O Legado de Kohl à Europa é a sua Coragem na Execução de uma Visão
António Justo
Políticos de todo o mundo apreciam a obra de Helmut Kohl. As bandeiras da UE em Bruxelas encontram-se penduradas a meia haste. Apesar de divergências nalguns pontos da política, a Alemanha toda honra o seu grande homem e político; morreu com 87 anos, um estadista alemão e europeu, talvez o último de uma geração de políticos que ainda tinham grandes visões. Kohl foi chanceler desde 1982 até 1998.
Foi um amigo de Portugal fomentando a sua entrada na União Europeia (1986) e criticando um certo rigor de Ângela Merkel para com os países do Sul.
Helmut Kohl parece ter tido como mote da sua vida uma frase que um dia disse: temos que saber “aonde se pertence e para onde se quer ir.” No verão de 2011, disse: “Nós já tínhamos estado muito mais longe na Europa “e queixou-se que a Alemanha já não era uma “grandeza previsível„! Disse isto num desabafo contra a chanceler Ângela Merkel, que tinha acusado “países como a Grécia, Espanha e Portugal” de mandarem os seus funcionários mais cedo para a reforma e de “deixarem ir muito tempo de férias.” A grande visão de Kohl era realizar a união europeia, pensando que, com a introdução do Euro, tornava a União irreversível. Mitterrand tinha medo da Alemanha unida, mas, a contrapartida da introdução do Euro oferecia-lhe uma certa segurança. O facto de Kohl ter usado o euro como instrumento para impor a união europeia terá sido uma visão corajosa que no momento é mais vista como ousadia. Facto é que Jean Monnet, Jacques Delors e Helmut Kohl foram os maiores no serviço da cooperação europeia deixando um grande legado à Europa.
Em Verdum, Mitterrand estendeu a mão a Kohl! O gesto simbólico da reconciliação de 1984, em que Kohl e Mitterrand se apresentam de mãos dadas, ficou na memória europeia. Na batalha de Verdum, dos dois milhões de soldados morreram 700.000 e entre eles o irmão mais velho de Kohl . A amizade de Mitterrand e Kohl levou Kohl a chorar em Paris, aquando do enterro de Mitterrand. O aperto de mão de Verdum como símbolo político tem o mesmo peso que o ajoelhar de Willy Brandt em Varsóvia.
Aquando da revolução pacífica na Alemanha Oriental em 1989, Kohl percebeu, que a porta estaria aberta apenas por pouco tempo para a unidade alemã. Sob alta pressão, negociou com os líderes dos Estados Unidos, da União Soviética, da Grã-Bretanha, da França e com os líderes da União Europeia, as modalidades da união das duas Alemanhas.
A chanceler alemã Ângela Merkel, de visita ao Papa Francisco, ao saber da morte de Kohl, também se referiu a Helmut Kohl como “personalidade alemã e europeia de grandeza histórica”; ele foi “um lance de sorte„ que se aproveitou da hora benévola para a união das Alemanhas e que “isto foi a maior arte do Estado ao serviço das pessoas e da paz”; Merkel confessou também: „Helmut Kohl também mudou a minha vida de forma significativa.” De facto, ele foi o seu grande promotor.
O presidente francês Emmanuel Macron escreveu em alemão: Kohl é o “pioneiro da Alemanha unida e da amizade franco-alemã: com Helmut Kohl perdemos um grande europeu”.
Em abril 2016, Kohl recebeu em casa em Oggersheim o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban.
Não há luz sem sombra. Kohl foi um grande estadista no actual sistema europeu; no seu corrículo fica com uma mancha escura: o caso da doação ilegal de 2,1 milhões de DM ao partido da CDU, para o qual Kohl tinha criado uma “conta bancária preta” à margem dos registos. Nunca revelou os nomes dos doadores, argumentando que lhes tinha dado a sua palavra de honra. Kohl, que tinha negligenciado a família em benefício do partido CDU, viu então o partido romper com ele; na sequência Kohl renunciou ao cargo de presidente honorário do CDU.
Helmut Kohl, com George H. W. Bush e Michael Gorbatchov foram os pais da unidade alemã e do fim da guerra fria.
O chanceler da Unidade Alemã teve dois grandes arquitectos da mesma e que foram Willy Brandt e Helmut Schmidt.
No meu entender, Helmut Kohl não se aproveitou, como deveria, de através da oportunidade da união dos dois estados, estabelecer na Alemanha uma era verdadeiramente alemã que, para tal, deveria ter sido fiel ao idealismo alemão; ao iniciar o triunfo do neoliberalismo de tipo mais anglo-saxónico, perdeu uma oportunidade de ser mais fiel à cultura alemã que, para mim, atingiu o seu auge no idealismo alemão e na economia social de mercado.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo