OS RISCOS DO CRENTE AD HOC COM UMA IDENTIDADE INTERNET

A Caminho de um Estado Polícia e de uma Sociedade de Monopólios?

Por António Justo

Portugal pioneiro na Aplicação digital

Os dados biométricos dos bilhetes de identidade, encontram-se especialmente desprotegidos em Portugal por reunirem no Cartão do Cidadão o número de identificação civil, os dados de acesso à conta de saúde e os dados da Repartição de Finanças. Estes dados podem ainda ser complementados pela ligação da conta bancária às finanças, reunindo assim os pressupostos para a realização de um Estado Polícia.

O indivíduo ao ver o Bilhete de Identidade substituído pelo Cartão do Cidadão, com a possibilidade de interconexão dos dados, passa a ter uma outra plataforma de identidade de caracter meramente funcional. Portugal encontra-se a nível técnico na vanguarda da Europa dando a impressão de ser a cobaia para posteriores aplicações nos outros países da União Europeia que recolhem dados mas de maneira mais discreta devido à discussão crítica e pública do cidadão.

A Microfísica do Poder

O tecto metafísico que tem regulado as normas de comportamento da sociedade ocidental revela-se demasiado exigente para uma sociedade de vida ad hoc. À regulamentação religiosa segue-se a regulamentação política que tenta, em nome de valores convencionados, criar um tecto legislativo e uma rede digital que proteja a sociedade dos abusos da liberdade individual. À medida que o autocontrolo ético e moral de caracter espiritual se esvai, aumenta o controlo externo do foro penal estatal. A desresponsabilização e a despersonalização em via levam o indivíduo a prescindir de elementos de identificação baseados em deidades e em espiritualidades para centrar a sua acção numa ética da concorrência de luta livre pela vida. Passa-se do homo faber que vivia do trabalho com o suor do seu rosto para o homo economicus liberto da culpa mas subjugado à dívida. Nesta sociedade de transição, o homo economicus prescindirá, ocasionalmente, de muitos dos elementos de identidade porque o âmago da sua alma se encontra identificado no Chip (microplaqueta) do Cartão Multibanco.

No Cartão do cidadão e na conta Google encontra-se já simbolizada a “microfísica do poder”.

A Multipersonalidade de Pessoa e as Identidades digitais

Quem viajava nos mundos de Fernando Pessoa encontrava-se já no âmago da era da transição hoje em via. O magnífico poeta futurista Fernando Pessoa procede ao desdobramento do “eu” fazendo-o corresponder a diferentes identidades. Ele confirma: “Multipliquei-me para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo,… E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente…”

Fernando Pessoa, um vate para iniciados, é a expressão da fé moderna que exercita cedo o alargamento da sua Identidade nos Heterónimos e que hoje se constata no originar-se de identidades digitais. A internet torna-se como na continuação da sua literatura.

A transmissão e circulação de dados possibilitam também, a nível individual (User) a criação de “identidades digitais”. O User (utilizador) na qualidade de receptor e emissor, tal como acontece em literatura, pode proceder ao alargamento da sua imagem. O mesmo indivíduo cria diferentes papéis e personagens à imagem de Fernando Pessoa com os seus heterónimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos) que apontam para a pós-modernidade. A Rede (Net) pressupõe a possibilidade de criar novos perfis ou de modificar uma sua imagem já existente.

Os instrumentos digitais facilitam a melhor acomodação ao ambiente e possibilitam uma formação mais abrangente com aprendizagens mais rápidas e a formação de um pensar mais diversificado. Tudo isto tem as suas consequências na formação de uma nova identidade. Esta mover-se-á mais entre virtualidade e realidade entre aldeia e mundo, criando a ilusão da identificação de indivíduo-casa-aldeia-mundo com um outro estilo de vida e uma nova convivência. Da aldeia o usuário, através da janela do seu computador, tem a sensação não só de ter o mundo em casa como também a intuição de ser mundo. A sua individualidade acompanha as linhas do seu horizonte que se desloca no sentido global.

A autopromoção digital através da rede acontece num surfar (“Surfing”) que faz lembrar um discurso literário com diferentes metáforas e jogos que dão asas à fantasia e criam a ilusão de descorporização e da ampliação dos próprios contornos na construção de uma nova identidade que se encontra em processo entre o virtual e o real. À deslocação do foco do Horizonte segue-se a deslocação (“glocalização”) das próprias periferias, criando-se novos espaços virtuais, numa imitação da realidade a que se segue a criação de uma nova realidade.

Investigações no campo dos jogos virtuais e de outras potencialidades da Internet chegam à conclusão que o utilizador (User) cria em si uma certa anonimidade através da ausência do corpo, de apelidos (Nicknames), de confraternizações no jogo, da possibilidade de mudar de género e da comunicação com todo o mundo. Isto cria nele uma vivência especial e a formação de um novo desenho da própria ipseidade. A nova personalidade torna-se dependente do real e do virtual e a percepção do real e do virtual passa a resultar da dependência da interação da noção de virtualidade e de realidade.

A obcecação pela tecnologia e pela digitalização

A obsessão pela tecnologia e pela digitalização de tudo torna fatal o optimismo do progresso pelo facto de querer realizar tudo o que seja possível, como se vê na doutrina do centro do poder do séc. XXI em acção a partir do Silicon Valley. A experiência milenária mostra que à concentração do poder se segue o abuso de poder. O objectivo de se querer um mundo melhor não justifica o uso de todos os meios e, para mais, quando os seus líderes não aceitam correctivos e não se importam com as infraestruturas da sociedade e da pessoa. Precisa-se da fomentação de um sistema em que as pessoas participem, de maneira a resolverem os verdadeiros problemas da natureza (ecologia) e da humanidade (paz, amor e justiça).

De facto o que se encontra no centro dos interesses é o dinheiro e o poder; a mudança da sociedade e do mundo acontece como aspecto colateral ou por acréscimo. Assim, o progresso não pode tornar-se num regresso à imaturidade. Aqui põe-se a questão de quem fomenta e quem controla.

Vivemos num período de transição em que também a controvérsia se torna produtiva. Dave Eggers resume no seu livro “The Circle” os aspectos negativos da sociedade virtual preocupada em se encaixar no sistema e para melhor realizar o seu papel perde de vista o que realmente está a acontecer em todos os sectores da sociedade. As fábricas do pensamento criam realidades de facto como as do Vale do Silício (Google,etc.) e só passados tempos se reflecte sobre a situação criada e eventuais problemas a ela ligados. Como comentadores encontramo-nos numa luta perene atrás da desgraça e do medo mas com a satisfação de o fazer para que não haja tantas vítimas do silêncio. Conscientes de que o centro dos interesses é o dinheiro e o poder, importa com o nosso contributo não contribuir para o ruído seja ele em termos de crítica ou de aplauso, de que tão bem tem vivido o mundo do poder e do dinheiro rindo-se da caravana barulhenta que passa enquanto eles ficam.

O romance “The Circle” de Dave Eggers, adverte para a visão de uma sociedade-Internet; nela a virtualização global e a transparência exigidas por organizações globais contradiz a liberdade e a dignidade do cidadão. A IT (Vale do Silício), segundo a visão pessimista do romance, quer dotar cada um e toda a população com uma única identidade: a identidade de transparência Internet que facilita o controlo global. O “Círculo” é uma superpotência Internet, maior e mais radical que todas as empresas até agora existentes. O círculo, como coleccionador de dados pessoais, servindo-se da transparência e da rede sabe mais sobre um indivíduo que ele mesmo.

O busílis da questão, na procura de uma solução que dê continuidade ao progresso e ao mesmo tempo se preserve a dignidade da pessoa, situa-se no facto da cedência dos próprios dados proporcionar benefícios aos que os cedem mesmo com o risco de se abusar deles. O marketing digital usa e abusa das técnicas psicológicas de Pavlov que constam de incentivos e recompensas: se quero ter acesso a uma página de internet, o irmãozão Google só me permite tal gosto se deixar lá os meus dados pessoais. Prémio e castigo constituem os fatores do triunfo do marketing digital.

É porém consolador saber que o futuro continua a depender de cada pessoa e que esta não pode ser reduzida à consciência que tem do tempo.

O preço que todos estamos a pagar por tantas facilidades é a liberdade do indivíduo, o direito à comunidade e a opção de não ter de fazer o que outros querem. A alta tecnologia do Vale do Silício determina o futuro sem que a política se pronuncie sobre ela e o cidadão pensa que pensa ao falar dos defeitos e das virtudes dela, quando com isso, se não interfere, segue é os interesses dela.

Consequentemente haverá que dar mais valor ao entendimento de que a privacidade é um direito humano inalienável.
Sigo a reflexão no próximo artigo “NA FÁBRICA DAS DÍVIDAS E DA CULTURA CORPORATIVA”
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

CULTURA DA MUDANÇA ENTRE SONHO E LIBERDADE

A alta tecnologia promete sonho mas consome liberdade – Tudo e todos têm de mudar

Por António Justo
Encontramo-nos num processo de desenvolvimento em que o pensar linear será substituído pelo global e em que consequentemente as visões da realidade a-perspectiva substituirão paulatinamente as actuais visões e equacionamentos lineares da realidade. Passaremos do tenho razão para o temos razão, atendendo à consciencialização da complementaridade dos diferentes biótopos da natureza, da complementaridade dos diferentes biótopos culturais e da complementaridade dos diferentes sistemas de pensamento e à fragilidade da formação da opinião regulada por monopólios globais. A estratégia que se encontra por trás desta mundivisão aproxima também a linguagem e metáforas de mitos e religiões às expressões e concepções científicas.

Iphone, automóveis com propulsão própria, drones usados no comércio como serviço de entrega, robôs inteligentes, etc. parecem substituir cada vez mais o Homem reduzindo-o ao papel de espectador. A alta tecnologia promete o sonho à custa da liberdade. O exercício do pensamento passa para os computadores e a força revolucionária parece ter passado para a técnica e o trabalho manual é cada vez mais substituído pela produção mecânica. Tudo isto está a provocar uma mudança radical das nossas impostações éticas, da nossa maneira de pensar e agir. É o que se observa e sente hoje que nos encontramos em pleno epicentro da revolução Vale do Cilício: uma revolução que quer tornar possível a felicidade individual realizada através dos padrões de grandes monopólios anónimos à margem de democracias, das culturas e das religiões. Aristóteles diria hoje em termos portugueses: ”nem tanto ao mar nem tanto à terra”.

Aos industriais e aos barões do petróleo sucederam-se os Bancos e os Gestores de fundos Hedge. Actualmente encontra-se em via de realização a era da revolução digital – com os génios dos computadores e das altas tecnologias.

Antes os líderes contentavam-se com o poder da riqueza depois passou-se ao poder do dinheiro. Hoje os líderes do mundo (protótipo Silicon Valley na Califórnia) querem mais; aspiram a determinar não só o que consumimos mas também a maneira como consumismos e como vivemos juntando na mesma mão (ou organização) o ideário, a economia, a ideologia e a produção numa Agenda bem definida. A nova ideologia-praxia é tentadora porque sabe empregar também a linguagem e as metáforas das religiões e das literaturas.

Religiões e outras instituições abertas aos sinais dos tempos terão de estar atentas às suas estratégias! Delas poderão aprender muito em termos de resposta ao globalismo.

No princípio era a fé em Deus, depois veio a fé no dinheiro e agora experimenta-se a fé na mensagem da Alta Tecnologia como doutrina de salvação, que transfere a esperança para a perspectiva das possibilidades infinitas da tecnologia! (Já há pessoas que se deixam congelar para serem descongeladas na altura em que a técnica tenha descoberto soluções para a morte – uma ilusão que desconhece a realidade do ser criado ou da matéria mas que como utopia dá resposta, à sua maneira, a necessidades do ser humano). Para os apóstolos da nova mensagem, os estados, as religiões, as filosofias tornam-se em empecilhos de progresso. Fixados na sua filosofia que de forma eclética se serve da ciência e da religião como expressão da necessidade humana, elaboram um sistema de ortodoxo-praxia orientada pelo desejo criativo que se realiza na inovação. Reduz-se o ser a uma determinada forma de estar na vida. A ideologia substitui cada vez mais as soluções práticas passando muitos projectos a ser efectuados segundo os óculos da ideologia e do momento.

No princípio era a fé em Deus que se encontrava no âmago do Homem. Hoje é a fé na tecnologia que já não se encontra dentro do homem, dependendo só dele e ao não fazer parte do seu centro corre perigo de o alienar totalmente.

A filosofia da alta tecnologia (economia digital) incorpora nela também Marx e Engels definindo o alienante como aquilo que nos tira do tempo, do concreto; assim se reduz a pessoa à materialidade que se esgota na actividade produtiva que se torna, ao mesmo tempo, fonte da consciência; por outro lado considera a religião, Deus e o dinheiro como factores alienantes que nos desviam da realidade material. A nova fé encontra no Yoga e em exercícios semelhantes uma maneira de estar prática e de subjugar instâncias metafísicas.

A nova alienação prende a consciência humana à sua mera actividade. O produto é a luz da vela que resulta da energia do trabalho e o indivíduo esvai-se nela. A ideologia moderna, que a todos parece iluminar, aliena-nos com produtos conseguidos à custa da desumanização das pessoas reduzidas a mercadoria numa “metafísica” bruta construída, como no caso da vela, a partir da relação produto-consumidor. Aqui dá-se a identificação do indivíduo com o seu destino; tudo é reduzido a indivíduo saído da materialidade para se consumir na materialidade. A promessa do desenvolvimento infinito alimenta a nova alienação do indivíduo que ao ser reduzido a produto passa a ser consumido na ilusão do que consome. A relação entre produtor-produto e consumidor passa a ser a utilização, o imediato. A teoria da alienação em Marx, na sua consequência lógica reduz o Homem a mera biologia animal irracional. De facto, o pensamento, na sua qualidade de abstracto, seria na sua essência uma alienação. Para ser consequente o pensamento marxista e da aliança capitalismo-marxismo teriam então de declarar o fim do pensamento.
Continua no próximo artigo sob o título “O VALE DO SILÍCIO (Silicon Valley) E A ESCOLA DE SAGRES – MITOS DA SUSTENTABILIDADE”
António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo www.antónio-justo.eu

IDEOLOGIA DO GÉNERO OU GENDER – CREDO ESTRATÉGIA E PROGRAMA

Marxismo cultural em Acção – Destruir Pessoas para criar  Indivíduos

Por António Justo
No princípio dominava a natureza; as suas leis eram comuns ao ser humano nos seus primeiros passos do processo de humanização e de socialização; em seguida surgiram os grupos organizados (tribos, povos e nações) que elaboraram uma cultura feita de costumes leis e normas em diálogo aberto com a natureza; a cultura num acto de sublimação da natureza cria a lei/orientação moral à imagem das leis que governam a natureza (tentativa de superar o mero instinto para possibilitar a criação de paisagens culturais: diferentes tribos, nações, etc.). Natureza e cultura reconhecem-se mutuamente numa orientação analógica crescente do simples para o complexo, do elemento para o órgão e deste para o corpo natural e social. No momento histórico de que somos também protagonistas assistimos à inversão das leis do crescimento natural e espiritual; observa-se a tentativa de se estabelecer uma nova matriz social que comporta um retrocesso no sentido do órgão para o elemento (e tudo sob o pretexto da igualdade e de se criarem supraestruturas de caracter global: quer-se um corpo sem órgãos, uma cabeça sem membros, quer-se uma mudança paradigmática na cultura. Nesta já não se observa a organização, definição e crescimento do simples para o complexo mas a destruição da ordem orgânica natural e cultural no sentido da desintegração caótica em nome de uma moral matemática desenraizada ao serviço das leis do mercado em que o lucro é moral e o dinheiro felicidade. Nega-se a tradição como elemento da identidade para se viver do negócio do momento presente.

Há leis biológicas, leis naturais e leis culturais; há duas formas de se chegar ao saber: o saber indutivo adquirido pela experiência (leis biológicas da natureza) e o dedutivo adquirido a partir da ideia; os dois saberes encontram-se numa relação de feminilidade e masculinidade; um sem o outro é irreal e infecundo; a grande mentira da ideologia do género, parte do princípio de que o que se pensa é a realidade, dando-se ao luxo de afirmar o saber teórico (ideologia) contra o saber experimental (biologia). Em nome de uma revolução cultural colocam a intenção de educar o povo acima de qualquer princípio ou dado real.

UE tornou-se no Sistema de Controlo de Valores e Normas dos Países europeus

O que se pretende para a economia já se encontra implementado no controlo da cultura! No dia 9 de junho de 2015, longe da população, o Parlamento Europeu aprovou a sua resolução controversa “Estratégia da UE para a igualdade entre homens e mulheres a partir de 2015”. Esta contém orientações a aplicar pelos parlamentos nacionais. Em nome de uma justiça necessária no trato entre homem e mulher, procura-se desintegrar a feminilidade e a masculinidade comuns à mulher e ao homem para as colocar em luta reivindicativa como se partes complementares fossem opostos. Tudo isto ao serviço não do homem nem da mulher mas do igualitarismo comunista. O Parlamento “solicita à Comissão para assegurar que os Estados-Membros permitam o pleno reconhecimento do género preferido de uma pessoa perante a lei”. Em texto claro: o que vale não é o sexo que se tem biológico (homem ou mulher) mas o que se pensa dele. Partem do pressuposto que o gênero não é definido com base na genética e nos cromossomos, mas que é apenas uma construção social devida à educação e, como tal a ser repelida, no sentido de um indivíduo que deve ser desenroupado do que constitui a sua “persona” (personalidade) e daquilo que os pais lhe transmitiram.

Há papéis da mulher e do homem que são aquisições ou expressões culturais mas o papel de pai e mãe é de ordem natural da criação tal como o ser homem ou mulher. O ser humano não pode ser visto apenas como um produto cultural; da sua essência faz também parte a natureza, o seu caracter sexuado.

Negam os elementos constitutivos de identidade cultural (do género) adquiridos, para poderem legitimar a manipulação em via na confecção de um novo ser humano sob novos parâmetros, e reduzir o elemento cultural à praxis dos animais (animalogia) no sentido de uma revolução da sociologia. Para isso negam o conceito da pessoa humana (identidade relacional realizada no e dentro do relacionamento) para a reduzir a mero indivíduo, a um abstracto totalmente independente de qualquer vínculo ou relação (um ser tabula rasa), como quer e legisla a esquerda (maioria) no Parlamento Europeu. Tudo isto se dá no sentido de gerar um ser sem identidade e como tal facilmente manobrável por quem detém o poder (que se quer também oculto e anónimo). Aqui junta-se a ideologia capitalista que quer um ser apenas indivíduo – cliente do seu mercado – ao marxismo cultural socialista que pretende uma sociedade de pessoas reduzidas a indivíduos iguais – proletários servidores da nomenclatura.

A Ideologia do género nega diferenças características do homem e da mulher negando assim a sociedade, a natureza e a ordem divina da Criação. Antes da queda começa a decadência!

A porta-voz (Beatrix von Storch) do Grupo Europeu ECR considera que “a UE é um enorme sistema de controlo de valores e normas”. Para isso seve-se de orientações para toda a UE em matéria de educação sexual nas escolas, de direitos de adoção para transsexuais, abolição de eleições livres por quotas nos parlamentos, de medidas em favor do aborto e em desfavor da maternidade; esta é, por vezes, tida como impedimento de emancipação e de igualdade para a mulher. O olimpo da Europa e do mundo quer transformar os países em casas onde eles mandam. O referido documento de estratégia serve-se da igualdade para impor ideologia. Nessa igualdade tornam-se anacrónicas toiletes separadas, clubes de futebol só de homens ou de mulheres.

A advogada eliminação das injustiças laborais ou sociais que ainda existem entre homem e mulher dá-se de maneira selectiva e masculina sem comtemplar a masculinidade e feminilidade ou papéis característicos de um género.

Servem-se da ideia da igualdade entre homens e mulheres, da libertação do sexo, da luta contra os indicadores de gênero (masculino / feminino) para concretizar uma ideologia de base marxista e ateia e tudo isto legitimado pela premissa dos direitos da pessoa.

A estratégia de afirmação ideológica é implementada através de agendas políticas, a nível legislativo, universitário e político com objectivo de indoutrinação ao serviço da revolução cultural em via. Dissociar a pessoa humana da natureza e da herança cultural fora de qualquer complementaridade torna-se dogma do momento.

Quer-se um relativismo subjectivista de tal ordem que sujeite a lei natural à lei cultural. A ideologia do Género, ao prescindir dos dados biológicos para fomentação da nova ordem teria como consequência lógica matematizar até os nomes das pessoas e terras. De facto, também neles se expressam vestígios culturais mais ou menos sexuados: assim uma consequência da ideologia do género seria substituir o meu nome demasiado testemunha de socialização e aculturação (António da Cunha Duarte Justo – com vestígios de domínio e de sujeição) num nome livre e emancipado que se expressaria no nome “Um de Dois Três e Quatro”.

Meteram mãos à construção de uma nova sociedade e de uma nova identidade individual sem especificidades e sem referência como se o género não tivesse nada a ver com a diferenciação sexual nem com a biologia reduzível a uma opção individual que torna arbitrária a definição de homem ou mulher tal como a união homossexual ou heterossexual. Chega-lhes a ideia cópia de que a necessidade cria o órgão. O que não recai sob o metro da igualdade é considerado discriminação. Para a ideologia do género tudo se reduz a uma questão de escolha: sobrevaloriza a opinião e a intenção à margem do factor natural. A ideologia do género dá grande relevo à opção homossexual por testemunhar a afirmação dos iguais contra a afirmação do diferente que a natureza pretende mas deve ser contrariada pela estratégia radical do género. As forças da masculinidade e da feminilidade inerentes a toda a natureza, à sociedade e à pessoa humana mereceriam uma outra impostação.

Mudança da matriz linguística sobretudo ao serviço da Mentira

A ideologia do género, a ponta avançada do marxismo cultural, pretende uma mudança de matriz antropológica e criar uma nova consciência social através da manipulação da matriz linguística à imagem da manipulação genética. Através da manipulação da linguagem consegue-se manipular a consciência individual e social. Tudo isto acontece sob o pretexto de libertação da mulher (mais uma vez instrumentalizada) como se fosse possível desintegrar da biologia e da sociedade a masculinidade e feminilidade na qualidade de elementos distintivos e de energias complementares.

Hoje o pensar correcto assume de forma acrítica a ideologia gender na linguagem corrente (exemplo: a senhora “presidenta” em vez de a senhora presidente, como se a palavra presidente não fosse comum aos dois – S.m. e f. – (tal como a doente, o doente, etc). Na sequência da ideologia seria consequente introduzir o neologismo “presidento” também para o masculino)…

Parentalidade contra Paternidade e Maternidade

Em vez da complementaridade/subsidiariedade de sociedade e natureza de mulher e homem querem deles seres abstractos mais desencarnados e como tal mais facilmente reduzíveis à ditadura de ideologias. Manifestam-se contra as funções reais de paternidade e maternidade querendo-as ver reduzidas ao conceito tribal de parentalidade, numa tentativa de voltar ao caos original em que a individualidade se perdia numa massa anónima desorganizada.

A insistência da luta ideológica contra o sistema ético actual, contra a família, contra uma sexualidade integrada (com lugar para a regra e para a excepção), contra o fundamento bíblico do humanismo cristão, mais que uma tentativa de valorização da pessoa tenciona disponibilizar o ser humano para uma nova matriz civilizacional que terá como cúpula metafísica a economização da sociedade (mercado) e a mercantilização do ser humano (proletário ou cliente).

Projectam uma antropologia alternativa servidora de ideologias internacionalistas, globalistas e economicistas. Como consideram a mulher e o homem como produtos ou meros papéis culturais à margem da biologia, pretendem afirmar um género para lá do sexo e da natureza. Consideram como adversas às suas intenções ideológicas as matrizes culturais passadas que se conexavam à maneira de biótopos culturais numa relação entre cultura e natura. Querem o divórcio destas.

Uma ligação da ética e dos comportamentos sociais a uma metafísica do deus dinheiro e lucro com a consequente redução da pessoa (com toda a carga cultural de contextos sociais e geográficos que traz) a um mero indivíduo desprovido de enraizamento simplifica a administração e “comercialização” de produtos e indivíduos. Esta estratégia pensa melhor servir a organização de um governo mundial. Querem espíritos sem corpo e corpos sem espírito numa estratégia do divide et impera. Querem ignorar a masculinidade e a feminilidade da pessoa, os dois princípios que possibilitam a abertura e o desenvolvimento. Afirmam a igualdade contra “uma abertura recíproca à alternidade e à diferença” de caracter bíblico e natural. Arbitrariamente, toda a experiência milenária é lançada a bordo para a sociedade ser submetida a uma ideologia do género que quer subordinar a natureza a uma nova cultura aleatória.

O facto de a mulher ter sido enquadrada num patriarcalismo cultural que a tornou vítima de uma masculinidade social que a relegava à categoria de criança (exemplo, a criança como a mulher eram tratadas pelo nome e os homens pelo nome de família) deveria ocasionar uma consciencialização de reacção inclusiva e não reactiva; doutro modo reagem aplicando o parâmetro masculino de que se dizem vítimas.

A afirmação ideológica aninha-se a nível universitário legislativo e político na sequência das estratégias das instituições da EU e dos EUA e praticamente fomentadas pelas famílias políticas de esquerda.

Directrizes europeias obrigam os países membros à implementação de leis escolares reguladoras do ensino sobre a actividade sexual, a regulamentação da família, o aborto, etc.

Aquilo que a natureza, a cultura humana e a tradição cristã conseguiram tornar compatível e complementar através dos séculos é agora separado à força e em nome de uma ideologia abstracta que pretende formatizar o homem e a sociedade por princípios matemáticos, como se a pessoa fosse só intelecto e prescindisse do corpo e do espírito.

Se partíssemos da realidade natural e cultural do ser sexuado homem e mulher, em que ele e ela reúnem na mesma pessoa e de forma diferente os princípios masculinidade e feminilidade, a discussão e estratégia de se criar mais justiça individual e social entre homens e mulheres seguiria um outro caminho menos masculino e agressivo e tornar-se-ia mais pacífico (feminino) porque inclusivo. (A não ser que se parta do princípio que a luta é a única maneira de se desenvolver!). A consequência desta luta cultural fomentará os vícios dos dois polos.

Não reconhece os princípios complementares da evolução (a selecção e a colaboração) como forças complementares. Não reconhece que toda a natureza e toda a sociedade são construídas a partir da diferença numa tensão de afastamento e aproximação à imagem das ondas do mar; o movimento cria a tensão criadora que mantem “as águas” da vida vivas e possibilita o desenvolvimento de cultura/sociedade e natureza. Toda a natureza aspira pela comunhão do sol do universo e do sol do amor que se incarna em cada pessoa. A sociedade com a correspondente cultura é como a floresta na resposta à geografia e ao clima possibilitadores de biótopos diferenciados. Nem a geografia pode abdicar do clima tal como a natureza humana não pode abdicar da cultura que lhe confere identidade própria, o mesmo se diga em relação ao indivíduo e à cultura envolvente.

Concluindo

A masculinidade e a feminilidade não podem ser reduzidas a um masculino e a um feminino limitado a circunstâncias de papéis e funções de um só polo nem consequentemente a uma sociedade de matriz masculina. O domínio do homem sobre a mulher são deficiências a ultrapassar na base da sua imagem divina. Naturalmente que não há sol sem sombra nem sombra sem sol; somos limitados, resta-nos compreender e embarcar com corpo e alma para admirar e louvar o sol e a sombra no sentido de criar mais justiça e relação equilibrada.

Masculinidade e feminilidade realizam-se e desenvolvem-se nas relações interpessoais numa visão a-perspectiva que reconhecendo a realidade vital da tensão interpolar aspira a sempre novas sínteses (ao encontro dos polos que mantem em si a força do regresso a si para de si retomar nova força para se reencontrar de novo). A ideologia do género encontra-se em contradição com a natureza e com todas as culturas e religiões. Pode porém, na força da reacção contribuir para o desenvolvimento no momento em que foge do outro polo. Mas na luta em via, instigada pelo marxismo cultural, o que está em jogo não é tanto a beneficiação da mulher mas sim a instrumentalização dela para sub-repticiamente se conseguir um ser humano e uma sociedade segundo o paradigma marxista comunista.

As premissas da ideologia do género partem da neutralidade do sexo e não da complementaridade: distingue entre o sexo biológico do indivíduo (homem ou mulher) e o género ou sexo psicológico da pessoa (culturalmente adquirido), uma espécie de carapaça psicológica obtida (uma segunda criação) determinada pelo ambiente. Pretende negar a natureza humana tal como Deus a criou na sua complementaridade de homem e mulher (Gn 1,27), menosprezando a uma realidade onde a feminilidade e a masculinidade são partes constituintes da pessoa humana/natureza. Quer fazer de pessoas distintas mas complementares (homem e mulher) apenas indivíduos iguais de modo a perverter a natureza. Partem da realidade homem e mulher como constructos sociais.

Em geral, nascemos com um sexo biológico definido (homem ou mulher), não é sexualmente neutro; a sociedade acrescenta-lhe características próprias segundo o meio em que se insere. Isto porém não pode anular o sexo biológico em favor do sexo psicológico ou género. Apesar das influências sociais não haverá alternativa ao desenvolvimento da mulher e do homem como seres naturais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In “Pegadas do Tempo” www.antonio-justo.eu

O CAVALO TROIANO DE ATENAS E O CAVALO TROIANO DE BRUXELAS

Sexo e Poder a servir a Excitação – Diferença entre Gregos e Germanos

António Justo
Os gregos embrulham o poder com papel couché de sexo enquanto os germanos embrulham o poder com a sarapilheira do trabalho! Isto provoca excitação numa sociedade sem capacidade de interpretação, mas em que o escândalo é negócio.

A Alemanha e a Grécia encontram-se em luta justa mas parcial porque cada uma aposta na sua razão esquecendo que a solução viria de uma recíproca complementação.

Dinheiro, poder e sexo prometem o que não podem dar mas lisonjeiam a liberdade que, à sombra deles, perde a dignidade /virgindade.

A ambição do poder e o desejo sexual movem homens e mulheres dando-lhes uma áurea acrescentada pela prostração das massas. O poder sexy dos Varoufakis, dos Sócrates e até dos Berlusconi torna-se num elixir irresistível que move admiradoras e admiradores pelo facto de unirem o poder ao sexo e deixarem um cheirinho a dinheiro.

O poder corrompe, mas vestido de eros adquire um brilho inocente que atrai a alma e ilude o desejo de liberdade. À sombra dos poderosos, a cimentar o seu desejo de conquista, abunda também a fantasia de Cinderelas que, para subirem a escada do poder, fazem uso da sua força erótica. Ao seu desejo corresponde, por vezes, a necessidade dos poderosos solitários que, na aridez da sua ocupação, procuram, também eles, a suavidade da fêmea que lhes dá brilho e gera autoconfiança.

Sexo e poder dão brilho à tentação e movem as massas, porque garantem a contínua excitação, especialmente, se não vestidos nos fatos engravatados da tradição que dessexualizam o desejo.

O inocente sexo ajuda a vender o produto, ao mover a tentação. Na vida pública e na fachada do poder, a mistura de sexo e autoridade ainda se torna mais atractiva e deslumbrante quando a ela se junta o rastilho da esquerda. O ingrediente esquerdo torna a coisa mais atractiva porque ao sexy acrescenta a ideia da fecundidade que promete dar sustentabilidade ao progresso.

Por estas e por outras, o génio grego sente-se melindrado e o espírito protestante engravatado sente-se agravado; ao alemão frontal habituado a andar por caminhos direitos e bem rasgados custa-lhe a entender a mistura que o pacote grego encobre e porque teima tanto em andar por curvas e atalhos.

Tal disparidade de formatos leva o germano a concluir que o que o grego tem para oferecer é lábia erótica quando o germano só negoceia com produtos. Para o germano o eros não vai para a rua nem faz parte da exortação à guerra, para ele a rua é batalha e o sexo é sigilo que reforça, mas fica em casa.

Por isso a dança de gregos e germanos se torna monótona e repetitiva porque toda ela se dá em torno do cavalo troiano: uns em torno do cavalo de Atenas, outros em torno do cavalo de Bruxelas.
Todo o alarido e discórdia vêm de diferentes performances. O poder torna os instintos educados mas o sexo dá-lhe o brilho que não se quer disciplinado. O nosso mundo é todo assim, feito de políticos e poderosos que atraem mulheres e seguidores; tudo pronto a dar cambalhotas como gatos aos pés dos donos, num bulício à volta do bezerro de ouro. O dinheiro tem em si algo oculto que faz brilhar os olhos mas apaga a mente.

Também é de reconhecer que uma vida sem tentação seria vida chata e abafada em mel a que faltariam as maviosas modulações dos cânticos da cigarra.

Para não ser injusto e à maneira de conclusão, cito o sociólogo Johan der Dennen que constata: ”Também mulheres poderosas têm um apetite sexual acima da média”. Se observarmos Ângela Merkel vemos como é verdadeira e forte a excepção à regra.

O problema na UE não vem do papel couché nem da sarapilheira, o problema vem do que embrulham e o que embrulham é poder a encobrir o poder!
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
www.antonio-justo.eu

A ENCÍCLICA ECOLÓGICA EM DEFESA DA “NOSSA IRMÃ E MÃE TERRA”

A “nossa Casa comum” sente-se ferida, adverte Francisco I

António Justo

Na sua encíclica verde, o Papa denuncia a destruição do ambiente, a embriaguez do consumismo, a degradação ambiental e cultural, e a submissão da política à economia.

A encíclica Laudato Si (Louvado seja) do Papa Francisco, dedicada à ecologia e ao ambiente, põe em primeiro plano a protecção, conservação e recuperação do ambiente natural e ecológico da “nossa irmã e mãe terra”, no seguimento de S. Francisco de Assis, Padroeiro dos ecologistas. Por isso o Papa inicia a encíclica com as palavras de S. Francisco “Louvado seja” no seu “Cântico das Criaturas” que compôs em 1225 (Texto em: https://antonio-justo.eu/?p=3183).

O pontífice constata que o planeta “está a ser destruído” e estabelece uma “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta”. Dirige-se “a cada pessoa que habita o planeta” e não só aos católicos e às pessoas de boa vontade; descreve a natureza como “a nossa casa comum” apelando para a necessidade de “uma conversão ecológica global”.

Alerta para o facto de a terra parecer transformar-se num “imenso aterro sanitário” que reage com catástrofes de maremotos, furacões, desertificação de algumas regiões e inundação de outras. Apelida o planeta de “terra irmã e mãe” e atesta: “Nunca tratamos a nossa casa comum tão mal e ferido como nos últimos dois séculos… o ritmo do consumo, do desperdício e a mudança do ambiente superou a capacidade do planeta de tal modo que o actual estilo de vida só pode conduzir à catástrofe”.

O domínio absoluto da finança sobre a política

A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. “Qual é o lugar da política? É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos”.

“A subjugação da política à tecnologia e às finanças torna-se visível na falta de sucesso da cimeira mundial…”. “A salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente cura”.

Crescimento à custa dos pobres

O rápido crescimento dos países ricos acontece à custa dos pobres: “sabemos que o comportamento injustificável daqueles que consomem e destroem, cada vez mais, enquanto outros não conseguem sequer viver adequadamente a sua dignidade humana”. Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”. «Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres»

Propõe que se diminua o crescimento: “Por isso, chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes”.

A liberdade de consumo ilude a falta de uma liberdade mais profunda

Apela para a reflexão da própria liberdade que não se esgota na liberdade de consumir como o sistema faz crer “quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro”. “A velocidade da mudança … contrasta com a lentidão natural da evolução biológica.”

Critica a privatização da água “recurso escasso” que não se deve comercializar porque tal como “o clima é um bem comum, um bem de todos e para todos.”

Também questiona o direito de empresas ricas poderem comprar direitos de poluir a atmosfera afirmando que “a estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de especulação”.

“Os mass-media e o mundo digital quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.”

Património humano e cultural ameaçado

O globalismo económico liberal, em nome de uma supraestrutura (um governo do mundo, interesses económicos supranacionais, EU, USA, etc), impõe-se de cima para baixo, centralizando tudo: avassala o regionalismo e desrespeitando as identidades culturais e democráticas dos países, organicamente elaboradas ao longo de séculos. “A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural”. Recorda também que existe uma “ecologia do Homem” como dizia Bento XVI que «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece“.

O preço do crescimento é pago com a saúde e com o roubo à dignidade dos povos: „O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza”, devendo tornar o seu “estilo de vida conciliável com a defesa integral do ambiente”.

Ecologia e Cristianismo

A crise ecológica apela à “conversão ecológica”. “A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco”. Cita João Paulo II que diz: «Deus deu a terra a todo o género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém». E continua: “Na tradição judaico-cristã dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado.” “Toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar da sua presença”. «Sentir cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na esperança» …” “Quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade”…

Em Jesus Cristo encontra-se resumida toda a realidade espiritual e material: ”o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem…

“O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente.” ” …A finança sufoca a economia real”…

“O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal… Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial”.

Inicialmente os monges refugiavam-se do mundo para viverem em meditação e oração; São Bento de Núrsia, imbuído do espírito cristão, promoveu a união da oração, estudo e trabalho manual, dignificando-o na fórmula «Ora et labora ». Francisco I: “Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária”.

“A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No Pão Eucarístico, «a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador».

A relação entre todas as criaturas verifica-se na Trindade, que é a matriz de toda a realidade. Penso que os teólogos do futuro, os místicos e os cientistas da física quântica encontrarão na fórmula da Trindade a fórmula do mundo e a verdadeira fórmula de toda a realidade.

O papa adianta: “Para os cristãos, acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária”…: “O Pai é a fonte última de tudo, fundamento amoroso e comunicativo de tudo o que existe. O Filho, que O reflecte e por Quem tudo foi criado, uniu-Se a esta terra, quando foi formado no seio de Maria. O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do universo, animando e suscitando novos caminhos. O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino, mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal. Por isso, «quando, admirados, contemplamos o universo na sua grandeza e beleza, devemos louvar a inteira Trindade».

A encíclica do Papa foi recebida com grande entusiasmo na Alemanha enquanto nos USA se levantaram vozes críticas, certamente os que beneficiam com as injustiças do regime económico. O Papa, porém, tem de falar deste tema e criticar o sistema, (embora isto não agrade a muitos) porque o problema ecológico atinge as pessoas e as regiões mais vulneráveis e consequentemente a fome e a emigração em massas.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu