A União Europeia e o Malogrado Encontro Zelensky-Trump

Necessidade de uma Europa mais Latina e menos Anglo-Saxónica

O recente e malogrado encontro entre Volodymyr Zelensky e Donald Trump expôs, mais uma vez, as fragilidades da União Europeia (UE) no cenário geopolítico global. Este episódio poderia ter sido uma oportunidade para a UE refletir sobre o seu papel e estratégia, mas, infelizmente, a cegueira política e a falta de visão própria continuam a dominar. A UE insiste em seguir um caminho que não só a afasta de uma solução ética e equilibrada para os conflitos, como também a mantém refém de uma visão maniqueísta e anglo-saxónica, que pouco contribui para a paz e a estabilidade globais.

A Cegueira da União Europeia e a Aposta na Guerra

A UE, ao apoiar de forma indiferenciada Zelensky e ao insistir numa estratégia belicista, demonstra uma profunda impreparação para lidar com a complexidade do conflito geopolítico atual. A aposta numa única cartada, alinhada com os interesses dos Democratas americanos, revela uma falta de autonomia estratégica e uma submissão a agendas externas. Esta postura não só contribuiu para o agravamento do conflito, como também impediu a UE de assumir um papel mediador e construtivo.

O apoio incondicional a Zelensky e a narrativa simplista de que a guerra começou em 2022 são exemplos de uma visão preconceituosa e reducionista. A UE, ao adotar esta postura, ignora as raízes profundas e multifacetadas do conflito, preferindo uma abordagem emocional e maniqueísta que impede a resolução do problema. Esta cegueira política é, em grande parte, resultado da influência anglo-saxónica, que domina as instituições europeias e impede uma visão mais abrangente e integradora. Encontramo-nos em tempos de reorganização geopolítica que não pode ser reduzida pela EU a uma mera questão de contendas entre a Rússia e a Ucrânia.

A Necessidade de uma Europa Mais Latina e Menos Anglo-Saxónica

Para encontrar um caminho próprio e eficaz, a UE precisa de se libertar da influência anglo-saxónica e abraçar uma visão mais latina. Esta mudança implicaria uma síntese entre razão e emoção, entre diálogo e acção, e uma rejeição da dialética maniqueísta que domina o discurso político actual. A Europa foi outrora grande precisamente pela sua capacidade de integrar diferentes perspetivas e encontrar soluções equilibradas. Hoje, no entanto, parece ter perdido essa capacidade, preferindo seguir agendas externas e adotar posições polarizadas.

A infeliz peça teatral entre Trump e Zelensky poderia ter sido uma lição para a UE. Em vez de seguir cegamente os interesses de uma das partes, a UE deveria ter aproveitado a oportunidade para promover conversações e encontrar uma solução negociada. No entanto, a insistência numa estratégia belicista e a falta de visão própria impediram que isso acontecesse.

O Papel do Cidadão Europeu e a Necessidade de uma Reflexão Ética

O cidadão europeu foi, em grande medida, enganado. A narrativa dominante apresenta o conflito geopolítico como um simples embate entre duas nações, ignorando as complexidades e os interesses externos que o alimentam. Esta visão reducionista não só distorce a realidade, como também impede uma reflexão ética e profunda sobre o conflito.

Na discussão pública, predominam discursos emocionais e polarizados, que pouco contribuem para uma compreensão real do problema. Partidos de direita e esquerda arvoram-se em detentores da verdade, esquecendo que a grandeza da Europa reside na sua capacidade de integrar diferentes perspetivas e encontrar soluções equilibradas. O que falta é uma abordagem que combine cabeça e coração, que encare a situação com racionalidade, mas também com empatia e ética.

A UE precisa urgentemente de mudar de rumo

A UE precisa urgentemente de mudar de rumo e começar por reciclar o lixo ideológico. O destino político da Europa será semelhante ao dos Estados Unidos que passou de socialista para conservador republicano. Para isso a EU terá de deixar de ser uma mera extensão dos interesses anglo-saxónicos e abraçar uma visão mais latina, que valorize o diálogo, a síntese e a integração de diferentes perspetivas. Só assim poderá encontrar um caminho próprio e contribuir para a resolução ética e equilibrada dos conflitos geopolíticos. Ou será que queremos continuar a marcar passo na luta cultural “protestantismo” – “catolicismo” e na pura dialética marxista de caracter maniqueu quando são precisas sínteses.

O encontro malogrado entre Zelensky e Trump deveria servir como um alerta. A UE não pode continuar a apostar numa estratégia belicista e maniqueísta. Em vez disso, deve promover conversações e encontrar soluções negociadas, baseadas numa consciência ética e numa visão abrangente do conflito. O exagerado compromisso entre EU e Ucrânia fecha as portas a conversações amigáveis que seriam proveitosas para todos, a longo prazo. Esperemos que a UE aprenda a lição e encontre, finalmente, o caminho da paz e da estabilidade.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

Política, Ética e os Desafios da Governação no Mundo Contemporâneo

A política, embora idealmente devesse ser guiada pela ética, frequentemente reduz-se a um campo de interesses, onde decisões são tomadas com base em pragmatismo e não em ideais. Exemplos recentes, como a ascensão de Trump e as dinâmicas da União Europeia, ilustram como a moral é muitas vezes instrumentalizada para justificar ações políticas a posteriori, em vez de servir como um guia prévio. Este fenómeno levanta questões sobre a distância entre valores éticos e a realidade política, onde o oportunismo e o moralismo popularizado prevalecem.

A necessidade de limitar o poder para evitar regimes totalitários é evidente. No entanto, hoje enfrentamos um “totalitarismo brando”, influenciado por agendas de cunho marxista e maoista, que se infiltram através de organizações não-governamentais e políticas de cima para baixo. Este cenário exige uma reflexão sobre como equilibrar a autoridade estatal com a liberdade individual.

No contexto global, é crucial reconhecer que países como a China e a Rússia podem necessitar de regimes autoritários em fases intermédias do seu desenvolvimento histórico. Impor valores ocidentais a estas nações, sem considerar as suas particularidades culturais e históricas, pode levar a conflitos internos e desestabilização. A contenção e o respeito pelas trajetórias distintas de cada povo são essenciais para evitar insurreições e promover uma coexistência pacífica no sentido de uma cultura de paz.

A democracia directa, com elementos já praticados na Suíça, surge como uma alternativa interessante face às limitações da democracia partidária. Com o avanço tecnológico, consultas populares como referendos e plebiscitos tornam-se cada vez mais viáveis, permitindo uma maior participação cívica. No entanto, mesmo este sistema não está imune a manipulações, e a estupidez das massas pode ser tão perigosa como a brutalidade dos governantes.

O papel do Estado e da sociedade civil também merece atenção. Enquanto o Vaticano II defende que o Estado não deve absorver todas as funções sociais, a realidade em países como Portugal e na União Europeia mostra uma tendência para contornar a função subsidiária do Estado, relegando o cidadão à condição de mero cliente. A desconstrução da instituição família pelo estado progressista é outro fenómeno preocupante, que merece uma reflexão profunda.

Uma filosofia cristã, baseada na relação e inter-relação pessoal, poderia oferecer uma alternativa ao funcionalismo e ao interesse próprio que dominam a política actual. Esta abordagem exigiria uma consciência individual e social renovada, capaz de equilibrar soberania individual e comunitária.

Em conclusão, a política real é moldada por interesses e dinâmicas sociais e económicas complexas. A aspiração moral de combater a tirania e promover a justiça é legítima, mas carece de instituições capazes de a concretizar. Como bem lembrou Voltaire, “É perigoso ter razão quando o governo está errado”. Num mundo onde a razão de Estado e o maquiavelismo são inevitáveis, a busca por um equilíbrio entre ética e pragmatismo continua a ser um dos maiores desafios da governação contemporânea e certamente futura, a menos que haja uma mudança da consciência no sentido do ser e não apenas do ter.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

“COMPLEXO DE DEUS”: A ILUSÃO DA OMNIPOTÊNCIA E A DECADÊNCIA DA SOCIEDADE MODERNA

A sociedade contemporânea vive sob a ilusão de que o ser humano pode tudo e da crença no progresso. Essa crença na omnipotência, que o psicanalista Horst-Eberhard Richter chamou de “Complexo de Deus”, não é apenas uma perturbação psicossocial, mas um factor central da decadência moral e cultural que vivemos hoje. No seu livro “Complexo de Deus”, Richter descreve a civilização ocidental moderna como marcada por uma reivindicação de uma omnipotência egocêntrica e quase divina, que ignora os limites da condição humana. Essa ilusão de grandeza, no entanto, é uma fuga frágil diante das crises que nos assolam. Donald Trump expressa de maneira extrema o narcisismo que se tem mantido encoberto nas nossas elites políticas, dado o processo partidário para se conseguir furar no partido, em geral   pressuporem predisposições narcisistas e um mínimo de cumplicidade.

Os sentimentos de impotência, baixa autoestima ou problemas não resolvidos da infância podem resultar na superestimação das próprias capacidades, criando assim a distorção psicológica do chamado “complexo de Deus“. Este fenómeno leva ao dogmatismo das opiniões e à ilusão de infalibilidade, como se a próprio ponto de vista fosse o único correto. Essa postura impede o desenvolvimento do autoconhecimento e da autocompreensão. Uma convivência equilibrada com os outros promove uma avaliação realista de nossas capacidades e limites, em contraste com uma identidade baseada em projeções idealizadas de si mesmo. No entanto, a sociedade contemporânea frequentemente demonstra um absolutismo categórico, especialmente nos meios de comunicação, onde falta autorreflexão. Vivemos numa “democracia mediática” que não fomenta o pensamento crítico, mas apenas a busca por seguidores e a adesão ao mainstream.

Na política e nos media, esse fenómeno manifesta-se como um absolutismo categórico. Vivemos numa “democracia mediática” que não fomenta o pensamento crítico, mas apenas a busca por seguidores e a adesão ao mainstream. Em tempos de guerra, esse complexo intensifica-se, fomentando uma mentalidade maniqueísta e dicotómica, em que tudo é reduzido a “bem” ou “mal”. A política da União Europeia, por sua vez, parece cair na tentação de um “imperialismo mental” ao querer com base nos valores europeus justificar até acções de violência (como se pode ver nas orientações da NATO de Madrid.) possivelmente por medo de não sobreviver à crise actual.

Esse mesmo complexo também se manifesta nas relações interpessoais. Manter distância emocional de pessoas que sofrem dessa ilusão de grandeza é essencial para evitar ser arrastado para a mesma inquestionabilidade que pode criar-se em ambientes tóxicos. No dia a dia, muitas pessoas vivem como se fossem permanecer para sempre na meia-idade, ignorando a inevitabilidade da doença e da morte. A segurança e o conforto na Europa conduziram muitos, especialmente governantes, a um narcisismo que se torna um sacrilégio frente ao resto do mundo.

A ideia do “super-homem” de Nietzsche, embora fascinante, é unilateral e conduz ao sofrimento, pois desconsidera a dimensão humana da existência. Bento XVI, ao alertar sobre esse perigo, afirmou: “Onde a ação humana já não corresponde à existência humana, a verdade transforma-se em mentira”. Como meios para combater esse problema, torna-se necessário revalorizar as raízes da civilização ocidental e cultivar, a nível pessoal, valores como compaixão, humildade e paciência.

A Europa, saturada por ideologias que priorizam o materialismo e o niilismo, precisa questionar-se sobre o seu próprio sentido e direcção. Embora não seja adequado comparar a cólera com a peste, cabe perguntar: qual o maior mal? O conservadorismo de Trump ou o socialismo materialista que nos colocou num labirinto sem aparente saída?

No passado, a sociedade contava com intelectuais que forneciam orientação e autoridade moral, muitas vezes em oposição aos governantes. Durante séculos, a Igreja desempenhou esse papel. Atualmente, no entanto, os meios de comunicação substituíram esses intelectuais e alinharam-se aos interesses dos governantes, limitando-se a promover discussões superficiais entre opositores rivais.

A grande tragédia da Europa é sua submissão ao marxismo cultural da Escola de Frankfurt e ao “wokismo” que o acompanha, com governos carentes de políticos honestos. Faltam-nos líderes conscientes das colunas que formaram a identidade europeia: Roma, Jerusalém e Atenas.

O extremismo narcísico apoiado pelo grande capital leva as grandes potências a lutar pela hegemonia e dificulta uma política de bem comum. Assim o que restará para o povo é o que fica dos militares e da luta das corporações económicas entre si.

Vivemos uma época dominada por fantasias de omnipotência, tanto no plano político como no individual. Diante desse cenário, a construção de um modo de vida significativo exige uma consciência coletiva e solidária. O desafio é substituir a ilusão de grandeza pela humildade de reconhecer os nossos limites e agir em harmonia com os outros. A resposta à crise não está na subordinação de todas as ações à economia, como defende Trump, mas no resgate de uma cultura baseada no “nós”, que valorize a compaixão, a reflexão crítica e o respeito pela condição humana (“amor ao próximo”).

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

“ROMA” E “BRUXELAS” DIALOGANDO

Era uma noite fria e silenciosa em Bruxelas. As estrelas pareciam distantes, como se também elas tivessem perdido a fé na Europa. No coração da cidade, onde as instituições da União Europeia se erguiam imponentes, duas figuras marcantes se encontravam frente a frente: Roma e Bruxelas. Não eram meros lugares ou cidades, mas entidades personificadas, símbolos de duas forças em tensão constante: Roma, personificação da tradição, da história e das raízes da civilização ocidental, e Bruxelas, símbolo da modernidade, da burocracia e da busca por uma unidade frágil.

Roma, de vestes douradas e olhar sério, trazia em si o peso da história e da tradição. Falava em latim puro, reminiscente das colunas que sustentaram impérios e doutrinas de sustentabilidade. Bruxelas, vestida de vidro e aço, emanava pragmatismo e progresso, discursando numa multiplicidade de línguas, sempre diplomática, mas esgotada na busca de consenso. “Vejo que continuas a tentar construir um império sem alicerces”, disse Roma, com uma voz que ecoava séculos de sabedoria. “A tua torre de Babel desmorona-se, e ainda assim insistes em subir mais alto.”

Bruxelas respondeu, com um tom defensivo: “Não entendes, Roma. O mundo mudou. Precisamos de unidade, de progresso, de superar as divisões que nos enfraquecem. A Europa já não pode viver de mitos e tradições. ”

Roma sorriu, mas havia tristeza no seu olhar. Suspirou e observou as multidões que passavam. Cada rosto era uma expressão do caos ordenado que Bruxelas tentava manter. No entanto, por baixo das fachadas modernas, percebia-se uma fragilidade crescente, uma sociedade cada vez mais desconectada de suas raízes. “Unidade? Progresso? Diz-me, Bruxelas, o que é progresso sem sabedoria? O que é unidade sem identidade? Vejo em ti o mesmo complexo que afligiu tantos impérios antes de mim: a crença na omnipotência, na infalibilidade. Vocês acham que podem governar sem olhar para trás, sem aprender com os erros do passado.”

Bruxelas cruzou os braços, revelando incomodação. “Não somos como tu, Roma. Não cairemos na arrogância dos deuses. Temos instituições, leis, um sistema que nos protege dos excessos.”

Roma riu, numa gargalhada que ecoou como um trovão. “Protege-vos? Ou aprisiona-vos? Vejo em vossos líderes a mesma vaidade que outrora condenou os meus. Eles acreditam que podem controlar tudo, desde a economia até à natureza humana. Mas o que fazem quando a crise chega? Culpam-se uns aos outros, fecham-se em dogmas, e recusam-se a ver a realidade.”

Bruxelas olhou para o chão, hesitante. Sabia do que Roma falava. A Europa, outrora ciente de suas limitações, agora vangloriava-se de uma falsa omnipotência. Os seus líderes, convencidos de sua infalibilidade, impunham dogmas sociais e políticos sem espaço para debate ou reflexão crítica. Nos corredores do poder, qualquer oposição era reduzida a um maniqueísmo simplista: ou se estava com o progresso, ou se estava contra ele. “Talvez tenhas razão em parte. Mas o que sugeres? Voltar ao passado? Abandonar tudo o que construímos?”

Roma aproximou-se, colocando uma mão no ombro de Bruxelas. “Não se trata de abandonar, mas de recordar. A Europa foi construída sobre três pilares: a razão de Atenas, a fé de Jerusalém e o direito de Roma. Vocês esqueceram-se disso; na ânsia de criarem uma ordem perfeita, negligenciaram a humanidade do próprio povo. Em vez de humildade, escolheram a arrogância. Em vez de compaixão, escolheram o cálculo. Em vez de união verdadeira, criaram uma ilusão de uniformidade.”

Bruxelas suspirou, e pela primeira vez, sua voz pareceu frágil. “E agora? Como saímos deste labirinto?”

Roma olhou para o horizonte, onde o sol começava a despontar. “Reconhecei as vossas limitações. Aceitai que não sois deuses, mas humanos. Reencontrai as vossas raízes, não para repetir o passado, mas para entender quem sois. E acima de tudo, cultivai a humildade. Como disse um dos vossos pensadores, ‘onde a ação humana já não corresponde à existência humana, a verdade transforma-se em mentira’.(1)”

Bruxelas ficou em silêncio por um momento, refletindo. Bruxelas sentiu um calafrio. Sabia que Roma tinha razão. Na sua sede por uma sociedade perfeita, os líderes europeus haviam criado bolhas ideológicas, alimentadas por um ciclo mediático que apenas reforçava o pensamento dominante. Não havia mais intelectuais independentes, apenas burocratas e comentadores que repetiam o que era conveniente. “E se falharmos?”

Roma sorriu novamente, desta vez com uma centelha de esperança. “Então a Europa, como tantos impérios antes dela, será apenas mais uma lição para o futuro. Mas ainda há tempo. A escolha é vossa. Precisamos de líderes que saibam ouvir, que compreendam que governar não é impor, mas servir. Que aceitem que nem tudo pode ser controlado e que a sociedade precisa de raízes para florescer ”

Bruxelas olhou para Roma e, por um instante, sentiu o peso da sua responsabilidade. A crise que se espalhava pelo continente não era apenas económica ou política — era espiritual. A Europa havia perdido a sua identidade na ilusão da omnipotência.

E assim, os dois espíritos se despediram, enquanto o sol iluminava as ruas de Bruxelas e o vento soprava entre as estátuas antigas e os edifícios modernos. A cidade continuava a mesma, mas algo havia mudado. Talvez, pensou Bruxelas, fosse hora de olhar para trás, não com nostalgia, mas com humildade, e encontrar um caminho que unisse o melhor do passado com as possibilidades do futuro.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Papa Bento XVI

A Vitória da Direita na Alemanha na Continuidade da Estrutura Política

O “populismo” de cima triunfa sobre o populismo de baixo

Os resultados das eleições federais (contagem de 24.02.2025), em comparação com as eleições de 2021, mostram uma mudança significativa no cenário partidário:

  • SPD: caiu de 25,7% para 16,41%
  • CDU/CSU: subiu de 24,10% para 28,52%
  • AfD: subiu de 10,3% para 20,80%
  • Verdes: caíram de 14,8% para 11,61%
  • Linke: subiu de 4,9% para 8,77%
  • FDP: caiu de 11,5% para 4,33%
  • BSW: 4,97%
  • Outros: 4,58%

A participação eleitoral foi de 82,5%, a mais alta desde 1987. O Bundestag agora tem 630 lugares, sendo necessários 315 para a maioria absoluta.

A CDU/CSU e a AfD, juntas, alcançariam uma maioria absoluta (317 assentos). No entanto, devido a barreiras antidemocráticas interpartidárias, essa coligação é inviável. Outras possibilidades incluem uma coligação de três partidos (CDU/CSU, SPD e Verdes), que teria 374 lugares, mas que poderia enfrentar dificuldades semelhantes à coligação anterior entre FDP, SPD e Verdes. Tanto SPD como os Verdes sofreram perdas eleitorais significativas, reflexo da insatisfação popular também com o governo anterior. A colaboração com os Verdes, em particular, gerou uma polarização no país, impulsionada por campanhas ideológicas e mobilização de ONGs associadas a esses partidos.

Diante desse cenário, as possíveis coligações seriam:

  • CDU/CSU + SPD: 293 lugares
  • CDU/CSU + Verdes: 267 lugares
  • CDU/CSU + SPD + Verdes: 374 lugares

A AfD consolidou sua posição como uma força relevante no parlamento, obtendo 20,6% dos votos, apesar de campanhas contrárias promovidas por setores dos media e do governo. A sua crítica à democracia liberal e à NATO é interpretada pela esquerda como uma posição radical, embora o partido não rejeite a democracia nem defenda um golpe de Estado.

O aumento da insegurança social, especialmente ligada à criminalidade islâmica, e a percepção de indiferença por parte dos governantes explicam o crescimento da AfD. A resistência dos partidos tradicionais a reconhecer essa realidade contribuiu para a atual polarização política. A direita venceu, mas os acordos interpartidários impedem uma mudança efetiva na estrutura de governo, adiando as transformações desejadas pelo eleitorado.

A rejeição da CDU/CSU a uma aliança com a AfD reflete a influência do establishment político e mediático. Se Friedrich Merz, líder da CDU, optar por governar com os Verdes, é possível que seu futuro como chanceler seja comprometido e que a AfD continue a crescer.

O populismo de cima e o populismo de baixo encontram-se na sua máxima expressão na Alemanha. A transferência de votos do SPD, FDP e Verdes para a AfD indica um descontentamento crescente com o status quo. No entanto, a elite política e os meios de comunicação continuam a ignorar esses sinais, mantendo as suas alianças e a sua agenda, enquanto a população aguardará uma nova oportunidade para expressar o seu descontentamento nas urnas.

As conversações de Merz – próximo chanceler – serão difíceis e sem hipótese de dar resposta à mudança aspirada atendendo ao radicalismo em que a actual Alemanha se encontra.

Uma coligação CDU-AfD seria a mais democrática. Caso contrário, continuaremos a ver vermelho em vez de seguir a razão!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo