O PENSAMENTO TAMBÉM TEM CHEIRO

Do Direito a cheirar não só o Cravo mas também a Rosa

 

António Justo

Sim, o pensamento também tem cheiro, não se fale já da cor!

A atmosfera social encontra-se cada vez mais intoxicada por falta de arejo na opinião pública e por falta de oxigenação do pensamento cativado em alfobres estanques; este é comercializado num espaço social e político reduzido à perspectiva do “ou tu, ou eu”, sem contar com o ele.

Consta que a intoxicação do pensamento se deve, em grande parte, à classe económico-política dirigente que, com os seus escribas e fariseus, ditam o que é correcto pensar ou mastigam primeiro o que será adequado à orbe social.

Vivemos na época política do pensamento supervisionado e dos grávidos com o rei na barriga! A esfera, de cérebro lavado, não pensa, mas sente e sente-se um pouco incomodada por sentir por todo o lado (na opinião pública) o mesmo cheiro: um odor a detergente barato que abafa qualquer perfume de características mais individuais ou mais diferenciadas.

Pessoas mais inocentes chegam a cogitar se este é o cheiro da igualdade democrática e outros, mais arrojados, chegam mesmo a avançar que não é o cheiro a cravo mass sim o cheirinho de um “Abril republicano”.

De facto, como tudo se tornou negócio e se anda tão movido pelo aroma da brisa revolucionária, já nem se distingue o cheiro a Abril do cheiro a Omo ou a Persil. Numa opinião pública, cada vez com mais cheiro a desinfetante, a sociedade vai vivendo da grata consolação do trabalho de diferenciar entre o cheirinho a cravo e o cheiro a rosas, também ele trazido na aragem de um outono passado. Até onde alcança a vista, veem-se grupos em fila só para poder sentir, no cheiro do arejo, o cheirinho do “clube” desejado.

Como tudo parece ir dar ao mesmo, na lavandaria pública, o espírito crítico esgota-se na discussão da nuance política de quem lava mais branco: o Omo do passado ou o Persil do presente! O problema nem vem dos cheiros nem tão pouco dos detergentes que se usam para tirar as nódoas; a solução vem do proveito e dos comerciantes, só interessados na venda do próprio produto.

Alguns republicanos – certamente os socialistas do jeito jacobino –  por terem plantado um alfobre de cravos no “jardim à beira-mar plantado”, pensam-se com  direito a todo o jardim e, quanto aos cheiros, pensam-se só eles com o privilégio não só de cheirar o cravo, mas também de discernir qual o cheiro! Encontramo-nos metidos num busílis do caneco e que nos tem atrasado a evolução dado todo o povo se sentir ser jardim; um jardim sem ninguém com direito ao monopólio da flor nem tão-pouco do cheiro.

E uma certa esquerda, mal informada, chega a dizer que, nós portugueses, não somos propensos a democracia pelo facto de continuarmos a querer definir a nossa identidade pelo jardim e não apenas por uma só flor, seja ela, muito embora, o cravo ou a rosa. Afinal, esses caras é que se encontram atrasados por não reconhecerem ainda o avanço de um povo ecológico que pretende a igualdade no reino das flores!

Já agora um aparte: confunde-se pensamento crítico com pensamento acomodado, a um ou outro regime, a uma ou outra ala política no fluir do Mainstream que propaga um rumor do ondular das opiniões ordenadas ao ritmo do 25 de abril, como se a origem de Portugal tivesse de ser redescoberta tardiamente entre as algas de algum lago parado.

Resumindo: não houve sobressaltos com a mudança de regimes: o ondulado permaneceu o mesmo, o que mudou foi só o alinhado do penteado e os barbeiros que dele se aproveitam. Numa sociedade de pensamento bem alisado até os extremos servem para mostrar a força das ondas mestras: o resto é só brilhantina e desodorizante.

O credo político correcto é tão forte como a lixivia: onde cai não há nódoa, fica tudo branco! (Por isso até há quem lamente que noutras democracias não seja permitido o uso da lixivia pura, e se use, só à mistura, com outros ingredientes!)

Numa situação assim já não interessa nem o cravo nem o cheiro a cravo ou a rosa; o que importa é quem possui o garrafão da lixívia que limpa tudo não deixando sequer o cheiro a povo.

© António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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