Dia internacional da Mulher só um apelo à igualdade a nível de verniz e esmalte?
Enquanto não se começar a encarar o problema dos papéis sociais a nível de matriz integral (masculinidade-feminilidade) não se leva a questão suficientemente a sério porque é tratada como uma questão de verniz e esmalte da sociedade. Apesar de tudo, os projetos de ajuda e as medidas legais dirigidas em favor das mulheres são actualmente muito importantes se concebidos a partir do ponto de vista das mulheres.
As pessoas continuam dizendo que as mulheres devem ter as mesmas chances e oportunidades que os homens. Mas quem são as pessoas, quem é a “cara”?
Na sociedade e na política diz-se que se devem repensar os modelos dos papéis sociais. A intenção é boa e alguns resultados também. Mas, o que há para pensar quando nosso pensamento estrutural e a ordem social assentam em princípios masculinos?
Numa sociedade masculinizada em que a competição, a luta e a subjugação são glorificadas, vale a pena a luta feminina até que se chegue à consciência de se fomentar uma matriz social e humana integradora dos princípios (e aptidões) da feminilidade e da masculinidade em equilíbrio e osmose, no âmbito homem-mulher-sociedade. Doutro modo toda a justa luta se concentra na disputa da feminilidade por ver reconhecida na matriz masculina a sua identidade bastante reduzida a termos de papéis masculinos. A matriz vigente vai sendo obrigada a ceder nas bordas, mas não no núcleo.
É verdade que, quando as crianças atingem a idade de brincar, passam a assumir os papéis que a sociedade lhes proporciona e a escola mais prega. A base do problema está no modelo social da masculinidade e começa aqui tendo por base um ensino orientado preponderantemente pela aquisição de aptidões de conotação masculina.
Muitos contribuem para que se esconda o problema pondo-o na armadilha política do estilo de vida tradicional ou nos pais (um sistema de culpabilização só para alijar a carga!). Outros falam da proibição de comprar sexo como se uma sociedade machista resolvesse o problema com a ajuda de verniz e esmalte.
Os papéis sociais estão baseados na matriz unilateral masculina (na continuação da ordem patriarcal a ser mais ou menos suavizada com o tempo) que permeia todas as sociedades e ordens sociais no mundo.
Onde todos teríamos que trabalhar seria no surgir de uma nova matriz antropológico-social preparadora de uma nova ordem mundial (consciência) que tivesse como base as forças da masculinidade e da feminilidade, numa perspectiva de complementaridade e inclusão já não só a nível de funções na sociedade padrão, mas sobretudo a nível do ser e do modo de estar (integrador dos dois princípios ou energias) num modelo de sociedade equilibrada.
mas não apenas promove o mesmo tratamento, mas isso teve que surgir da igualdade de consciência e respeito pelos outros. As características masculinas foram enfatizadas sobre as características femininas e à custa delas. Claro, não é preciso padronizar as características específicas, mas vale o esforço feito ou a fazer para que cada indivíduo e sociedade integrem as características femininas e masculinas de modo a (para que externamente na estrutura social) o princípio da masculinidade e da feminilidade não lutarem um contra o outro (segundo o modelo das forças masculinas), mas se equilibrem um ao outro fora da plataforma de um poder esgotado em brigas e concorrência de interesses ou de posição oposta. Uma sociedade que tem sido puxada, direccionada e movida pelo reino masculino exterior (carapaça exterior da sociedade), carece de mudança fundamental e para isso deixar de negligenciar o reino interior (feminilidade, espiritualidade) que aguarda aceitação e implementação. Esta missão torna-se difícil principalmente numa época de crise como a nossa em que se espera uma mudança radical de mentalidade e que se vê estrebuchar nos figurinos machos do espectro político.
A nível de luta exterior e de papeis sociais a mulher continua a ser a grande vítima dos nossos padrões de sociedade, como apresento agora em relação à Alemanha:
Na Alemanha, um país desenvolvido, há uma diferença de 18% no salário por hora entre homens e mulheres. As mulheres geralmente recebem menos do que seus colegas homens pelo mesmo trabalho. Conforme relatado pelo Departamento Federal de Estatística, as mulheres a partir dos 65 anos receberam um rendimento bruto médio de 17.814 euros por ano em 2021 e os homens 25.407 euros.
O risco de pobreza em 2021 é de 20,9% para as mulheres e 17,5% para os homens. O limite para uma pessoa solteira era de 14.969 euros por ano (dados estatísticos do HNA 8.3).
De acordo com a ONU, a cada hora no mundo, 5 meninas e mulheres são mortas por seus parceiros ou outro membro da família. Na Alemanha, esse crime ocorre a cada três dias (138 casos em 2020). As pessoas costumam falar em “tragédia familiar”, “assassinato por honra” ou “drama de ciúmes”, mas basicamente são casos de feminicídio.
As barreiras estruturais são cimentadas por uma matriz masculina que se perpetua como legado da sociedade patriarcal.
Ao fazermos parte de um sistema temos que contar com os paradoxos a ele inerentes (contradições dos sistemas e dos neles instalados) e ir fazendo por nos aperfeiçoar individual e socialmente de maneira a poder influenciar activamente o sistema que de si é prepotente. Enquanto o poder se orientar sobretudo pela materialidade (crença na masculinidade) e não integrar nele a espiritualidade (feminilidade) viverá na e da exterioridade como se pode ver bem documentado na máscula e estúpida guerra entre o bloco ocidental e a Rússia a decorrer na Ucrânia.
Quanto à luta pela emancipação da mulher, penso ser adequada a palavra emancipação porque se trata da libertação de um modelo masculino baseado na subjugação que atraiçoou sobretudo a feminilidade. Na sua luta, a mulher está a seguir os critérios próprios do modelo social masculino. Ao sujeitar-se ao modelo masculino próprio de uma sociedade patriarcal embora moderada, a mulher pode estar a reagir (adoptando tal modelo) a modos de um complexo de inferioridade não auto-consciente da riqueza da identidade feminina; ao assumir as técnicas de afirmação próprias da sociedade de matriz masculina apenas reagem, em relação ao modelo agressor, adoptando os métodos deles e assim assumem indiretamente modelo tradicional e ao não apresentar um modelo alternativo que inclua cem por cento a feminilidade estão a contribuir para a perda da própria identidade feminina. Da interação da masculinidade e da feminilidade, da essência do ser feminino e do ser masculino poderá surgir um modelo mais criativo e menos potente. Nas formas de emancipação e manifestações públicas deveriam ser apresentadas acções femininas e projectos de sociedade inclusivos que deem relevância à feminilidade a incluir numa nova matriz social a criar. Doutro modo destruída a identidade feminina, a especificidade do ser mulher, toda a sociedade será destruída para preparar mundo meramente técnico e artificial. A feminilidade não pode ser reduzida a um manufacturado de uma sociedade de matriz masculina para não se tornar num mero elemento na linha de montagem da produção económica. Precisamos de uma nova sociedade mais feminina, mais amante da paz e dos dons e valores genuínos de cada um. Urge o surgir de uma avalanche feminina, um movimento de solidariedade da feminilidade em todo o mundo que use meios e invente um método feminino alternativo à maneira de ser e estar actualmente em vigor.
É natural que a luta pela emancipação se tenha inicialmente expressado sobretudo com mulheres possuidoras de uma identidade em que a masculinidade nelas sobressaia em relação à feminilidade (Esta estratégia masculina de autoafirmação será ainda muito oportuna na sociedade islâmica em que um verdadeiro revolvimento cultural humano só poderá ter efeito através da acção unida das mulheres). Encontramo-nos num momento em que os movimentos emancipatórios deverão estar muito atentos para não serem açambarcados por movimentos políticos de masculinidade exacerbada. Movimentos políticos e económicos do poder são por natureza masculinos e como tal deveriam ser confrontados com movimentos de base feminina não apenas feminista (feminista seria o papel masculino assumido por mulheres em que a feminilidade poderá estar em segundo plano).
O feminismo exacerbado corre o perigo de perverter os próprios dons e expressões característicos e por fim ver a própria identidade destruída (perda de feminilidade e desprezo da maternidade em benefício da masculinidade quando esta já é política e socialmente exacerbada). O seu verdadeiro sentido e superioridade basear-se-ia no Ser e não só no ter (posse masculinidade) com um formato mental feminino que na sua maneira de estar partiria do nós e não do ego (característica maternal da sociedade). No modelo actual sobressaem os valores de caracter masculino: o dinheiro, o poder subordinador e o sucesso, colocando-se o homem no lugar de Deus e acima da moral e até como o criador dos valores numa sociedade que quer de combate porque deste modo a oportunidade é dos mais fortes.
Tendo em conta a rudeza do modelo da nossa sociedade, é natural que o movimento feminino se afirme pela luta, mas também é certo que no dia internacional da mulher ativistas representantes da masculinidade se aproveitam para envolver as mulheres em actividades de luta afirmadoras de estratégias masculinas (querem-nas feministas e não femininas!). Trata-se de reconhecer a mulher toda e não reduzir a sua emancipação a papéis político-económicos de formato masculino.
A mulher terá de usar várias estratégias numa luta da integração da feminilidade num modelo de masculinidade agreste. Para isso, no meu entender, necessita-se de um combate próprio com firmeza e perseverança, mas à maneira feminina sem perder o elo do amor sustentável que tudo une, como expressão da feminilidade criadora e mãe, porque dela tal como da terra tudo sai.
António CD Justo
Pegadas do Tempo