-á inseguro e perdido; como resposta a esse medo o homem e com ele a sociedade – construída sobre as bases do princípio da masculinidade –  têm construído estratégias culturais de opressão  que, no fundo, têm como objetivo defender o homem da concorrência do outro homem ( este medo dela encontra-se especialmente expresso no islão que subjuga a mulher de maneira proporcional ao medo e ao instinto de domínio). Uma coisa é certa, apesar da agressividade da masculinidade hodierna (uma crise de machismo) delineia-se já no horizonte a descoberta do princípio da feminilidade como solução para o alvorar de uma nova sociedade. Delas, as mulheres, como expressão mais manifesta do princípio da feminilidade, terão um grande papel numa revolução do islão e numa renovação fundamental da sociedade ocidental, a começar pela Igreja. As mulheres que se encontram na cena política ainda não podem funcionar como exemplo integral porque se encontram empenhadas na continuação da sociedade de matriz baseada no princípio da masculinidade. Como se dedicam apenas em aplicar as modalidades ditadas melo modelo político vigente apenas preparam os caminhos para a continuação de uma concorrência mais equilibrada entre mulheres e homens; de resto, nesta situação o princípio da feminilidade ainda é mais menorizado porque em vez de se partir do aspecto orgânico e integral continua-se a servir apenas a funcionalidade (a parte exterior, não se passando da fenomenologia adiante)!

Já foi dito muito sobre a subjugação da mulher, mas ainda não é visto nem reconhecido por todos. O que mais me legitima a tratar do tema é a feminilidade que fala também em mim e o desejo de fomentar a concretização do reconhecimento da masculinidade e da feminilidade tal como se encontra realizada no protótipo Jesus Cristo a nível humano e cósmico.

Uma igreja universal inclui necessariamente nela o princípio da masculinidade e da feminilidade, sendo por isso uma igreja (petrina e joanina) dos homens e das mulheres, e, como tal, não poderá deixar-se levar pela acentuaç1bo, no seu agir por meros critérios de inculturação; de facto quer os diversos quer os mesmos dons, se encontrarem simultaneamente quer na expressão masculina quer feminina. O todo é mais que a parte. Precisamos de todos, de homens e mulheres de ortodoxias e de ortopraxias num mundo mais aberto e ainda a fazer-se.

No fim de ter escrito este artigo e ao relê-lo notei como sou também dominado pela matriz da masculinidade. De facto, notaram os eleitores a maneira como procurei convencer, convencer à maneira masculina nomeando autoridades como se não chegasse a fé, a razão e o entusiasmo por Jesus Cristo e a sua boa nova de libertação como argumento para se verem as coisas (isto é naturalmente ainda tolerável num período de transição da pura masculinidade para uma equilibrada sociedade em que quer o princípio da feminilidade e o da masculinidade se harmonizem!).

Ontem 15 de Agosto comemorou-se a Assunção de Nossa Senhora; certamente uma data e uma comemoração apontar para uma realidade importante. Mas quando começaremos nós a olhar também um pouco mais para a Terra? Porque não se passa, na Igreja, a criar a possibilidade de mulheres também fazerem parte do clero?

Por vezes chega-se a ter a impressão que tanto louvor a Nossa Senhora e a santas se pode tornar num perigo de um deslouvor (impedir honras e cargos) das mulheres na Terra, impedindo-as de ascender ao sacerdócio jerárquico. A feminilidade e a masculinidade não se reduzem ao sexo; as duas energias pertencem juntas! Seria oportuno olhar para o Céu sem esquecer a Terra; doutra maneira continuaremos a praticar a visão antiga do Olimpo lá em cima para alguns e o Sheol para os enlameados terráqueos.

Vai sendo tempo de se abandonar uma praxis baseada na ambivalência de papéis! Padres e pessoas com cargos de responsabilidade nas bases começarem a trabalhar pastoralmente mais em conjunto com freiras, mulheres exemplares num espírito colegial de repartição da missão de evangelizar sem medo de escandalizar pois só assim se consegue, numa comunhão sacerdotal participada no Espírito Santo, progredir no anúncio e prática do Evangelho que é promessa de bem para toda a humanidade. Talvez assim se fossem destruindo barreiras.

De facto, vivemos num mundo onde, se não fosse o erro, não se avançaria!  Por isso, numa nova mentalidade a criar-se não há culpas nem censuras a distribuir a este ou àquele. A missão é grande: temos mais que indicações suficientes para continuarmos a tradição de errar para podermos avançar; importante é criar espaço em cada um para que a mensagem e o chamamento possam ser ouvido. Cristo não nos pediu para andarmos por caminhos seguros, ele disse que era o caminho e, para o seguir, é necessário ter a coragem de se andar sobre as águas sem o medo de sucumbir!

É trágico, que a Igreja que deu tanto à humanidade e tem tanto para dar, perante tanto medo de errar, perca muitas vezes o comboio da História, ficando demasiado tempo nos apeadeiros de uma moralidade sexual descontextuada; no caso é fatídico para a mulher, no sentido do desenvolvimento da sociedade e da eclésia santa. Os factores “sexo” e “medo” foram sempre instrumentos privilegiados usados pelas potestades na intensão de manter os pretendidos súbditos de maneira sustentável.

Olhemos para as mensagens religiosas e para os mitos, eles já nos disseram tudo, o problema é que a sua mensagem ainda não chegou a todo o lado!

No sentido eclesial o poder não pode continuar a ser unilateralmente ligado ao homem e ainda por cima de forma sacralizada (Clero). Como mensagem evangélica e eclesial estamos à frente do mundo, não há nada que justifique andar atrás dele! Há que criar uma nova pedagogia e fomentar as capacidades da feminilidade/espiritualidade e o desenvolvimento da personalidade ainda antes da transmissão de saberes. Urge uma nova educação baseada nos princípios da feminilidade e da masculinidade e não uma focalização nas suas exterioridades no sexo masculino e sexo feminino.

Mulheres ligadas à Igreja, devem preparar-se e apostar mais no estudo da filosofia, da teologia e da administração institucional. As universidades católicas, instituições eclesiais e até cargos nos colégios episcopais esperam por vós; as freiras deveriam prestar aqui uma especial atenção, doutro modo uma masculinidade desequilibrada continuará a adiar o futuro com o argumento que a mulher não está preparada; a aurora de novos tempos já se faz sentir: preparai-vos para assumir funções sacerdotais.

(Este artigo faz parte de um livro sobre masculinidade e feminilidade que há anos espera por ser dado a lume)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

LOUVAR EM CIMA E EM BAIXO PARA NÃO TIRAR LOUVORES

Em 15 de Agosto comemora-se a Assunção de Nossa Senhora!

É certamente uma data e uma comemoração importante. Mas quando começaremos nós a olhar também um pouco mais para a Terra? Porque não se passa, na Igreja, a criar a possibilidade de mulheres também fazerem parte do clero?

 

Às vezes chega-se a ter a impressão que tanto louvor a Nossa Senhora e a santas se pode tornar num perigo de um deslouvor (impedir honras e cargos) das mulheres na Terra, impedindo-as de ascender ao sacerdócio jerárquico. A feminilidade e a masculinidade não se reduzem ao sexo; as duas energias pertencem juntas!

Seria oportuno olhar para o Céu sem esquecer a Terra.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

AMAZÓNIA  EM ROMA IRÁ DAR QUE FALAR – NOVOS CAMINHOS PARA A IGREJA E PARA A ECOLOGIA INTEGRAL

Reacções de um Bispo conservador e de um Bispo progressista

Por António Justo

O Sínodo Amazónia, depois de muita consulta dos povos da amazónia, terá a sua assembleia conclusiva no Vaticano de 6 a 27 de outubro e é subordinado ao tema “Amazónia – novos caminhos para a Igreja e uma ecologia integral”; tratará assuntos de recursos naturais, monoculturas, população indígena, deslocamento, poluição, migração, urbanização, direitos humanos, celibato, ministério sacerdotal para mulheres, a família e a comunidade, saúde, educação integral e corrupção.

É chegada a hora da feminilidade e do regionalismo

No Sínodo, convocado pelo Papa, tomarão parte bispos, representantes de ordens religiosas dos países da região amazónica, representantes da Cúria Romana, participantes nomeados pelo Papa, especialistas, observadores, 20 representantes de povos indígenas, representantes de empresas, etc. A Igreja vai dar um passo no sentido progressista e de descentralização.

Os cuidados pastorais necessários para uma área vasta e inacessível como a amazónia poderão ser estendidos também às áreas europeias que levaram a luz do evangelho e a doxia cristã ao mundo, mas agora se encontram um pouco envelhecidas e sentem necessidade de serem recristianizadas.

No século XVI a grande ordem dos Jesuítas deu resposta às exigências da era moderna que surgia e, na crise atual, a Providência divina colocou à frente da Igreja um Papa jesuíta a tentar dar resposta a novas questões que a vida hodierna e a sociedade colocam.

O “Instrumento de Trabalho” (1) para o Sínodo Amazónia convocado pelo Papa, corresponderá à tentativa de meter em prática o espírito da encíclica “Laudato si” (2); o próprio Papa diz: Ele é “filho” de Laudato si'” e quem não leu a encíclica não compreenderá o Sínodo para a Amazónia (3).

Este documento, preparado pelo Vaticano, aborda também, sem complexos, temas como a introdução de padres casados, a introdução de um sacerdócio feminino com a criação de novos ministérios consagrados que sigam uma inculturação vivencial.  Nele se lê também:” para as áreas mais remotas da região, estude-se a possibilidade da ordenação sacerdotal de pessoas idóneas, de preferência indígenas, respeitadas e reconhecidas pela sua comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e estável, com a finalidade de assegurar os sacramentos que acompanhem e sustentem a vida cristã”.

Tudo leva a pensar que em breve será conferido o diaconado a mulheres (primeiro grau de ministro da Igreja que já faz parte do clero); isto na sequência do que o documento de trabalho solicita aos sinodais para também “identificarem o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em consideração o papel central que ela desempenha hoje na Igreja amazónia”.

Estou certo que será dado um passo decisivo no sentido do reconhecimento e da dignificação da feminilidade (na mulher) com um gesto qualitativo concreto por parte do clero. O aspecto ecológico que o documento defende reflete também, não só a necessidade de se reconhecer os cuidados pela natureza “casa comum” como também os biótopos culturais e espirituais. A primeira instituição global existente no mundo com o sínodo Amazónia chama a atenção para a valorização das regiões (regionalismo orgânico).

Deste modo, o Papa Francisco coloca a amazónia (zona ambiental e dos índios) como sinal de esperança e de consciencialização global. Num tempo em que um globalismo selvagem e ideologias categóricas levam tudo de enxurrada torna-se urgente que a instituição mais global do mundo (a Igreja católica) determine horizontes a seguir por toda a humanidade: valorização do princípio da feminilidade e das regiões.

Crítica conservadora ao documento base do trabalho sinodal

Refiro aqui as posições de dois bispos alemães bastante presentes na opinião pública e esforçados por conseguir soluções que sigam as exigências evangélicas e se dê resposta aos sinais dos tempos no sentido de uma pastoral adequada.

O conservador, Cardeal Walter Brandmüller, que não esteve de acordo com a renúncia do Papa Bento XVI, também não se encontra contente com o espírito reformador do Papa Francisco. Brandmüller faz críticas severas ao documento de trabalho e às primeiras reuniões preparatórias do Sínodo Amazónico (4).

O cardeal começa por criticar o facto de o “Sínodo dos Bispos se ocupar exclusivamente dos problemas de uma região do mundo”. Critica também a “arrogância clerical” que se intromete na política, sendo no seu dizer “uma interferência esmagadora em assuntos puramente seculares do Estado e da sociedade no Brasil”.

Receia uma politização da igreja e da doutrina e uma cedência modernista ao “nobre selvagem” de Rousseau.

Não vê, com bons olhos, que a Floresta da Amazónia se torne num “locus theologicus”, uma fonte especial de Revelação Divina, com a consequente “recaída do logos no mito”. Receia que se quebre com o “Depositum fidei” e pergunta: “O que é que ecologia, economia e política têm a ver com a missão da Igreja?”

Na crítica do Cardeal nota-se um certo desconforto de avaliação entre a teologia da libertação latino-americana no sentido de uma orto-praxia (a verdade que surge da praxis) e a teologia europeia de caracter mais racional abstrato (acentuação da ortodoxia/doutrina). Ele vê, no “Instrumentum Laboris” a rejeição racional da teologia “ocidental „e, com isso, o perigo de uma infidelidade dentro da própria Igreja!

Teme também que a demasiada preocupação por inculturação negue implicitamente o caráter sacramental-hierárquico, se se adotarem formas das religiões naturais.

Naturalmente em tempos de grande mudança há sempre o perigo de se perder um pouco o equilíbrio, tal como aconteceu com as igrejas de Lutero e Calvino no século XVI; os portugueses costumam dizer “nem tanto ao mar nem tanto à terra”; mas a verdade é que a História oscila sempre e do seu balancear entre conservadores e progressistas, entre direita e esquerda é que ela anda e expressa vida. Não há que ser-se homens de pouca fé, o Paráclito acompanha a Igreja, a História e cada um. E hoje sente-se a urgência de descobrirmos o princípio da feminilidade como o lugar do desenvolvimento de uma civilização que para andar, apostou demasiado na “perna” da masculinidade.

Visão progressista do documento de trabalho sinodal

O bispo de Essen, Franz-Josef Overbeck, membro do Conselho Pontifício para a Cultura, constata: “Estamos no início de uma nova era eclesiástica”. Ele acha importante que a “crítica à Igreja deve ser escutada para que possa haver uma autêntica mudança cultural.”

O bispo considera natural que a estrutura eurocêntrica da Igreja seja contestada e que as igrejas locais na América Latina e seu clero se tornarão cada vez mais independentes.

O Sínodo de Outubro em Roma levará a reconhecer que o ” rosto da igreja local é feminino” e como tal deverá sê-lo também no exercício das suas funções eclesiásticas.

Overbeck pensa que o Sínodo Amazónia levará a uma certa “ruptura” (5) na igreja católica e que “nada será igual ao que era antes“, prevendo que a estrutura hierárquica da igreja, a moralidade sexual e a imagem sacerdotal da igreja católica serão postas à prova. A moralidade sexual e o quadro geral do que é um sacerdote serão analisados, e o papel das mulheres na igreja também será reconsiderado.

Overbeck argumentou que a doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moralidade sexual. De facto, temos de considerar o foro privado e o foro magistral…

Overbeck solicita ainda a “despatologização” da homossexualidade e diz também que era “absurdo” para um bispo negar a ordenação sacerdotal a homens homossexuais.

Não se fala muito no assunto, mas penso que o grande passo do Sínodo Amazonas constituirá num assumir prático da grande encíclica “Laudato si „do Papa Francisco. Ela permanecerá determinante para a História da Igreja do sec. XXI.

A bacia amazónica (6) estende-se por cerca de 7,5 milhões de quilómetros quadrados e está dividida em Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa.

Aqui “onde as pessoas não contam nada e não têm direitos” quer o Papa dar um sinal no sentido de uma igreja integral onde justiça climática, ambiental, económica e social andem juntas. De facto, é preciso ler-se e reler-se o evangelho à luz de Deus e dos tempos. Trata-se de ir fazendo a leitura sob a perspectiva do Deus de Jesus Cristo que se revela nas escrituras, na Igreja, na História, na natureza e na humanidade. Em Jesus Cristo se concretiza Deus, a natureza humana e a matéria no que têm mais de real e de mistério.

Como é natural numa Igreja viva disputam-se as forças conservadoras e as forças progressistas. O “método da controvérsia” (7) será salutar para o desenvolvimento.

O que atualmente se precisa menos na Igreja é medo e resistência! A fé é positiva e o Paráclito encontra-se em tudo e em todos não deixando ninguém só. Importante é escutar para ouvir, sentir e seguir o chamamento!

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

 

A Matriz política masculina não pode ser Norma para a Instituição eclesial

Mulheres lutam por uma Instituição mais feminina

Por António Justo

A opressão sistémica das mulheres é um fenómeno universal que se observa em todos os sistemas ideológicos, económicos, políticos e religiosos, de todo o globo.  A desvalorização da mulher é a consequência lógica das sociedades com matriz masculina que apostam na sustentabilidade de estruturas patriarcais.

A instituição eclesial, à imagem da sociedade secular, tem-se orientado por padrões masculinos, considerando a feminilidade, como característica secundária, nas suas estruturas.  Já vai sendo tempo de se dar resposta à energia da feminilidade e de se praticar o evangelho (1) não se refugiando na estratégia máscula do divide para imperares; doutro modo fica-se numa de reservar a paternidade para a sociedade e a maternidade para a família: uma e outra são constitutivos de vida e devem igualmente estar presentes na sociedade. A matriz masculina da sociedade secular não pode ser norma de adaptação para a Instituição eclesial. O lugar do diálogo nela não é a sexualidade (entre homem e mulher) mas sim os princípios/energias feminilidade e masculinidade a nível de pessoa, de sociedade e instituições.  A “fragilidade” deve estar mais presente nos lugares “fortes”!…

Na Páscoa passada, muitos milhares de mulheres católicas fizeram uma “greve de igreja”, em toda a Alemanha, durante uma semana. A partir de Münster, na Vestefália, e com o apoio da Comunidade de Mulheres Católicas (Kfd), elas (integradas no movimento “Maria 2.0”), interromperam os seus cargos honorários nas paróquias e celebraram liturgias em torno das igrejas. Foram mais de 1.000 grupos, que organizaram vigílias, cultos e ações de protesto.

Com esta acção, as mulheres pretendiam dar rosto público ao seu descontentamento com as estruturas masculinas de poder na Igreja Católica. As mulheres exigem acesso a ministérios de ordenação, a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes seculares e uma revisão da moral sexual.

Posteriormente, as mulheres organizaram delegações para falarem com os bispos nas correspondentes dioceses.

Os seus protestos tiveram uma expressão feminina (2): As mulheres protestam por amor à Igreja, de dentro para dentro e de dentro para fora sem a atacar com a ideia numa igreja que querem também sua casa religiosa.

O Arcebispo de Hamburgo, Dom Stefan Heße, convidou o movimento “Maria 2.0” a participar no “Caminho sinodal” planeado pelos bispos e a apresentar as suas exigências de reforma (3).

É verdade que a Igreja católica está implantada em todas as culturas do mundo e por isso urge reconhecer a dignidade na diversidade das pessoas (homem e mulher) também na missão de libertar o ser humano, de levar a Boa Nova à humanidade e de descobrir possíveis melhoras e alertar para os perigos. A Igreja não é apenas uma instituição, ela é uma comunidade de vida de homens e mulheres congregadas em torno de Jesus Cristo (não pode ser dividida numa igreja petrina e numa igreja joanina).

A Igreja Católica, na sua qualidade de instituição mais beneficiadora da humanidade (4), sendo uma religião especialmente impregnada de feminilidade (Boa nova, liturgia e espiritualidade), seria mais conforme consigo mesma se no seu aspecto exterior de instituição reduzisse a predominância do rosto masculino (masculinidade) e desse lugar  a um maior equilíbrio entre as energias/princípios feminilidade e masculinidade.

A Igreja, que por natureza é de conotação feminina, precisa também de um olhar feminino a partir das suas instituições, numa atitude dialógica não só no que respeita às diferenças entre religiões e sociedades seculares, mas sobretudo no empenho pela presença e balance da feminilidade e da masculinidade nos presentes modelos de sociedade dominados pela masculinidade; o melhor paço seria começar por si mesma.

Torna-se uma contradição que sacerdotes e mulheres empenhados em reformar a Igreja tenham de sofrer pelo facto de a igreja oficial se encontrar demasiadamente distanciada da realidade. A promoção de mulheres nos ofícios da igreja não pode ser limitada a educadoras infância ou a referentes pastorais.

Urge impulsionar uma marca católica em que as mulheres pertencem a uma igreja fraternal, onde cada um possa determinar e viver a sua vocação e ter o seu projecto de vida sem exclusão. Para isso não é preciso mudar a Bíblia; o Evangelho tem fundamentos suficientes para a revalorizar; por outro lado, se for dado espaço relevante às mulheres na sociedade surgirá consequentemente uma outra imagem da mulher.

Ainda não há consenso na Igreja sobre o sacerdócio para mulheres. Mas uma coisa há que advertir e ter em conta: o poder espiritual não deve ser exercido em padrões seculares e profanos.

Não podemos viver de uma esperança sempre adiada. O critério homem não pode ser exclusivo e além disso vivemos num tempo em que a matriz machista da sociedade se questiona e em que a teologia feminina pode fazer a ponte para a feminilidade do Evangelho. O que continua em jogo é uma visão de domínio do princípio da masculinidade sobre a feminilidade e uma teologia. não se trata aqui de seguir uma teologia hipercrítica que depende demasiado da cabeça, mas colocar no centro a fé como um indicador de e para Jesus.

É claro que as igrejas não cresçam por ajuste ao gosto do tempo, mas sim através da fidelidade ao Evangelho. Urge estarmos mais atentos às mulheres na bíblia de modo a não serem mal-interpretadas pelos homens (o que aconteceu em relação por exemplo a Madalena, a apóstola dos apóstolos)

Uma mudança de moral não implica necessariamente uma mudança de doutrina, dado uma teologia interpretativa correspondente às sociedades em que se encontravam incardinada ter sistematicamente desvalorizado o papel da feminilidade na mulher para, compensatoriamente, a expressar na liturgia e no culto mariano.

Seria um equívoco condicionar o princípio da masculinidade e da feminilidade aos papeis assumidos com base na tradição de reduzir os dois princípios a uma sexualidade de caracter funcional ou de confundir masculino e feminino (homem e mulher) com masculinidade e feminilidade. A Doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moral sexual e menos ainda à matriz económico-política de mera masculinidade. (As lutas que se observam na praça em relação a homossexuais e lésbicas dão testemunho praticamente só da afirmação da masculinidade ou da afirmação de um polo contra o outro; neles falta a energia/princípio da feminilidade.)

Através de exclusão das mulheres, as lesões surgem e tornam-se cada vez mais dolorosas; não basta pregar a misericórdia, é preciso refletir sobre a mensagem cristã integral e praticá-la também a nível institucional (sabendo muito embora que é da natureza de toda a instituição humana ter um caracter masculino predominante!).

Porque esperar pela mudança só depois da morte; porque ter de gastar tantas energias na defesa de mudanças necessárias e que nem sequer contradizem o espírito que possibilitou os evangelhos há 2.000 anos.

O que falta praticar é Jesus Cristo. Ganhamos todos, homens e mulheres, com uma maior presença da feminilidade em cada pessoa e na humanidade.

(Este texto fará parte de um livro que há já muitos anos tenho à espera de ser publicado)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”