Desinformação mediática sobre a Reunião Trump-Zelensky

Manipulação na Era da Guerra e da Pandemia 

Recentemente, acompanhei atentamente a reunião na Sala Oval, em Washington, e fiquei impressionado com a forma como a cobertura mediática distorceu o que realmente se passou. A imprensa e a televisão, em vez de relatarem objetivamente as posições defendidas e as atitudes dos participantes, projetaram as suas próprias narrativas e preconceitos sobre o evento. A manipulação informativa transforma indivíduos em vítimas ou vilões, moldando a percepção das massas de acordo com interesses pré-definidos.

Em vez de uma análise crítica e aberta, observa-se uma descontextualização sistemática dos acontecimentos. A informação é frequentemente incompleta e tendenciosa, construindo narrativas convenientes com base em citações selecionadas e imagens cuidadosamente escolhidas. Vivemos num tempo em que as notícias circulam tão rapidamente que não há espaço para o discernimento.

Com a chegada da pandemia da COVID-19, essa desinformação atingiu um novo patamar, levando ao que poderíamos chamar de “pandemice” ou “pandemitis”. O fenómeno gerou um tipo de “síndrome de Estocolmo” coletivo, em que a população parece resignar-se às versões apresentadas pelos grandes meios de comunicação. A sociedade encontra-se hoje dividida entre a informação oficial e a das redes sociais, cada uma com as suas próprias distorções e influências.

No cenário geopolítico, a reunião entre Trump e Zelensky revelou claramente estas disputas narrativas. Zelensky, frustrado por Trump já ter conversado com Putin, insistia para que os EUA reconhecessem a União Europeia como parceiro prioritário nas negociações sobre a guerra na Ucrânia. No entanto, Trump resistia a esse compromisso, consciente de que a UE e Zelensky pareciam mais inclinadas à guerra do que à diplomacia. Para a UE, envolver a NATO no conflito poderia forçar concessões por parte da Rússia. Já para Trump, essa escalada representava um risco de guerra mundial, algo que queria evitar a todo custo.

A NATO, por sua vez, pressionou Zelensky para que dialogasse com Trump, demonstrando certo descontentamento com a abordagem do presidente ucraniano. Enquanto isso, nas redes sociais, o debate reflete um antagonismo absoluto, em que a opinião pública oscila entre apoios incondicionais a Zelensky e a Trump, sem espaço para nuances ou reflexões mais profundas. Os meios de comunicação pública e figurinos políticos contribuem para uma sociedade cada vez mais hostilizada entre si.

Zelensky, que durante anos acreditou no apoio incondicional dos europeus e interessado em envolver a NATO no conflito, encontra-se agora numa posição fragilizada. A melhor saída para a Ucrânia e para a estabilidade europeia talvez esteja na realização de novas eleições. Enquanto isso, as atrocidades cometidas por ambos os lados do conflito ainda vão ser expostas, e as implicações geopolíticas da relação Rússia-EUA tornar-se-ão mais claras no futuro.

Acordos são tratados por diplomatas e depois assinados festivamente pelos presidentes. De resto assistimos a um teatro fora de lugar.

Vivemos tempos confusos, em que a verdade parece menos relevante do que a narrativa que se pretende impor. A realidade é filtrada e distorcida para atender a interesses políticos e estratégicos, e cabe a cada um de nós questionar, refletir e buscar uma compreensão mais profunda antes de aceitar qualquer informação como verdade absoluta.

Uma coisa une Trump e os belicistas europeus: as riquezas da Ucrânia, não para distribuir pelos pobres e pelas famílias dos que morreram na guerra mas para serem distribuídas entre os oligarcas (1).

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

(1)Citando o deputado ucraniano (Alexander Dubinskij): Atualmente, centenas de pessoas estão presas não por crimes, mas pelas suas convicções políticas. São detidas, rotuladas de agentes russos, torturadas, sujeitas a processos forjados e condenadas a penas pré-redigidas. Os tribunais independentes foram desmantelados, os meios de comunicação suprimidos e as eleições canceladas.

Simultaneamente, a Ucrânia mantém em funcionamento prisões secretas da SBU, onde os indivíduos são ilegalmente detidos e torturados para prestarem os testemunhos desejados. A ONU já documentou a existência de um desses campos de concentração em Kiev, onde cerca de 300 pessoas, incluindo cidadãos americanos, estão detidas desde março de 2022. Esta prisão era gerida diretamente na sede do SBU https://ukraine.un.org/sites/default/files/2024-06/2023-06-27-Ukraine-thematic-report-detention-ENG_0.pdf – parágrafo 116, ler por favor.

Entre os prisioneiros encontrava-se o bloguista americano Gonzalo Lira, que foi detido pelo SBU e aí passou vários dias antes de morrer num centro de detenção de Kharkiv, em dezembro de 2023, na sequência de espancamentos.

https://www.youtube.com/watch?v=9EmtuKXGedY

Abgeordneter des ukrainischen Parlaments: https://x.com/dubinsky_pro/status/1895421091754950700?t=2sQRs7dUZX825WRpe24aEQ

A União Europeia e o Malogrado Encontro Zelensky-Trump

Necessidade de uma Europa mais Latina e menos Anglo-Saxónica

O recente e malogrado encontro entre Volodymyr Zelensky e Donald Trump expôs, mais uma vez, as fragilidades da União Europeia (UE) no cenário geopolítico global. Este episódio poderia ter sido uma oportunidade para a UE refletir sobre o seu papel e estratégia, mas, infelizmente, a cegueira política e a falta de visão própria continuam a dominar. A UE insiste em seguir um caminho que não só a afasta de uma solução ética e equilibrada para os conflitos, como também a mantém refém de uma visão maniqueísta e anglo-saxónica, que pouco contribui para a paz e a estabilidade globais.

A Cegueira da União Europeia e a Aposta na Guerra

A UE, ao apoiar de forma indiferenciada Zelensky e ao insistir numa estratégia belicista, demonstra uma profunda impreparação para lidar com a complexidade do conflito geopolítico atual. A aposta numa única cartada, alinhada com os interesses dos Democratas americanos, revela uma falta de autonomia estratégica e uma submissão a agendas externas. Esta postura não só contribuiu para o agravamento do conflito, como também impediu a UE de assumir um papel mediador e construtivo.

O apoio incondicional a Zelensky e a narrativa simplista de que a guerra começou em 2022 são exemplos de uma visão preconceituosa e reducionista. A UE, ao adotar esta postura, ignora as raízes profundas e multifacetadas do conflito, preferindo uma abordagem emocional e maniqueísta que impede a resolução do problema. Esta cegueira política é, em grande parte, resultado da influência anglo-saxónica, que domina as instituições europeias e impede uma visão mais abrangente e integradora. Encontramo-nos em tempos de reorganização geopolítica que não pode ser reduzida pela EU a uma mera questão de contendas entre a Rússia e a Ucrânia.

A Necessidade de uma Europa Mais Latina e Menos Anglo-Saxónica

Para encontrar um caminho próprio e eficaz, a UE precisa de se libertar da influência anglo-saxónica e abraçar uma visão mais latina. Esta mudança implicaria uma síntese entre razão e emoção, entre diálogo e acção, e uma rejeição da dialética maniqueísta que domina o discurso político actual. A Europa foi outrora grande precisamente pela sua capacidade de integrar diferentes perspetivas e encontrar soluções equilibradas. Hoje, no entanto, parece ter perdido essa capacidade, preferindo seguir agendas externas e adotar posições polarizadas.

A infeliz peça teatral entre Trump e Zelensky poderia ter sido uma lição para a UE. Em vez de seguir cegamente os interesses de uma das partes, a UE deveria ter aproveitado a oportunidade para promover conversações e encontrar uma solução negociada. No entanto, a insistência numa estratégia belicista e a falta de visão própria impediram que isso acontecesse.

O Papel do Cidadão Europeu e a Necessidade de uma Reflexão Ética

O cidadão europeu foi, em grande medida, enganado. A narrativa dominante apresenta o conflito geopolítico como um simples embate entre duas nações, ignorando as complexidades e os interesses externos que o alimentam. Esta visão reducionista não só distorce a realidade, como também impede uma reflexão ética e profunda sobre o conflito.

Na discussão pública, predominam discursos emocionais e polarizados, que pouco contribuem para uma compreensão real do problema. Partidos de direita e esquerda arvoram-se em detentores da verdade, esquecendo que a grandeza da Europa reside na sua capacidade de integrar diferentes perspetivas e encontrar soluções equilibradas. O que falta é uma abordagem que combine cabeça e coração, que encare a situação com racionalidade, mas também com empatia e ética.

A UE precisa urgentemente de mudar de rumo

A UE precisa urgentemente de mudar de rumo e começar por reciclar o lixo ideológico. O destino político da Europa será semelhante ao dos Estados Unidos que passou de socialista para conservador republicano. Para isso a EU terá de deixar de ser uma mera extensão dos interesses anglo-saxónicos e abraçar uma visão mais latina, que valorize o diálogo, a síntese e a integração de diferentes perspetivas. Só assim poderá encontrar um caminho próprio e contribuir para a resolução ética e equilibrada dos conflitos geopolíticos. Ou será que queremos continuar a marcar passo na luta cultural “protestantismo” – “catolicismo” e na pura dialética marxista de caracter maniqueu quando são precisas sínteses.

O encontro malogrado entre Zelensky e Trump deveria servir como um alerta. A UE não pode continuar a apostar numa estratégia belicista e maniqueísta. Em vez disso, deve promover conversações e encontrar soluções negociadas, baseadas numa consciência ética e numa visão abrangente do conflito. O exagerado compromisso entre EU e Ucrânia fecha as portas a conversações amigáveis que seriam proveitosas para todos, a longo prazo. Esperemos que a UE aprenda a lição e encontre, finalmente, o caminho da paz e da estabilidade.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo