O PAPA CAMINHA EM TERRENO MINAD
Viagem do Papa à Palestina deixa vestígios de paz
António Justo
Ainda antes de Bento XVI iniciar a viagem à região da Palestina já a imprensa problematizava tal intento. Uma viagem que honra israelitas e palestinianos ao mesmo tempo torna-se incómoda para grupos que apostam numa política de trincheiras. Como cristão, o Papa sabe porém que a verdade nunca está só dum lado.
É sintomático que uma pessoa que só usa da palavra em função da paz se encontre em tanto perigo. Israel disponibilizou cerca de 80.000 polícias e pessoal de segurança para proteger o hóspede.
O governo de Israel intitula o papa de “ amigo autentico de Israel e do povo judeu”. O Rabino de Jerusalém disse: ”O caso Williamson já não é ponto de discórdia. O facto de se ter chegado a isso não foi intencional, mas uma questão de falta de managemment no Vaticano”, afirmando também que as relações entre judeus e católicos eram boas e cordiais.
O calvário, não é alheio ao papa. No seu caminhar entre Deus e a política, tropeça de crise em crise. A cruz que traz tem dois mil anos de carga histórica, a carga duma instituição global com seus problemas. Os ventos contrários actuais obrigam-no a caminhar na defensiva em actos de reparação em mesquitas ou com declarações explicativas de interpretações tendenciosas das suas palavras. Porque é humilde, procurando seguir o Mestre, todo o lixo da estrada lhe é atirado. Os Kommenis, esses são compreendidos, explicados e aceites!… Um mundo atrevido e presumido que vive bem de mal-entendidos não aceita que Bento XVI ponha o dedo nas feridas da vida, que fale dos pontos fortes e fracos das religiões como foi no caso de Ratisbona. Não lhe dão uma chance, só lhe põem pedras no caminho: o discurso de Ratisbona levanta a aversão de muçulmanos e seus aliados contra ele, a questão propagandista dos preservativos falsifica o seu pensamento, o levantamento bem-intencionado da excomunhão a quatro bispos, um deles negador do holocausto é usada para questionar a sua amizade para com os judeus. Tudo questões acidentais mas que encobrem o essencial e enchem os bolsos dos que vivem de especulações tendenciosas. Um papa intelectual não habituado ao cálculo político, que, com humildade popular, não procura a simpatia das pessoas, que coloca as questões prementes da actualidade na ordem do dia, vê-se obrigado a fazer de bombeiro, e a apagar incêndios na sua via estreita entre o relativismo e o fundamentalismo.
Bento XVI embora diga o mesmo que dizia João Paulo II, não é beneficiado pelo seu carisma reservado e humilde. A publicidade fixa-se apenas em aparência e em superficialidades e num simplismo redutor depois ampliado em letras gordas dos jornais e da TV. O Papa não se preocupa apenas com o contexto mas com o texto. No texto o papa dirige-se não só às maiorias mas também às minorias, o que torna mais difícil uma leitura séria.
Parlamento Europeu o Cemitério dos Elefantes?
O Papa é um cartaz o que leva muitos a quererem perfilar-se à custa dele. Também partidos do Parlamento europeu se agarram a pretensas afirmações sobre anticonceptivos para embrulharem a sua propaganda e promoverem nos Media a própria imagem. Certos ideologias sabem que ao tocarem o sino do ressentimento contra o Papa dão satisfação aos seus votantes motivando-os a alinhar-se nas suas fileiras. Isto deu-se também agora no parlamento europeu que procurou interpretar mal as palavras do papa que ao ser questionado, antes da viagem a África sobre o uso de preservativos, diz:”Eu diria, o problema Sida não se pode resolver apenas com slogans de propaganda. Se falta a alma, se os africanos não se ajudarem a si mesmos, este flagelo não pode ser eliminado com a distribuição de preservativos: pelo contrário, corre-se o risco de aumentar o problema”. Estas palavras proferidas em 2009 foram suficientes para fracções do parlamento europeu (liberais e outros) requererem uma moção parlamentar para condenar as palavras do papa e para o colocar ao lado de criminosos de guerra no Relatório dos Direitos Humanos do ano 2008. Por aqui se vê o oportunismo político e o desejo ideológico partidário de se aprumar neste ano de eleições. “Com palavras e bolos se enganam os tolos” diz a sabedoria popular. A moção parlamentar foi rejeitada com 253 votos contra, 199 a favor e 61 abstenções. Aqui se nota a política como a arte de deturpar. E o Zé-povinho engole tudo como se tratasse de comida sadia. Come o que lhe dão depois de mastigado!
Depois não querem ouvir, a queixa da província ou ideológica de que “o parlamento europeu é um cemitério dos elefantes”! Verdade é que, por vezes se empenha demasiado na difusão de redes de ideologias e insuficientemente na solução de problemas reais de povos reais.
É triste constantar-se tanto ressentimento, apresentado na bandeja pública, baseado geralmente em preconceitos ou em supostas posições sempre reduzidas e deturpadas do seu conteúdo. Ao observarmos este Papa tem-se a impressão dum cordeiro entre lobos. É atacado pelo que diz e atacado pelo que não diz, ou pelo que outros quereriam que dissesse. Uma sociedade que tão maltrata os símbolos dos seus valores parece seguir um impulso de autodestruição.
Naturalmente que a igreja e todas as instituições são formadas de pessoas carentes passíveis de crítica mas também de mútuo respeito. Toda a instituição tem os seus cadáveres na cave! Que a Igreja seja tão atacada e difamada é duvidoso, atendendo que as suas organizações são as que mais apoios caritativos no mundo fazem e quando há tanto mal real no mundo que poderia beneficiar do bem que os críticos poderiam, além de desejar, fazer. O ataque à Igreja parece tornar-se num substituto da crítica ao próprio egoísmo e às instituições cuja subsistência depende da guerra e do mal contra o próximo. A má consciência faz falar!
Naturalmente que o papa não é só pessoa, é também símbolo e plano de projecções alheias, o que leva o mundo a reagir com hipersensibilidade sobre tudo o que ele diz, faz ou deixa de fazer. Cada gesto, cada visita, cada palavra ganha uma dimensão política. Por isso qualquer terreno que pise se encontra minado pela ideologia e hostilidade de uns para com os outros. Da discussão sai naturalmente a luz! O problema está para aqueles que não podem ler as entrelinhas ou não têm tempo para ir às fontes da informação, tornando-se vítimas do que ouvem ou lêem. As palavras podem provocar verdadeiros incêndios e devastar florestas virgens.
Diálogo não pode ser uma estrada de sentido único
Em Amman na Jordânia, o Papa apelou para uma reflexão sobre as raízes e valores comuns das religiões e defendeu-as dos ataques da crítica radical dizendo: “nós religiosos somos solidários”. E continuou: “os críticos não se contentam só em levar a voz da religião ao silêncio, mas querem também colocar a sua voz no lugar dela”.
O diálogo religioso não se pode comparar com um diálogo político. O diálogo entre partidos trata de ajustamento de interesses e de aspectos culturais. O diálogo religioso e o compromisso dão-se ao nível cultural mas não no característico religioso das convicções religiosas. Aqui cada um deve procurar entender o outro. O diálogo realiza-se, como diz o papa, ao nível das “consequências culturais”. Alguns queriam ouvir um papa falar dum Deus à la carte e por isso chamam-no de conservador! Quanto à concepção de Deus, cada cultura tem a sua.
Cada cultura ou civilização é fruto da sua concepção implícita ou explícita de Deus. O cristão é livre de adorar a Deus com imagens ou sem elas. Cada um entra numa relação com o Todo, com Deus, à sua medida, sabendo que Deus transcende todas as medidas. Esta liberdade é típica cristã, porque o seu Deus é incarnado e como tal deixando-se venerar através de analogias ou protótipos. O mesmo não é permitido no judaísmo e no islão, que não permite imagens. No cristianismo o Homem é imagem de Deus e da realidade possibilitando assim um contínuo esforço de compatibilização de imagem e modelo, uma discussão entre religioso e profano.
A própria palavra traz atrás dela sempre uma sombra!… O problema do diálogo não está nas religiões nem nos ateus. O problema não está nas diferentes concepções mas na afirmação dumas à custa das outras, na culpabilização do outro pelos problemas do mundo e pelas inimizades entre os grupos; em desconfiança mútua, cada um atira as próprias minas para o campo adversário, sem notar que o faz numa atitude instintiva de auto – afirmação. O diálogo pressupõe fidelidade a si mesmo e à própria fé mas sim em diálogo com os outros e na abertura de integrar em si o que anda por fora e de se descobrir fora também.
Uns e outro reconhecem Deus como “razão criadora”. O problema é a ideologia alvorada como custódia à frente da cabeça. Se o Homem não governa o mundo com a razão então regê-lo-á a religião, a emoção seja ela religiosa ou laica.
António da Cunha Duarte Justo