ARTE ARTISTAS E OBSERVADORES (Ensaio)

“Sou o que sou” no tornar-me.

O nós também aspira a ser eu

 

António Justo

 

Resido na cidade de Kassel, o lugar da Documenta, que é a maior Exposição Mundial de Arte Contemporânea. Acentuo a palavra lugar, porque este, numa perspectiva artística poderia compreender-se como o sítio (atelier) da grávida a dar à luz, ou o sítio grávido onde se juntam as forças dum chamamento possibilitador da obra de arte.

 

A dOCUMENTA (13) tem a vantagem de convidar o observador e o/a artista a uma pesquisa associativa e de lhe proporcionar, ao mesmo tempo, um “Brainstorming” sobre a arte em geral, (reunindo e conectando os vários ramos da arte com as diferentes disciplinas do conhecimento) e os mais variados projectos de vida, num espaço que, à primeira vista, faz lembrar a Torre de Babel. Tudo ganha aqui expressão em formas e formatos que reflectem o Homem na sua qualidade de rei e súbdito da natureza, numa dinâmica da ecologia biológico-cultural.

 

De facto, nada é estranho ao artista que, em interacção e intra-acção com todas as dimensões da realidade e do saber, procura elaborar o seu rascunho de vida num contínuo diálogo de inter-relações orgânicas, mecânicas e espirituais. O lugar de acção do artista é, naturalmente, o público, sendo nele que se movimenta para, numa atitude de aquisição e ampliação, reflectir e questionar valores e costumes numa perspectiva diacrónica e sincrónica.

 

Um dos objectivos do artista contemporâneo, se o equacionamos em termos de expressão do seu tempo, seria criar um feedback de todas as disciplinas, dado tanto espírito como matéria, (e relação intersubjectiva /objectiva) serem plataformas diferentes da mesma realidade, como se expressa a nível teológico, no “dogma” da Trindade: unidade do ser (criador-criatura/obra) numa relação consubstancial (interacção artista-obra-observador), exemplificada a nível da encarnação onde a realidade, constante de matéria e espírito, deixa o caracter antagónico destes dois princípios, para assumir uma relação “pessoal” de interacção e intra-acção. Recorde-se, neste contexto, o prólogo do evangelho de João (“No princípio era a In-formação – o Verbo”). Teorias, mitos e dogmas sempre foram interpretados e clarificados pelas analogias da arte. É-se artífice do real e do futuro e, com o cinzel da formação, religião, música, cultura, arte, etc., todos modelam (cada um na sua plataforma em espírito de complementaridade) o ser humano e a realidade que os envolve e o forma, ao mesmo tempo.

 

No mesmo lugar, na mesma obra procura-se juntar e expressar uma conexão de experiências entre lugares, nomes e sítios sem que os dualismos individuais, interculturais e interdisciplinares fiquem na sombra, muito embora num processo comum de individuação que, inevitavelmente, cala as forças da selecção, da associação e da assimilação.

 

Na prática, constata-se uma falta de consciência da complementaridade, numa apreensão e expressão da realidade, que emperra os saberes em definições com arame farpado; saberes concorrentes que se fixam em si mesmos, agindo contra o espírito de interdisciplinaridade, numa atitude semelhante à da avestruz, que mete a cabeça debaixo da sua areia ao sentir que aquilo que a define, como identidade, a questiona sob o ponto de vista doutras perspectivas. A realidade biológica e cultural acontece num processo de osmose das suas várias dimensões e camadas, sem fixação na linearidade duma linha fronteiriça unidimensional (arame farpado). A necessidade de demarcar o outro corresponde a uma necessidade imanente de se definir a si próprio, e a uma estratégia de autoafirmação categórica unidimensional, como se observa na disputa entre arte, ciências naturais, ciências humanas, ideologias, política e religião.  De facto, cada disciplina, ao fixar-se na linha fronteiriça que a define, despreza o conteúdo de que faz parte.

 

Lugares, nomes e objectos de arte, com a ajuda do intelecto, tornam-se em neurónios de interligação, associação e combinação que se podem revelar em afirmação ou resistência poética, e, até mesmo, em perversão do pensamento, ou em símbolos ao serviço de dogmas estéticos e antiestéticos. Tudo é possível organizar de modo a servir uma obra, mais ou menos descritiva, em que a tela é símbolo duma natureza sempre criadora e em que até o marginal se pode revelar em fundamento de algo maior.

 

A arte/obra de arte, tal como a pele, constitui um delineamento claro de algo a ela subjacente mas indefinível. Continuando a analogia inicial, poderíamos definir aqui arte e artista como expressão do grito do universo a dar à luz, à semelhança do Big Bang numa cópula universal em contínuo processo de realização e consumação no produzir a obra. Por outro lado, o objecto de arte e a arte observada é como que algo reflectido num espelho mas que, no entanto, deixa antever, na sua aura, a passagem do artista pelo Olimpo. Sem esta a arte perderia a sua sacralidade, significado e motivação. Sem a tal passagem pelo Olimpo os artistas perderiam a sua auréola e o seu brilho seria parco se consagrado apenas pela criatura artesanal (povo criatura). Num acto posterior, a importância da obra de arte vem-lhe do simbólico, o que lhe seria bastante, não se escondessem por trás dela interesses muito concretos, desde o comercial ao ideológico; grupos e instituições servem-se, frequentemente, da arte para tecerem as suas metafísicas fomentadoras de dicotomias entre um laicado e os iluminados da arte e até mesmo entre as várias artes. Com mitos, dogmas e uma certa liturgia também na arte se fomenta um público rebanho laico seguidor duma fé secular definida por alguns corifeus. Este problema torna-se mais óbvio num momento em que um objecto de arte plástica não fala por si mas precisa de explicadores que lhe proporcionem o acesso. Para entrar no templo exige-se agora um porteiro!…

 

A força do Zeitgeist (espírito do tempo corrente) ensombra a arte. Ela é de tal forma orientada para uma globalização, pressagiada como natural, que cria automaticamente uma agressão contra tudo o que é maior e, como tal, pudesse constituir obstáculo à concretização dum pretenso espírito ainda maior, o global. Dá-se primazia ao individual e ao orgânico desde que se deixem reduzir à anonimidade (proletarização espiritual). O global (globalismo), porém, é o outro lado do biótopo e dos ecossistemas biológico-culturais mas, de momento, a desenvolver-se sem qualidade orgânica. (É sintomática, neste contexto, a tendência fatal, dos nossos multiplicadores de cultura, para negar a cultura ocidental e difamar os seus fundamentos, até mesmo à custa da afirmação duma cultura hegemónica desértica e dum mercantilismo absoluto que não reconhecem o sujeito). Também na arte se registam, frequentemente, traços hegemónicos quando esta se arroga como única capaz de curar os problemas do mundo. Problema de autoestima cega! Mais que a encenação do mundo entre arte e contemplação importa o diálogo entre mundivisões que não reduzem as imagens a meros objectos de uso do próprio rebanho.

 

O estímulo sensual, intelectual e espiritual poderia contestar fortemente uma atitude de espírito decadente amoral e “aideal” que reduz o momento a alegoria relativista mas se limita a questionar medrosamente a artificialidade dum mundo globalista e relativista destruidor de biótopos e ecossistemas culturais. Quer-se um pluralismo anónimo (anorgânico) revelador e confirmador dum efêmero poético e político. No limiar da realidade do dia-a-dia, alguns artistas lançam-se à descoberta de limites onde corpos sem conteúdo, sem espírito, se tornam metáforas duma realidade construída por invólucros vazios. Talvez revelem, assim, consciente ou inconscientemente, o esvaziamento de tradições e valores a sacrificar a projectos abstractos implantados por forças artificiais criadas contra uma evolução natural orgânica, que poderia, não obstante, ser assumida pelo pensamento (ideologia).

 

Que seria da arte se não fosse a arte de falar dela! A arte também nos quer alertar para a realidade social e para as relações de poder. Fá-lo numa tentativa de consertar rostos de cultura da praça, através de novos objectos de arte, mas apenas à semelhança do que se verifica nos trajes e enfeites (joias) da mulher ao longo dos tempos. No enfeite constatamos a diferença de figurinos que escondem atitudes próprias ou projectos de identidades. Constata-se uma evolução e, ao mesmo tempo, uma ubiquidade diacrónica e sincrónica que podemos também observar na constelação das culturas/civilizações hodiernas e diferentes modos e concepções de vida entre elas . Também no âmbito da arte falta um estudo sinótico entre o hoje e o antigamente, uim estudo comparativo (evolutivo) entre as culturas actuais, seus valores e sonhos para possibilitar uma verdadeira oficina de arte virada já não só para as fenomenologias diacrónicas mas especialmente para uma fenomenologia sincrónica. Se as víssemos como num filme de sinótica cultural sincrónica verificaríamos o ontem ainda no hoje presente (Afeganistão e Suíça, etc.) sem complexos de culpa nem culpabilização do outro. Verificaríamos grande cinismo num discurso artístico e político que, em nome dos direitos humanos critica a barbaridades da própria cultura no passado e ao mesmo tempo aceita, os costumes barbáricos de outras culturas contra os direitos humanos, em nome do respeito pelas culturas e subculturas actuais. Este é um escândalo que a arte negligencia ao fixar-se em pequenos escândalos fomentadores da excitação pública e da própria masturbação improdutiva.

 

Este é o hoje-amanhã, no seu intervalo abstraído, o eterno presente, onde se podem ver metáforas de História vivida e a ser vivida e, deste modo, constatar a fragilidade do Homem e das culturas numa realidade a acontecer entre facto e ficção. Ao artista fica, muitas vezes, a tarefa de registo de processos num papel de contador de histórias hoje modernas e amanhã antigas. Não chega ficar-se pelas fenomenologias culturais, falta ainda fazer-se uma análise exacta comparativa de ideologias, culturas e religiões numa perspectiva de orto-praxia concretizadora da realidade eu-tu-nós sob a estratégia dum pensar e agir a partir do nós.

 

Duma maneira geral, os museus não passam de inventários de arte. Como registos da memória artística, lembram, por vezes, uma viagem artística dum povo que antes vivia da ilusão da perfeição e hoje vive da ilusão da igualdade e da democracia. Os próprios museus são testemunho e afirmação duma sociedade e duma propriedade adquirida e a adquirir na medida em que, também eles, na qualidade de espaços públicos, condicionam o acesso a eles, mediante um óbolo de entrada não acessível a toda a população. Estes espaços públicos, antecâmaras do Olimpo, nas mãos de estruturas institucionais, servem um pequeno grupo de frequentadores, cimentando um estado de coisas em Estados que não conhecem povo nem população mas para quem reservam a ilusão e o Smog. Museus, mantidos pelo tesouro público, restringem a entrada neles àquele que tem poder económico para pagar um suplemento (bilhete) que o torna mais igual a si mesmo e lhe concede um estatuto identitário superior aos outros (“povo”). A arte limita-se, por vezes, a fomentar uma consciência política ecológica num público provindo, na generalidade, de camadas sociais com dinheiro que já possui essa consciência ecológica. Fala-se de liberdade, solidariedade e abertura sem prevenir nem registar que tudo se organiza na base de limites e de fronteiras e sob a lei da selecção da natureza. De facto, que seria da amiba sem a membrana?!

 

Nas falhas e lacunas da lógica, da vida e do direito, é gerado o progresso da superfície: ondas concêntricas geradas na superfície da realidade social. O exagero de performances, filmes, instalações, plásticos em formas visuais num mundo dominado pela visualidade pode reprimir ou condicionar outras percepções e dimensões, como se a imagem e a onda fossem as únicas realidades do espaço.

 

 

Cumplicidade entre criador observador obra e acto criativo

 

Talvez, uma maneira nova de fazer arte, pressuponha uma nova prática com trabalhos/obras de arte realizadas em comum por grupos de pessoas das diferentes disciplinas, como sugere Alighiero Boetti, numa tentativa de criar uma praxis de identidade múltipla. Se queremos encenar um novo mundo a estratégia será de colaboração e intercomunicação. Em Fernando pessoa temos um protótipo de artista com um eu dividido e reunido em si mesmo. Ele já se revelava com uma identidade múltipla. Nele podemos certamente verificar a tendência dum nós que também aspira ser eu. Em cada pessoa, como em cada grupo ou cultura esconde-se um processo de camadas culturais e físicas, à semelhança das camadas geológicas formadas ao longo de milénios e que se necessita consciencializar para ser colocada em interacção consciente. No grupo (nós) inclui-se o contraditório e dele surge a ipseidade e a alteridade numa relação de complementaridade de espiral ascendente a caminho do “ Omega” de Teilhard de Chardin. Seria óbvia a consciência dum propósito comum de evoluir sem se fixar nas formas criativas em moda nem nas cadeias de ideologias vigentes. Uma consciência pluridimensional é consciente de que os vários conhecimentos (ciências e práticas) continuam limitados aos seus próprios trilhos sem reconhecer ainda que o progresso e toda a perfeição (evolução) e futuro se processa em espiral num subir sem aniquilar, tudo reunindo em si, à imagem da criança que junta em si também a presença genética e cultural de seus pais e antepassados. Na criança, em cada um de nós, caminha a vida toda. Cada um é um resumo do universo segundo o próprio espelho. O empenho na realização dum futuro já presente implica o cruzamento dos vários ramos da ciência e da experiência numa fusão paciente de fé nostálgica e futurista. Todos somos processo e cruzamentos de processos.

 

Embora peregrinos citadinos, trazemos a província em nós. Esta continua a ser o terreno onde lançamos os alicerces da nossa casa. Na monocultura não prosperam as borboletas nem o artista. No nosso sítio pluridimensional, na nossa alma, encontram-se não só as imagens das paisagens que observamos do nosso ser, mas também as paisagens reais, o próprio campo, a que não falta o sol dum espírito iluminador e criador. O mundo é mais que as imagens ou a percepção que temos dele; ele é cidade e é campo, é matéria e é espírito, é facto e é fantasia, com entremeios de muros feitos de pedra, de ideias, de posições e de cultura, onde a luta pelo espaço e pela identidade parece fazer do muro o essencial. Na feitura do muro, e na necessidade da sua destruição e reconstrução revela-se a consciência profunda duma realidade muralhada estar chamada a transcender os próprios muros, podendo estes, em certos ramos da existência, ser reduzidos a símbolos, tal como acontece à sublimação da guerra no jogo de futebol. (A destruição dos próprios muros, porém, não se pode dar numa dinâmica de afirmação dos muros dos outros!)

 

Cada pessoa, cada obra, rua, catedral pode ser usada para um alargamento da consciência individual e colectiva; cada facto, cada objecto e ideia pode ser imbuído de poesia e tornar-se obra artística reveladora e concretizadora dum diálogo de metafísica e física que se interpenetram e completam, sem que o cunho individual do artista predomine. Para isso urge unir respeitosamente o saber científico ao sentir artístico e à sabedoria religiosa e verificar que o que dá consistência aos muros ideológicos e partidários é o interesse, a focagem numa parte da realidade. Também a identidade do mar se faz na interacção da identidade das gotas! Naturalmente, também o aleatório precisa do seu lugar ao lado do determinado.

 

O suceder da arte pode comparar-se a um estendal de imagens ventiladas pelo nosso pensamento e em que o estendal é a nossa alma/consciência individual e colectiva numa revelação diacrónica. O efémero e o factual recebem a sua consistência num jogo irónico entre real e abstracto, entre o sujeito e o objecto. Na obra fica o movimento duma vontade intencional mais ou menos consciente, num jogo de formas e gestos simbólicos, por vezes absurdos, de restauração e recuperação de vida e da reflexão sobre ela.

 

O medo de perder o legado do passado e o cuidado pelo futuro tornam-se presentes em obras envolvidas em processos de construção, desconstrução, reconstrução numa tarefa e intenção de possibilitar novas formas de leitura, duma realidade que só o é no acontecer. A arte regista uma contínua tentativa de simplificar a realidade antagónica equacionando-a, para isso, em verdades que a tornam acessível e destroem ao mesmo tempo. As obras artísticas, com a sua aura, testemunham a permeabilidade das fronteiras entre realidade e ficção. A arte origina-se no olhar do observador possibilitando, no seu consciente, a criação de mundos e dimensões que transcendem o dia-a-dia, numa procura doutras paisagens e doutros saberes.

 

O desafio contínuo de diálogo entre material e forma é possibilitado pela impossibilidade de obter uma síntese entre forma e matéria que transcenda o objecto que as enterra. Isto motiva todo o artista a procurar um arquétipo que se revele possível como aspiração no acto de dar à luz. A forma, como momento de in-formar, cativa o artista no processo criador que dá continuidade à criação e é subcutâneo à criatura do artista. Consequentemente mais que uma arte própria dum tempo há apenas uma expressão, um estilo artístico do tempo. Tal como no prólogo de João, o verbo cria tornando-se carne, num contínuo gerar gerando-se, e em que matéria e forma são momentos do acto de in-formar. O espaço de tensão entre o real e o exotérico, entre o acto de criar e o objecto criado, possibilita uma dialética intelectual já presente no acto criador. O acto de criar é luz sendo a obra a sombra dela e ao mesmo tempo, a força reminiscente de voltar/realizar luz. A obra de arte, se não reduzida a sombra petrificada, é sombra a apontar para a luz. Daí também a necessidade do artista ter de criar um “lugar” que possibilite a confusão do considerado real para assim proporcionar novos espaços, plataformas, diagramas e novas criações. Deste modo viabilizam-se diferentes mecanismos de percepção e criação de realidade. A arte torna-se no lugar do erótico em que a provisoriedade das formas dá lugar a novas dimensões para lá do tempo e do espaço possibilitando sentimentos e experiências que se contrapõem às emoções criadas pelo mundo do poder e da dominação.

 

Importa submergir na arte sem nos fixarmos no artista, na sua necessidade de identificação, nem na interpretação. (Estas revelariam apenas parte da nossa identidade!). As obras, como composições de textos, imagens, formas, materiais e estruturas possibilitam novos lugares e estadias que se podem tornar nossos espaços e até alargar as nossas perspectivas no sentido duma orto-praxia tanto linear como alinear.

 

Vive-se na dimensão das metáforas entre símbolos religiosos, científicos, artísticos e o poder político. A futilidade do esforço para chegar a uma verdade, que se perde nos contextos, fomenta uma realidade de meias verdades, em vez de apontar para o processo eterno de procura/realização da verdade/realidade. Também no coração da Documenta – no Museu Fredericianum – se configuram formas e sombras metafísicas apoiadas num estoque de ideias da ciência e alegorias da religião. Nele encontra-se uma sala, sem nada, onde o visitante é confrontado com o vazio e o silêncio. Este espaço de reflexão criativa estimula os visitantes a questionar, indirectamente, uma sociedade linear stressante. É mais que óbvia a necessidade de criar lugar do silêncio não só na igreja e na arte mas a nível individual, institucional e social.

 

A indústria da arte comercializada encontra-se ao serviço do capitalismo cognitivo que se distancia da natureza em nichos dum abstrato alérgico  à vida orgânica (Arte de conceito, Concept Art ) e em serviço da visualidade , muitas vezes direccionada para utopias negativas negadoras do Homem. Serve-se um macro-sistema de sistemas anónimos e alienantes! Numa época em que o mercado e os meios de comunicação social tudo instrumentalizam. Também a arte precisa de críticos como o artista Francesco Matarrese que nega o objecto artístico resultante dum trabalho abstrato (Um momento de reflexão!).

 

No entanto, também uma tela vazia viabiliza um destinatário e traz uma mensagem encoberta a um mundo inundado por imagens mudas em que um saber de altos voos já não consegue aterrar. Os fenómenos e os interesses cruzam-se nas fronteiras e o artista é o trapezista que dança nelas. Os limites tornam-se lugares que salientam as contradições da condição humana. No tapete do ser, em que nos movimentamos, nada há certo, tudo é provável; também o tapete em que andamos faz parte de nós e do movimento que somos. Se a filosofia se limita à pergunta de como é possível o real e se fica pelos condicionalismos e possibilidades desse real, não sai do comboio do pensamento que se move em trilhos e potencialidades delimitadoras do próprio pensamento. Então também a filosofia é uma arte porque reconduz e orienta a capacidade para um determinado momento do real. Por outro lado, também a ciência só pode descrever o provável, como descobriu a física quântica; cem anos depois, ainda se continua a acreditar no Weltbild (imagem do mundo ou mundivisão) determinista do séc. XIX que pensava que o mundo funcionava segundo regras exactas mensuráveis.

 

Fontes de inspiração criam estruturas narrativas, pinturas da história com restos dum futuro enterrado numa realidade feita de desmoronamento e reconstrução.

 

Ah! Na vida aqui ao lado, vive, lado a lado, na arrecadação da realidade, a vida a arder num processo de materialização e de desmaterialização. Num ser de objectos transformados pelas chamas do pensamento, a dor dá à luz novos seres num mudar contínuo de formas e visões. De facto, a diferença entre o papel higiénico e a nota de banco, está na tinta, o resto é uma questão de crédito. O nosso destino é dar forma ao formado em diferentes dimensões na partilha do acto de in-formar. Somos sonâmbulos no combate à noite da vida em procura da luz; quem não resigna procura, no relevo que dá à existência, deixar a silhueta da sua conotação, na sequência dum acto submisso de dar continuidade à vida no seguimento dum chamamento que se expressa na própria vocação.

 

Uma história, de perda da herança (recordação) e dos valores humanos, virada para um saudosismo arcaico que realça as forças bravias nela submersas, como se o brilho da cultura ocidental fosse algo extraterrestre que justifique toda a agressão dos guetos ou dos apóstolos do relativismo, expressa e conduz a um estado de abdicação. Consequentemente, um certo culto do exótico revela-se, contraditoriamente, contra o próprio ruralismo. Os espíritos dos aborígenes insurgem-se nesse culto contra a própria evolução. Às sombras da cultura ocidental são contrapostos os soalheiros doutras culturas e subculturas como se o mundo das culturas fosse unidimensional, como se, a cada cultura, não estivessem subjacentes a mesmas forças e leis naturais/culturais com uma representação teatral correspondente à própria vontade de se autoafirmar no tempo propício ou de se negar. A vigência duma ética de recordação negativa justificadora dum criticismo discriminador é sintoma de decadência. Arte, tal como as civilizações, precisa dos seus lugares altos na companhia dos seus templos. Sem intervir contra estranhos, a arte ocidental precisa de se reunir para se creditar e não abdicar dos valores que a tornaram um luzeiro universal!

 

Obras e culturas são colocadas em conexões ilegítimas como se um determinado quadro fosse responsável pelas tintas que se encontram enquadradas em circunstâncias doutros lugares e tempos. (Responsabilizam-se os outros para se desobrigar a si mesmo ou para se colocar no pedestal da moral.) Os espíritos dos mortos continuam a perseguir-nos como se a morte não fosse vida também. Critica-se o passado e a diferença, não para se ser mas apenas para subsistir. Na escolha dos factos e das obras que o artista apresenta, ele procura revelar-se nelas e ao mesmo tempo redescobrir-se na reacção do observador (público). Instituições e Exposições como a Documentas, Bienais e que mais, dão valor e significado às obras e artistas que confirmam as próprias posições e configurações da sua mundivisão. Só é pena que o seu espírito crítico não se reconheça como mero momento da própria necessidade de identificação e auto-afirmação, muitas vezes à custa do resto. A sua realização é importante, também porque constitui uma possibilidade de autoanálise e questionação possibilitadora de delineações mais alargadas. Os fenómenos cruzam-se nas fronteiras e o artista é o trapezista que dança nelas.

 

A arte, entre outras encenações, é mais uma visão do real, num cenário de fundo indefinido e aberto. Também a realidade é imagem fenomenal doutras dimensões. Tudo imagens da imagem dum real num palco de imagens formado também por nós. A vida é símbolo e vive dele num mítico acontecer que continuamente recria a sensação de chegar a um real que a própria experiência cria. No abstrair da abstracção talvez se chegue á imagem dum real para lá da percepção e do dizível, na sarça-ardente do “sou o que sou” no tornar-me.

 

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

antoniocunhajusto@gmail.com

 

PS  Escrevi este ensaio na perspectiva duma filosofia da “ARCÁDIA – Associação de Arte e Cultura em Diálogo”. www.arcadia-portugal.com

© António da Cunha Duarte Justo

DOCUMENTA documenta dOCUMENTA (13)

Maior Exposição mundial de Arte Contemporânea

 

António Justo

Na provisoriedade de cada orientação, a dOCUMENTA (13) quer ser uma orientação desorientada. Serve a investigação artística aplicando-se às formas da natureza, do intelecto e da vida pretendendo informar sem formar. Também se quer sentir humana desde que  na pele do símio. Pretende estabelecer uma aliança entre os diferentes domínios que vão do sensual ao especulativo, da prática à teoria, do político à ecologia. Esta dOCUMENTA quer conhecer sem reconhecer, desejando assim ser integral sem se tornar integradora nem parte integrante. Contenta-se com a vaidade e o histerismo do momento.

 

Kassel, uma cidade de província da Alemanha, com 200.000 habitantes, consegue ser, de quatro em quatro anos, o centro de peregrinagem, por cem dias (desta vez, de 9.06 a 16.09.2012), dum público que ronda o milhão de visitantes; este confere, durante esse tempo, um ar exótico à cidade. Kassel quer-se metrópole ao tornar-se o templo, o lugar de estadia que procura conectar todos os espaços e expressões: do físico ao psicológico, ao cultural, ao histórico, ao tecnológico, do real ao fantástico.

 

Pretende ser o vínculo dos lugares e dos feitores da arte contemporânea a nível mundial. Numa palavra, para quem vive nesta linda cidade: pretende ser o umbigo do organismo artístico global. Um umbigo já elevado, atendendo ao estado avançado de gravidez, próprio de artistas e especialmente devido à posição da chefe absoluta da Documenta, Carolyn Christov-Bakargiew, que se encontra em contínuo de estado de graça e em “estado de esperança”. Nos seus enjoos de estado não admite parteiras na grande sala de parto. Segundo ela, os artistas não devem estar presentes na discussão pública para que os seus objectos de arte não sejam perturbados por outros objectos de atenção, salvo o seu papel de matrona.

 

De facto, a arte, como acto criativo, é um contínuo estado de parto, muitas vezes sem a responsabilidade de ter de se preocupar com o objecto parido nem com o seu sentido. É-lhe suficiente o momento da mudança e de conexão sem se fixar no lugar porque este poder-se-ia tornar em limitação física duma realidade que ultrapassa a possibilidade dos sentidos. Aqui arte e religião tocam-se mostrando-se aquela intolerante perante esta. (Recordar o conflito da escultura da torre, do artista Stephan Balkenhof, que na torre duma igreja estragava o conceito da Documenta 13.)

 

Daqui a necessidade duma orientação desorientada que, por mal dos seus pecados, tem de se socorrer de objectos de arte bem físicos mas aproveitados e alargados pelo intelecto. O intelecto torna-se aqui uma necessidade para que o lugar criativo tenha um tecto num lugar que se pretende considerar como o espaço universal onde toda a espécie de parto é possível.

 

Um problema da dOCUMENTA será não poder transpor o espaço e o tempo. O ser só se apreende situado, significando, por isso mesmo, no seu ser-aqui, limitação. O problema do acto criativo não está no acto criador em si mas no seu tempo e na sua roupagem… Temos de nos contentar com a roupagem e falar de roupas ganhando assim, nesse proceder, a impressão, de transcender o próprio vestido. Também por isso, o artista é um eterno insatisfeito, tendo de se reduzir a produzir o episódico, a gerar apenas História, podendo apenas imergir na sua roupagem, muito embora na procura do seu espírito.

 

A Direcção da dOCUMENTA, para criar mais fascínio, pelos objectos de arte expostos no exterior, associa-lhes histórias dirigidas à imaginação intelectual, dado o objecto nu, sem a roupagem intelectual, deixar falar apenas a própria nudez num mundo que se quer tudo mais. menos inocente. Aqui tudo se torna objecto, objecto para cobrir e encobrir. O observador, esse, é objecto de arte e o artista o seu complemento.

 

A História também se escreve com a arte e especialmente com o amor aos factos e aos objectos.

 

Na dOCUMENTA encontra-se muita arte, muitos artistas e também pensadores.

 

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

antoniocunhajusto@gmail.com

www.arcadia-portugal.com

Inauguração da Associação ARCÁDIA e Vernissage da Pintora Carola Justo

Inauguração da Associação ARCÁDIA e Vernissage da Pintora Carola Justo intitulada “A Terra é feita de Céu” (8 de julho de 2012)

 No dia 8 de Julho de 2012, pelas 16 horas, realizou-se a inauguração da “ARCÁDIA – Associação de Arte e Cultura em Diálogo” na Quinta “Outeiro da Luz” em Chaque (Branca) com uma vernissage de quadros da pintora Carola Justo. Estiveram presentes cerca de 150 visitantes, entre eles professores de universidades de Lisboa e Coimbra, a Engª. Doroteia Sã, representante da Câmara de Oliveira de Azeméis, a Dra. Rosa Tomás, vereadora da Cultura e da Educação da Câmara de Anadia, o presidente da Junta da Freguesia, Fernando Ferreira, e vários representantes de Comunicação Social e de várias associações locais e regionais. O presidente da ARCÁDIA, Dr. António Justo, apresentou a filosofia, as metas e projetos futuros da ARCÁDIA. A ARCÁDIA é uma associação sem fins lucrativos de projeção suprarregional. O Dr. José Augusto Fernandes fez a laudatio da exposição. Disse que a pintora tem um estilo muito original e inconfundível. “Os seus quadros têm um efeito terapêutico.” A pintora Carola Justo discursou brilhantemente sobre a “fonte da criatividade”. O enquadramento musical esteve a cargo dos guitarristas Rui Martins e Dr. Carlos Teixeira. A vice-presidente, Dra. Dulcineia Loureiro, moderou o evento. Os quadros da pintora alemã Carola Justo tiveram um eco muito positivo nos visitantes. A pintora, esposa do presidente e fundador da ARCÁDIA, já fez cerca de 50 exposições na Alemanha e em países estrangeiros, com muito boas críticas por jornalistas de jornais da especialidade e revistas. A exposição continua até 3 de Agosto. Encontra-se aberta ao público aos domingos das 10 às 12 e das 14 às 18 horas, às segundas e aos sábados das 9 às 12 horas e fora dessas horas segundo acordo telefónico: 963994458.

I

Discurso inaugural do presidente da ARCÁDIA

Minhas Senhoras e meus Senhores Caros árcades, prezados amigos: É com muita satisfação e alegria que em nome da “ARCÁDIA – Associação de Arte e Cultura em Diálogo” tenho a honra de saudar um público tão distinto e interessado e de agradecer a sua comparência. Bem-vindos à inauguração da ARCÁDIA e à Vernissage de Carola Justo. A Direção da ARCÁDIA saúda expressamente a Engª. Doroteia Sã, representante da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, a Dra. Rosa Tomás, vereadora da Cultura e Educação da Câmara Municipal de Anadia, o presidente da Junta da Freguesia, Fernando Ferreira, os representantes da imprensa e os representantes das associações: Dona Dália pela Probranca, José Marques pela Auranca, José Manuel Vieira pelo CDB, Dona Preciosa Camões Sobral, pelos Escuteiros, Dona Rosa Ferreira pelos Ecos da Memória, Dr. José Cerca pela Irmandade Santa Mafalda, Altino Pires, pela Comunicação Social, bem como o Professor Doutor Joaquim Teixeira, o Professor Dr. Horácio Peixeiro e o Professor Doutor Quadrado Gil. Um agradecimento especial a todos os membros da Direção da ARCÁDIA que se empenharam para que este evento se tornasse realidade e aos amigos que de longe aqui se deslocaram. Caros presentes: Como associação sem fins lucrativos queremos ser uma casa de todos, uma casa de porta-aberta onde se pretende contribuir para o fomento cultural e artístico numa estratégia de integração e projeção de pessoas, iniciativas, associações e coletividades a nível local, regional, nacional e internacional. Conscientes de que a cultura e a arte não são espaços economicamente privilegiados, a minha esposa e eu disponibilizam, gratuitamente, espaços da quinta para atividades da ARCÁDIA.

Pretendemos, por iniciativa própria ou em parceria, realizar ações, iniciativas, projetos e estabelecer pontes de diálogo nos sectores da arte e da cultura,
fazendo intercâmbio entre artistas e associações, localidades, instituições e multiplicadores da cultura e da arte. Pretendemos ser também uma plataforma de implementação pública de pessoas que privadamente criam arte ou iniciativas que mereceriam o reconhecimento público… No respeitante às artes plásticas, artistas de perto e de longe têm a oportunidade de exporem as suas obras na Galeria ARCÁDIA e no Ateliê. Para artistas de longe a ARCÁDIA tem o projeto Férias ExTra, que proporciona passar férias, trabalhar e expor (pintura, escultura, etc.). Seria interessante se conseguíssemos artistas do estrangeiro a expor em Portugal e artistas portugueses a expor no estrangeiro (Intercâmbio). Entre outras iniciativas temos “Serões Culturais” de cultura e arte ao vivo. Destes poderão nascer tertúlias musicais, literárias (poesia), teatro, etc. Pensa-se introduzir uma certa regularidade nos “Serões Culturais”. O próximo será aqui no dia 27 de Julho, pelas 21 horas. A Associação também tenciona organizar grupos de trabalho específicos ligados a projetos, iniciativas, conferências e atividades várias. Não queremos fazer tudo nem ser concorrentes de ninguém. Para isso já há muitas associações com trabalho importante. Queremos qualidade e dirigimo-nos especialmente a um público exigente e criativo, a um público que, mais que espectador, é agente e multiplicador cultural e social. Como exemplo de atividade que pretendemos realizar, refiro um projeto que tencionamos iniciar com o seguinte título: “Adolescentes e Jovens escrevem História”. Apoiados por um catálogo de perguntas os jovens documentariam a vida dos avós (e pessoas a partir dos 60) em que estes falariam das experiências da sua vida e diriam o que têm para nos comunicar sobre a vida (já que não lhes falta sabedoria para nos transmitir). Aqui, os jovens entrevistadores poderiam descrever também a sua vivência pessoal com eles e reuniriam fotos documentais. Textos e fotos seriam expostos aqui na Galeria Arcádia e, depois, em colaboração a combinar com peritos, com a junta de Freguesia, Câmara Municipal e Bancos, etc., poderia ser publicado um livro com os trabalhos escolhidos. Paralelamente ao projeto “Adolescentes e Jovens escrevem História” poder-se-ia elaborar um outro projeto, que seria: “Crianças escrevem histórias”.

Um outro exemplo de iniciativa a concretizar poderia ser o seguinte: fazer uma exposição conjunta de artistas que apresentam obras elaboradas a partir de produtos de reciclagem e convidar também professores e alunos de escolas e jardins de infância a visitarem essa exposição, com a finalidade posterior de crianças e jovens elaborarem obras a partir de coisas que se deitam para o lixo ou para o ferro-velho. Tal projeto realizar-se-ia aqui na quinta sob a orientação de artistas e membros da ARCÁDIA. Um outro projeto, semelhante ao primeiro que apresentei, seria mais complexo, a organizar mais tarde e depois de recolhido o conselho de departamentos municipais da cultura: “Os Traumas da Guerra do Ultramar”. Um outro projeto intermunicipal seria a organização de uma via artística em que os artistas de cada localidade participariam num projeto conjunto com exposições locais a serem visitados pelas pessoas das diferentes terras e com palestras em cada local relativas a cada exposição específica e ao conjunto das exposições.

A FILOSOFIA DA ARCÁDIA – Partimos de uma visão de vida integral, não fragmentada em verdadeiro e falso; encaramos a vida toda, pois a vida só no seu todo é verdade; isto pressupõe o esforço por uma vida fora de categorias ideológicas, de classe ou raça, num espírito de entrega ao Belo e ao Bem dos outros que são dádiva. Nos outros está cada um de nós também, num encontro de um eu e de um tu que nasce e se realiza no nós. Como base da ordem de trabalho da ARCÁDIA imagino uma mentalidade do “nós”. O “nós” é o ponto de partida e de chegada do nosso pensar e agir. Isto pressupõe uma atitude de vida em progressão, em que a dialética de autoafirmação pela contradição se pressupõe como estratégia num processamento de integração do que aparentemente parece contraditório. Passar da atitude e estratégia do “ou…ou…” para a atitude do “não só… mas também”, do “por um lado… mas por outro lado…” para uma visão nova integral, uma visão aberta da realidade e dos factos. A Palavra ARCÁDIA, formámo-la a partir das palavras iniciais AR (de arte) + CÁ (de cultura) e DIÁ (de diálogo): Arte e Cultura em Diálogo. A Arcádia histórica era uma academia que em Roma, em 1690, abrangia um círculo de poetas, cientistas, filósofos e escritores. Numa era em que o sentimento sufocava a razão, pretendiam os árcades voltar à simplicidade clássica nas obras de arte, no espírito do bem, do belo e da elegância, da tradição de Platão e Aristóteles sintetizada em Descartes. Também houve a Arcádia Lusitana, criada em 1756, que queria combater o “mau gosto” literário do séc. XVII. Almeida Garrett foi discípulo da Arcádia. Sentimos hoje, à nossa maneira, a preocupação dos antigos árcades, especialmente no que respeita ao espírito criativo inovador e ao respeito pelo biótopo cultural regional e nacional. Somos uma associação aberta e agradecemos as vossas sugestões e colaboração. Muito obrigado. António da Cunha Duarte Justo (Presidente e fundador da ARCÁDIA) www.arcadia-portugal.com http://www.facebook.com/arcadiaportugal

II

Laudatio do Pe. Dr. José Augusto Fernandes na Vernissage de Carola Justo intitulada “A Terra é feita de Céu”, na Galeria Arcádia da Quinta “Outeiro da Luz” (Chaque, Branca)

 A pintora Carola Justo nasceu em 1955 no Sul da Alemanha, na Baviera. Viveu a infância numa linda vila termal. O pai era decorador de casas e, por algum tempo, teve um segundo emprego como acordeonista. A mãe emigrou como refugiada da República Checa para a Alemanha, depois da Segunda Guerra Mundial. A beleza foi um valor constante e muito importante na família. Foi na idade de 13 anos que a Carola Justo começou a interessar-se pelas Belas Artes ao observar um dia uma pintura chinesa, que mostrava um simples ramo com um pardal nele pousado. O quadro impressionou-a profundamente. Refere acerca desse momento: “Foi a minha primeira experiência de arte.” Foi assim que, aos 13 anos, a Carola decidiu frequentar o primeiro curso de pintura, um curso para adultos. O pintor era expressionista e, segundo a mesma, ajudou-a a entender a arte. Aí começou a sua atração pelo impressionismo e pelo expressionismo. Os pais não apoiaram o desejo da Carola de seguir belas-artes na Universidade. Acabou por formar-se em pedagogia social e filosofia. Foi nessa altura que conheceu o António Justo, aquele que mais tarde se tornou seu marido. O casal Justo tem 4 filhos. Os 3 filhos adultos exercem todos profissões pedagógicas e todos desenvolvem algum talento artístico: ou música ou pintura. A filha mais velha é atriz, cantora e pedagoga de teatro. Entre 1982 e 1984 a Carola Justo formou-se também em terapia familiar. Algum tempo depois era coeditora duma revista regional, onde publicou igualmente artigos e contos da própria autoria.

Contemporaneamente ao serviço de docente de línguas na Universidade Popular, após o nascimento do terceiro filho, tornou-se também estudante em vários Cursos de Pintura durante muitos anos. Em 1997 começou a expor os próprios quadros. Até hoje tem já cerca de 50 exposições no seu portfólio. Com vários pintores a Carola Justo aprendeu sucessivamente as técnicas de pintura a óleo, a aguarela, a técnica de desenho e, finalmente, a técnica de pintura a tinta acrílica. Até 1996 pintou apenas quadros realistas. No entanto, já quanto era estudante de pintura, sempre desejou ultrapassar o realismo e encontrar um estilo próprio. Nas suas palavras, “o estilo próprio não é algo que se possa forçar. Ou vem ou não vem. É uma graça um artista encontrar o seu próprio estilo original.” E acabou por vir. Porquê ultrapassar o realismo? Sem dúvida que é admirável a boa arte de pintar fotorrealisticamente. No entanto, o realismo nunca pode transmitir a sensação do misterioso e não tem a capacidade de surpreender. Desde a invenção da máquina fotográfica, o realismo perdeu o seu valor. Deixou de ser necessário documentar pela pintura a realidade exterior. O verdadeiro papel da pintura é expressar a realidade interior, dando, sobretudo, acesso ao mistério e à surpresa. Foi esta necessidade que levou a Carola a abandonar o realismo. Acontece que, em 1992, a Carola Justo ficou completamente entusiasmada com uma exposição de pintura a acrílico de um pintor indiano moderno. Decisão imediata: “No futuro o acrílico será a minha tinta”. A partir daquele momento deixou de vez o óleo e mudou para a tinta acrílica. Foi nesse mesmo ano de 1992 que começou a surgir o estilo próprio que, pouco a pouco, se desenvolveu e aperfeiçoou até hoje. A óleo nunca mais pintou. Algumas palavras suas para elucidar esta mudança: “Uma experiência entusiasmante de arte pode tocar profundamente o coração e até mudar a própria vida. As grandes mudanças aconteceram comigo na infância e em 1992. Naturalmente que a porta da inspiração nunca fica fechada. Surge sempre quando se contemplam obras de arte inspiradas.”

Foi o que aconteceu ainda no ano de 1992, quando, numa exposição, contemplava quadros de um conhecido pintor austríaco, Hundertwasser. Estes quadros deram-lhe renovada coragem para exprimir o que já tinha no coração: cores fortes e paisagens de fantasia. No início, o estilo da Carola era algo semelhante ao de Hundertwasser, como aliás foi referido por jornalistas que comentaram a sua primeira exposição, que teve lugar na sede da Comissão Europeia em Bruxelas. Depois desenvolveu cada vez mais um estilo próprio, difícil de subordinar a estilos de outros. Tem elementos da Arte Nova, por vezes ainda com semelhanças a Hundertwasser ou Kandinsky, mas o seu estilo é mesmo original e, em grande parte das suas obras, é mesmo difícil de encontrar um percursor. Ressalvada esta porta de inspiração, sempre possível, através da contemplação de obras significativas de outros artistas, a inspiração de Carola Justo vem-lhe normalmente do ambiente em que se encontra no dia a dia. Embora o clima da região onde vive seja habitualmente chuvoso e escuro, a sua criatividade nada sofre porque vive das cores fortes que lhe vêm de dentro. Os passeios diários na natureza são mesmo fundamentais, tal como a meditação que também faz diariamente. Um parêntesis para uma arte de outro tipo da Carola. Além de pintora, também é docente de meditação na Universidade Popular de Kassel e dá inúmeros cursos de meditação em mosteiros. Nos quadros de Carola Justo nota-se bem a sua ligação e amor à natureza. Nas palavras de um historiador de arte, o Prof. Dr. Leo Weber: “O grande tema da pintura da Carola é a ligação (Vernetzung).” A ligação de tudo com tudo, especialmente a ligação do homem com a natureza. A Carola não gosta de falar diretamente do meio ambiente, mas sim da criação. Os homens, os animais e as plantas, para ela, fazem parte de uma grande família. A sua obra quer ser uma oposição clara ao desrespeito pelas pessoas, animais e plantas que graça em todo o mundo. A sua obra valoriza e acaricia toda a natureza.

A árvore, símbolo da vida, faz figura em muitos dos seus quadros. A árvore significa crescimento, enraizamento e alinhamento pelo céu. Podemos compreender os conteúdos dos seus quadros não tanto como simples figuras mas como símbolos. Por exemplo, a menorá, o candelabro judaico de sete braços, aparece frequentemente. Na menorá a Carola vê uma árvore, e vê também uma cruz escondida ou então sete braços que se esticam para o céu. Significa luz. A vela do braço do centro serve para acender as outras velas com a própria chama. Quatro dos seus braços também significam os pontos cardiais e os restantes dois braços significam a terra e o céu. A menorá, tal como a cruz, é a ligação da Terra e do Homem com o céu e é um símbolo que se usou nos primeiros tempos do cristianismo em ligação com o símbolo do peixe. A cruz também aparece mais ou menos escondida em muitos dos quadros da Carola Justo. Ela confidenciou-me que começa muitos dos seus quadros pintando uma simples cruz, partindo daí para desenvolver o motivo. A cruz, que para muitos se tornou apenas num símbolo de sofrimento e de morte, na realidade é um símbolo da vida. É duplamente símbolo da vida, primeiro porque significa Ressureição, e também porque exprime a união dos polos: do masculino e do feminino, do céu e da terra. Três dos seus quadros são muito verticais, muito estendidos para o céu (altura de 90 cm, largura 20 cm). Mostram cruzes que têm no meio um círculo vermelho: o coração ou o núcleo das coisas (“der Kern der Dinge”). O coração encontra-se no cruzamento do vertical com o horizontal. A tendência de Carola Justo para pintar muitas vezes o símbolo da menorá também tem a ver com a sua inclinação pessoal pelo número 7, número místico. Nos quadros encontram-se muitas vezes 7 linhas, 7 troncos, 7 pétalas ou 7 círculos. Não servirão certamente estas explicações para iniciar a contemplação dos quadros em exposição com a procura de pormenores como símbolos ou números. Observarão certamente cada quadro como um todo e esperarão que ele comece a falar-vos por dentro.

Esta exposição tem um grande número de quadros expostos e, por isso, não é possível contemplar intensamente cada um deles. É melhor escolher os que mais interessam e ficar algum tempo a contemplá-los. É sempre possível e aconselhável voltar num outro dia para observar e dar largas à contemplação dos quadros preferidos, em silêncio e com a guia pessoal da pintora. Como terão oportunidade de verificar, Carola Justo tem um estilo muito original e excecional. Estudou o fenómeno de criatividade não só na prática, mas também teoricamente e já fez muitas conferências sobre criatividade. Diz ela: “Quanto à maneira de ser criativo, há artistas que se orientam apenas pelo exterior: isto é: ou para agradar à maioria das pessoas ou para causar escândalos. Há artistas que olham para dentro de si mesmos até ao nível (auf die Ebene) da pura disposição e vontade (Lust und Laune) e não filtram nada. E há também artistas que olham para baixo até ao nível do reprimido, dos traumas, da raiva, do nojo, do patológico. Estes não têm a força de nos inspirar ou de nos elevar. Puxam-nos é para baixo. E, finalmente, há artistas que se deixam guiar pela força da inspiração, que é uma força que vem de dentro do coração, embora também venha de fora, no sentido de que escutam atenta e atenciosamente o sussurrar da inspiração, uma força que vem de baixo no sentido do fundo, duma fonte interior, e também de cima: do céu. Estes são os artistas que nos inspiram.” Nesta exposição está à vista de todos que a Carola é uma artista como estes últimos. Parabéns à Carola e um grande obrigado por ser uma destas artistas que mexe com a vida e nos inspira e anima a viver unidos entre nós humanos e com toda a criação. Desejo a todos uma contemplação profunda e deixem-se desafiar a reviver os laços originais de família com toda a natureza, sobretudo com os seres humanos que são a excelência da criação. Boa contemplação, proximidade, sintonia de alma! José Augusto Fernandes

III

Discurso de Carola Justo na sua Vernissage de 8 de Julho de 2012 na Galeria Arcádia da Quinta “Outeiro da Luz”

Excelentíssimas senhoras, excelentíssimos senhores, caras amigas, caros amigos, caros familiares. Obrigada por terem vindo de perto e de longe. Muito obrigada aos membros da presidência da ARCÁDIA que se esforçaram tanto para preparar esta exposição. Muito obrigada também ao Pe. Dr. José Fernandes pela laudatio e aos músicos Dr. Carlos Teixeira e Rui Martins. Gosto muito de entrar em comunicação com vocês, não só através dos meus quadros, mas também através da palavra. Há muita gente que quer saber que tintas é que o artista usa e que técnica, quanto tempo leva a pintar um quadro, etc. O que acho mais interessante é a pergunta: donde vêm as ideias? Qual é a fonte da criatividade? O grande pintor Vincent van Gogh escreveu ao seu irmão e patrocinador Theo: “Tu mal imaginas como é paralisante quando a tela branca olha para ti com um olhar fixo e quando a tela diz: tu não vais conseguir nada. A tela branca tem um olhar fixo idiota e hipnotiza o pintor. Muitos pintores têm medo da tela, mas a tela tem medo do pintor corajoso e apaixonado pela arte que invalida a sugestão de ‘tu não vais conseguir nada’.” Quando a tela branca ou a tábua de madeira branca olha para mim e me tenta desencorajar, não respondo com um plano. Respondo com tinta, espalhando pouco mais que uma cor na superfície – ou azul, ou verde ou vermelho. Assim o olhar fixo da tela é coberto. Depois não sigo um plano bem pensado, só tenho uma ideia vaga. Seguir um plano obedientemente mata a criatividade. A inspiração vem-me ao olhar para a cor. Um plano rígido é como uma camada de betão que não deixa aparecer a inspiração. Mas a planta da inspiração às vezes chega a furar uma camada de alcatrão. O cérebro constrói estas camadas, por isso é melhor, no princípio do processo criativo, não pensar demasiado, mas brincar, esquecer a lógica e revogar as leis naturais: o céu pode estar em baixo, o rio pode correr para cima, entre as nuvens podem passar barcos, os pássaros

podem ser maiores que as casas, o grande é suportado pelo pequeno e mais fraco. Tudo é possível e esta liberdade dá alegria. Mas criar obras de arte não significa pura alegria e liberdade, significa também disciplina, significa deixar-se guiar e ao mesmo tempo controlar, ser livre mas seguir regras, empurrar para trás o raciocínio, mas também inclui-lo. Como veem, a criatividade une em si contrastes. Eu nunca tenho a intenção de pintar árvores ou pássaros, montes ou casinhas. Eles aparecem. Olhando para a cor espalhada na tela, na madeira, vejo alguma coisa, o começo de uma cara, de uma árvore… e sigo. Vocês podem dizer: “então vem tudo do acaso”. As imagens não aparecem sem razão nenhuma. Tudo o que aparece vem de uma camada interior invisível, inconsciente, e é símbolo, às vezes um símbolo que eu mesma só entendo muito mais tarde. Entendi o significado do pássaro preto ou melro só depois de o ter pintado muitas vezes. Lembrei-me de que na infância, nas tardinhas quentes de verão, ouvia os melros cantar com o seu cantar muito especial. Só a estas horas cantam assim. É mais uma chamada do que uma canção. Nestes momentos, a chamada dos melros pareceu-me como uma chamada de um outro mundo, uma chamada do céu. O melro que aparece muitas vezes nos meus quadros significa a chamada desse outro mundo transcendente e significa também a saudade. Porque o que eu sentia como criança nessas tardes de verão era a saudade, embora nessa idade ainda não pudesse dar um nome a este sentimento. Sentia só qualquer coisa e dava-me uma sensação de felicidade diferente de outras sensações de felicidade e ao mesmo tempo um desejo forte e doloroso, sem saber de quê. Hoje sei que era saudade o que sentia. As imagens podem ser ambíguas. Por exemplo, os barcos que aparecem nos meus quadros podem às vezes ser vistos como ninhos ou berços. Os barcos são símbolos da viagem da vida ou de transição de uma fase da vida para outra; o ninho ou o berço pode ser símbolo do abrigo e da proteção, do lar. Tudo o que aparece nos quadros tem um significado, mas não é totalmente explicável. Muita coisa fica segredo, também para o artista. E é bom manter o segredo. Quando você mata a saudade, a saudade morre, quando você explica o segredo, o mistério deixa de existir. A palavra ‘segredo’ diz-se em alemão: Geheimnis. Esta palavra contém a palavra Heim, isto é, o lar. O segredo é a
nossa habitação. O filósofo alemão Gronemeyer disse: “Em vez de querer revelar o segredo devíamos habitá-lo.” Olhando para os quadros com o desejo de os compreender totalmente, só vai causar dores de cabeça e afoga o murmurar do quadro. Como o pintor não deve pensar demais para deixar surgir a intuição, a pessoa que vê obras de arte também não devia pensar demais para também deixar a própria intuição surgir. Deve esperar até que o quadro comece a falar consigo. Como eu estou habituada a seguir a minha intuição, corro menos o perigo de adaptar-me àquilo que todos dizem, que todos fazem e que todos apreciam. Por isso tenho a liberdade de negar o culto do feio, do negativo, do patológico – que hoje está na moda. Neste mundo, que é ao mesmo tempo bonito e doente, precisamos de uma mensagem positiva, precisamos da cor e da beleza que traz ordem e paz interior, precisamos da esperança e de ideais, para não nos tornarmos insensíveis perante a saudade do nosso coração. A minha pergunta inicial era: donde vêm as ideias? A esta pergunta não se pode dar uma resposta completa. Eu concordo totalmente com Fernando Pessoa que, falando sobre a inspiração literária, ficava admirado com aquilo que escrevia. Este fenómeno pode-se transferir aos pintores, escultores, a toda a gente que se abre para a intuição. Fernando Pessoa disse: “Depois de escrever, leio. Porque escrevi isto? Onde fui buscar isto? De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu. Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta com quem alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?” Esta é a experiência que artistas fazem de vez em quando, que a obra parece ultrapassar as próprias capacidades. São momentos de surpresa, momentos de gratidão pelo que se recebeu de alguém. O título desta exposição é: “A terra é feita de céu”. É uma frase de um poema de Fernando Pessoa. Todos nós sentimos às vezes, em momentos muito especiais e raros, que o mundo recebeu um brilho muito particular, as coisas parecem brilhar mais que o normal. Então parece como se o céu tivesse caído à terra, como se a terra fosse feita de céu. Desejo que este dia contenha para vocês esses momentos de brilho.

Carola Justo


ARCÁDIA – Associação de Arte e Cultura em Diálogo

Caros visitantes

Minhas senhoras, meus senhores,

 

Convido-os a clicar em www.arcadia-portugal.com e a dar uma olhadela ao seu blog.

 

Esta Associação, sem fins lucrativos, está aberta a toda a espécie de colaboração e de ideias.

 

No próximo dia 8 de Julho de 2012 às 16 horas realizará a sua abertura oficial com uma Vernissage. Se tiver oportunidade e disponibilidade não deixe de vir para ter uma visão mais concreta da ARCÁDIA e do que pretende.

 

Como presidente da ARCÁDIA aproveito para agradecer ao técnico David Ramiro Justo o facto de nos ter elaborado gratuitamente o site da ARCÁDIA.

 

Obrigado

António da Cunha Duarte Justo

Presidente da Associação

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