FESTA DE MARIA MADALENA A „APÓSTOLA DOS APÓSTOLOS”

Hoje dia 22 de Julho, a Liturgia católica celebra a festa de Santa Maria Madalena, a “apóstola dos apóstolos”.

Maria Madalena, discípula de Jesus, como testemunham os evangelhos (Lc 8,2-3; Jo 19,25; Mt 27,61;  Mc 15,40-41), foi ela a primeira a anunciar o facto pascal aos apóstolos (Mt 28, 9-10); Jo 20, 11-18) depois  de Jesus lhe ter aparecido e às mulheres.

Por isso S. Tomás de Aquino a denominou “Apóstola dos Apóstolos”. Madalena foi privilegiada com uma revelação especial, o que coloca a feminilidade como vertente espiritual privilegiada por ser a primeira testemunha da ressurreição. Na Bíblia não há provas a favor nem contra de que Madalena tivesse sido prostituta. Só pode ajudar a essa conclusão o facto de ela ser oriunda de Magdala, uma região de má fama e pelo facto de Jesus lhe ter expulsado sete demónios (o que simboliza o resumo de todos os pecados).

O filme Da Vinci conferiu a Madalena atributos que historicamente não têm consistência. Os gnósticos dão-lhe uma menção especial no evangelho apócrifo de Filipe, feito depois dos evangelhos canónicos. O evangelho de Filipe foi escrito em copta e não em aramaico.

António da Cunha Duarte Justo

TURQUIA – UMA NAÇÃO DE BRAÇOS NO AR E DE LENÇO NA CABEÇA

GOLPE DE ESTADO DE ERDOGAN CONTRA A DEMOCRACIA QUE DEMOCRATICAMENTE O APOIA

O fascismo em marcha e a política europeia em sentido a fazer-lhe continência!

Por António Justo

A Turquia torna-se cada vez mais num país de braços no ar e de lenços na cabeça. O presidente turco Erdogan declarou a suspensão da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o Estado de Emergência por três meses, ficando assim com direitos absolutos. (Será esta uma maneira indirecta de poder também introduzir a pena de morte?)

Chega a ter-se a impressão que nos encontramos no início da era muçulmana! O radicalismo muçulmano determina o sentir dos povos e a cedência de liberdades nas chamadas sociedades livres. Ao saneamento de milhares de juízes, de soldados, de polícias e de outros funcionários da administração segue-se o saneamento dos agentes de ensino.

O despedimento de 1.5oo reitores de universidade e a retirada da licença de ensino a 21.000 professores do ensino privado é mais um acto radical eficiente para o saneamento de um Estado que Erdogan e seus sequazes querem ainda mais uniforme. Em todos os regimes os fascistas de direita e de esquerda procuram ter sempre o ensino sob o seu controlo ideológico. Ciente de que a religião é o melhor garante de sustentabilidade, Erdogan aposta sistematicamente no fomento de um islão sunita retrógrado; no tempo de sua actuação política, já foram construídas mais 10.000 mesquitas.

Este golpista enganador trabalhou sistematicamente, a longo prazo, para conduzir o país ao fascismo.

Mais preocupante ainda é o facto de ter recebido 60% dos votos dos turcos que vivem na Alemanha e ainda o facto de muitos destes se manifestarem violentamente na Alemanha a favor do golpista Erdogan. Quando há algum acto terrorista, os mesmos não se manifestam. Na Alemanha vivem cera de três milhões de turcos e de turco-descendentes. À semelhança do que acontece na Turquia, apoiantes de Erdogan, organizaram um serviço online onde se pretende fazer o alistamento de cúmplices e simpatizantes com a intentona para poderem ser mais eficientemente perseguidos.

A raiva do povo contra as elites turcas, de orientação moderna, é insaciável. Erdogan, um filho do povo, vinga-se da elite secular servindo-se do povo. Em democracia o povo é quem determina a razão!

O presidente quer ser o novo Ataturk da Turquia mas no sentido contrário. Conseguirá atrasar eficientemente o ponteiro da história da Turquia e irá dar que fazer à política europeia que em breve terá de abrir as portas a muito mais refugiados: os da síria e de outros estados muçulmanos e ainda mais curdos e outros que o Estado turco ainda perseguirá mais.

A Turquia e o comportamento de muitos turcos na Alemanha poderia ser um sinal para o que a Europa acorde e reflita sobre o que está a acontecer à Europa sob a acção de políticos mais interessados em administrar a miséria e a decadência da Europa, do que em defender os valores que a tornaram grande e exemplar para todas as sociedades.

 

Erdogan, embora retrógrado e ditador, procura, à sua maneira, construir uma Turquia dominante. É um chefe oportunista coerente com os princípios muçulmanos que aposta no poder da luta cultural e religiosa, deixando atónitos os políticos ocidentais que, à custa da própria cultura e do povo, pensam dominar o mundo através da economia!

António da Cunha Duarte Justo

Os Golpistas da Democracia são Erdogan e Militares

TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO NA TURQUIA DE ERDOGAN

Por António Justo

O exército turco compreende-se como o defensor da Constituição e da herança secular de Ataturk, fundador da república. Interveio já muitas vezes nesse sentido; a partir de 1960 já interveio 3 vezes; a 27.05.1960 derrubou o governo porque este tinha restringido os direitos da oposição e a liberdade de imprensa; os militares permaneceram então 17 meses no poder.

A 12.03.1971 houve a segunda intervenção, desta vez contra o terror de grupos da extrema-esquerda; passado um ano, os militares possibilitaram um governo civil.

Em 12.09.1980, o exército interveio de novo contra o terror de extremistas da direita e da esquerda para impedir a queda da autoridade do Estado. Em 1983 os militares cederam o poder político aos civis. A 30.06.1997 o exército obrigou o primeiro-ministro turco islamista Erbakan a abdicar do governo. O presidente turco Erdogan encontra-se na continuidade de Erbakan.

A actual intentona de 15.07.2016 falhou. Os responsáveis da conspiração justificaram-se dizendo que queriam reimplantar a ordem constitucional democrática e restabelecer os direitos humanos. Erdogan apelou a toda a população a sair para a rua para defender a democracia. Esta acedeu ao apelo e impediu os blindados de avançar.

Na tentativa de golpe, houve 290 mortos (100 golpistas e 190 civis e das forças leais ao presidente) e mais de mil feridos: Depois da intentona Erdogan vinga-se, mandando aprisionar 7.500 pessoas, entre elas, pelo menos 2.900 militares, provocando 8.500 demissões e cerca de 30.000 empregados públicos foram suspensos e quase três mil juízes e procuradores da justiça foram exonerados . A “limpeza” acontece a uma velocidade tão deslumbrante que demonstra já estar tudo antes preparado. O Estado de Direito é Erdogan.

A SIDH (Sociedade Internacional para os Direitos Humanos) conclui que estas medidas já estavam previstas antes da intentona. A SIDH adverte ainda que a Europa não se deve deixar chantagear por Erdogan também na crise de refugiados. Segundo a SIDH o governo turco apoiou de facto o “Estado Islâmico” (IS) tornando-se também ele cúmplice na origem da crise dos refugiados. 

O presidente turco já tinha conseguido, paulatinamente, neutralizar a posição moderadora que os militares tinham no aparelho de Estado, tornando o Estado cada vez mais repressivo e perseguindo sistematicamente os jornalistas não conformes. Agora com uma intentona mal organizada e dividida e uma oposição a ter de condenar o ataque à „democracia”, as forças reaccionárias ganharam maior legitimação.

O golpe de Estado falhado foi considerado pelo presidente Erdogan como “o dedo de Deus” que ele usará, como alibi, para institucionalizar o seu despotismo sombrio. Aproveita para se vingar da liberdade e fazer os saneamentos que desejar. Erdogan, que antes reprimia as manifestações, apela agora ao povo para se manifestar a favor dele, até ao momento em que possua poderes absolutos! (Há que ter em conta o facto de a cultura árabe ser mais propícia ao fascismo do que à democracia e muitas vezes as forças militares serem as mais modernas e abertas, aquelas que culturalmente estão mais próximo das formas de Estado ocidentais!)

Dado a Turquia ser um membro da Nato e Erdogan poder voltar a introduzir a pena de morte (abolida em 2004 para poder iniciar conversações no sentido de vir a ser membro da UE) e poder reduzir ainda mais as liberdades cívicas, a Nato e a UE já se manifestaram no sentido de Erdogan usar moderação e proporcionalidade nos meios utilizados como reacção à intentona; se introduzir a pena de morte, a candidatura da Turquia para a UE fica bloqueada. A Turquia, mais religiosa, não está interessada numa EU que acarreta consigo muitos compromissos abertos.

A Turquia tem muita importância para a Nato devido aos seus 600.000 soldados e à sua posição geográfico-cultural estratégica.

A Turquia já começou a mostrar os seus músculos em relação à UE e à Nato ao procurar estabelecer amizade com a Rússia, pedindo desculpa a Putin pelo avião russo que fez despenhar. Para dominar não olha a perdas, seguindo a estratégia: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Em relação à UE, o leão do Bósforo sabe que tem os políticos europeus na trela porque dele depende a quantidade de refugiados que vêm para a Europa e da quantidade dos refugiados na Europa depende o destino dos políticos no poder. As prioridades de Erdogan para a Turquia são: 1° combater os curdos e o PKK, 2° depor o presidente da Síria e 3° luta contra o EI.

Erdogan tem não só a sua democracia religiosa mas também muitos trunfos contra a UE e contra a Nato, podendo manipulá-los à vontade. É esperto; aposta naquilo que mais tem: a religião que os outros não têm e os pontos fracos dos interesses que os outros têm. A Turquia de Erdogan já não precisa da Europa, ele já a tem nos turcos e muçulmanos que nela vivem!…

Na Alemanha as associações turcas apoiam o presidente e dos minaretes e  das mesquitas ressoam não só as vozes de oração, mas também palavras de ordem contra os infiéis. Os turcos saem às praças alemãs para apoiar Erdogan; é estranho porém que nunca desçam às ruas para condenarem o terrorismo muçulmano!

Um provérbio português diz:” “Onde reina a força, o direito não tem lugar.”

Assim continua a tragicomédia política a nível internacional: a política manobra-se entre o oportuno e o cinismo e o resto anda estupefacto. A esperteza engana-se enganando; não conta com o tempo, só olha para a próxima oportunidade, passando o tempo a entreter idiotas.

António da Cunha Duarte Justo

A DIFERENÇA É UMA COMPONENTE DE VIDA E A CONSCIÊNCIA TAMBÉM

A propósito do Ataque ao Grupo gay

Por António Justo

O massacre do Estado Islâmico (Daesh) na discoteca gay em Orlando mata 50 pessoas e deixa 53 feridas; neste acto barbárico revela-se o ódio das cavernas contra a civilização. Pessoas inocentes morrem pelo facto de fanáticos não suportarem o direito à diferença na sociedade. Falta o respeito pela vida e a consciência de que a vida tem em cada pessoa o seu rosto. A vida é o sorriso de Deus na natureza a florescer em cada pessoa e em cada planta. Cada pessoa só tem uma vida disponível que, embora integrada numa sociedade, é única e dela. Porquê tanto ódio contra o sorriso de Deus?

Tolerância?

Na folhagem da imprensa e nos meios virtuais, vêem-se muitos comentários que, embora condenando o morticínio de Orlando, também permanecem prisioneiros do espírito dualista que o motivou. Muitas opiniões são equacionadas a partir do posicionamento de dois extremos de uma mentalidade que parte do princípio de que, para se ser por alguém, tem de se ser contra outros. Por vezes as partes contraentes na criticada só se diferenciam por terem uma imagem de inimigo diferente. Na falta de capacidade integrativa permanecendo-se no demonizar ou no idolatrar; e isto acontece porque só se aceita o perfeito ideal e neste caso os gays são os maus e a religião são os bons ou para outros a religião é a má e os homossexuais são os bons.

Porque não interessa a capacidade de discernimento fica-se pela vaga tolerância que não chega a atingir os foros do respeito, numa atitude de opinião tipo salpicão onde tudo cabe devido à elasticidade da tripa da indiferença elevada ao grau de consciência de posição superior.

O respeito por cada pessoa pressupõe a aceitação de ela ser como é, comportando também o respeito pela pessoa ainda não nascida; a aceitação da pessoa também contempla o respeito pela decisão tomada por cada um, o que não implica a renúncia a uma ética fundamental do respeito pela vida em toda a sua forma de expressão.

Na realidade factual e virtual, as pessoas tratam o partido oposto com os mesmos critérios que usam para condenar aqueles que injustamente são agressivos contra os homossexuais. O que falta é o bom senso numa cultura diferenciada mas inclusiva.

Tanto as opiniões como os afectos e as relações das pessoas devem ser respeitados desde que não se expressem de forma violenta. Por outro lado cada pessoa tem o direito a sustentar a sua posição sem ter de deixar ver tudo reduzido à papa da tolerância que tem mais a ver com o direito e a justiça do que com o respeito e a convicção. Para encontrarmos respostas de sustentabilidade para o futuro será necessário observar melhor o princípio da diferenciação na natura e o princípio da consciencialização na cultura.

Maneira de estar de cunho católico

Observei que adversários anticatólicos por conveniência se aproveitam deste acontecimento para atacarem de forma destrutiva também o catolicismo esquecendo-se que o que atacam é a sua imagem de catolicismo. Na sociedade actual é moda a afirmação de uma dogmática orgulhosa “superior” baseada num relativismo que se afirma contra todas as doutrinas ou instituições que tenham um ponto de vista próprio. (Reservam para si o direito de opinião própria que negam à instituição!)

No cristianismo, seja ele católico ou protestante a última instância da moral é a consciência individual. Só a pessoa é soberana independentemente do que uma instituição pense, recomende ou regule. Esta atitude garante perenidade ao cristianismo, porque nela se manifesta a consciência cristã de que tudo o que não é pela pessoa humana está condenado a desaparecer, além da douta sentença de que quem anda com Deus nunca se encontra sozinho. Esta liberdade e soberania da pessoa não a ilibam de responsabilidade em relação à comunidade nem da comunidade em relação a ela.

O problema de todas as instituições grupos ou agrupamentos é deixar-se levar pela enxurrada da rotina do dia-a-dia, que geralmente serve o poder e o domínio do mais oportuno e violento, fixando-se em medidas mais pedagógicas e didácticas, deixando na sombra a profundidade da própria doutrina e filosofia que é mais abrangente mas que, também, numa sociedade massificada e de massas, geralmente, não é contemplada. A ética católica não se deixa reduzir a uma expressão ou contexto histórico nem tão-pouco ao espírito do tempo; ela é de cunho pessoal tendo em conta também a comunidade como lugar da realização da individualidade.

Por isso a ética de cunho cristão é processual orgânica e dinâmica não se podendo reduzir a uma formulação intelectual nem a um discurso do sim-não; ela é viva e a sua expressão é resumida no JC, o protótipo do Homem como passado, presente e futuro; com ele caminha toda a criação e todo o discurso no sentido do Alfa para o Omega.

A maior dificuldade vem do facto das diferentes posições e opiniões se expressarem de forma provocadora e violenta.

Incoerência no proselitismo e na provocação

Os contraentes das opiniões não são simples ao lidar uns com os outros fazendo uso, por vezes, do proselitismo e da provocação na arena pública ou publicada. Em vez de aproximação ou de argumentação recorre-se à repulsa do outro (para cada um o diferente é o outro) e à opinião formatada sem espaço para a argumentação. Não é saudável a atmosfera em que se vive dado minorias em sociedade tentarem humilhar a sociedade que lhes deu o ser e se comportarem como senhores da melhor verdade e como tendo o rei na barriga. Mas também a sociedade maioritária deveria reagir à provocações com maior serenidade como reagem os pais perante o filho adolescente que se revolta para se encontrar e definir a si mesmo.

O cúmulo da ingenuidade seria querer impor a própria forma de vida através da provocação e da violência. A parte mais fraca quando tenta impor a sua forma de vida através da provocação e da violência deveria ser consequente e pensar que se a razão se impõe pela violência então a razão estará do lado de quem tem mais força, legitimando deste modo a ditadura das maiorias.

Cada comunidade de interesses deveria naturalmente procurar ser reconhecida num convívio das comunidades cujo fim é, na complementaridade, o alcance da felicidade; nem o trunfo da força nem o do moralismo relativista são meios adequados como argumento. Uma sociedade relativista, da moral do politicamente correcto, tem-se afirmado à custa de uma estratégia de confusão dos argumentos e deste modo tem reduzido a capacidade crítica das massas. A decadência vive da ambivalência e do deita abaixo, por isso são consequentes na sua luta contra o monoteísmo e o organigrama estrutural de formas de vida tradicional. É chegada a hora em que não se deve tratar de combater um totalitarismo da exactidão abstracta com um totalitarismo dos relativismos ou vice-versa mas de personificar o dia integrando o passado e o presente num futuro que embora manque à esquerda e à direita não se torne torto.

Vivemos tropeçando em nós e no tempo

 Vivemos num tempo narcisista que procura adquirir trunfos e viver da confusão e, como tal, grandes grupos da sociedade já não distinguem entre o público e o privado, entre o caótico e o ordenado, nem sequer o que é fundamental e o que é secundário: cada um quer fazer da sociedade o seu espelho e formatar a sociedade e as instituições à medida da sua opinião. Para isso exigem uma sociedade tão aberta que identifique a linha da sua demarcação com a fronteira do indivíduo.

O princípio da discriminação é inerente à capacidade do discernimento; o problema surge quando se fixa numa só anuência contra uma realidade que é processual e flui. Ao afirmarmos indiscriminadamente que uma geração é mais madura que a outra, que este ou aquele é que tem a culpa, já decidimos pela forma de discriminação negativa ou positiva, colocando-nos assim no tapete dos discriminadores (caso um momento processual do conceito se fixe em “preconceito” provocando uma sentença irreversível). O problema do jogo do empurra e a questionação da culpabilidade já foi mestralmente resolvido na resposta dada por Jesus aos espertos da sociedade que queriam ver uma mulher condenada por ter sido apanhada em falta flagrante contra a opinião dos doutores do saber e da lei: “Aquele que de entre vós está sem culpa seja o primeiro que atire a pedra contra ela” (Jo, 8, /), escreve no pó da realidade, o mestre.

O respeito pela vida leva a proteger as crianças da pedofilia e os não nascidos da morte prematura por aborto. É uma questão de atitude e de filosofia: o respeito e a admiração pela vida que compreende os excessos sem os aprovar. A ética não pode ser reduzida a valores limitados ao pragmatismo utilitário nem apenas à circunstância. Para lá de valores éticos de caracter racionalista e mecanicista há uma ética de responsabilidade criativa e orgânica. Não se trata aqui de estar de acordo ou em desacordo mas de nos encontrarmos todos no meio da vida com as suas inclinações e opções.

As inclinações e predisposições podem ser mórbidas (Freud) mas estas não devem ser aquelas que servem de orientação para a sociedade ou em nome da banheira da tolerância legitimar um relativismo superficial que igualiza todos os valores e deste modo não leve nenhum a sério, como se fosse possível em nome do intelecto negar o corpo e a massa cerebral ou como se se tivesse a impressão de ser tão intelectual ou espiritual e tão perfeito que pudesse afirmar-se sem o corpo, numa dimensão sem espaço nem tempo.

As pessoas confundem muitas vezes uma orientação sexual ou pessoal com uma opção. A opção é de caracter intelectual, de caracter mecanicista e artificial, geralmente estranha à vida que é orgânica. Uma sociedade demasiadamente demarcada pelo conceito de liberdade, que fomenta o individualismo absoluto, incorre na tentação de reduzir tudo a uma mera decisão de escolha como se a realidade fosse feita de sim ou não, ou de um momento só (visão momentânea) e não tivesse um caracter orgânico processual. A vida privada tem naturalmente uma outra abertura que não é possível viver totalmente no enquadramento social. Não é fácil manter a equilíbrio para se na ser vítima de uma ditadura da maioria nem da ditadura de minorias.

Tentativa de solução

É necessário um estado contínuo de presença, reflexão e análise das próprias ideias e opiniões, dado cada pessoa, cada geração, cada grupo precisar de um contexto ideário e de uma definição para poder dar expressão à própria existência e motivação (manifesta-se aqui a interferência ideal e orgânica da relação de identidade pessoal e da identidade comunitária ou social em que uma deve servir a outra). Geralmente o que se considera como normalidade não passa de uma visão rotineira e de aceitação do domínio do dia-a-dia e da vista curta e generalizadora de algo que é mais profundo e abrangente. O problema vem da implicação da relação entre indivíduo e grupo e da identificação da própria definição com a definição do grupo; muita agressividade vem dessa confusão que se expressa tanto no orgulho gay como no orgulho nacional. Entre o homo e o hétero está a objectividade da pluralidade e heterogeneidade da natureza. Na natureza porém coexiste pacificamente a regra e a excepção. O carvalho não se sente superior ao arbusto pelo facto de ter mais luz nem a faia se sente superior à floresta pelo facto de se sentir mais individuada em relação a ela.

O proselitismo e o exibicionismo, em voga, contra os valores da família, da nação e de Deus, embora não abdicando de se definir e identificar, rebela-se contra qualquer definição e identificação de forças de uma sociedade que consideram burguesa e querem ver destruídas. O problema das forças centrífugas de uma sociedade torna-se fatal quando estas, em vez de quererem corrigir exageros de uma moral, cultura ou religião demasiado centrípetas, optam pela sua destruição. Então a maioria sente-se provocada e reage também ela de maneira inadequada em vez de reconhecer que nela são necessárias tanto as forças centrípetas como as centrífugas. As energias centrífugas (progressistas) têm exagerado contra as forças centrípetas do passado. Por isso as energias centrípetas (conservadoras) reagem e se revelam de momento um pouco mais fortes. Sofre de contradição e de lógica quem quer, em nome do biótopo ideológico, destruir a ecologia cultural. O meio ambiente (população cultural) precisa da coexistência de diferentes biótopos humanos. Que seria da frase sem a palavra e que seria da frase sem o texto? Em nome da igualdade da palavra, da frase e do texto não podemos acabar com estes para reconhecermos só valor da letra!

As forças de resolução no caos são contra as forças ordenadoras na criação. Daí a necessidade de afirmadores e negadores se consciencializarem das forças que representam e que redemoinham no lago da própria existência e na realidade maior que é a Terra. Daí o problema de as forças primeiramente mencionadas se expressarem no budismo e no niilismo em voga e as forças ordenadoras se expressarem mais no cristianismo. A decadência é de inspiração relativista e como tal tenta conduzir uma cultura fértil ao Tohu-va-bohu (Jer 4,23) confundindo a realidade com a própria guerra, a verdade com o horizonte da sua vista (estado da confusão sem esperança em estado após uma guerra!). A tendência actual extremista que se expressa no islão na defesa do grupo contra o indivíduo nota-se o contrário no ocidente na luta do indivíduo por se definir contra o grupo; deste modo cai-se no vazio espiritual, como forma de liderança, na esperança de que a liberdade se identifique com a largura do deserto. Que cada um, no ocidente, lute pela própria definição e afirmação é totalmente legítimo e natural, mas obrigar a colectividade a ter de igualar a regra à excepção seria abdicar do pensamento honesto de desenvolvimento ordenado! A comunidade heterossexual deve viver em paz com os grupos homossexuais e estes com a heterossexual na aceitação da naturalidade de vida sem discriminar nem negar o direito natural à diferença mas estar consciente de que a diferença só tem expressão no grande bosque que é a sociedade e a cultura.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

“Meditações Irreverentes” https://antonio-justo.eu/?p=3678

A PROPÓSITO DA VERDADE E DAS VERDADES NA IRREALIDADE DA POLIS

A Verdade é paciente não ataca nem difama

Por António Justo

A verdade ou é revelada ou é vivida, o resto é crença nalguma forma ou numa perspectiva de vida que, para cada qual, pode ser a sua. Seria auto-engano acreditar num poder todo-poderoso da razão, por muito nobre e prático que ele possa ser.

Todo o saber, seja ele político ou científico é apenas uma forma de discurso. A doutrina é limitada ao intelecto e a Verdade não se deixa reduzir a ele nem à experiência que se tenha dela. Consequentemente a atitude intelectual e prática mais adequada que possamos ter em relação à verdade será de humildade e de respeito e em relação às verdades e opiniões dos outros a melhor postura será de tolerância.

 O intelecto e a experiência são os instrumentos de acesso à verdade/realidade não podendo o instrumento nunca ser identificado com ela. A existência humana tem os seus quês e precisa de crenças e mitos tal como a planta precisa da luz, do calor e da atmosfera que lhe possibilita a sua forma de vida.

A planta não se questiona sobre a existência do Sol, porque o que ela precisa é de luz e de calor; pretender que ela reconheça para lá da luz e do calor também o Sol ultrapassaria as suas necessidades naturais primárias! Deus está para lá da experiência objectiva e ultrapassa a experiência que se possa ter dele, contudo aquilo que nos torna Homem é a referência (relação com) a Ele. Negá-lo seria meter-se num beco sem saída. De facto o beco também tem a sua serventia e quem quiser ir mais além volta para trás, talvez mais enriquecido com a experiência dele.

 Na polis a verdade encontra-se encarcerada na ciência, no partido, na opinião, na lógica, nas promessas e até na devoção. Acontece à verdade o mesmo que sucede à ideia livre ao ser metida na linguagem. A verdade absoluta sem ser categórica só pode ser Deus, aquele “lugar vivo” onde cada ser pode ser ele sem se justificar e assentar os pés para poder caminhar ao sol da vida, e saborear também a sombra da Verdade na opinião. Nesse lugar não precisa de se subordinar sequer a grupos de influência que ditam leis para outros cumprir.

Que seria da diversidade dos biótopos e das plantas se não houvesse para cada qual o seu raio de verdade! Que seria da cultura e da individuação se não houvesse a verdade do procurar a forma numa maneira própria de estar a caminho de Ser.

Verdade? Tenho a impressão que a Verdade é como o Sol: à medida que nos aproximamos dela mais queimamos as asas do nosso ego; se nos for dado, então sentiremos a dor do abismo entre as alturas do intelecto e a profundeza do coração. No descampado da polis tudo luta por ela, mas antes de chegarmos lá, a cada um a sua, desde que não a use como cacete! Verdadeiro é certamente o caminho no desejo dela! Sim, porque verdade é a liberdade a voar nas alturas do céu mas agradecida e consciente de que o que lhe possibilita a satisfação da vivência das alturas vem da profundidade do coração.

No contexto político, também a veracidade é dinâmica e como tal improvável porque depende do que se torna confiável e o fiável depende também da capacidade de ver, estar e ser; mesmo em relação ao dado factual surge o problema da interpretação que leva ao engano. Cada lógia (cada maneira de olhar) é apenas uma perspectiva necessária mas limitada da verdade/realidade, uma passada na grande caminhada sob os holofotes da Razão e do Coração.

Também penso que a questão está nos olhos e do olhar é que depende, em grande parte, a perspectiva e, dado a verdade (resumida em Deus) ser a-perspectiva, seria questionável querer mandar alguém para o oculista por causa dela! Sim, até porque há pessoas mais inclinadas a ver na perspectiva dos factos e outros na perspectiva do miradouro em que se albergam para observar a paisagem. A partir daí, cada qual se torna num pintor a elaborar a realidade na sua tela, ou um escritor a fazer a sua composição na intenção de a acrescentar ao grande painel da Realidade…

Muitos de nós encontramo-nos, por vezes, perdidos na própria imagem ou absorvidos na composição de imagens sem atendermos às linhas de fuga que dariam maior perspectiva ao panorama da nossa pintura na tela da vida. Os nossos olhos e intenções interferem e delimitam a paisagem e a verdade, não notando por vezes que ao dar-lhes forma as plastificam, confundindo o detalhe com elas, identificando a forma com o conteúdo que não cabe nela.

Se uns têm um olhar mais curvilíneo (emocional subjectivo), outros têm-no mais rectilíneo (racional objectivante) e aí surge o busílis de querer reduzir a realidade à própria linha (não contando ainda com o problema das cores!). Por um lado temos o problema dos instrumentos (razão e experiência) utilizados para definirmos a realidade na finitude e por outro temos o problema de pretendermos com uma visão finita querer identifica-la com o infinito. Querer possuir a verdade é como querer resolver o problema da quadratura do círculo, é como querer meter a transcendência (o círculo) na forma (quadrado) apenas com o instrumento da razão. (1)

A Verdade é inteira mas para ser apreendida pela condição humana, tem de ser repartida em partes (o infinito dividido em partes finitas é transformado em finito através da razão que depois abstrai da parte para o infinito). O escalpelo da razão como instrumento de explicação da realidade/verdade tem um pequeno senão ao arrogar-se poder resolver o problema da quadratura do círculo querendo identificar o quadrado com o círculo, o que é ilegítimo. Querer resolver assim o problema da quadratura do círculo é como recorrer à decomposição de um ser vivo em partes e depois concluir que a soma das partes é o tal ser vivo, não notando que o acto de apresentar a soma das partes, deixa de fora a vida.

Na impossibilidade de possuirmos a Verdade seria lógico juntarmo-nos todos com esquinas e arestas num círculo abraço para darmos mais espaço à forma onde caberá mais verdade.

A perspectiva polar exclusivista do verdadeiro e do falso, da direita e da esquerda, do espírito e da matéria reduz a realidade complexa, a um ponto de vista bidimensional, fazendo dele um caminho para andar mas que peca por não contemplar a verdade da vida. Não notamos ainda que andamos todos a tentar fazer da vida uma linha direita alérgica à vida porque a natureza é toda ela curvilínea

Seria pena querer-se reduzir a realidade multidimensional a uma superfície material bidimensional, ou a uma só perspectiva na linha vertical (mais identitária), na linha horizontal (mais social), ou na linha diagonal (menos monótona). Cada um tem o seu plano de imagem com mais ou menos perspectiva com mais ou menos profundidade… O decisivo é saber-se na convergência e na consciência de que a verdade não se tem, só se vive e experimenta, mas cientes também de que sem contraste não há profundidade. O apelo de Deus, o apelo da Verdade, é tentar descobrir sempre novas maneiras de enxergar o mundo e deste modo contribuir para a sua contínua criação, para a realidade que se encobre no mistério da sua poesia! A verdade é como o amor (2) embora manifesta em cada um ela é inteira.

Para mim a Verdade é Jesus Cristo porque nele se realiza e resume de forma inclusiva a matéria e o espírito. “No princípio era a palavra, a in-formação”, constatava já o evangelista João. “E o Verbo tornou-se carne” sem se deixar reduzir à incarnação!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

Meditações Irreverentes  in Pegadas do Espírito https://antonio-justo.eu/?p=3667

  • (1) A razão por mais que se esforce nunca poderá meter o infinito no finito, nem o todo na parte (o que demonstra que até a geometria não sobrevive sem o princípio infinito (Deus). Na minha opinião a teologia conseguiu a resolução desse problema através da fórmula trinitária; para tal não chega a razão, necessita-se também da espiritualidade e do coração; esta possibilita a integração da parte no todo e do todo na parte – serve-se porém do mistério de JC.
  • (2) “O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” 1 Coríntios 13:4-7.