“APROPRIAÇÃO CULTURAL” ENTRE APRECIAÇÃO-DEPRECIAÇÃO-HIPOCRISIA-MANIPULAÇÃO

Por que só se fala de “Apropriação Cultural” e não de Apropriação Económica?

Matéria: Instituições e organizações europeias proíbem apresentações ou disfarces com trajes de índios americanos ou de gueixas, etc.; uma europeia não pode entrançar o cabelo emaranhado (dreadlocks) como africanas, crianças nos jardins infantis são proibidas de maquilharem o rosto à africano; um não mexicano não deve usar sombrero; etc., etc.  

Objectivos desta e doutras campanhas em voga: Romper com os padrões de pensamento e desmontagem e culpabilização da cultura ocidental através da transversalização de temas em torno do género, da sexualidade,  da linguagem,  e do colonialismo nos diferentes órgãos do Estado, media, organizações sociais, etc.; em conformidade com a política do género pretende-se que a Europa das culturas e dos pensadores se transforme num território decadente de não-pensadores e de seguidores de uma geocultura e pensamento a preto e branco. Pretende-se que a sociedade europeia seja ocupada com contínuas iniciativas para se criar nas populações insegurança e medo de não seguirem opiniões predeterminadas. Por outro lado, estas iniciativas que têm como alvo criar confusão e defraudar a cultura ocidental, correm também o risco de hipocritamente lavarem o rosto ocidental quando o problema dos problemas é a Apropriação Económica em vigor (especialmente em zonas carentes sem que se faça reverter a riqueza nessas zonas). O infantilismo e o oportunismo tornaram-se de tal maneira dominante que já brada aos céus!

“Apropriação cultural”, como muitos outros temas forjados nos bastidores e a actuar no palco social, não é propriamente assunto de debate público sério nem tão-pouco encomendado pela sociedade. São temas impostos por forças anónimas obscuras que se aproveitam de alguns defeitos ou deficiências civilizacionais para uma crítica radical negativa apenas com a finalidade do bota abaixo, sendo irreflectidamente seguidas pela política com medidas proibitivas inadequadas! Dado as elites da nossa sociedade, muitas vezes, manifestarem falta de bom senso e de critério, seria chegada a hora de o povo (pessoas atentas) as levarem ao rego e não se deixarem levar por uma oligarquia sociopata supranacional que cada vez tem mais influência nos media, na politica e nas sociedades; se se observarem os vários movimentos activistas (ONGs) e os seus campos de combate, torna-se cada vez mais visível (até pelos efeitos observáveis e que facturam para si na sociedade) que pretendem desestabilizar as sociedades para poderem desmontar as democracias e as constituições nacionais; a sociedade tem-se transformado em laboratório dos mais diversos movimentos ideológicos todos eles com um denominador comum observável: implementar social e institucionalmente o materialismo mecanicista com o objectivo de se chegar a instalar uma troica global (1) e para isso criar-se nas populações uma mentalidade-cultural marxista! A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) têm implementado a própria ideologia no sentido de se tornarem nos controladores da medicina e do ensino e em influenciadores directos da sexualização prematura e viciada das crianças nas escolas.

Por definição da Wikipédia, apropriação cultural ocorre quando uma cultura adopta elementos específicos de outra. Estes elementos podem ser ideias, símbolos, artefactos, imagens, sons, objetos, formas ou aspectos comportamentais que, uma vez removidos dos seus contextos culturais originais, podem assumir significados muito divergentes.

O problema não está na definição, mas no abuso intencional que se faz da apropriação cultural em si e também a maneira desonesta e ilícita como como o tema é instrumentalizado para fins de abuso de poder.

O facto de haver muitos grupos marginalizados tratados injustamente por causa da sua “aparência ou costumes culturais” torna-se preocupante devendo fazer-se todos os esforços para se pôr cobro a tal situação, mas não de maneira destrutiva, doutro modo seguir-se-ia (nos métodos e intenções manipuladoras) a mesma lógica das causas que criaram a situação a dever ser reparada.

Se ao longo da história não tivesse havido apropriação transcultural numa dinâmica de aculturação e inculturação que permitem uma “fertilização cruzada”, ainda hoje nos encontraríamos na Idade da Pedra. Que seria das nossas capacidades intelectuais e sociais sem metáforas, analogias, representações e signos? Que seria da literatura, música, teatro, filosofia sem apropriação cultural?

O problema é a falta de contexto e a perspectiva de interpretação. Colocar a questão só no relacionamento entre pretos e brancos, entre uma “cultura dominante” e uma “cultura minoritária “é instrumentalizar uma realidade complexa para fins imperscrutáveis que dão origem a cepticismos, pela arbitrariedade e desestabilização que muitas vezes pretendem e pelo atentado que são à liberdade de expressão. Neste assunto está a dar-se um processo de apropriação das maiorias pelas minorias ideológicas (a metodologia da luta e do poder que uma parte critica na outra igualam-se e deste modo justifica-se a situação injusta criada pelo mais forte: a questão só poderia ser viabilizada se baseada numa nova matriz cultural, doutro modo teremos de viver numa cultura feita sobretudo de remendos). É importante o estabelecimento da justiça, mas não seguindo a mesma matriz patriarcal que nos guia e cuja estratégia e metodologia está na fonte dos problemas que é preciso remediar.

O argumento de as medidas de proibição se destinarem a proteger a propriedade intelectual coletiva de povos indígenas e de se a lutar contra as relações de poder desiguais, não legitima um combate generalizado como se observa na Alemanha.

Considerar o estatuto de diferentes culturas como argumento contra a apropriação cultural por culturas dominantes também é problemático porque nem a cultura se deixa reduzir a uma só característica (trajo, etc.) nem a natureza da pessoa humana se deixa reduzir à própria cultura.

De facto, como descreve Ursula Renz (2), “a cultura é sempre uma transferência cultural”. Na consequência, o próprio conceito apropriação cultural induz em erro.

A “apropriação cultural” também pode significar solidariedade e sinal de culturas que apesar de terem uma certa identificação cultural estão abertas a outras e deste modo a um desenvolvimento em simbiose dinâmica.  O assumir uma característica de uma comunidade identitária não implica a sua destruição; pelo contrário, o seu alongamento.

Parece estranho que quem reclama não são os grupos retratados! Quem se queixa são mais os grupos americanos e europeus como se fossem advogados comissionados para falarem em nome dos referidos grupos. Esta posição é indício grave de uma afirmação de superioridade em relação às referidas culturas, quando estas até poderão ter interesse em tais representações. O exagero de forças empenhadas na luta contra a “apropriação cultural” esconde o objectivo de se abolir a propriedade privada que então só será permitida para os grandes “latifundiários” de interesse relevante para o sistema.

Quer-se preparar uma sociedade de pensar a preto e branco – sem cores, o que corresponde a uma regressão antidesenvolvimento. Como se observa, inteligência e estupidez são constantes da humanidade.

Em breve ninguém ousará opor-se a uma determinada opinião por causa da conformidade de género e da pressão cultural do espírito do tempo.

Por que se fala tanto de Apropriação Cultural e não se fala de Apropriação Económica através da importação (apropriação) de especialistas, mão de obra, de culturas diferentes e de monopólios de exploração mineral, matérias primas, agrícola, etc.? Assim se engana e manipula o povo e os povos com temas que distraem do problema padrão que é a economia exploradora do homem e da natureza e que, ontem como hoje, provoca o luxo de uns através da apropriação dos bens dos outros! Hipocrisia das hipocrisias, tudo é hipocrisia!

O grande escândalo é a profanação do humano e a “sacralização” das economias fortes em relação às pequenas.

As elites encontram-se em processo de banalização e perdem o critério ao levarem a sociedade a viver em estado de luta e a ocupar-se com extremismos que não deixam espaço para uma consciência privada; deste modo o povo vagueia, desespera e perde a inocência!   A vida acontece entre os polos e não nos extremos polares; os extremismos só fomentam a luta e apagam as perspectivas de esperança num dia de amanhã!

António CD Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=8475

 

(1) O marxismo baseia-se em um entendimento materialista do desenvolvimento da sociedade, tendo como ponto de partida as atividades económicas necessárias para satisfazer as necessidades materiais da sociedade humana. No setor da política, o objetivo principal das teorias marxistas é promover a queda total do capitalismo por meio de um Estado socialista forte e opressor contra a burguesia.

(2) Ursula Renz: „Was denn bitte ist kulturelle Identität? Eine Orientierung in Zeiten des Populismus“, Schwabe Verlag Basel, 2019

 

SOCIALISMO E CAPITALISMO RESULTANTES DE DIFERENTES ÉTICAS – A CATÓLICA E A PROTESTANTE

Atualidade da matriz católica e da matriz protestante

A ideia leva à acção como garantia de desenvolvimento (1).

No atual conflito internacional (ocidente-oriente), penso assistirmos, numa determinada perspectiva europeia, à continuação do debate entre a matriz social/antropológica de cunho católico e a matriz social/antropológica de cunho protestante. Estes são como que os dois polos de uma mesma realidade no processo de desenvolvimento social e individual. Se por um lado no catolicismo se destaca o movimento centrípeto (a comunidade) no protestantismo e na sociedade anglo-saxónica acentua-se o movimento individual centrífugo em relação à comunidade.

A sociedade e a natureza deixam-nos livres, mas também presos; nelas se constata que a autonomia só é possível no relacionamento. Daí a emancipação ter de ser vista num relacionamento processual de maturação recíproca e como processo de complementaridade inclusiva.  Antropológica e sociologicamente tem como sujeito comum o humano em tensão entre comunidade e indivíduo, tradição e inovação, entre terra e céu (Que seria da árvore sem a terra que a sustenta? A negação de uma significaria o fim das duas!). Assim uma sociedade saudável terá de integrar o fenómeno da individuação (autonomia) e da socialização (comunidade) como processo de desenvolvimento recíproco. A sociedade ocidental tem-se desenvolvido mais no sentido da individuação (afirmação do ego) mas tem desprezado o seu aspecto comunitário (afirmação do nós)  e deste modo em crise devido ao processo de autodestruição porque afirma o “movimento de rotação” sem contemplar o “movimento de translação” que incorpora aquele numa constelação ou sistema comunitário e sem isso conduz a uma desconstrucção tornada inerente ao sistema.

Uma emancipação Voluntária (2) acontecerá entre a emancipação familiar/social/individual e a emancipação legal/institucional e não numa conexão de subjugação de uma em relação à outra. Se observamos o sistema solar poderemos identificar os diversos planetas, mas todos eles recebem a consistência do Sol (a Terra sem o Sol seria impensável). A verdadeira emancipação (autonomia individual) não pode esquecer a sua natureza relacional, a necessidade de um habitat cultural (Deus, “Pátria” e Família) doutro modo transforma-se em meteorito, fora de órbitra, que se autodestrói devido à inércia e à resistência do espaço-tempo ou acaba num buraco negro que tudo sorve!

De momento vivemos numa sociedade precocemente envelhecida sem consciência do equilíbrio necessário das várias forças condutoras que lhe dariam vitalidade e sustentabilidade. A emancipação terá de ser entendida como processo individual e colectivo sem que um se oponha ao outro. O relacionamento recíproco entre o indivíduo e o grupo acontece num processo de autolibertação e desenvolvimento quer do indivíduo quer da comunidade numa cumplicidade solidária de dar e receber! O processo de autoafirmação em oposição à comunidade só poderá ser compreendido como fase adolescente numa conjuntura especial de individuação, mas não como atitude sã e equilibrada permanente (a tensão interpolar é o factor de desenvolvimento em intercâmbio).  Como exemplo dos extremos de individuação e de colectivismo temos o capitalismo e o socialismo, a sociedade ocidental e a sociedade islâmica. Enquanto a sociedade islâmica se apropria da singularidade individual subjugando-a à comunidade (aquisição de valor pela funcionalidade), a sociedade ocidental destrói as ligações à comunidade de maneira à pessoa se tornar num indivíduo sem características que o definam (e na consequência caminha-se para a anonimidade da pessoa como um abstrato funcional pragmático sem capacidade de autorresponsabilidade); na deficiência do caracter da comunidade ocidental afirmar-se-á o islamismo de maneira avassaladora na europa para ocupar este défice europeu e por outro lado o islão é aproveitado pelo globalismo mundial por atribuir à pessoa apenas um caracter funcional, o que o que facilita o estabelecimento de uma plutocracia mundial.

Um individualismo despersonalizado e demasiado acentuado afirma-se à custa  leva da comunidade favorecendo a criação de uma pequena elite mundial de déspotas iluminados que ditem normas e condutas de vida para as pessoas já descaracterizadas e regiões também elas sem caracter próprio e anonimizadas.

Passo a referir-me às diferenças éticas (católica e protestante) para melhor se entender os diferentes ideários entre os povos nórdicos e os povos do sul da Europa e a luta a decorrer entre o polo ocidental e o polo oriental. Muitas vezes combatemo-nos esquecendo que somos irmãos gémeos e de quem somos filhos. Diferentes teologias deram origem a diferentes éticas (salvaguardem-se muitas interpretações e expressões diferentes).

Em geral, a ética protestante baseia-se na crença no trabalho árduo, na economia e na necessidade de se submeter à vontade de Deus (aqui está certamente um dos factores que levou os países protestantes a tornarem-se mais ricos). Se a ética protestante acentua a consciência individual baseada na Bíblia (o indivíduo), a Igreja católica baseada nos ensinamentos da Igreja Católica acentua a autoridade transmitida através da igreja (a comunidade) e das tradições. A ética protestante enfatiza a justificação só pela fé (aspecto individual) e a ética católica além da fé acentua também a importância das boas obras e da cooperação com a graça (aspecto comunitário). Se para o protestantismo o importante é o relacionamento pessoal com Deus (distinção individual) a ética católica afirma especialmente a importância da graça e dos sacramentos (timbre comunitário) e não esquece a relação pessoal directa com Deus na mística e a nível moral a consciência individual como juiz soberano. Também no que respeita às virtudes há acentuações diferentes; se a ética protestante acentua a importância de virtudes como diligência, economia e responsabilidade pessoal, a ética católica enfatiza a importância de virtudes como misericórdia, caridade e solidariedade. De resto, a ética protestante tem uma forte incidência no trabalho e acentua a responsabilidade pessoal pelo sucesso na vida, a ética católica acentua o amor e a misericórdia para com os outros e a importância da comunidade e de defender os fracos (justiça social). Neste sentido a ética católica frisa a importância de virtudes como humildade, paciência, modéstia, bravura e justiça e convida os fiéis a viver e expressar essas virtudes nas suas ações diárias; exorta os fiéis a expressar a sua fé por meio das suas acções e a usar a razão no que toca a tomar decisões morais!

Também a cultura europeia não deveria tornar-se propriedade nem presa fácil de sistemas alheios a ela nem de mundivisões internas de esquerda ou de direita. Os dois polos para continuarem a ser integrais europeus ou globais terão de respeitar-se como partes integrantes do todo: o combate recíproco serve a autodestruição e a absorção por forças alheias mais fortes. O partidarismo aferrado e não tático apressa a derrocada da cultura europeia. Embora a opinião pública se deixe mover por posições extremas seria de pressupor nas elites dirigentes critério suficiente para não se deixarem cair na mesma dinâmica.

A divisão da ética cristã abrangente em dois polos opostos estilhaça a unidade e a perfeição cristã e com ela a alma cultural da Europa. Temos de nos encontrar para voltar a reencontrar a Europa e as suas fontes e nela o mundo. O cristianismo não ideologizado continua a ser a oferta integradora de indivíduos e sociedades numa relação fraterna de povos, religiões e culturas. Comunidade e individualidade são as rodas de um mesmo eixo que proporcionam o desenvolvimento humano e histórico.

A matriz católica e a matriz protestante expressam uma certa atualidade nos motivos da guerra a decorrer na Ucrânia onde se debate o sistema individualista anglo-saxónico com o sistema comunitarista oriental. O modelo anglo-saxónico (egocêntrico) encontra-se em decadência tal como o modelo da Idade Média se encontrava no surgir do Renascimento.

Devemos encontrar um meio-termo que abarque os dois polos para que os dois sistemas (um excessivamente individualista e outro excessivamente comunitário) se combinem de forma complementar num caminhar comum e numa só direção esperançosa (usamos o pé esquerdo e o pé direito, para avançarmos).

Neste sentido, a guerra na Ucrânia entre o Pólo Ocidental e o Pólo Leste é um grande desfasamento da história e apenas manifesta a estupidez, a arrogância e a falta de consciência das elites para com uma cultura que deveria começar por reconciliar-se a si mesma na Europa (de Lisboa aos Urais ) para assim se se possibilitar a reconciliação no mundo!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) (renascimento cultural dos séculos XIV, XV e XVI valoriza o humanismo, o racionalismo e a antiguidade greco-romana de maneira a preparar a passagem da Idade Média para a Idade Moderna de 1453 Conquista de Constantinopla a 1789 Revolução Francesa). Se na idade Média a terra (feudalismo) era o centro da riqueza e da produção (senhorios feudais) com a idade moderna inicia-se a economia do mercado (mercantilismo e capital) a ser o indivíduo o centro delas (poder centrado nos reis secundados pela nobreza e clero e no Estado). A época em que vivemos é também ela charneira e de consequências imprevisíveis tal como o tempo da mudança iniciado no século XVI (na passagem da Idade Média para a Idade Moderna).

(2) Emancipação como Princípio impulsionador da Idade Moderna   https://www.amazon.de/Ant%25C3%25B3nio-da-Cunha-Duarte-Justo/e/B076KYVPVH%3Fref=dbs_a_mng_rwt_scns_share

 

BOAS FESTAS ALELUIA! ALELUIA! ALEGRIA-PAZ E BEM!

A Cruz Sinal do Universo e da Salvação une os Extremos e resolve-os

“Boas festas, aleluia! Aleluia! Cristo ressuscitou, aleluia!”, costumam saudar-se os cristãos uns aos outros no Domingo de Páscoa. Nesta atmosfera saúdo cristãos e não cristãos também!

A tristeza e a alegria andam juntas e complementam-se. O paleontólogo e teólogo Teilhard de Chardin convida-nos à reflexão constatando que, tal como no cristianismo das origens,  “A cruz não é apenas um símbolo do lado obscuro e regressivo…, mas sobretudo do lado sublime e luminoso do universo em formação”.

De facto, a cruz une os polos, as forças opostas e as contradições contidas nela congregam e libertam as mais altas potencialidades e possibilidades da e para a vida.  Na cruz está resumida a cruz da humanidade e a cruz da realidade (do mundo físico). De facto, poderíamos considerar a cruz como a grande fórmula da Realidade imanente e transcendente no cadinho da vida em efervescência. Segundo Alfons Rosenberg não se trata de imitar a cruz, mas de se “tornar a cruz”. Na cruz o encontro da polaridade refuta a visão dualista da vida (maniqueísmo) de nos fixarmos no bem ou no mal. Na cruz e na pessoa de Jesus Cristo podemos ver juntas as polaridades do mundo e da humanidade numa dinâmica semelhante ao símbolo de Yin-Yang do oriente. Na existência fazemos a experiência de que muito dela é cruzada ou riscada com a consequente experiência do fracasso, mas ao mesmo tempo lá está o eixo vertical a apontar para a transcendência. Espiritualidade e corporalidade precisam de equilíbrio. A linha transcendental da vida cruza a linha horizontal da mesma para que nossa existência seja correta e equilibradamente elevada. A nossa forma humana revela-nos como sendo portadores da estrutura da cruz. Em termos de simbologia, o eixo transversal da cruz mostra a conexão com a terra e com o corpo acentuando o eixo feminino (vida existencial, irmandade solidariedade), o aspecto biológico da vida, enquanto a acentuação do vertical, o eixo masculino (vida abstraída) acentua a verticalidade. A demasiada acentuação de um ou outro eixo (ou de um dos quatro braços) pode criar desequilíbrios críticos na vida humana. Assim a demasiada acentuação do eixo vertical pode corresponder a uma análoga dessensualização do pensamento e pode conduzir à falta de relacionamento na área humana (Jesus é o exemplo ou protótipo humano do equilíbrio das diferentes forças). Na sociedade humana corre-se o perigo de se acentuar demasiadamente o factor racional/abstracto em desfavor de o humano. Alfons Rosenberg (judeu convertido ao catolicismo) na sua meditação da cruz, ao descrever o significado da acentuação dos quatro braços dela, diz que a cruz latina, ao contrário de outras cruzes, acentua o masculino-patriarcal através do eixo vertical prolongado. Revela uma certa discrepância entre o aspecto místico da cruz e o aspecto da igreja institucionalizada. Importante é estar-se consciente da dinâmica e tensão criada na acentuação de um dos braços na existência real e na vida pessoal.

A cruz de braços estendidos envia o fluxo de vida para o mundo numa espécie de ciclo vital que tudo envolve incluindo o fluxo de vida dos seres humanos.

A cruz une o espírito e a matéria, o humano e a natureza tal como Jesus Cristo reúne e une nele a divindade, a humanidade, o espírito e a matéria.

Romano Guardini (1885-1968) grande teólogo e filósofo diz que o sinal da cruz “É o sinal do universo e é o sinal da salvação”. De facto, no cristianismo dos princípios, a cruz representava o “sinal do filho do homem „ que aparecerá nas nuvens do céu para a renovação do mundo. A fixação do significado da cruz na cruz da gólgota (Cristo crucificado), tão importante na piedade popular, não deve ser reduzido a tal e deixar esquecida a extensão cósmica da cruz que tem um significado que envolve toda a natureza  (até a física quântica). Neste sentido é de recordar a teologia do “Cristo Cósmico” de Teilhard de Chardin!

 Fazer o sinal da cruz (persignar-se e benzer)  é um gesto importantíssimo da fé e muito efectivo, se for realizado com interioridade (presença vivencial de Deus, da humanidade e do universo), para ser-se abençoado e abençoar; abençoar o próximo, animais e a natureza com o sinal da cruz é um gesto salutar para o próprio e para os outros (pode ser efectuado de forma reservada!) Naturalmente, como sinal do universo pode ser usado por cristãos e não cristãos!  

O sinal da cruz expressa resumidamente a fé cristã no Deus Triúno e é símbolo de salvação por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Fazer o sinal da cruz não é apenas um gesto externo, mas expressa uma atitude interior do coração. É uma expressão de humildade e vontade de carregar e seguir a cruz de Jesus Cristo. Nesse sentido, o sinal da cruz é um símbolo de devoção e confiança em Deus.

Na cruz temos a perspectiva de Deus, do humano e do mundo; nela está consagrada também a corporalidade do homem e de todas as coisas.

Também o orar de braços abertos afirma a corporalidade aberta em cruz que poderíamos sentir como ressonância de Deus e do universo em nós e de nós em Deus e no universo. Como disse são gestos que podem também ser feitos por pessoas não cristãs e ao fazê-lo sentirão o aspecto benéfico no espírito e no corpo. Para quem nunca o fez pode experimentar fazê-lo, por exemplo, ao pôr do sol, ao levantar do sol, numa noite de céu estrelado, junto ao mar ou ao ouvir uma música envolvente que passa a habitar em nós.  Importante será criar em nós um espaço recolhido para entrar numa atitude de admiração, apreço e respeito e ao mesmo tempo fazer o exercício de inspirar o amor que tudo une e expirar-se algo que nos fere ou preocupa. Nesse inspirar e expirar pode ser que se tenha a dita de se sentir interiormente a morte e ressurreição (uma espécie de osmose espiritual entre o divino e o humano provocadora de uma vivência da unidade do todo que envolve a paixão e a ressurreição num aleluia exuberante que poderia até expressar-se como orgasmo da alma).

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

 

MINISTÉRIO DA PAZ COM IGUAL ORÇAMENTO AO DO MINISTÉRIO DA DEFESA

Desarmamento em vez de Redução da Assistência social

O velho apelo de se “fazer a paz sem armas” foi substituído por “fazer a paz com armas”: uma contradição que apoia os que não querem a paz, mas a guerra para poderem expandir o seu poder. Os dominadores dos povos passam assim a distribuir o negócio sangrento entre eles.  Para terem sucesso servem-se da propaganda pela entrega de armas e pela militarização de nossa sociedade. O armamento mata mesmo sem guerra e cria pobreza porque o dinheiro que vai para o armamento falta noutro lugar do orçamento.

Hoje seria perigoso politicamente fazer a proposta de “em vez de armas plantar-se árvores” resolvendo-se dessa maneira o problema ecológico e da guerra! A injustiça deve ser combatida, sendo para isso preciso ver-se as suas raízes e as suas causas. As armas são o problema de ambos os lados.  Não há solução, mas os lobistas das armas também não têm solução, apenas lucro!

Nota-se a falta de resistência não violenta contra a injustiça e contra a ânsia imperial pelo poder.

Temos sido levados por um caminho egoísta e precipitado no sentido de uma militarização perigosa (Também militarização da emocionalidade social). Raiz do mal: 2% do produto interno bruto ao ano para fins militares e 100 bilhões de bens especiais para os militares (note-se o eufemismo germânico propagandístico da designação usada “bens especiais” para iludir o cérebro humano; imagine-se que se empregava a palavra exacta que seria “despesa”!).

Qual será a razão por que os cidadãos e os contribuintes não têm direito a um Ministério da Paz paralelo ao Ministério da Defesa (com orçamento estatal igual ao militar)? Assim teríamos um estado mais justo e democrático que contemplava um orçamento em defesa do povo e outro em defesa dos interesses institucionais que se encontram nas mãos de elites. Precisamos de iniciativas comprometidas com a paz com projetos concretos. À pergunta: “Putin pode ser parado sem armas?” poderia seguir-se a contra pergunta: “Putin pode ser parado com armas”? Não se nota interesse em iniciativas tendentes em sair da espiral da violência. Quanto sangue do povo deve fluir, até que se procure uma solução através de conversações?

A rotina impede-nos de criar iniciativas dignas e propícias a uma nova era mais desenvolvida e virada para a paz e centrada no bem-comum, no bem da pessoa e do povo e não na sustentabilidade da sua exploração pelos mais fortes, com a desculpa que só a concorrência poderá produzir progresso; uma nova era preocupada com o desenvolvimento integral humano pressuporia um novo ideário e uma nova estratégia: o esforço que os Estados empregam para apoiar os serviços mais fortes teria de ser invertido no sentido da colaboração e não na mera concorrência. As leis da evolução (afirmação do mais forte e a união dos mais fracos para garantir a evolução) continuariam a ter validade embora com a acentuação dos serviços da coesão e da solidariedade dos mais fracos como doutrina de Estado. O ideal da democracia deveria consistir em transferir para o povo a força e o poder dos privilegiados dos sistemas até hoje vigentes.

O vigor dos fortes, dos poucos, beneficia (e abusa) da contribuição dos muitos. Um ministério de paz poderia seguir nas pegadas das tarefas idealistas da religião.

A democracia deve buscar alternativas para se defender não apenas com armas como tem sido próprio da filosofia do mais forte prevalecente ao longo da História.

Em 2015, mais de um milhão de refugiados de guerra da Síria, Iraque, Somália e Eritreia chegaram à Alemanha. Entre o final de fevereiro de 2022 e 28 de março de 2023, 1.058.218 refugiados da Ucrânia foram registrados no Registro Central de Estrangeiros alemão. A Alemanha mostra-se pródiga, mas pratica discriminação no trato baseado na origem dos refugiados. Atendendo à diferenciação na dedicação e trato, os africanos não são tão importantes emocionalmente para os europeus como os refugiados de guerra da Ucrânia. A guerra civil na Ucrânia antes de 24 de fevereiro de 2022 já havia tirado a vida a 17.000 pessoas. Pelos vistos também a emoção e empenho das pessoas dependem não da gravidade factual, mas da maneira como é apresentada nos meios de comunicação social. Em África têm sido mortos milhões de pessoas devido a intrigas dependentes de interesses americanos, europeus, muçulmanos e russos e apesar disso, a sensibilidade moral pública mantem-se indiferente relativamente às barbaridades políticas e económicas praticadas em países africanos.

Armas não são a resposta do povo, armas são sim a resposta dos poderosos; estes não morrem na guerra e vivem bem da guerra! Hoje a guerra ainda é mais injusta que nos tempos antigos porque nestes também morriam poderosos!

Quando passará a guerra a ser um assunto do passado? Certamente quando o homem for mais Homem e quando os governantes deixarem de viver do seu negócio com o povo e de serem premiados pela violência que usam.

Lamentamos o facto de Jesus ter sido morto por causa de sua ideia de amor a Deus, ao próximo e ao inimigo (O amor aos inimigos seria uma forma de reconhecer a nossa cumplicidade na hostilidade!) mas paradoxalmente continuamos a apoiar os Pilatos, os Herodes e os Judas Iscariotes da história actual.

A majestade dos poderosos mancha a terra e humilha os simples!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

O Papel dos Media na Cultura do Erro

A Mundivisão relativista possibilita um Progresso Tipo Roda de Hamster

Erros acontecem porque é próprio do humano errar seja na esfera privada, pública ou política. O problemático da questão situa-se, porém, no facto de os erros públicos (políticos) serem negociáveis mais que resolvidos e assim a vida passar a assumir um caracter meramente funcional porque reduzida à resolução de problemas!  Isto favorece uma situação social estratificada dos que estão em baixo a olhar para os de cima, diminuindo assim os pré-requisitos para uma melhor forma de lidar com os erros. Se partíssemos do princípio que somos todos falíveis a política seria menos arrogante, falsa e inflexível! Para isso não poderíamos prescindir da atraccão dos valores do bom, do belo e do verdadeiro, que foi o modelo cultural da nossa civilização ocidental e que representavam valores absolutos que a sociedade procurava. Atualmente o mundo ocidental encontra-se numa época de crise ao procurar afirmar no próprio modelo o relativismo moral e cultural em função do útil! Neste entremeio de mundivisões contraditórias torna-se difícil também para as elites governantes e acólitos tentar fazer valer para o povo o relativismo absoluto e reservar para elas uma espécie de verdade absoluta (direito a orientar com validade para as cúpulas e a correspondente exigência aos subordinados (circunscrita ao povo) de aceitarem viver no erro embora legitimado pelo relativismo (1).

Esta incoerência relativista desenvolve o poder explosivo político e promove a legítima desconfiança popular! O equívoco encontra-se no novo modelo conceitual, mas do qual as camadas dominantes vivem parasitariamente porque o relativismo apresentado e espalhado como mundivisão para o povo desqualifica o próprio povo que reduzido a utente ou consumidor de serviços perde qualquer legitimação para se opor às classes governantes a não ser através de uma revolução constante vinda das bases mas que na consequência para evitar tal  leva as elites a unirem-se entre elas, processo já atualmente em via, de maneira a tornarem-se cada vez mais despóticas como é o caso do modelo chinês ou cada vez mais oligárquicas, como já vai sendo o modelo anglo-saxónico (a ser apressado na Europa a pretexto da guerra na Ucrânia).

Atendendo à atual situação do Ocidente, até que se gere uma nova matriz político-económico-social, haverá que partir do erro como estado original normal e tentar protelar a cura especializando-nos não na cura do erro, mas na forma como o tratar! O relativismo não permite uma outra abordagem e a situação desesperada em que nos encontramos pode ser verificada na forma aflitiva como a mundivisão do poder relativista se afirma contra a Igreja Católica que continua a defender o modelo anterior na procura da verdade considerando o bem, o belo e a verdade na qualidade de bens absolutos já realizados no protótipo Jesus Cristo. Também a desconstrução do monoteísmo faz parte do âmago do relativismo que procura impor o politeísmo olímpico com os deuses das sensualidades humanas legitimadoras das lutas do direito dos mais fortes numa espécie de Olimpo das elites que se servem e riem dos humanos que vivem debaixo das nuvens na esperança de uma aberta que permita algum raio do sol cínico de algum deus!

Nesta situação deficitária, para se entrar num processo social de melhoria contínua será de pressupor a capacidade de lidar com o erro de maneira construtiva e positiva. Ao lidarmos com o erro de maneira positiva prestamos um serviço importante ao mecanismo social. Pressuposto será que tanto as esferas superiores como as inferiores reconheçam a realidade do erro.  Ao reconhecer-se que erramos estamos honestamente a assumir responsabilidade analisando as causas do erro e a dar os próximos passos para corrigi-lo (Não é fácil sair da roda de hamster!).

Muitos de nós e relevantemente os media não querem aprender com o erro porque não há interesse em analisá-lo ou em propor formas diferentes de o tratar;  chegam mesmo a usá-lo como algo fatal e também ele fazendo parte do negócio que dá oportunidade ao bom viver das elites e seus acomodados (Também nos Media do sistema é válido o princípio muçulmano: a mentira é boa desde que sirva o sistema; o sistema é sempre generoso para com os seus delegados e para com a administração)! Mais que interessados na mudança e no desenvolvimento do sistema vai-se vivendo, comodamente, dele, com os erros que possibilitam progresso aparente (o progresso da Roda de Hamster) que não o desenvolvimento! Neste sistema e para o qual, a nível geopolítico de momento, não há alternativa mais se necessitaria de um jornalismo crítico e responsável que analise e avalie os serviços prestados num processo de contínua aprendizagem se bem que limitada.   Também a indiferença e a apatia que se observa a nível popular é de basear na ordem relativista utilitária fomentadora de impotência e não numa estupidez natural advogada pelos beneficiados do sistema.

Lidar com o erro pode ser desafiador, mas ao adoptar uma abordagem construtiva, podemos usar o erro como uma oportunidade para aprender e melhorar nossos serviços, tornando-os mais eficazes e benéficos a uma sociedade do bom, do belo e do verdadeiro e, numa fase intermédia, talvez se consiga construir em termos mais humanos e criativos um novo modelo cultural para a nossa civilização ocidental e assim conseguir-se sair do actual modelo relativista resumido na roda de Hamster! A mundivisão relativista possibilita um progresso tipo Roda de Hamster, um andar, de forma convencionada, no tapete do erro.

O facto de o humano se encontrar em diferentes biótopos geográficos, culturais e naturais não quer isto dizer que a sua diversidade exterior seja suficiente para se negar que as diferenças externas têm a sua consistência num só Sol.

A alternativa à afirmação egoísta da nova ordem relativista que favorece o oportunismo dos mais fortes seria a elaboração lenta, mas determinada de uma nova matriz social na base da inclusão dos polos.  A matriz do futuro, o modelo de uma nova ordem social, terá que ter como fundamento antropológico e cultural uma relação equilibrada entre os dois princípios vitais que penetram toda a natureza e toda a humanidade: a masculinidade e a feminilidade. Os dois princípios universais a actuar na natureza, no homem, na mulher e na sociedade terão de entrar numa relação de osmose complementar e abdicar da luta mútua pela superioridade de modo a substituí-la por uma relação de troca,  passando a ser uma troca entre iguais, muito embora com a possibilidade de sublimar energias negativas numa espécie de jogo, sem que este tenha de ser olímpico, como quereriam os seus deuses!

Entretanto, quem não dança fica sentado no banco a chupar o dedo!

António CD Justo

© Pegadas do Tempo

(1) A tese central do relativismo afirma que as crenças e descrenças não são verdadeiras ou falsas num sentido absoluto, mas apenas em relação a certas instâncias, como visões de mundo, culturas, religiões, formas de conhecimento, etc. O relativismo ético assume que diferentes culturas também têm diferentes valores morais (deveres). A posição oposta do universalismo representa a convicção de que os mesmos valores morais devem aplicar-se a todas as culturas. Segundo o relativismo ético, não há juízos morais objetivamente verdadeiros ou objetivamente justificáveis. Em vez disso, a verdade ou a justificação dos juízos morais é sempre relativa a padrões, que são bastante diferentes e podem variar de cultura para cultura. É uma escola filosófica de pensamento que vê a verdade das declarações, exigências e princípios como sempre dependentes de outra coisa e nega verdades absolutas

Ao contrário, para Platão o verdadeiro, o belo e o bom, representam valores absolutos!