LUTA EM VEZ DE LUTO

A32 degrada Oliveira, Branca, Albergaria e Águeda

António Justo
A Vila da Branca encontra-se de luto. A sua riqueza de paisagem impar seria destruída, para sempre, pelo traçado da auto-estrada A32. A destruição paisagística, ecológica e patrimonial estende-se como uma nuvem negra ao longo dum trajecto completamente irracional.

Das janelas dos prédios ao longo do IC2, que atravessa a Branca, meneiam, ao vento, longas faixas de tecido preto, numa atitude de resignação amarga perante poderes e interesses que sopram de longe.

A Associação do Ambiente e Património da Branca (“Auranca”) esgota-se num activismo de conversações com políticos e autarcas locais também eles impotentes perante a prepotência do poder político de Lisboa e os seus parceiros económicos.

De facto, perante os ouvidos moucos e a cegueira dum poder político centralista, encerrado em Lisboa, que, longe das populações, decide contra a razão, contra a natureza, contra o ambiente e contra o povo, a população da Vila da Branca, tal como outras populações vizinhas, parece resignada, sofrendo em silêncio, perante aberrações económicas, sociais, paisagísticas que o novo troço de auto-estrada vem irremediavelmente causar, ao passar pelo monte de S. Julião sem respeito nem consciência pela natureza e pelo humano.

Ditaduras e despotismo só são possíveis através do medo. Quem, antecipadamente, põe luto dá o sinal de desistência! O medo perante poderes anónimos veiculados pelo centralismo megalomaníaco lisboeta, alheio ao resto de Portugal e penalizador dum Norte trabalhador só poderá ser superado por uma acção conjunta de todos perante o poder central e a AE. De facto, povo, junta de freguesia, câmara municipal são contra o projecto. Não há ninguém contra ninguém. Apenas o próprio respeito, o respeito duns para com os outros e a responsabilidade pelas gerações futura obriga todos a agir. Não nos encontramos em tempos de falsos medos nem da lisonja a que Sócrates nos quer obrigar! O inimigo está em Lisboa e nos seus acólitos!

O prémio da lisonja tem o preço da própria honra e do futuro. Se todos seguirem o caminho de Diógenes, com certeza que a A23 não será construída como planeado e reverterá ao serviço do interior, em especial de Vale de Cambra, Arouca e outras populações.

Certo dia, Diógenes encontrava-se sentado na soleira duma porta a comer um pobre prato de lentilhas. Um ministro do imperador, vendo a pobreza daquele sábio, dirigiu-se a ele e disse-lhe: “Diógenes, a tua situação é lamentável! Se aprendesses a ser um pouco submisso ao imperador e a lisonjeá-lo não terias de comer só lentilhas!” Então, Diógenes deixou de comer, levantou a cara, fixou o nobre interlocutor e respondeu: “ Lamentável é para ti, irmão. Se aprendesses a comer um pouco de lentilhas não terias de ser tão submisso e de lisonjear continuamente o imperador.”

A via do respeito próprio e da dignidade transcende as próprias necessidades e uma auto-estima vaidosa.

O preço da negação própria e o futuro da Branca e vilas circunvizinhas é demasiado alto para nos fecharmos no lamento e no luto. Mãos à obra! Todos unidos conseguiremos o melhor para todos. Para não continuarmos submersos no nevoeiro da lamentação e do luto, a palavra de ordem será: Luta em vez de luto!…
António da Cunha Duarte Justo
Habitante da Branca
a.c.justo@unitybox.de

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AMAR É DIVINIZAR

AMAR É DIVINIZAR
António Justo
A. e A. escolheram para lema da sua união a frase de Dostojewski: “Amar uma pessoa significa vê-la como Deus a quis ver”.

Neste sentido quero meditar um pouco convosco sobre tão belo lema!

A união matrimonial consciente é uma bênção, um passo grande na realização do amor e na sua aprendizagem. Cada um se reconhece como processo, consciente de ser incompleto, projecto inacabado em contínua realização. Parabéns! No exercício do amor consciente exercitareis a própria transcendência.

O amor acenou-vos e vós aqui estais para lhe dar resposta. Ele faz-se sentir como a brisa fresca a passar em tarde de Verão. Na vossa presença e no brilho de vossos rostos sente-se o enlevo do seu ciciar. No amor renasceis juntos para em cada um de vós descobrirdes o Eu e o Outro na realização do nós.

A união matrimonial não é absorvente, ela pressupõe o espaço do próprio horizonte entre vós. (Die eheliche Verbindung ist nicht vereinnahmend, sie setzt einen Raum des Horizontes zwischen beiden voraus). A saudade da vida acenou-vos, para no amor vos tornardes vós, vos tornardes a vida. A vida do amor compreensivo abre perspectivas mesmo para aquilo que poderia tornar-se desilusão. O conhecimento adquirido no amor torna-se salvador tendo como consequência a entrega à medida de Cristo. Na união, o homem ajuda a mulher na realização da encarnação – ressurreição e a mulher ajuda o homem através da comunidade a realizar a encarnação – ressurreição. Então, a relação realiza-se não só na necessidade biológica mas também na realização existencial. O ser humano pressupõe o outro (ein Gegenüber) para se realizar. A dualidade, através do amor, desagua na trindade, na transcendência. Naturalmente, o espírito desenvolve-se da consciência dos contrastes entrando então num processo dinâmico frutífero. No outro vislumbramos também o que em nós se encontra subtérreo.

Deus é comunhão, por isso criou a pessoa como homem e mulher; os dois juntos formam a sua imagem plural e una. Na descoberta da mulher o homem descobre-se outro, na descoberta do homem a mulher descobre-se outra. Esse outro é tudo o que parece estar fora de nós mas que nos forma e gera para uma nova realidade. O eu é sempre incompleto, atendendo à sua conexão processual no “eu sou tu, tu és eu”. Do reconhecimento do Tu no Eu surge a dimensão trialógica (trinitária) do nós. Cada um torna-se ele mesmo na entrega ao outro. Nesta vivência não surgirá a tentação estática de mudar o outro. O amor vos mudará. Doutro modo, as cadeias do desejo prolongarão o sofrimento, dado o desejo provir da dor.
Como é belo receber da mão do outro o pão que se precisa. Homem e mulher encontram no outro, a outra parte respectiva de si mesmo. (Mann und Frau finden im anderen die jeweils andere Seite von sich selbst: das eigene Selbst) O homem encontra na mulher o outro (das andere, das Gegenüber) de si mesmo, e a mulher encontra no homem o outro de si mesma. Assim se recriam, começando assim a antecipar o futuro. No tu está a perspectiva do acto criador, que implica a exuberância de si mesmo que transborda e se comunica. Na entrega mútua se reconhece a vida como parceria, como ser com, numa relação dinâmica de pergunta – resposta. Aqui se prova a relação trinitária onde não há ordem superior nem inferior, independentemente dos próprios papéis.

Ao reconhecer o outro, eu reconheço também que sou mais do que eu mesmo e dou-me conta da profundidade do mistério da vida. Sem o outro estamos sós neste mundo. E não há maior solidão do que a de viver só na companhia de alguém. Sem uma relação autêntica com o outro estamos sós neste mundo. A vida só é possível em parceria, em relação. A relação é que é a vida! Cada um de nós encontra-se no outro. A tenção do feminino com o masculino, e vice-versa, são o pressuposto para o caminho da unidade interior. Assim descobrimos o estranho como parte essencial do eu.

A relação perfeita não se limita ao eu e ao tu: Ela precisa dum terceiro na companhia, que é o nós, o espírito, o amor, tal como na relação do Pai com o Filho surge o Espírito. Tal como na Trindade: o amor do Pai revela-se no filho gerando-o e o filho reconhece o pai amando-o, sendo o Espírito o fruto daquelas relações amorosas, o nós. A realização do Eu está no Tu e do Tu no nós. Nesta dimensão o Eu e o Tu encontram-se numa relação de salvação mútua e universal. No Tu está a componente salvadora do Eu e a vocação universal de salvação, tal como a vivemos no nosso protótipo Jesus Cristo.

A chama acordada no primeiro momento do amor, aponta para a perspectiva duma realidade aberta manifestando nele a realidade divina no que tem de mistério e possibilidade. Já Paulo dizia: “Aos olhos de Deus, nem a mulher se compreende sem o homem, nem o homem sem a mulher!” (1 Cor 11,11).

O matrimónio é uma forma ideal de antecipação do processo da união do natural com o espiritual, tal como é vivida na relação trinitária. Na entrega mútua de um ao outro dá-se a concepção e realização de cada um, já não apenas como um eu ou como um tu mas também como um nós. A relação e a contínua descoberta do tu conduz à dimensão do nós.
Também na união sexual se torna mais visível a realidade do sacramento da nossa união com Deus. Aí se antecipa já o carinho e a ternura divina. Na união se inicia a realidade do sacramento eucarístico. Aí começa já o futuro.

A aprendizagem e o exercício paciente do amor implicarão finalmente uma relação já não só de diálogo mas de triálogo. Então se compreenderá melhor a expressão de Agostinho quando diz: “Ama e faz o que quiseres” (Augustinus sagte: Liebe und mache was du willst).

António da Cunha Duarte Justo
Stadtkirche Bad Wildungen
22.08.2008

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PAPA EM ANGOLA

UMA GRANDE NAÇÃO EM CONSTRUÇÃO
António Justo
A visita do Papa a Angola levou a imprensa mundial a pôr em foco este país de grande porvir.
Angola é já o maior produtor de petróleo da África, sendo as suas reservas maiores do que as do Kuwait.

No tempo de Salazar dizia-se que as riquezas de Angola são incomensuráveis. Afirmava-se que quando Deus criou o mundo, não sabendo que fazer ao resto o deixou em Angola.

Apesar da tragédia da descolonização irresponsável dos marxistas do 25 de Abril, que trouxe muito sofrimento para o povo angolano e para os portugueses lá residentes, pouco a pouco, Angola vai-se afirmando e vai ganhando peso a nível internacional.

Eduardo dos Santos, membro da MPLA governa o país desde há trinta anos. O governo é que toca a música da nação. As pegadas da guerra civil ainda se encontram visíveis por todo o lado nos rebeldes. Felizmente os representantes, os de cima, reconciliaram-se.

A maioria dos angolanos, porém, vive na pobreza, com falta de trabalho. A reconciliação do povo está ainda por fazer.

Luanda teve um crescimento de 25% num ano. O aluguer das casas, em Luanda, é um dos mais caros do mundo.

Uma nação tão rica estaria vocacionada a tornar-se o eixo da África. Para isso o Governo teria de evitar o erro da política das nações ocidentais que levaram o povo a abandonar o interior, provocando a sua desertificação para o concentrarem em grandes metrópoles de vida artificial onde a marginalidade pulula. Angola precisa de grandes investimentos nas infra-estruturas. Em política de imigração estaria bem aconselhada se seguisse o exemplo do Luxemburgo, favorecendo a imigração de portugueses. Este é um povo que se identifica com os autóctones e depois da primeira geração já se encontra integrada, ao contrário doutras etnias.

O privilegiar a imigração de portugueses e de brasileiros tornar-se-ia uma medida altamente inteligente sócio-economicamente. (Cfr. O milagre da socialização brasileira em Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala”).

Uma outra medida benéfica para a estabilização social e nacional seria o fomento do cristianismo, como religião universalista e aberta também ao secularismo ela é garante de prosperidade e identidade nacional plural. Por todo o lado se revela como factor de progresso e de integração nacional das diferentes etnias, sem o perigo de apostar na hegemonia religiosa. O cristianismo revelou-se como a Mundivisão que leva ao progresso dado apostar na pessoa e não se encerrar em formas de vida arcaicas. Os governantes a sul do deserto do Saará, mesmo por meros interesses nacionais, deviam estar mais atentos a este fenómeno.

A Visita do Papa a Angola
Um povo paciente e bom acorreu, de todas as partes, para estar com o Papa. O povo e os pobres estiveram no centro do acontecimento e das preocupações da Igreja. Na recepção do pontífice, o governo manifestou-se à altura apresentando Angola como nação responsável.

Alguma imprensa internacional, sempre ávida na crítica ao Papa, lamentou o facto de ele não ter puxado as orelhas aos governantes. Esta, geralmente com má consciência ou desinteresse em relação a África e à Igreja apostou demasiado no moralismo ideológico querendo reduzir o problema africano à sexualidade. Certa informação internacional foi manipuladora tencionando conotar o Papa com extremismos a ele alheios. De facto ele mesmo já disse há anos atrás que a questão do preservativo é secundária e que “ mais importante é o processo de educação séria das pessoas”. É índice de má-intenção querer reduzir ou ligar a acção da Igreja à opinião contra contraceptivos. De facto é perverso menosprezar o empenho da igreja católica quando ela, se dedica tanto ao tratamento dos doentes com SIDA, estando ela com eles e entre eles, enquanto que os ideólogos só falam deles. De facto 27% das instituições no mundo que cuidam de doentes de SIDA são da Igreja. Os governos têm 8% de instituições, as ONG 18%, e a ONU tem 44%.

O Pe. Feytor Pinto, Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde, põe o dedo na chaga ao afirmar que “não é apenas através dos métodos de ponta final que se evita o contágio. Antes do preservativo há outros. Falta educação para a sexualidade, que é tão importante e continuamos sem a fazer. Falta abordar a redução de parceiros de risco, a diminuição drástica do número de parceiros, a monogamia… Quando as pessoas têm uma vida sexual correctamente assumida, não é usar o preservativo que é errado, mas sim ter comportamentos errados num sexo anárquico”.

Não chega, como querem progressistas da superficialidade, apostar apenas no momentâneo, num homem proletário sem história nem rasto. É importante estar com eles e não contentar-se apenas em ridicularizar os profetas enxovalhando os seus valores.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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PAPA BENTO XVI EM ÁFRICA

O que o Papa verdadeiramente disse sobre o preservativo
António Justo
Um jornalismo ávido do escândalo conseguiu, torcer e retorcer as palavras do Papa para assim activar o espírito de indignação duma opinião pública ao sabor dos letreiros dúbios dos jornais.

Assim a mentira (1) dum jornalista entrevistador do Papa, ainda ele não tinha pisado terras africanas, conseguiu desviar as atenções da imprensa mundial. Como se o problema da África fosse a sexualidade, uma imprensa mais interessada no preconceito do que nos verdadeiros problemas de África pôde produzir muito ruído sem ter de se empenhar nem confrontar com a realidade do povo, a realidade que interessa ao pontífice. A imprensa internacional, à caça de sensacionalismos pouco ligou ao povo e à mensagem do Papa. Procurou, através de sensacionalismos fomentar a sua quota de venda ou de espectadores. Por outro lado, o oportunismo político e ideológico de Zapateiro de Espanha manifesta-se no envio dum contentor de preservativos. A arrogância europeia está mais uma vez documentada no gesto espanhol. Vivemos cada vez mais num estado de infantilismo democrático. Os Africanos são desta maneira ridicularizados e instrumentalizados ideologicamente em vez de serem ajudados de facto. Segundo investigações científicas da ONU a simples distribuição de preservativos, sem mais, piora o problema do S.I.D.A. porque diminui as cautelas a ter. O problema do S.I.D.A. não se resolve com preservativos nem com proibições! Da precocidade sexual e da poligamia ninguém fala.

Parece tornar-se normalidade um jornalismo de função parasitária cada vez mais interessado em desviar as atenções do essencial.

Entre cinismo e ingenuidade desconstrói-se, a pretexto de informação. As catástrofes da realidade não são entendidas nem decifradas, só interessam num sentido voyeurista ou numa descrição da realidade como se tratasse de visitas a teatro. Naturalmente que também há jornalismo sério, mas este exige mais tempo de observação.

A Igreja vê a questão dos preservativos no conjunto da educação sexual como uma questão apenas complementar. Pelo contrário ideologias proletárias que pouco mais têm que sexo para oferecer conseguem ganhar perfil e até ter razão na superficialidade reduzindo um povo a instinto.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

(1) Texto completo da entrevista ao Papa Bento XVI: Repórter: “Santo Padre, um dos maiores flagelos de África é o problema da epidemia de S.I.D.A.. A posição da Igreja Católica na luta contra este mal tem sido frequentemente considerada irrealista e ineficaz.”
Bento XVI respondeu: “Eu diria o contrário. Estou convencido de que a presença mais efectiva na frente de batalha contra o HIV/S.I.D.A. são, precisamente, a Igreja Católica e as suas instituições. Penso por exemplo na Comunidade de Santo Egídio, que tanto faz e tão
visivelmente na luta contra o S.I.D.A; ou nas Camilianas, só para mencionar algumas das freiras que estão ao serviço dos doentes. Penso que este problema, a S.I.D.A., não pode ser vencido com slogans de propaganda. Se falta a alma, se os Africanos não se entreajudarem, o flagelo não pode ser resolvido com a distribuição do preservativo; pelo contrário, arriscamo-nos a piorar a situação. A solução só pode advir de um compromisso duplo: primeiro, na humanização da sexualidade ou, por outras palavras, num renovamento espiritual e humano que traga consigo uma nova forma de proceder uns para com os outros. E em segundo lugar, num amor autêntico para com os que sofrem, numa prontidão – mesmo à custa de sacrifício pessoal – para estar presente junto dos que padecem. São estes os factores que podem trazer o progresso, real e visível. Assim, eu diria que o nosso esforço deve ser o de renovar a pessoa humana por dentro, o de lhe dar força espiritual e humana para uma forma de comportamento justa para com o seu corpo e o corpo do outro; e ainda o de ajudá-la a ser capaz de sofrer com os que sofrem e de estar presente nas situações difíceis. Acredito que é esta a primeira resposta ao problema da S.I.D.A., que é esta a resposta da Igreja e que, deste modo, a sua contribuição é uma grande contribuição. E estamos gratos a todos os que assim contribuem.”

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Mulher Defraudada na sua Honra e Dignidade Social e Eclesiástica

Libertação ou Emancipação?
António Justo
Emancipação continua um problema não resolvido na época moderna. A história da mulher é, em muitas culturas e subculturas, enquadrada num ambiente de culpa e vergonha.

Nos últimos 150 anos tem havido, epidermicamente, a preocupação de se criar mais justiça no trato da mulher. A nova sociedade do trabalho precisava de mão-de-obra para satisfazer as suas necessidades. A mulher foi mobilizada também adquirindo assim, para lá da família, um lugar na sociedade. A emancipação da mulher tem-se processado numa forma de servir o trabalho.

A sociedade industrial capitalista e socialista equaciona o ser humano em termos de trabalho e de dinheiro, sem outros horizontes mitigantes possíveis.

Nesta sociedade de concorrência, também a mulher se vê obrigada a equacionar o seu sentido, a sua emancipação, em termos de trabalho, em perspectivas meramente funcionais. Assim também ela luta por um lugar, uma função na sociedade

Relegada, na grande maioria para trabalhos considerados “inferiores” sente que a feminidade é explorada pelo virilismo. Magoada no âmago do seu ser opõe-se a ser reduzida à função de servir e por isso luta pela igualdade de oportunidades.

No princípio “Deus criou o Homem como homem e mulher”, à sua “imagem e semelhança”. O ser do homem e do seu estar social ultrapassa a masculinidade e a feminidade. Encontrando-se embora mulher e homem numa relação polar não é legítimo reduzir a mulher a um papel social sexual ou laboral à medida duma forma de Estado criado à imagem do homem. Deus criou-os diferentes mas iguais; iguais também no serviço mútuo do matrimónio. A mulher não é só mulher nem o homem é só homem, os dois juntos são a imagem de Deus.

O seu ser pessoal, não suporta a redução a mero indivíduo em interdependência. Seria machismo reduzir a emancipação da mulher apenas a uma igualdade funcional de direitos. Um e outro têm a mesma dignidade humana sem qualquer prioridade de um sobre o outro, pelo que não pode haver reservados limitadores da acção feminina: também a exclusão da ordenação sacerdotal para mulheres não pode ser legitimada com pretextos do sexo, ou pretextos culturais, já que estes são premissas provenientes da sociedade masculina, premissas dum Estado regido pela masculinidade. Estados e religiões roubam algo à igualdade da mulher, defraudando-a na sua dignidade humana. A equivalência de homem e mulher na dignidade é estrutural não podendo esta ser reduzida a uma igualdade meramente funcional deduzida do carácter sexual, duma forma de estar do Homem. Daí que também a Igreja Católica se encontra a nível prático em contradição com a sua própria doutrina ao considerar a mulher apenas sob o carácter funcional ao não lhe permitir o acesso à ordem sacerdotal.

Na polaridade própria do ser terreno não se podem reduzir a vocação do Homem (Mulher e Homem) a uma profissão como se os dois tivessem apenas uma relação funcional.

Não seria hoje, uma das tarefas da mulher, o momento de repetir o gesto de Eva, chamando o homem à atenção de olhar para cima, para a árvore da liberdade? Acordar, de novo o companheiro para a vida. Se na cena bíblica a mulher o acordou da animalidade para a racionalidade, hoje ela terá de o acordar do seu viver em segunda mão, da sua cama da cultura, não permitindo que ele continue a ser cuco a pôr ovos em ninho alheio!

Emancipação não se reduz apenas ao querer participar na competição organizada pelo homem; nesse caso seria um mal-entendido da libertação.. Emancipação começaria por questionar a corrida e pretender investigar para onde vai a corrida. Doutro modo a mulher apenas fortalecerá o sistema masculino, um sistema de corrida em que todos ficam pelo caminho, estafados, sem saberem para onde corriam. Não chega fazer do caminho sentido. Isso é masculino. O especificamente feminino será preocupar-se com o produto, com o processo na perspectiva final do parto!…

A emancipação implica um processo de libertação das estruturas da violência, que se torne libertação também para o homem e libertação dos ídolos masculinos.

A emancipação pressupõe uma revisão da vida humana sob a perspectiva do olhar fecundo da mulher não interessada apenas numa satisfação ocasional sempre repetida, mas numa correcção de perspectiva de futuro, o que implicaria uma rectificação dos valores. Valores femininos, de que se sente a falta no modelo de sociedade em prática.

O homem parece continuamente precipitado na correria ao orgasmo, na realização do herói, do conquistador, numa correria de destruição, duma ventania que passa, num instinto de morte a fugir a si mesma. Enquanto o homem se esgota no acto, a mulher repousa na acção com a força da paciência da vida que na sua gestação, acção criadora, implica a paciência da gravidez que se realiza no viver. Naturalmente que a ventania masculina também é importante, mas, sem a persistência, sem a continuidade feminina, só realiza conquistas, devastações, utopias de embalar para não sentir o contínuo morrer. Se o homem traz nele o tanatos (a morte), a mulher traz nela a vida; um e outro são inseparáveis. Trata-se da união dos dois, na vivência consciente da tensão polar entre os dois na realização dum terceiro ser: o nós. O homem precisa de adquirir a paciência para sentir a vida a realizar-se nele e não se contentar com o sentimento da vida a passar. Uma actividade feminina mais presente unida a uma virilidade mais paciente poderiam parir um outro tipo de sociedade em que a humanidade, a complacência estivessem em casa.

Num primeiro momento a feminidade educaria a masculinidade conduzindo a sociedade para um novo caminho. Então a massa morta do povo passaria a levedar um novo estar, um novo ser. Não se trata do amolecimento do masculino, ou de se criar um homem maricas decadente, nem uma mulher macho, um virago. Trata-se de conseguir a união da privacidade íntima com o público representativo. O mundo tecnológico e partidário seriam mitigados por uma maior presença duma cultura de arte, literatura e ideias, passando da ortodoxia de que se apoderou o homem para uma ortopraxia. Não é suficiente que o homem continue a instrumentalizar o feminino, servindo-se do erótico da mulher para melhor expressar e transportar a sua masculinidade na cultura e sociedade.

Não se avistam modelos concretos de sociedade que tenham respeito pela feminidade e menos ainda que a integrem. Capitalismo, Comunismo, Socialismo materialista são os melhores exemplos duma cultura tipicamente masculina. Só uma mudança de valores, que não a de valores masculinos em voga, que são o resultado e o objectivo duma ordem masculina unilateral, garantirá libertação do homem e da mulher, em conjunto. A masculinidade foi separada da feminidade tal como a sociedade do trabalho separou a família da sociedade, em detrimento da sociabilidade e da privacidade.

O empreendimento duma sociedade humana implica esforços em todas as direcções: da filosofia para que esta dê mais relevo ao método indutivo, da religião para que esta dê mais relevo à feminidade divina, da economia para que esta dê mais relevo ao carácter humano e duma política menos partidária e mais solidária que reflicta o espírito das disciplinas anteriores. Isto pressupõe o projecto duma mulher autêntica e do homem autêntico, ambos em processo aberto, sem se deixarem instrumentalizar e funcionalizar.

Trata-se de ultrapassar o mesmo espírito que deu forma às sociedades dos escravos, dos senhores e à actual sociedade do trabalho para passarmos a uma infra-estrutura, baseada no Homem feminino e masculino, geradora duma sociedade humana. Passar duma sociedade dos serviços para uma sociedade do humano, duma sociedade que não se esgote no acto sexual mas se delicie também na gestação!… Uma sociedade já não do homem, mas do Homem, uma sociedade grávida de humanidade sem lugar para poleiros baseada na mística do galo e da galinha. A diferença é uma constante na natureza que apela à solidariedade. O que determina a essência ontológico do homem é a mulher e o que determina a essência ontológico da mulher é o homem, doutro modo seríamos reduzidos, uns e outros à esterilidade.

Já fomos, demasiado tempo, conquistadores e heróis, talvez se aproxime o tempo em que possamos ser todos peregrinos. Então Adão reconciliar-se-á com Eva deixando de se afirmar pela coacção e de viver do salário barato da obediência e da subjugação.

Que vale a descrença, que vale o cepticismo se se desfaz numa outra fé? Então seria mais oportuno voltar à fé primeira numa ortopraxia.Então será óbvia a libertação e não a emancipação. Aquela constrói, enquanto que esta é a táctica de domínio do homem: divide para reinar!…

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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