Lusofonia – Um apelo à CPLP – Defesa da Língua portuguesa
Por António Justo
A língua materna em Cabo Verde é o crioulo de base lexical portuguesa com a semântica portuguesa do século XV-XVII. A língua oficial de Cabo Verde é o Português e a Língua nacional é o crioulo cabo-verdiano (Krioulo); o governo visa tornar o “Krioulo” também a língua oficial. O português passa a língua não materna.
O Governo de Cabo Verde anunciou a introdução do Português como língua não-materna “a partir do próximo ano lectivo.
O Português começará a ser ensinado como segunda língua já no ensino pré-escolar (4/5 anos) ”, revela VOA (1). Esta decisão talvez tenha mais um fundamento pedagógico e de eficiência linguística na estatística do que político. O Krioulo tem várias variantes (2).
Os portugueses descobriram as ilhas de Cabo Verde em 1445. Então as ilhas eram desabitadas; os cabo-verdianos de hoje são descendentes de portugueses e africanos. Hoje têm uma população crioula de cerca de 546.000 habitantes e cerca de 700.000 emigrantes.
A 19 de Dezembro de 1974, foi assinado um acordo entre o “Partido Africano para a Independência da Guiné (3) e Cabo Verde”. A 5 de Julho de 1975, foi proclamada a independência de Cabo Verde; se não fosse o zelo ideológico próprio da descolonização, certamente Cabo Verde teria hoje autonomia administrativa com um estatuto semelhante ao da Madeira e dos Açores.
Portugal com o Instituto Camões tem apoiado o ensino de Português. A língua não só é importante pelo aspecto identitário e cultural mas também pela sua expansão e crédito a nível internacional.
Timor-Leste em situação mais arriscada que a de Cabo Verde
Em Timor-Leste, a situação do português é mais precária do que em Cabo Verde, devido ao contexto cultural e político externo envolvente.
O ecossistema linguístico (natural, mental e social) de Timor-Leste é muito variado. Timor-Leste tem, constitucionalmente, duas línguas oficiais: o Português e o Tétum, sendo o Tétum a mais falada. Só 25% da população escreve e fala o português (mais falado em Díli), 45% usam o bahasa indonésio e 56% o tétum. 40% da população é analfabeta. O indonésio e o Inglês são considerados línguas de trabalho. Em Timor-Leste há cerca de 15 grupos étnicos, dos quais 12 grandes tribos.
Aquando da proibição da língua portuguesa em Timor pela Indonésia, em favor do indonésio (bahasa), os padres da igreja católica não seguiram a imposição e celebravam as missas em Tétum. O Tetum é uma língua austronésia com muitas palavras derivadas do malaio e do português, tornando-se numa língua crioula (tétum-praça).
Um problema na expansão da língua estará na qualificação dos Professores que se sentem mais fluentes no tétum e no indonésio. O crescimento de uma língua depende muito dos factores económicos, políticos e ideológicos circundantes. Timor-Leste estará muito dependente do empenho dos países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para não ser sufocado.
Timor-Leste (Timór-Timur), é uma nação transcontinental com cerca de 1 143 667 de habitantes, que deve a sua existência nacional à sua vontade política, ao português e ao catolicismo. Timor encontra-se numa situação contextual diferente da de Cabo Verde; mas se Timor-Leste também remeter o português para segunda língua corre o perigo de se dissolver em línguas e dialectos e com o tempo ser absorvida pela cultura indonésia. A existência de uma cultura mista e polivalente na região é de muita importância em termos futuros de uma maior interligação entre as culturas.
O jornalista Max Stahl adverte que “sem a língua portuguesa, não há nação em Timor-Leste”(4). De facto, Timor-Leste, tem a sua razão de ser como país pela sua diferença (uma diferença que cria pontes étnicas e intercivilizacionais) dependendo ela do investimento a fazer nos seus factores de identidade e de identificação; doutro modo será, com o tempo, dissolvida na parte ocidental de Timor indonésio. A vontade dos povos também muda conforme as circunstâncias e interesses surgentes.
Para quem estiver interessado em conhecer melhor as etnias e o ecossistema linguístico (natural, mental e social) de Timor recomendo a obra “Léxico Fataluco-português” do salesiano Pe. Nácher, meu antigo confrade (5).
Em 1975, Timor-Leste declarou a sua independência, mas no final daquele ano foi invadido e ocupado pela Indonésia sendo anexado como sua 27° província.
Os timorenses resistiram e o antigo Timor português transformou-se no primeiro novo Estado soberano do século XXI, em 20 de Maio de 2002. A atribuição do Prêmio Nobel da Paz ao bispo Carlos Ximenes Belo e a José Ramos Horta em outubro de 1996 contribuíram imenso para a concretização da independência de Timor-Leste na sua afirmação contra a Indonésia país agressor. A sua relevância vem-lhe também do facto de ser com as Filipinas os únicos países asiáticos cristãos.
Timor-Leste tem 1.183.643 habitantes (censo de 2015) e cerca de 10.983 estrangeiros (5.501 indonésios, 1.139 chineses, 726 filipinos, 517 australianos e 318 Portugueses. O catolicismo tem sido um elemento de ligação e conciliação entre todos os grupos da população.
Por volta de 1975, só 30% da população timorense era católica o resto era na sua maioria animista. Devido à agressão indonésia contra a colónia portuguesa, as diferentes tribos envolvidas na defesa conta a Indonésia e para afirmação da independência tornaram-se católicas. O movimento de libertação Fretilin envolvia uma mistura de teologia da libertação e de comunismo. O cristianismo é visto como símbolo da luta pelos valores humanos (6).
Há dois factores que testemunham o domínio na humanidade através da História: a economia e a ideologia. Hoje o cidadão queixa-se dos povos colonizadores do passado que dominavam os povos menos fortes, hoje as finanças e a economia de potências política e economicamente fortes dominam e provocam uma colonização aparentemente mansa…
Na polis não se tem mostrado eficiente combater a economia e a ideologia, dado o problema vir da força destas; a alternativa poderia ser a igualdade: ou tornar-se todos fortes ou tornar-se todos fracos; mas o problema é que na natura não há nada igual e o que poderia criar uma certa igualdade na sociedade e na cultura mostra-se impossível dado esta seguir as leis da natura. Para se chegar a uma paz social digna do nome, seria preciso provocar-se um salto na estrutura da consciência humana que superasse as leis da causalidade e as leis da selecção natural; mas também este estádio poderia trazer consigo o problema da estagnação.
Para mim não esqueço o empenho e a acção social de pessoas como o Pe. Nácher que professando uma crença religiosa não a impõem e empenham todas as suas forças no serviço do bem-estar e do bem comum, promovendo a pessoa e as populações independentemente do povo, da raça ou da fé que professem.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo no Espírito
- (1)http://www.voaportugues.com/a/portugues-segunda-lingua-cabo-verde/3626880.html
- (2) Para se ter uma ideia da diferença entre frase em português traduzida para crioulo: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” = Túdu alguêm tâ nacê lívri í iguál nâ dignidádi cú nâ dirêtus. Ês ê dotádu cú razõ í cú «consciência», í ês devê agí pâ cumpanhêru cú sprítu dí fraternidádi.” Exemplo da expressão portuguesa “Ele/ela cantou” em variantes crioulas = Ê’ cantâ, Ê’ cánta, Êl cantâ, Êl cantá.
- (3) Na Guiné-Bissau com 1,6 milhões de habitantes, embora a língua oficial seja o Português apenas 14% fala o português e 44% fala um crioulo baseado no português. A taxa de alfabetização é de cerca de 45 por cento. Cada etnia tem a sua própria linguagem. A Língua franca é Crioulo da Guiné-Bissau. Guiné-Bissau foi a primeira colónia portuguesa a ser reconhecida como independente em 1974.
- (4) http://24.sapo.pt/atualidade/artigos/jornalista-ingles-diz-que-sem-a-lingua-portuguesa-nao-ha-nacao-em-timor-leste#_swa_cname=sapo24_share&_swa_cmedium=web&_swa_csource=facebook&utm_source=facebook&utm_medium=web&utm_campaign=sapo24_share
- (5) http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/handle/2183/9927/Nacher_Dictioluku.pdf;jsessionid=C90ACFEF2FB99E60949059FB80C76B4F?sequence=2 O Pe. Afonso Maria Nácher Lluesa, falava fataluku fluentemente. Como testemunha o historiador José Mattoso, meu antigo professor, o Pe Nácher, teve muita influência na formação de Nino Konis Santana (líder da resistência timorense, depois assistente de Xanana Gusmão e mais tarde comandante da FALINTIL).
- (6) Timor-Leste: Visão da problemática contextual em 1999: https://antonio-justo.eu/?p=1097 ; Timor-Leste – a ilha esquecida: https://antonio-justo.eu/?p=2785