Nem Guerra nem Paz – Negócio e Hipocrisia
António Justo
Não haverá guerra nem paz; a guerra na Europa não convém à Europa nem à Rússia! Conservar-se-ão as “guerrilhas”!
A Ucrânia renunciará à sua livre escolha de aliança, suspendendo o seu desejo de aderir à NATO, e a Rússia renunciará à invasão e repensará o seu apoio às zonas separatistas (Lugansk e Donetsk) da Ucrânia Oriental e os USA tentarão impor a venda do gás líquido à Europa contra os interesses europeus de o receber mais barato através do gasoduto Stream 2.
Desta forma, as partes beligerantes, Rússia e os EUA, manterão, depois de tantas ameaças, o seu rosto erguido, conservando, cada qual, os seus interesses conflituosos, através dos seus representantes (pró NATO e pró-Rússia ) no terreno, tornando assim a Ucrânia num cavalo de troia.
A Ucrânia perdeu, ao querer internacionalizar a sua guerra civil, tendo agora de começar a ordenar os seus problemas internos num outro dossier que poderia ter como título: Ucrânia, parceira económica das potências envolvidas no conflito! Depois, o negócio de uns e dos outros fará o resto!
Os USA, com a sua armada avançada NATO, procurarão continuar a sua guerra económica contra os interesses da Europa; quem fica com a fava a pagar é a Europa e o povo sofredor dos dois lados.
O nó górdio do conflito é e prevalecerá, por um lado, Moscovo que apoia a autonomia das repúblicas Lugansk e Donetsk (regiões separatistas no oriente da Ucrânia, reconhecê-las corresponderia efectivamente a uma anexação à Rússia dado a maioria da população ser de origem e de língua russa) e, por outo lado, a parte da Ucrânia que pretende a adesão de Kiev à NATO.
Na discussão europeia sobre a situação relativa à Ucrânia, são, matreiramente, esquecidas as estruturas historicamente crescidas na própria Ucrânia com um povo em guerra civil e a acrescentar a tudo isto, os interesses geopolíticos dos EUA e da Rússia que apoiam no terreno, cada um os seus aliados.
O Chanceler alemão Scholz esteve agora em Moscovo e prometeu continuar as negociações sobre as exigências de Moscovo à NATO (seu não alargamento!). Um episódio revelador da atmosfera reinante entre a Rússia e a NATO tornou-se claro quando Scholz alertou para a guerra na Europa, ao que Putin respondeu lembrando que a própria NATO tinha travado uma guerra na Jugoslávia; Scholz returquiu que isso só tinha acontecido para evitar um genocídio; Putin respondeu logo que também estava a dar-se um “genocídio” na Ucrânia oriental (HNA.16.02)!
A Duma (Parlamento russo) legitimou Putin para poder decidir, por ele próprio, o reconhecimento das regiões separatistas da Ucrânia Oriental de Luhansk e Donetsk como “repúblicas do povo”. Este contraria certamente o acordo de paz de 2015 em Minsk (entre Kiev e Moscovo), que prevê uma certa reunificação dos separatistas pró-russos na Ucrânia com uma autonomia de longo alcance.
O auge da irracionalidade na Europa (NATO) foi o anúncio feito pelos serviços secretos americanos de que ia haver uma invasão russa da Ucrânia possivelmente esta semana. Isto pertence ao capítulo da rectórica incendiária entre a população para legitimar o desejo de guerra na opinião popular. O mesmo foi feito para legitimar a intervenção no Afeganistão, no Iraque, na Síria, etc. pelo Ocidente, com mentiras que grande parte do povo ocidental foi aceitando. Como sempre é usado um vocabulário de guerra para que as pessoas aprendam a soletrá-lo…
Os nossos Media ocidentais tomaram partido pelos interesses da NATO (organização feita de membros com interesses contraditórios aos dos USA, como é o caso da Turquia que coloca um pé na NATO e outro na Rússia). Neste contexto a política (e seus multiplicadores dos Media) cria condições sociais que abrem o caminho à manipulação e ao dirigismo político, apostando em entorpecer e enganar a população civil. O que mais me fera na observação de tudo, isto é, a insolência e atrevimento com que os Media desinformam unilateralmente o povo por razões de serviço ao próprio regime, papagueando o que políticos dizem caindo na sua rectórica e silenciando,, deste modo que os interesses da cabeça (USA) da NATO são, practicamente, contrários aos dos seus membros da Europa. Criam-se assim, na opinião pública desinformada, duas trincheiras que se combatem: a pró-russa e a pró NATO; assim atingem os seus intentos conseguindo dividir o povo alinhado na fila do antiamericanismo ou na do anti Rússia: uma vez criada a luta dentro da população ocidental (à imagem da guerra civil da Ucrânia), passa a ser então justificada uma decisão aleatória (dos imperialismos de fora) porque já se conseguiu elaborar um culpado.
Não há motivos para pânico! Manter-se-á, porém, a suficiente margem de jogo para o imperialismo de um lado e o do outro continuarem a fazer o seu jogo e os Estados europeus manter-se-ão na condição miserável de ter de seguir a abanar a cabeça, mas a dizer ámen (tendo para isso de se continuar a enganar a população que não compreenderia a complexidade de uma situação tão comprometida)! Quando a China tiver a palavra decisiva a dizer o tabuleiro do xadrez será outro e na altura, se a Rússia não for a aliada da China, então a Europa será aliada da Rússia!
Os imperialismos afirmam-se nas fronteiras dos outros ou apoiam-se em grupos internos rivalizastes e a Europa, como já não é império, tem de assumir o papel de hipócrita porque interessada nos negócios económico-financeiros e na paz para os poder fazer , continuando, muito embora, casada com os USA que com os seus interesses geoestratégicos e económicos contradizem os da distante Europa!
De uma maneira geral, a população europeia quer uma relação relaxada com a Rússia e desejaria que fosse colocada pomada nas feridas deixadas pela queda do socialismo.
O não cumprimento da promessa feita a Gorbatchov de não alargar o âmbito da Nato aos territórios vizinhos da Rússia e a exigência de Putin dos anos 1989/1990 e repetidos em 2007 de que a Ucrânia não aderisse à Nato, têm sido desrespeitados, o que impede um desenvolvimento natural da situação social complicada na Ucrânia. Na realidade poderíamos dizer que a Ucrânia é, de facto, o cavalo de Troia dos USA e da Rússia; sem boa vontade de todos não se vê grande luz no fundo do túnel de uma nação em convulsão nem num realinhamento de blocos a nível mundial.
Agora, à margem dos jogos olímpicos em Pequim, não só Putin, mas também Xi Jinping, fizeram um apelo a um fim do alargamento da NATO. Claro que Xi já está a pensar em Taiwan como zona da sua esfera de influência e essa situação será mais própria para criar uma guerra mundial.
“Uma Alemanha interessada em acordos de comércio com o Leste, uma EU interessada num acordo de associação, e uma federação russa amedrontada, não são indícios de bons resultados para a Ucrânia; a Rússia sente-se ameaçada economicamente pela EU, militarmente pela Nato e socialmente pelos valores ocidentais de liberdade e democracia. A UE defende os seus interesses económicos e estratégicos na Ucrânia argumentado hipocritamente de pretender a salvaguarda dos direitos humanos e de um Estado de Direito. Infelizmente não usou da diplomacia para saber antepor-se aos combates armados entre a população ucraniana nem teve em conta uma Rússia traumatizada pela queda da União Soviética. A Rússia tem os mesmos interesses na Crimeia e nas zonas orientais da Ucrânia como os ingleses no Gibraltar e nas ilhas Malvinas…” escrevi em 2012 no artigo “Ucrânia entre imperialismo russo e ocidental” (1). Outros textos relativos ao assunto em nota (2).
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
(1) https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/2014/ucrania.htm
(2) UCRÂNIA ENTRE IMPERIALISMO RUSSO E OCIDENTAL: https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/russia-e-china-o-eixo-da-politica-do-1206136
O POVO FALA DE POLÍTICA E OS POLÍTICOS FALAM DE NEGÓCIOS: http://abdic.org.br/index.php/675-o-povo-fala-de-politica-e-os-politicos-falam-de-negocios ;
RÚSSIA E CHINA – O EIXO DA POLÍTICA DO SÉC. XXI? (2014): https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/russia-e-china-o-eixo-da-politica-do-1206136 ;
“Sanções económicas são injustas e oprimem os mais frágeis”: https://antonio-justo.eu/?p=6999 ;
Textos em: https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/index.htm ;
A GUERRA FRIA NOS MEDIA RUSSOS E ALEMÃES: https://antonio-justo.eu/?p=7067 ;
Capitulação da Nato no Afeganistão – Mais uma Guerra estúpida perdida ;
Não quero questionar a independência à Ucrânia, o que prefiro é que a sua independência seja defendida através de vias diplomáticas e não através da violência nem de provocações como tem acontecido da parte da Rússia e da Nato. O presidente da Ucrânia já deu a entender que se encontra em maus lençóis ao ser jogado entre a Rússia e a Nato! Em 2014 escrevi: Rússia e China – O Eixo da Política do Séc. XXI? https://antonio-justo.eu/?p=2791 e, além de outros, “Os comunistas comem criancinhas?” https://bomdia.fr/os-comunistas-comem-criancinhas/